Jorge Terra

15 de abril de 2024

E se o SUS fosse igual ao SINAPIR ?

O racismo já foi considerado apenas como fruto de uma visão particular do mundo e das pessoas. Assim sendo, os atos racistas seriam comportamentos individuais dissociados dos entendimentos compartilhados por coletividades e por gerações.

Com o tempo, passou-se a compreender esse fenômeno como resultado das dinâmicas sociais nas quais nos envolvemos desde a nossa socialização. Dessa forma, os atos racistas estariam ligados ao círculo comprovadamente vicioso : desvalorização de determinados grupos, discriminação desses grupos, geração de desigualdades e associação dessas pessoas a características negativas.

Então, se empregando expressões como racismo institucional ou racismo estrutural, há a compreensão de que esse fenômeno não seria fruto de uma visão particular de vida, qual seria o primeiro passo para o necessário enfrentamento?

Parece lógico que, se o racismo é institucional ou estrutural, o enfrentamento também deve ser. Em síntese, se o ataque é sistemático ou sistêmico, a proteção e a defesa também devem ser.

No Brasil, contudo, transcorridos pouco mais de treze anos da criação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), houve a adesão de pouco mais de 2% dos 5.570 municípios brasileiros. Esse quadro, a ser enfrentado pelos atuais gestores do Ministério da Igualdade Racial, merece a atenção dos movimentos negros e da sociedade brasileira em geral.

Tal como ocorre com o cumprimento da obrigação de ensinar as histórias e as culturas africanas, afrobrasileiras e indígenas nas escolas privadas e públicas da rede básica, a adesão e a participação geram vantagens para os municípios e para a sociedade em geral. Basta se compreender que o racismo gera efeitos antidemocráticos, antieconômicos e contrários ao desenvolvimento. Em outras palavras, basta perceber que a influência do racismo gera falta de retorno adequado aos investimentos na educação e na saúde, condenações ao pagamento de indenizações por atos discriminatórios, altas taxas de desemprego, desgaste institucional dos órgãos de segurança e de empresas, ineficácia de políticas de turismo, evasão escolar, baixa performance escolar, falhas nos sistemas de busca e manutenção de talentos das empresas privadas, vinculação de marcas empresariais a práticas discriminatórias, injustiças nos sistemas de educação, segurança e de justiça, etc.

O parcial rol de fatos listados acima é capaz de mostrar as vantagens de os Estados e Municípios aderirem e, mais do que isso, participarem do SINAPIR. Também servem para que governos tenham atenção ao que devem firmar em seus acordos de resultados e o que empresas podem fazer para que tenham sustentabilidade e até maiores ganhos institucionais e financeiros.

Espera-se, portanto, que o Ministério da Igualdade Racial execute modo de aceleração do número de adesões pontuando as vantagens institucionais, sociais e econômicas para o público-alvo, ou seja, para Estados e Municípios. Isso porque não é possível implementar políticas sem pensar em intersetorialidade e em intergovernabilidade.

Se, durante a pandemia de covid-19, o Sistema Único de Saúde (SUS) fosse integrado por aproximadamente 2% dos municípios brasileiros, é possível inferir que eu ou você não estaria escrevendo ou lendo esse artigo nesse momento.

Jorge Terra

Diretor de Relações Institucionais do Instituto Acredite.

Porto Alegre, 19.03.2024

10 de abril de 2022

O Negro e a Lei Penal – vídeo

Em 09.10.2012, a Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul, em parceria com o Curso de Educação em Direitos Humanos da Faculdade de Educação da UFRGS, realizou o seminário “O Negro e a Lei Penal”.

Nessa ocasião, a abertura foi efetuada pelo Presidente da APERGS, Telmo Lemos Filho e pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Bombassaro da Faculdade de Educação da UFRGS. Contou-se com a conferência da Socióloga norteamericana Martha Huggins que tratou de dados relativos ao Brasil e aos Estados Unidos pertinentes às relações dos negros com a lei penal. Nesse primeiro momento, funcionaram como debatedores a Mestre em Educação Giancarla Brunetto (UFRGS) e o Assessor de Direitos Humanos da Brigada Militar, Tenente Coronel Franquilin. Seguiu-se painel que reuniu o Juiz Federal Roger Raupp Rios, o Advogado Antonio Carlos Côrtes e o Procurador do Estado Jorge Terra.

Além disso, o evento contou com as presenças de representantes dos Movimentos Sociais, Servidores Públicos, Militares, Professores, Estudantes, Operadores do Direito e demais pessoas. atingindo-se o número previsto de inscrições(205 inscrições).

Em decorrência dos limites impostos pelos sites em geral, houve necessidade de se partilhar o vídeo nas cinco partes que seguem abaixo:

parte 1  http://www.youtube.com/watch?v=BbynJui7Zf8

parte 2  http://www.youtube.com/watch?v=BbynJui7Zf8

parte 3  http://www.youtube.com/watch?v=jRGAIWu4Jo4

parte 4  http://www.youtube.com/watch?v=iDyRH45Xs4o

parte 5 http://www.youtube.com/watch?v=7kUR0VFCpWY

Jorge Terra

Diretor de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul (em 2012)

1 de julho de 2021

Como a diversidade sexual impacta nas instituições ? (vídeo)

A Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul realizou o evento “Como a diversidade sexual impacta nas instituições?” em 30 de junho de 2021. As pessoas convidadas, Márcia Medeiros de Farias, Adriana Souza e Enrico Rodrigues de Freitas, trouxeram técnica e vivência, o que agregou riqueza para um debate urgente e necessário.

Também participaram da atividade, Amanda Weidlich, Lourenço Floriani e Jorge Terra, que integram a Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos da PGE/RS.

O evento pode ser acessado pelo seguinte link:

Jorge Terra,

Coordenador da Comissão Permanente de Defesa de Direitos Humanos da PGE/RS

21 de maio de 2021

39 mais 40 igual a zero: a estranha frase jurídico-matemática

Anuncia-se a realização da III Conferência Nacional de Igualdade Racial (III CONAPIR) em Novembro de 2.013.

Essa é a ocasião ideal para se enfrentar tardias questões referentes aos artigos 39 e 40 da Lei número 12.288/2010, o Estatuto da Igualdade Racial, que pende de regulamentação. Daí decorre o título desse breve texto.

Acredito que caminho a ser fortemente trilhado, em paralelo com a adoção de cotas relativas aos cargos e empregos públicos, é o do estímulo à responsabilidade social corporativa voltada ao campo da equidade racial. Aliás, penso ser a empresa capaz de mais oferecer vagas no mercado de trabalho e de tornar permanente e natural a inserção do negro em searas de maior poder econômico e social.

Essas ofertas, pelo menos no início, estarão ligadas ao interesse de agregar à marca uma imagem de efetivadora de direitos e de respeitadora da diversidade. Mais adiante, espera-se, perceber-se-á que instituições diversificadas são mais competitivas e mais aptas a se adaptar e a enfrentar adversidades.

O fato é que, enquanto não ocorrer a regulamentação do Estatuto, que prevê incentivos fiscais para as empresas que por convicção de seus dirigentes, por interesse mercadológico ou por identificação de oportunidade auxiliem no enfrentamento do racismo no mercado de trabalho, haveremos de constatar diferenciações e dados entristecedores.

Assim está disposto na Lei:

Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1o A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2o As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.

§ 3o O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

    (…)

Percebe-se que é indispensável estabelecer o que se exigirá da empresa e o que se lhe oferecerá. Diante dessa indefinição, que já conta com cerca de 3 anos, não parece razoável apenas lamentar a inalteração do quadro e apenas voltar atenção para a situação no setor público.

De bom alvitre assinalar que o mesmo artigo desvela preocupação com iniciativa empreendedora e com questão de gênero nos parágrafos abaixo transcritos:

§ 4o As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.

§ 5o Será assegurado o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras.

§ 6o O poder público promoverá campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher negra no trabalho artístico e cultural.

 Sublinhe-se que igual finalidade tem a norma que se obtém da interpretação do artigo 41 que assim está redigido:

Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros.

   Outro artigo que traz-me preocupação é o 40 do mesmo diploma legal. Isso porque, transcorrido prazo mais do que razoável, não se tem notícia, a qual se deveria dar ampla divulgação, de efetivação da norma extraível do artigo já mencionado.

  Assim está entabulado no Estatuto:

Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.

   Importante referir que o Poder Público não é mero inibidor de violações de direitos; ele é indutor por meio de leis, de sistemas de controle e de estímulo, bem como por tomar iniciativas que levem à constituição de ambiente propício para a concretude dos direitos.

 Sabe-se que há projetos efetivamente transformadores, voltados ao mercado de trabalho e ao sistema de Justiça, tal como o Curso Acredite, que padecem pelo fato de não haver linhas de financiamento que os contemple, A situação seria outra se houvesse a maior participação das empresas nesse campo e se o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo do Trabalhador formulasse políticas e programas ou, ao menos, financiasse projetos e ações tendentes a modificar o atual teatro.

    No que concerne ao artigo 40 e sua aplicação, recomendável é a leitura da ata referente à apresentação do programa Brasil Afirmativo ao CODEFAT pelo Senhor Mário Lisboa Theodoro em nome da SEPPIR. Ousa-se dizer, após ler a ata da 117ª reunião ordinária do CODEFAT, que restou flagrante a dificuldade de se convencer o colegiado da cooperação que poderiam dar no processo civilizatório(acesse pelo link http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D3BAA1A77013BFC5A8A894C0B/Ata%20117%C2%AA%20RO-CODEFAT_25.10.2012.pdf).

   Em síntese, espera-se que, na Conferência e fora dela, haja sempre uma preocupação com o resultado, pois já há muito se ultrapassou a fase de se relatar casos e de se identificar problemas. A eficiência na gestão das questões raciais é uma meta que merece ser perseguida sob pena de se mal utilizar recursos públicos e privados sem mudar as realidades.

  Infelizmente, esse texto, escrito em 2013, ainda goza de atualidade e desse atributo gozará por muito mais tempo.

  Jorge Terra

 Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

 Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS

29 de abril de 2021

Água fria, água quente e água superquente.

Se a intenção é de se tomar um chá, a água fria pode não ser a adequada. Com a mesma intenção, pode não ser também a superquente, pois perde-se mais tempo até se alcançar determinada temperatura e depois se terá de esperar que ela diminua um pouco para se poder beber o chá. Além disso, o custo será maior do que o de se apagar o fogo ou de se desligar a chaleira elétrica quando a água já estiver quente.

No âmbito criminal, o racismo é tratado com água fria, ou seja, as leis aplicáveis e aplicadas são insuficientes, quase que ineficazes. E o são em descompasso com o que determina a Constituição e com os compromissos internacionais que o Brasil assumiu ao longo do tempo.

Já me deparei com frases como as seguintes: “Eu, como uma pessoa de esquerda, tenho dificuldade em aceitar a ideia de se agravar penas!” e “Eu, como um abolicionista penal, não concordo com o agravamento de penas!”.

A questão é que, ao meu sentir, deve-se partir de um mínimo de necessidade ou de suficiência. Em outras palavras, excesso há quando a medida tomada supera a que é suficiente para compelir à inocorrência de fato que se considera nocivo. Se há evidência de que o padrão mínimo não é atingido, não cabe se falar em excesso (em 2006 e em 2007, 69,9% das pessoas que responderam por crime de racismo foram absolvidas segundo o LAESER/UFRJ).

Diante dessas frases, vieram-me à mente algumas indagações: em se tratando de comportamento humano, é possível ter uma regra imutável? Podemos ter regras fixas e lineares ou devem elas ser adaptáveis ao caso concreto? E o objetivo republicano de diminuir desigualdades? Agravamento de pena em caso de crime contra o patrimônio é o mesmo do que agravamento no caso de racismo? Em se tratando de crime de racismo, qual é o pólo vulnerável? Há evidências de que o Direito Penal está contribuindo para a diminuição de uma prática que gera redução de oportunidades, danos psicológicos graves e diminuição do tempo de vida? Em seu aspecto objetivo os direitos fundamentais justificam a criminalização de condutas e isso não se aplica à questão racial? E a tão falada e aplicada proporcionalidade?

Bom destacar que uma das conclusões da Conferência de Durban foi a de que deveriam ser promovidas ações penais, sociais, econômicas e educacionais. E quando há evidências de que as medidas não estão sendo suficientes, é preciso repensar e agir. Daí a importância de serem realizadas avaliações (ex ante e ex post) de maneira técnica e de se considerar as evidências obtidas por meio de experimentos e por meio de observação.

Não é raro também se creditar ao processo educativo a responsabilidade quase que integral de resolver a questão. Outras perguntas me rondam: sabes exatamente o que é pensado e feito nas universidades, nas escolas privadas e públicas no que pertine às relações etnicorraciais? Com os ensinamentos que temos em casa, com os reforços das comunicações e da linguagem, com a ausência da estimuladora presença negra nos Ministérios e nos Secretariados e com hinos constantemente cantados nos quais se afirma que somente é escravo aquele que não tem virtude, quanto tempo seria necessário para haver mudança?

Assim como não serve a água fria, não nos serve a água superquente, ou seja, não basta creditar exclusivamente ao Direito Penal a responsabilidade pela mudança. Aliás, condutas são consideradas como crime quando outras falham ou se revelam insuficientes.

Há de se saber que se está tratando não com o homem econômico, ou seja, com aquela pessoa que realiza constantemente raciocínio de custo-benefício e move-se por impulsos racionais, estabelece julgamentos e toma decisões centrado exclusivamente na situação problema. A ciência comportamental já demonstrou que não somos assim: podemos não comprar um calçado para irmos trabalhar de forma adequada por o considerar caro e, na semana seguinte, comprar um tênis mais caro para um filho com o fim de ver o seu sorriso ou porque não tínhamos acesso a bens materiais mais caros quando éramos crianças ou adolescentes.

Então o que seria tido como a água na temperatura adequada?

Ao meu ver, seria não creditar toda responsabilidade a um domínio. Precisa-se agir no mercado de trabalho, na educação, no sistema de justiça, no sistema de segurança, na cultura, na saúde e na política. Há de se afastar o crime de injúria racial, pois injuriar é macular, é ofender. Quando se pratica o que se hoje considera injúria racial, pretende-se, por meio de expressões, valendo-se de um passado recente e de uma desigualdade presente, colocar pessoas em um patamar inferior de cidadania, comparando-as a animais ou a coisas. Além disso, há de se agravar as penas referentes às numerosas formas de racismo, considerando aqui também, as ofensas raciais, pois hoje a pena mínima de um ano conduz à suspensão condicional do processo e à sensação de impunidade. Além disso, há de se readequar textos e de se qualificar interpretações (candidatos a funções políticas não estão no exercício de sua peculiar liberdade quando comparam pessoas negras a bois ou dizem que elas não prestam), pois, conforme já constatou em pesquisa o LAESER, já houve período no qual as absolvições alcançaram o patamar de pouco mais do que 69% (nos casos nos quais o processo não foi suspenso por aplicação da lei 9099/95) . Por fim, há de se ter atenção à essa questão. Atenção essa que impeça que um grupo de juristas não apresente anteprojeto de lei referente ao futuro Código Penal no qual o texto não represente mera reprodução de textos existentes e ineficazes com a redução de pena de 1 a 3 anos e multa para de 1 a 3 anos. Essa atenção, aqui entendida como relevância que se dá a algo ou a alguém, deve ser em nível tal que impeça que o Senador proponente do projeto de lei decorrente do trabalho do citado grupo de juristas o apresente sem pena alguma. Sim, o projeto foi apresentado sem pena alguma referente ao crime de racismo (artigo 472 do projeto de lei).

escrito em 20 de novembro de 2019.

JORGE TERRA – 05.10.2019.

17 de março de 2021

Conversaremos no dia 25 de março de 2021

Filed under: Uncategorized — jorgeterra @ 9:20
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Estava cortando a grama de minha casa no intervalo do almoço. O sol estava bem forte.

Passei a pensar como seria se estivesse na condição de escravo, ou seja, trabalhando para outra pessoa ganhar, sem intervalo, sem remuneração e sem esperança.

Sabe-se que foram milhões de vidas levadas inteiramente sob essa condição e o que resultou disso? Aquele que trabalhou sob o sol e sob a chuva foi rotulado como inapto para o trabalho assalariado sendo substituído por povos de outros lugares. E hoje ainda percebe os piores salários, não alcança postos de liderança e tenta provar que são falsas as crenças e os estereótipos de que é preguiçoso e pouco capaz.

Somente no mercado de trabalho, são perceptíveis o triste legado da escravidão e da forma da abolição da escravatura? Será?

Há consumidores que são perseguidos por seguranças desde que entram nas lojas? Há consumidores para os quais os vendedores alertam que os produtos podem ser adquiridos em até 6 parcelas ? Há consumidores que entram e saem das lojas sem ser atendidos? Essas situações seriam resquícios do comércio transatlântico de escravizados, da longa escravização e da inocorrência de um processo de justiça de transição?

No dia 25.3, às 18h, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS, com as presenças do escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo, quer virtualmente se encontrar contigo no evento que será alusivo ao dia em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão e falar sobre suas recomendações para as instituições públicas e privadas em um esforço de mudança ainda pendente. É fundamental que pessoas antirracistas se engagem nesse processo obstinadamente.

VENHAM! Sem tua presença, nada será possível !

INSCRIÇÕES PELO SEGUINTE LINK:

https://www.sympla.com.br/homenagem-as-vitimas-do-comercio-transatlantico-de-escravizados-e-da-escravidao__1157809?fbclid=IwAR3bOPFLG3LA0Rqri5BYNUDZzrNwIQVYxLVk3NxEY4dY0JPlqOhycypXM_8

TRANSMISSÃO PELO CANAL DA OAB/RS NO YOUTUBE.

JORGE TERRA

PRESIDENTE DA COMISSÃO DA VERDADE SOBRE A ESCRAVIDÃO NEGRA DA OAB/RS

5 de março de 2021

O RACISMO INSTITUCIONAL NO COMBATE AO RACISMO

 

                                 O RACISMO INSTITUCIONAL NO COMBATE AO RACISMO

           O racismo pode ser combatido por meio de processos educacionais, por meio de ações afirmativas, por meio da aplicação de sanções, por meio de atos civilizados e civilizatórios vinculados aos exemplos pessoais ou institucionais, bem como pela constituição de estruturas voltadas ao trato dessa questão.

           É perceptível que, em solo pátrio, não estamos sendo eficazes no combate ao racismo, pois ele ainda é bem presente e, em certos momentos, afigura-se revigorado. Também não temos sido eficientes porque não utilizamos de forma sistêmica todos os meios dos quais dispomos.

           Nesse teatro, não é desarrazoado falar em um quadro de ineficiência e de ineficácia no combate ao racismo. Esse quadro está sustentado em dados atinentes à educação, ao mercado de trabalho, à inserção em espaços de poder, às condenações relativas aos crimes raciais e à segurança.

           Diante do que se tem visto, sem temer a pecha de ser considerado alarmista, pode-se consignar que se está vivenciando um cenário de racismo institucional no combate ao racismo.

            De bom alvitre destacar que se toma o racismo institucional como o desinteresse ou a desatenção com questão ou com necessidade que interessa a determinado grupo étnico ou racial, levando à ocorrência e à permanência da discriminação. Parte-se, por conseguinte, da superação da intencionalidade, tendo-se, como bem ensina Roger Raupp Rios1, como a gênese da discriminação a dinâmica social, o ambiente institucional e as organizações nas quais os indivíduos vivem. Sob essa ótica, o exame do preconceito e da discriminação racial não se calca no sentir e no agir individual, sobretudo em uma sociedade que não se admite racista e que ainda sustenta conformar uma democracia racial, mas nos padrões de conduta, nos posicionamentos e nas composições institucionais e nos resultados práticos para o grupo lesado.

           O racismo institucional é inimigo de mais difícil identificação, que necessita de assunção de compromissos institucionais e de afastamento de supostas e danosas neutralidades que são estigmatizadoras e impeditivas do avanço civilizatório.

           Nesse cenário, é tido como normal e não preocupante não se ter aplicado as normas extraíveis do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional embora seu texto originário date de 2.003 e sua alteração de 2.008. Segundo esse dispositivo legal, que tomo como a lei antirracista com maior possibilidade de gerar efeitos sociais concretos por atuar no campo da educação das crianças, as escolas públicas e privadas brasileiras, de ensino fundamental e médio, “em todas as disciplinas”, devem inserir as histórias e as culturas africana, afrobrasileira e indígena. Desconsiderando o caráter transformador da norma, pois ela visa à formação de uma sociedade baseada no conhecimento e não no preconceito, ultrapassando a questão educacional e configurando meio de prevenção e de combate às práticas racistas no corpo social, os Estados-membros e os Municípios não deram efetividade sistemática ao que determina a lei. A União, por sua vez, permite, ao não promover a alteração dos currículos das graduações, que profissionais saiam das Universidades sem o conhecimento necessário para ministrar disciplinas de forma adequada ao que determina a LDBEN. Falha, por conseguinte, do ponto de vista educacional, político e econômico, sobretudo porque, além disso, acaba repassando recursos com bem menor possibilidade de êxito, para que os já professores individualmente ou os demais entes federados em períodos de tempo inferiores ao da graduação, compareçam ou promovam eventos e cursos.

           Vê-se aí um importante meio de combate ao racismo, a educação, utilizado de forma ineficiente e gerando efeitos inferiores aos que legitimamente se poderia esperar.

            Outro meio de combate ao racismo seria a criação e o fortalecimento de estruturas governamentais de combate ao racismo. Todavia, temos como natural que, em um país com dimensões continentais, haja uma Secretaria sem estrutura de Ministério e com poucos recursos orçamentários e humanos para tratar da igualdade racial no Brasil. O mesmo se repete nos Estados e nos Municípios brasileiros, indicando não haver vontade férrea de combater as consequências para negros e não negros de uma longa escravização. Aliás, tal vontade estatal poderia e deveria ser externada na composição das equipes governamentais, mas não é raro vê-las compostas exclusiva ou quase que exclusivamente por não negros.

           Discute-se de maneira intensa quando ocorrem práticas individuais de racismo, a necessidade de tais atos serem considerados como crime de racismo e não como o de injúria racial, de serem mais severas as penas e de trabalharmos essa questão no campo da educação. E não é incomum o agente não se admitir racista, considerar hipócritas os cidadãos que o criticam e dizer ter amigos ou até parentes pretos ou pardos. No que interessa nesse breve texto, é bom destacar que não trabalhamos adequadamente a questão educacional previamente ou depois de fatos que comovem parte significativa da sociedade. E mais. Há estudos do respeitado Laboratório de Análises Econômicas, Histórias, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais dando conta de que quase 70% das pessoas que respondem por crimes raciais restam absolvidas. Creio que ainda se há de considerar que sendo os crimes de racismo e de injúria previstos com pena mínima de um ano, está o Ministério Público obrigado a ofertar a possibilidade de suspensão condicional do processo, o que ampliaria o número de pessoas supostamente praticantes de tais atos e sem recebimento de sanção.

           A questão é que, tendo-se a lei penal como um instrumento de combate ao racismo e vendo-a como incapaz de gerar os efeitos aguardados, sabe-se que está a tramitar no Congresso Nacional projeto de lei, sob o silêncio do chamado Movimento Negro, que reproduz o ineficaz texto legal, pois mescla o atual Código Penal com a Lei Federal 7.716/89. O mencionado projeto é fruto de uma comissão de notáveis convocada pelo Congresso. Sem se examinar competências e qualificações individuais, mister anotar que ou não se teve acesso ao estudo do LAESER, demonstrador da ineficácia legislativa, ou com ele se chegou à interpretação que, respeitosamente é forçoso dizer, não levará à transformação que a Constituição e os atos internacionais impõem à nossa Pátria. Dessa arte, a questão, divorciada dos dados, parece ter sido considerada de somenos importância diante das outras que deveriam ser tratadas na novel legislação. Aliás, apesar de no anteprojeto haver cominação (previsão) de pena (menor do que a atual, pois retirou-se a multa), o projeto de lei foi apresentado pelo Senador Sarney sem pena alguma para o crime de racismo.

           No que concerne às ações afirmativas, oportuno consignar que as cotas raciais no meio acadêmico nasceram nas próprias Universidades, não decorrendo, com efeito, de iniciativa governamental. Ainda no campo da ação afirmativa, impositivo asseverar que convivemos bem com o fato de o Estatuto da Igualdade Racial, que é um marco regulatório, ser descumprido. Restrinjo-me, aqui, a dois pontos relevantes: a não regulamentação do artigo 39 e a violação do artigo 40 do diploma mencionado acima. Foi constituída comissão para apresentar à SEPPIR/PR sugestão de regulamentação no ano de 2012. Desse grupo, embora o parágrafo terceiro do artigo supradito preveja a concessão de incentivos fiscais às entidades privadas que tenham programas, projetos e ações de igualdade racial no campo do trabalho, não constava nenhum membro do Ministério da Fazenda ou do Ministério do Planejamento. Como decorrência lógica, transcorrido prazo mais do que razoável, pois o Estatuto é de Julho de 2010, não há entidade privada que financie projetos de cunho eminente racial, salvo o Fundo Baobá, e somados os salários de homens brancos e mulheres brancas e somados os salários de homens negros e mulheres negras em seis regiões metropolitanas brasileiras, o segundo grupo de pessoas, com as mesmas qualificações e funções, percebe a metade do que percebe o primeiro como demonstra trimestralmente o LAESER.

          À toda evidência, desperdiçamos um forte meio transformador: a lei. Essa, no caso específico, estimularia o emprego de outro meio de igual valor: a responsabilidade social corporativa.

           Outro ponto do Estatuto que se quer aqui abordar é o descumprimento solene do que determina o artigo 40. Está o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo do Trabalhador obrigado a promover programas e ações, a financiar projetos e iniciativas pertinentes à igualdade racial no mercado de trabalho. Até o momento, nenhum centavo sequer foi endereçado ao que determina a lei e o que é pior, a leitura da ata da 117ª reunião ordinária do CODEFAT evidencia a intenção de não se dar efetividade à norma jurídica. O ápice é atingido quando o representante do BNDES sustenta que o Banco não tem a cor/raça como um critério para a concessão de financiamento. Ora, nada mais fez do que comprovar o descumprimento do Estatuto.

          O estatuto supradito instituiu ou Sistema Nacional de Promoção de Igualdade Racial no ano de 2010. Transcorrido longo período, pouco mais de 1% dos 5570 Municípios aderiu ao sistema e os que o fizeram, adotaram o padrão mais baixo dos três possíveis.

           Quanto à baixa inserção do negro nos espaços de poder, bastante seria ler o Censo do Poder Judiciário brasileiro, realizado com coragem e espírito republicano pelo Conselho Nacional de Justiça. Dos cerca de 10796 que responderam ao questionário que fora apresentado aos 16812 Juízes brasileiros, 1% (107) se autodeclararam pretos e 14%(1511) se autodeclararam pardos. Sabe-se que a diversidade interna torna a instituição mais competitiva e mais apta a compreender os desafios da sociedade e a construir soluções. Por conseguinte, alterar a composição do Judiciário pátrio é mais do que dar maior acesso do que o atual a um grupo de pessoas, é conferir-lhe mais condições de atuar com justiça numa sociedade contaminada pelas desigualdades de diversas ordens.

           Numerosas vezes, parece que olvidamos de que o combate às desigualdades é um Objetivo Republicano estampado na Constituição. Ademais, já passou da hora de darmos efetividade ao princípio e postulado da eficiência no campo da igualdade racial no Brasil, afastando-nos de atos simbólicos, de ritmos ditados por questões político-partidárias ou individuais, gerando-se um sistema capaz da consecução de resultados e impactos transformadores há muito aguardados por cidadãos negros e não negros.

Jorge Terra

Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito.

1RIOS, Roger Raupp, Direito da Antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2008

PS: artigo republicado sem levar em conta eventuais censos do Poder Judiciário realizados após o período da presidência do Ministro Joaquim Barbosa.

 

25 de fevereiro de 2021

Así es como el racismo sistémico está frenando el progreso en todo el mundo

El racismo sistémico sigue siendo un problema mundial.
El racismo sistémico sigue siendo un problema mundial.Imagen: Unsplash

Joseph Losavio

  • El racismo sistémico ha obstaculizado el progreso económico y social desde la abolición de la trata de esclavos.
  • Países como los Estados Unidos, Francia y el Brasil siguen luchando con cuestiones relacionadas con la raza.
  • Se prevé que la brecha de riqueza entre los blancos y los negros estadounidenses le costará a la economía de los Estados Unidos entre 1 billón y 1,5 billones de dólares en consumo e inversiones perdidas entre 2019 y 2028.

George Floyd. Breonna Taylor. Ahmaud Arbery. Tres afroestadounidenses cuyas muertes recordaron al mundo que el racismo sistémico está todavía muy presente en Estados Unidos. Aunque desencadenadas por esas muertes, las protestas posteriores de principios de verano fueron manifestaciones de una ira y desesperación más profundas ante el racismo que invaden al país desde su fundación.

Cuando las protestas se extendieron por todo el mundo, muchos comenzaron a desplazar el foco de atención desde la solidaridad con los afroestadounidenses hacia la injusticia racial dentro de sus propios países. Adama Traoré. João Pedro Matos Pinto. David Dungay, Jr. Distintos nombres de distintos países, pero todos ellos víctimas cuya muerte ha forzado una revisión de la presencia global del racismo sistémico y ha sacado manifestantes a las calles para demandar mejoras.

Abogar por el fin del racismo, y una reparación por su legado, no solo es moralmente correcto, sino un estímulo al desarrollo económico. Continuar negando la existencia del racismo y oponerse a afrontarlo conducirá a un mundo menos dinámico, menos unido y menos próspero.

El nacimiento de una nación

Estados Unidos, una nación multirracial desde su independencia, ha tenido dificultades para superar la esclavitud, a la que muchos se refieren como su “pecado original”, y la discriminación racial de jure y de facto posterior a su abolición. El racismo sistémico sigue siendo un lastre para Estados Unidos, y son los afroestadounidenses quienes se han llevado la peor parte de su legado.

El racismo en los departamentos de policía local de Estados Unidos es un problema arraigado. De acuerdo con un estudio realizado por The Washington Post y The Guardian, los afroestadounidenses tienen una probabilidad dos veces superior que los blancos de morir a manos de la policía estando desarmados. Aunque esta es una de las formas de racismo sistémico más conocidas, el problema es mucho más profundo.

Por ejemplo, el racismo está muy extendido en el ámbito de la medicina. En 2016, la Academia Nacional de Ciencias de Estados Unidos constató que el 29% de los estudiantes blancos estadounidenses de primer año de medicina pensaba que la sangre de las personas negras coagulaba con mayor rapidez que la sangre de las personas blancas, y el 21% creía que los sistemas inmunitarios de las personas negras eran más fuertes. Esta confusión suele conllevar una asistencia preventiva inadecuada y un nivel de tratamiento inferior, lo que da lugar, en general, a peores resultados sanitarios entre la población negra que entre la blanca. Un estudio publicado por la Asociación Estadounidense de Cardiología concluyó que las ideas médicas racistas contribuyen a que, en Estados Unidos, las mujeres negras tengan una probabilidad un tercio mayor que las mujeres blancas de morir de una cardiopatía.

Durante décadas, el racismo ha limitado el progreso económico de los afroestadounidenses. Las prestaciones de la Ley del Soldado (G.I. Bill) tras la Segunda Guerra Mundial, que alimentaron el crecimiento de la clase media estadounidense, se negaron en gran medida a las personas negras por la insistencia de los miembros blancos del Congreso procedentes del Sur, desesperados por aplicar la segregación racial, se tratara o no de héroes de guerra. Las prácticas discriminatorias de la Administración Federal de la Vivienda, que prohibía asegurar las hipotecas en los barrios de población negra, dejó a los afroestadounidenses sin la posibilidad de adquirir una vivienda, una de las vías más comunes de acumulación de riqueza. Estos factores jugaron un importante papel en la persistente brecha de riqueza entre negros y blancos. De acuerdo con un informe de McKinsey de 2019, la riqueza de una familia negra promedio es 10 veces inferior a la riqueza de una familia blanca promedio.

Libertad, igualdad y fraternidad, ¿para quién?

Muchos otros países, como Francia, experimentan un racismo igualmente arraigado, aun cuando la mitología nacional del país afirme categóricamente que es una sociedad no racista. El gobierno no recopila en su censo estadísticas sobre creencias religiosas, origen étnico o color de piel. Esta visión universalista enmascara el racismo contemporáneo resultante de atrocidades históricas. Al igual que en muchos países europeos, el papel de Francia en la perpetuación de la esclavitud colonial por motivos de raza en las Américas suele estar mal entendido, lo que da lugar a la creencia de que el racismo es un problema del nuevo mundo, y no del viejo mundo.

Como Maboula Soumahoro, especialista en estudios sobre la diáspora africana de la Universidad de Tours, afirmó en France 24: “la esclavitud era ilegal en el continente, por lo que los franceses tienen la impresión de que esta historia “hiperracializada” que caracteriza al mundo moderno solo concierne a las Américas”, y añade que “Francia no está exenta de prejuicios racistas. Francia piensa que no es racista”. Esta negación frente a la cuestión racial, y la política oficial que se deriva de ella, hace que el país no esté preparado para abordar el problema del racismo sistémico.

Puede que la actuación policial en Francia sea menos letal que en Estados Unidos, pero la violencia y la discriminación se dirigen mucho más hacia las minorías raciales que hacia los franceses que son blancos. Los jóvenes negros o árabes tienen una probabilidad 20 veces superior de tener que someterse a controles de identidad. El 20% de los jóvenes franceses negros o árabes afirmaron haber sido víctimas de brutalidad en sus interacciones más recientes con la policía, muy por encima del 8% de los jóvenes blancos.

Sin embargo, al igual que en Estados Unidos, este racismo sistémico va mucho más allá del tratamiento policial. En un país en el que la religión suele estar muy relacionada con la raza, los hombres que son considerados musulmanes por los empleadores tienen una probabilidad hasta cuatro veces inferior de conseguir una entrevista de trabajo que los candidatos vistos como cristianos, según el centro de estudios Institut Montaigne (Valfort, 2015). Un estudio de 2018 de la Universidad de Paris-Est Créteil concluía que los solicitantes de empleo con nombres árabes obtenían un 25% menos de respuestas que quienes tenían nombres franceses.

¿Democracia racial, o racista?

Las ideas de Brasil sobre el racismo también están muy arraigadas en su propia percepción nacional. Para muchos, el país es una “democracia racial”, que se origina en la creencia de que Brasil realizó una transición directa desde la abolición de la esclavitud en 1888 (el último país del hemisferio occidental en hacerlo) hacia una democracia participativa y multirracial, evitando la discriminación consagrada en la legislación de países como Estados Unidos y Sudáfrica. En la mente de muchos brasileños, en Brasil no existe ni racismo ni discriminación. Después de todo, Brasil nunca aprobó leyes como las leyes Jim Crow de segregación o el apartheid, ¿cómo puede entonces ser racista?

Aun así, en un país donde las personas con ascendencia total o parcialmente africana son mayoría, los negros en Brasil están muy lejos de los blancos en los principales indicadores de calidad de vida. Los brasileños negros tienen un nivel educativo mucho peor. Por ejemplo, en 2012, menos del 13% de los afrobrasileños mayores de 16 años habían recibido educación postsecundaria, un nivel 15 puntos inferior al de los blancos (Pereira, 2016).

Algunos atribuyen este hecho a diferencias de clase, no a la raza; sin embargo, un estudio concluye que, dentro de parejas de mellizos brasileños procedentes del mismo hogar en los que uno había sido identificado como blanco y el otro como no blanco, el mellizo no blanco tenía una desventaja perceptible en el nivel educativo alcanzado, en especial si el mellizo era varón (Marteleto y Dondero, 2016).

Los brasileños negros también se llevan la peor parte de la violencia a manos de las fuerzas de seguridad. En 2018, 6.220 personas murieron a manos de la policía en Brasil, el 75% de las cuales eran de raza negra, pese a que la población negra constituye alrededor de la mitad de la población nacional (Sakamoto, 2019).

Una sociedad menos racista puede ser una sociedad más fuerte desde el punto de vista económico.

Estos factores sistémicos tienen consecuencias socioeconómicas generalizadas. Un estudio del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística concluyó, en 2019, que el ingreso promedio de los trabajadores blancos era un 74% mayor que el de los trabajadores negros y mulatos, una brecha que ha permanecido estable durante años. Incluso con el mismo nivel educativo, los ingresos de los hombres afrobrasileños eran solo el 70% de lo que ganaban los hombres blancos comparables, y el de las mujeres afrobrasileñas, solo el 41%.

Los costos económicos

El racismo sistémico es un problema global. Es real y existe una razón moral sólida para abordar el problema. De todos modos, un factor que suele ignorarse en este debate crítico es la dimensión económica más amplia. Debido a que impide que las personas puedan sacar el máximo provecho de su potencial económico, el racismo sistémico tiene importantes costos económicos. Una sociedad menos racista puede ser una sociedad más fuerte desde el punto de vista económico.

Por ejemplo, se estima que, entre 2019 y 2028, la brecha de riqueza entre estadounidenses blancos y negros tendrá un costo para la economía del país de entre USD 1 billón y USD 1,5 billones en consumo e inversiones no realizadas. Se prevé que esto se traduzca en una penalización para el PIB de entre 4% y 6% en 2028 (Noel et al., 2019).

O pensemos en Francia, donde el PIB podría aumentar un 1,5% en los próximos 20 años —un complemento económico extraordinario de USD 3.600 millones— si se redujeran las brechas raciales en el acceso al empleo, la jornada de trabajo y la educación (BonMaury et al., 2016). Fijémonos también en Brasil, que está perdiendo grandes sumas en consumo e inversión potenciales debido a sus comunidades marginadas.

Una lacra mundial

Por supuesto, estos tres países no son los únicos que sufren el racismo y sus nocivos efectos económicos y sociales y donde es necesario un reconocimiento más amplio de su existencia.

Por ejemplo, en un sondeo realizado entre australianos tras las protestas desencadenadas por la muerte de George Floyd, el 78% de los encuestados dijo que las autoridades estadounidenses no habían querido abordar el problema del racismo. Solo el 30% creía que había racismo institucional en las fuerzas policiales australianas. Esta idea contradice tanto la experiencia vivida en particular por los indígenas australianos como el costo de AUS 44.900 millones que el Instituto Alfred Deakin adjudica al racismo en Australia entre 2001 y 2011.

Mientras tanto, varios incidentes racistas en China contra inmigrantes africanos ponen en peligro la lucrativa relación comercial y de inversión entre China y África. Según Yaqiu Wang, investigador de Human Rights Watch, se trata de otro caso de negación de la discriminación, “en el que las autoridades chinas afirman que existe una ‘tolerancia cero’ frente a la discriminación, aunque lo que están haciendo con los africanos en Guangzhou es precisamente un caso de libro de texto”.

Los países no deben tratar de abordar el problema del racismo solo porque contribuirá a su desarrollo económico. Es una deuda con sus propios ciudadanos. Sin embargo, el mundo debe entender que el compromiso con el respeto de los derechos humanos y la equidad racial no debe ser una declaración pasiva de valores. Debe ser un llamamiento a la acción, respaldado por medidas efectivas para reconocer, entender, cuantificar y erradicar el racismo sistémico. El mundo se encuentra en un punto de inflexión, y de nuestras autoridades depende estar a la altura de las circunstancias. Si no, el racismo seguirá suponiendo un costo para todos nosotros.

FONTE: Fundo monetário internacional e Forum econômico mundial

1 de novembro de 2020

legado em três linhas

Uma pessoa com 52 anos que fumou dos 15 aos 50 anos muito provavelmente tem sequelas desse longo período de tabagismo. E um país que escravizou parte de sua população por longo período e quase aniquilou outra parte dessa mesma população teria resquícios dessa falsa hierarquização de vidas e de culturas?

Jorge Terra.

17 de setembro de 2020

Pandemia torna mais explícita desigualdade étnico-racial no Brasil e moradores de favela se organizam coletivamente para sobreviver

Em entrevista para o blog CEE-Fiocruz, Palloma Menezes, professora do departamento de Ciências Sociais da UFF e coordenadora de produção de verbetes do Dicionário de Favelas Marielle Franco, fala sobre o racismo estrutural no Brasil e de que forma a pandemia intensificou a desigualdade étnico –racial. A socióloga explica, ainda, quais estratégias de ação coletiva os moradores de favelas do Rio de Janeiro têm colocado em prática para sobreviver à pandemia.

ANDRÉA VILHENA

Aqui como nos EUA, a violência policial contra negros é muito maior do que contra brancos. Considerando-se a violência um problema de saúde pública, constata-se que a vulnerabilidade da população negra no campo da saúde está ainda maior no contexto da atual pandemia. Dados do Ministério da Saúde indicam que no Brasil a Covid-19 tem sido mais letal entre negros do que entre brancos. A que podemos atribuir essa maior vulnerabilidade no Brasil?

Os dados indicam que a Covid-19 tem sido mais letal entre os negros do que entre os brancos. Um ponto de partida essencial para debater essa vulnerabilidade maior é reconhecer a desigualdade estrutural presente na sociedade brasileira. Levantamento do IBGE, de 2018, mostra que 75% dos mais pobres no país são negros. Portanto, a condição socioeconômica é fundamental no combate à pandemia, e mais, na garantia da vida.Sabemos que um dos pressupostos para a não contaminação pelo coronavírus é conseguir fazer o isolamento social. Só que sabemos também que as condições para que esse isolamento ocorra não são iguais para todos. Sabemos que a Covid desorganizou de maneira bastante intensa a economia, o país de modo em geral, e, especialmente, as favelas, uma vez que muitas pessoas não tinham trabalho formal, viviam na informalidade, ou com os próprios negócios, ou com bicos e trabalhos que não eram fixos. Com a falta de renda para se manterem em casa, as pessoas precisam sair para trabalhar e, muitas vezes, se contaminam e morrem mais.

Um ponto importante a se destacar é o quanto a pandemia tornou essa desigualdade de renda, étnico-racial, mais explícita no Brasil, e o quanto temos pouca sensibilidade para pensar nisso. É necessário lembrar que só em abril, um mês e meio depois do primeiro caso de Covid-19, o Ministério da Saúde passou a separar os dados considerando cor, gênero e bairro de moradia das pessoas que estavam morrendo por causa da pandemia.

Violência e letalidade da população negra

Outras dimensões relevantes da questão racial no Brasil estão associadas ao debate sobre violência. De modo geral, a violência, principalmente a estatal, é muito mais letal para os negros no Brasil: 80% dos mortos por policiais no primeiro semestre de 2019 eram negros e pardos. Durante a pandemia vemos, então, uma sobreposição de fatores que levam ao adoecimento e à letalidade da população negra: a questão socioeconômica já mencionada, e, além dela, a violência, que agrava a situação. Vale sempre se lembrar demuitos jovens mortos nesse período, o João Pedro é um caso emblemático por ter sido assassinado por um agente estatal dentro de casa.

Outro ponto, ainda, incontornável ao se pensar nas desigualdades raciais no Brasil refere-se ao cárcere, às prisões no Brasil. Os presídios apresentam contaminação por Covid-19, e não existe uma política mais estruturada, séria para o combate à doença. E sabemos que a maior parte da população carcerária é composta por pessoas negras, o que ajuda a explicar o fato de a letalidade ser muito maior entre elas.
 

Vulnerabilidade das mulheres negras

Cabe ainda nessa análise outra dimensão da desigualdade étnico racial: que é a de gênero. Nos últimos anos, se o número de pessoas encarceradas no país cresceu enormente, o número de mulheres encarceradas cresceu ainda mais. Nessa população feminina, o número de mulheres negras é muito significativo. Muitas dessas mulheres encarceradas estão em situação de vulnerabilidade extrema, por sofrerem ainda mais abandono do que os homens. Esse debate racial precisa ser interseccional; é preciso fazer o debate sobre raça junto com o debate sobre gênero, sexualidade, população LGBT e sobre mães negras, pobres, moradoras de favelas, que perdem seus filhos, vítimas da violência estatal.

Uma das cenas mais fortes das últimas manifestações foi a de mães que perderam seus filhos e que há anos estão na luta para tentar garantir a vida de outros jovens negros. Essa luta que não começou agora está ganhando mais visibilidade. Por outro lado, a gente sabe que não é uma opção para elas estarem nas ruas, porque para conseguirem sair do luto tiveram que entrar numa luta intensa. Vale consultar alguns dos verbetes do dicionário criados pela Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência que enfatiza muito a luta dessas mulheres negras em relação à justiça, em relação à memória dos filhos assassinados.

Muitos dados mostram que as mulheres negras são mais vulneráveis ao assédio, ao estupro, à violência doméstica, ao feminicídio no Brasil

Retomando a dimensão socioeconômica, junto à de gênero, vale destacar a atuação das mulheres negras no país como empregadas domésticas. O Brasil é recordista de domésticas no mundo. Muitas delas não conseguiram parar durante a pandemia, pois patrões e patroas não garantiram seu salário para que continuassem tendo uma renda e pudessem ficar em casa em segurança. Um caso emblemático de como a questão da raça é determinante na garantia da vida ou na chegada da morte precoce é o de Mirtes, mãe do menino Miguel, morto por culpa da patroa negligente, que o deixou entrar sozinho no elevador, enquanto Mirtes passeava com seu cachorro.É um caso que gerou muita repercussão por escancarar essas desigualdades sociais e raciais do Brasil que matam a população negra todos os dias muito mais do que a branca.

Mais um ponto sobre a questão de gênero que não dá para ser ignorado é a violência contra a mulher, violência doméstica especialmente. Vários dados estatísticos mostram que ela cresceu muito durante o período de pandemia, em que as pessoas estão confinadas, com mais dificuldades de sair de casa, seja para fugir da pessoa agressora, geralmente o homem é o agressor, seja para fazer uma denúncia. Muitos dados mostram que as mulheres negras são mais vulneráveis ao assédio, ao estupro, à violência doméstica,ao feminicídio no Brasil.Nos últimos anos embora algumas taxas de feminicídio para mulheres brancas tenham reduzido, as de mulheres negras continuam muito alta e vêm até crescendo em muitos estados.Nesse momento o aumento da violência doméstica é algo trágico para as mulheres de um modo em geral, mas para as mulheres negras se constitui em mais um fator de risco que coloca suas vidas ainda mais vulneráveis.

Essa vulnerabilidade está relacionada à saúde pública de uma maneira permanente.Nesse momento a dificuldade de acesso ao hospital, a uma consulta médica,é latente. A população negra por ter menos renda, tem mais dificuldade de acessar o serviço privado e o público por conta da super lotação. Mas de uma maneira estrutural, mesmo em outros períodos, sabemos que o tratamento que negros e brancos recebem no sistema de saúde no Brasil não é o mesmo, tanto no público como no privado.Há muitas denúncias de que mulheres negras sofrem, por exemplo, muito mais violência obstétrica. Nos partos, de modo em geral,elas recebem menos anestesia do que as mulheres brancas devido ao mito de que são mais fortes eresistentes. Então há uma dificuldade de tratamento, dificuldade não, uma desigualdade, no tratamento dessas mulheres no sistema de saúde. Agora isso se intensifica ainda mais.

Nenhum plano mais abrangente, mais estruturado foi criado e colocado em prática para as favelas e periferias do Brasil

No Brasil, a síntese de indicadores sociais de 2018, do IBGE, mostra que as condições de moradia da população preta ou parda são muito piores do que as da população branca. Essa situação decorre da associação entre indicadores de moradia e pobreza e da sobrerrepresentação da população preta ou parda na população pobre. Diante dos problemas sanitários agravados pelas condições de moradia nas favelas e periferias urbanas, a Covid-19 é uma ameaça ainda maior nesses locais. Como o Estado tem reagido à pandemia nesses locais e que instrumentos de ação coletiva para enfrentar a pandemia você destacaria?

Esse é um ponto bastante crítico porque nenhum plano mais abrangente, mais estruturado foi criado e colocado em prática para as favelas e periferias do Brasil. Existe o auxílio do governo federal, mas é importante ressaltar que esse auxílio tem atrasado constantemente. Muitas pessoas não conseguiram se cadastrar para receber. Além disso, é um valor insuficiente para garantir a sobrevivência. Dependendo do local de moradia, especialmente nas capitais, é um valor que não dá conta de as pessoas conseguirem garantirsua subsistência. Assim, elas tiveram que se organizar de múltiplas formas nas favelas e nas periferias.Tenho visto nas favelas que acompanhamos, especialmente aqui do Rio de Janeiro, que as pessoas têm recebido muito mais auxílio das próprias associações de moradores, dos coletivos formados no local, de ONGs do que do próprio governo, do que do próprio poder público.

Essas organizações locais têm organizado diferentes dinâmicas para garantir a subsistência das pessoas, para que essas pessoas não passem fome. Distribuição de cesta básica, de material de limpeza, de pequenos auxílios para compras, vales e tickets para comprar alimentos, masa organização vai muito além dessa dimensão do combate à fome.

De que forma?

Os moradoresde muitos desses territórios têm se organizado com diferentes estratégias também para tentar prevenir a disseminação do vírus. Muitas favelas, por exemplo, criaram coletivos de comunicação comunitária para, nesse momento, se comunicar melhor com os moradores e explicar, de forma simples, as recomendações da OMS. Além disso, têm outras iniciativas que tentam dar conta, não só das instruções do que deve ser feito, mas das condições materiais. Então, hádistribuições de máscaras, luvas, e iniciativas de sanitização. Pessoas que estão se organizando para limpar a própria favela com produtos recomendados por especialistas. Na Santa Marta, por exemplo, teve uma experiência pioneira que mereceu até um verbete no dicionário: sanitização da favela, usando os mesmos produtos que estavam sendo usados na China para poder desinfetar as ruas e vielas, uma vez que o próprio poder público não vem fazendo isso.

É interessante notar ainda a troca de tecnologias entre favelas que vem ocorrendo. Os moradores têm se comunicado e trocado experiências nesse momento. Esse projeto (de sanitização) que começou na Santa Marta, por exemplo, depois foi levado para a Babilônia por meio dointercâmbio entre os moradores. Agora já está começando no Chapéu Mangueira e em outras favelas da Zona Norte e Zona Oeste. Isso é muito potente e importante. Osmoradores têm também se organizando para conseguir médicos, conseguir orientações de profissionais para terem serviço de tele consulta. Issojá vem ocorrendo no Alemão e na Santa Marta.

É interessante notar ainda a troca de tecnologias entre favelas que vem ocorrendo. Os moradores têm se comunicado e trocado experiências nesse momento. Esse projeto (de sanitização) que começou na Santa Marta, por exemplo, depois foi levado para a Babilônia por meio do intercâmbio entre os moradores. Agora já está começando no Chapéu Mangueira e em outras favelas da Zona Norte e Zona Oeste

Outra iniciativa que vem sendo desenvolvida em várias favelas é a iniciativa de mapeamento e monitoramento comunitário da pandemia. A gente sabe que os dados oficiais já vinham sendo subnotificados. Então os moradores, entendendo que o poder público não dá conta de contabilizar o número de pessoas infectadas nas favelas e o número de mortos que vem ocorrendo emvários desses territórios,estão se organizando para fazer mapeamentos próprios. Essas experiências estão ocorrendo em vários territórios com metodologias diferentes, com o apoio, também, de pesquisadores. Estão sendorealizadas com visitas locais, como é o caso da Previdência; porwhatsapp, como acontece noBorel e na Santa Marta ou ainda com mapeamentos mistos, tanto presenciais como remotos, no caso do Alemão e de outros complexos. Esses dados produzidos pelos moradores mostram o quanto os casos de coronavírusestão se multiplicando nas favelas. Isso ainda não está tão presente nas estatísticas, uma vez que as pessoas não conseguem ter seus testes.Então não são considerados casos confirmados, casos oficiais.

Nós por nós

É muito importante ver como a população está se mobilizando neste momento,usando novas tecnologias e as redes de articulação que já existiam anteriormente nessas favelas. O trabalho que essas pessoas estão realizandoenvolve tanto a prevenção, como o diagnóstico da situação nesses locais. O diagnóstico é realizado a partir de pesquisa e mapeamento próprio feito pelos moradores, uma vez que o grande lema que se reforça nesse contexto é o do nós por nós. Eles sabem que não podem esperar dopoder públicoum plano voltado para as favelas. Então, eles estão correndo atrás e fazendo por eles mesmos. Por outro lado, no entanto,isso não apaga a crítica e a demanda que vem sendo apresentada ao poder público. Muitos desses grupos têm elaborado,em parceria com universitários, pesquisadores e professores, planos de ação, indicando o que o governo deveria fazer.

Essas organizações locais têm tido um papel muito importante, de crítica à situação atual por um lado e da apresentação de soluções por outro. Então, se houvesse representantes do governo dispostos a ouvir o que vem sendo dito e a observar o que vem sendo feito, teríamos muitoo que aprender dessas organizações locais. Elas estão dando uma aula de organização, que é fruto de associações e mobilizações já existentes há muito tempo, mas também da urgência do momento, da necessidade de fato que as pessoas têm.

Essas organizações locais têm tido um papel muito importante, de crítica à situação atual por um lado e de apresentação de soluções por outro. Então, se houvesse representantes do governo dispostos a ouvir o que vem sendo dito e a observar o que vem sendo feito, teríamos muito o que aprender delas

O poder público,em muitos dos casos,por não ter um plano específico para asfavelas, acaba atrapalhando o combate que vem sendo feito pelos próprios moradores em seus territórios. Foram freqüentes os casos em que distribuição dealimentos estava sendo feita e teve que ser parada por ocorrência de tiroteio. Por conta disso umas das lutas principais de vários movimentos de favela era a interrupção das operações policiais nesses locais nesse momento, agora garantida oficialmente pelo STF.Os moradores precisam continuar vigilantes, gritando pela própria sobrevivência porque sabem que ficarem calados não é uma opção, uma vez que muitas vezes não têm renda para poderem ficar em casa parados, precisam correr atrás e ao fazer isso colocam suas vidasem risco.

Fale um pouco sobre o Dicionário de Favelas Marielle Franco no contexto da Covid-19.

Queria convidar a todospara visitar a página do dicionário (https://www.wikifavelas.com.br). No dicionário Marielle Franco criamos, desde o início da pandemia, uma área reservada ao debate sobre o coronavírus nas favelas. Nela fazemosum levantamento de vários aspectos do impacto do Covidnessas áreas. A primeira demanda que surgiu dos moradores, nossos interlocutores, integrantes de favelas que fazem parte do projeto do Dicionário, foi que mapeássemos e déssemos visibilidade às ações que vêm ocorrendo nesses territórios em tempo de coronavírus. O primeiro verbete do dicionário sobre coronavírustrata de como ajudar as favelas.Já temos um número enorme, mais de 150 formas de ajuda, diferentes tipos de ação. Além disso,estamos reunindo na plataforma notícias sobre o coronavírus, que incluem tanto matérias publicadas na grande mídia, como reportagens e outros materiais produzidos pelas mídias comunitárias. São textos, materiais gráficos e audiovisuais produzidos pelas favelas e para as favelas para difundir informação.

Tem, ainda, outro verbete com análises e propostas em relação ao combate do coronavírus nesse momento. Isso é bem interessante porque reúne uma sériede manifestos e propostas feitas por moradores e grupos de favelas em relação à forma como o poder público deveria atuar, e críticas à falta de atuação mais direta em relação aos territórios de favelas nesse momento. Reunimos também numa página chamada Coletivos em ação contra o coronavírus a trajetória de alguns grupos mais atuantes nesse momento e os tipos de ação que eles estão fazendo, que incluem ações de comunicação, prevenção e prestação de contas, mostrando como os recursos arrecadados vêm sendo gastos. É interessante para quem quiser ajudar, saber como ajudar e depois acompanhar como é que essa ajuda está sendo investida.

Outro verbete que vale a pena ser consultado é sobre o painel a respeito docoronavírus em favelas com dados produzidos pelos moradores. Há ainda o verbete prisões e coronavírus que reúne uma série de materiais quemuitos moradores de favelas e periferias, mas tb pesquisadores, vêm acumulando sobre o tema. É um debate bem amplo sobre as prisões, que têm uma interface com o debate sobre favelas, mas tb sobre gênero. Enfim, envolve múltiplas dimensões que a gente vem tratando aqui.

Por último, temos uma categoria temática no dicionário de relações étnico-raciais no qual reunimos vários verbetes sobre o tema, verbetes tanto de coletivos como Cara Preta Coletiva, mas, também, experiências e ações coletivas como a Feira Preta. Enfim, políticas públicascomo a política nacional de saúde, integração à população negra ou ainda debates mais acadêmicos sobre a questão da raça como o verbete sobre necropolítica e adoecimento da favela. O dicionário tem muito material sobre essa temática da raça e, especialmente nesse momento da pandemia,sobre os impactos que essa desigualdade no país geram para as populações de favelas e periferias.

fonte: Centro de Estudos Estratégicos da FIOCRUZ – junho 2020

20 de julho de 2020

Como bancos ingleses lucraram com escravidão no Brasil

Apesar de a prática ter sido abolida pelo Reino Unido em suas próprias colônias no início do século 19, no Brasil indivíduos e instituições britânicas continuaram por muito tempo envolvidos com a escravidão.

Letícia Mori – Da BBC News Brasil

O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculos
O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculosFoto: Getty Images / BBC News Brasil

No auge do tráfico de escravos da África para o Brasil, entre 1800 e 1850, mais de 2 milhões de pessoas foram trazidas à força para o país para serem escravizadas, segundo o Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos (Transatlantic Slave Trade Database). No total, ao longo de quatro séculos, mais de 4,8 milhões de pessoas escravizadas foram obrigadas a desembarcar em solo brasileiro.

O tráfico era um negócio lucrativo, mas não foram só os traficantes e fazendeiros que se aproveitaram da exploração brutal de seres humanos. Banqueiros ingleses se envolveram com a escravidão no Brasil mesmo depois de ela ter sido abolida nas colônias britânicas, em 1833.

É isso que mostra uma pesquisa do historiador Joe Mulhern, especializado no envolvimento britânico com a escravidão no Brasil, pela Universidade de Durham, na Inglaterra.

“Apesar de o Império Britânico na era vitoriana pensar em si mesmo como um modelo moral quanto à escravidão e fazer pressão para que outros países, inclusive o Brasil, abolissem a prática, os legisladores tiveram dificuldade para cortar os laços econômicos com a escravidão em países estrangeiros”, explica Mulhern em entrevista à BBC News Brasil.

Havia duas formas principais de envolvimento dos britânicos, explica o historiador. Uma mais ampla, por meio de empréstimos e a compra de títulos do Tesouro, entre outras relações indiretas com a economia escravocrata. E outra mais direta, em que instituições e indivíduos deram apoio financeiro, na forma de empréstimos e garantias, por exemplo, para o tráfico de escravos ou para fazendas que usavam esse tipo de mão de obra.

Alguns britânicos chegaram a ser diretamente proprietários de escravos — segundo o trabalho de Mulhern, um censo de 1848-1849 mostra que havia, naquele ano, cerca de 3.400 pessoas escravizadas por mestres britânicos.

Entre os envolvidos nessa relação mais direta, havia indivíduos ligados a bancos que foram predecessores de grandes instituições financeiras atuais do Reino Unido.

Lobby no parlamento

Em 1833 o Reino Unido havia extinguido a escravidão em suas colônias, dando compensações para os senhores mas não para os escravizados. O império começou também a fazer pressão diplomática para que a escravidão fosse abolida no Brasil. Essa pressão é apontada por historiadores brasileiros como um dos múltiplos fatores que levaram ao fim da prática no país.

A lei que proibiu o tráfico como parte de um acordo com o Reino Unido, inclusive, deu origem à expressão “para inglês ver”, porque durante muito tempo não havia fiscalização e o tráfico continuou.

No entanto, apesar dessa pressão do governo do país europeu, muitos do britânicos envolvidos na prática conseguiam impedir que a legislação britânica fosse mais restritiva em relação às suas atividades no exterior.

“Essa ambivalência no envolvimento do Reino Unido na escravidão (tanto pressionando para o seu fim quanto deixando de cortar laços econômicos existentes) pode ser encontrada na legislação da época”, diz o historiador.

Africanos escravizados tiveram roubadas sua liberdade, identidade e cultura
Africanos escravizados tiveram roubadas sua liberdade, identidade e culturaFoto: Getty Images / BBC News Brasil

Isso porque os envolvidos faziam lobby no Parlamento.

“Eles pressionavam para que seus negócios fossem protegidos, com os mesmos argumentos para defender a escravidão usados no Reino Unido antes de 1833”, explica Mulhern.

Os três principais, aponta, eram a defesa da propriedade (porque as pessoas tinham sido vendidas como propriedades); a necessidade de o Reino Unido prosperar nesses mercados que ainda eram escravocratas; e o mito de que os britânicos que exploravam escravos eram “benevolentes”.

“Já existia o mito de que os senhores de escravos no Brasil eram benevolentes. Os ingleses diziam que eles eram ainda mais”, conta Mulhern. “Mas não há nenhuma evidência de que a escravização, uma prática baseada na violência ou na ameaça dela, era menos cruel quando praticada pelos britânicos”.

Seres humanos como garantia

Muitas vezes os escravizados eram parte das propriedades usadas em garantias de empréstimos de um banco. Na dissertação de Mulhern, ele resgatou casos em que bancos ingleses tinham um devedor insolvente e acabavam leiloando os escravizados para cobrar a dívida.

Um desses bancos, mostra Mulhern em sua pesquisa, era o London and Brazilian Bank, criado em 1862 (e comprado em 1923 pelo Lloyd’s Banking Group, que existe até hoje).

O banco continuou envolvido com a escravidão até a praticamente a abolição da prática no Brasil, em 1888 — ou seja, mais de 50 anos depois da abolição da escravatura nas colônias britânicas, como Jamaica e África do Sul.

Um dos executivos do London and Brazilian Bank, Edward Johnston, chegou a ser dono de escravos no Brasil e a casar com uma família que era dona de uma fazenda de café no Rio de Janeiro. “A riqueza gerada com a escravidão no Brasil ajudou a estabelecer um banco que investiria na exploração de pessoas”, diz Mulhern.

A presença de negros no Cone Sul é um fenômeno que pode ser traçado desde os tempos da conquista, no século 16, quando já havia registros da presença de pessoas que escravizados
A presença de negros no Cone Sul é um fenômeno que pode ser traçado desde os tempos da conquista, no século 16, quando já havia registros da presença de pessoas que escravizadosFoto: Getty Images / BBC News Brasil

Esses laços, no entanto, eram escondidos de investidores no Reino Unido, onde a opinião pública já não era favorável à escravidão.

Para evitar afugentar investidores no país de origem, a maior parte dos bancos envolvidos com operações relacionadas à escravidão não o fazia diretamente, mas por meio de comissários intermediários, explica Mulhern à BBC News Brasil.

Um desses intermediários era a casa bancária Gavião Ribeiro Gavião, que financiava a economia agrícola de São Paulo e atuava no comércio interno de escravos.

A casa bancária atuou como intermediária para o London and Brazilian Bank. O banco britânico declarava que seu propósito no Brasil era comercial, mas tinha uma carteira de hipotecas cujas garantias eram fazendas de café em São Paulo e mais de 800 pessoas que trabalhavam nelas como escravos.

Terceirização

O historiador também cita o caso da Fazenda Angélica, em Rio Claro, no interior de São Paulo, que acabou se tornando um dos ativos de um banco e sendo administrada por ele. Depois de uma tentativa fracassada de usar mão de obra de imigrantes, o banco resolveu “terceirizar” o uso de mão de obra escrava.

Isso porque, sendo uma empresa inglesa, o banco não poderia ser dono direto de escravizados. Mas uma brecha na legislação permitia que ele “alugasse” a mão de obra escrava de outros senhores de escravo — e foi o que fez.

Um escravo sendo torturado em uma fazenda brasileira na visão do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que viajou o país retratando cenas da vida no século 19
Um escravo sendo torturado em uma fazenda brasileira na visão do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que viajou o país retratando cenas da vida no século 19Foto: Domínio Público / BBC News Brasil

Quando vendeu a fazenda, o banco afirmou que “não empregava um único escravo” — sem citar que pagou senhores de escravos para usarem as pessoas escravizadas por eles na plantação e que ainda tinha 80 escravos como garantia do financiamento que possibilitou a venda da fazenda.

Empréstimo não pago

“Nem sempre esse envolvimento era bem-sucedido, e agentes britânicos que fizeram as negociações do tipo no Brasil chegaram a ser repreendidos no Reino Unido”, conta Mulhern.

Mas a repreensão, diz ele, não foi por questões morais, mas porque muitos dos empréstimos não foram recuperados e algumas instituições acabaram tendo dificuldades financeiras por causa disso.

“Muitos investidores buscavam investir em infraestrutura, em criação de linhas de trem por exemplo, mas os fazendeiros queriam um investimento direto na produção agrícola, que era um negócio muito arriscado”, diz Mulhern. “Apesar disso, alguns agentes se envolveram, até contraindo orientações da sede, e depois foram repreendidos porque os negócios não deram certo”.

Empréstimos que tinham seres humanos como garantia e não eram pagos tinham impactos diretos na vida dessas pessoas.

Em 1869, o Barão do Turvo, fazendeiro carioca que tinha uma dívida com o London and Brazilian Bank, não pagou um empréstimo que devia.

“O banco então entrou com um processo para recuperar o dinheiro, e como havia pessoas escravizadas como garantia, elas sofreram a consequência”, diz Mulhern. Advogados do banco então realizam um leilão de 103 escravizados, incluindo famílias com crianças e bebês. Documentos da época compilados por Mulhern mostram como o banco vendeu pelo menos 30 dessas pessoas no leilão — entre elas a pequena Ancieta, uma bebê escravizada de apenas um ano de idade; e as pequenas Adelina e Marcellina, vendidas com 2 e 6 anos.

Lidando com o passado

O movimento americano Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português), de protesto contra o racismo e contra o assassinato de negros pela polícia, fez com que muitas instituições viessem a público falar sobre seu histórico racista e mostrar que mudaram de postura, inclusive doando dinheiro para instituições de combate ao racismo.

“Historiadores já sabiam dessas ligações, mas o movimento Black Lives Matter trouxe um novo escrutínio sobre esse passado”, diz Mulhern.

Após a publicação de um artigo de Joe Mulhern sobre sua pesquisa, o banco Lloyds Banking Group atualizou seu site para incluir um reconhecimento de que pelo menos seis dos 200 bancos que foram incorporados pelo grupo se envolveram com a escravidão, incluindo o London and Brazilian Bank.

“Embora tenhamos muito do nosso passado para nos orgulharmos, não podemos nos orgulhar de tudo”, diz o banco.

“Mas se esse debate vai ir além do reconhecimento e levar de fato a algum tipo de reparação ou doação financeira é algo que eu não sei”, afirma o pesquisador.

fonte: BBC News Brasil – 19 jul 2020.

25 de abril de 2020

Evidências

Já é consenso que as políticas públicas devem ser concebidas e implementadas com base em evidências, ou seja, com base em dados decorrentes de observação ou de experimentação são identificados os grandes problemas e definidas as soluções.

Em razão disso, soou atécnica a discussão que se pretendeu estabelecer entre implementar ou não o distanciamento social no Brasil. Aliás, chegou-se ao ponto de se tornar antagônicas a preocupação com a preservação das vidas ante uma doença contagiosa e a preocupação com a manutenção de atividades econômicas. O fato é que há uma escala de valores e no topo dela está a vida, sendo que o direito à vida é plenamente exercido se há saúde e condições econômicas ao menos razoáveis.

A crise decorrente da pandemia de covid-19 permite numerosas abordagens e uma delas diz com a questão racial, pois se pode apontar para a evidenciada diferença da situação de brancos e de negros no Brasil e nos Estados Unidos, bem como para a insuficiência da cobertura jornalística concernente ao desenvolvimento da pandemia no continente africano.

Essa linha de pensamento pode ser adotada para se analisar as políticas públicas brasileiras de caráter universal com impacto na questão racial e as políticas públicas de caráter racial propriamente ditas. Se dados é que devem nortear as tomadas de decisão como pode o grande número de mortes de jovens por arma de fogo não ter enfrentamento efetivo? Se as pessoas negras, em especial as mulheres, recebem menos, têm piores condições de trabalho e maior desempregabilidade, como os governos estaduais e o federal nunca atuaram e não atuam no campo da iniciativa privada? Se há lei de cunho educacional que determina que sejam ensinadas as culturas negra e indígena nas escolas públicas e privadas e esses grupos raciais somados correspondente a maior parte da população, como Estados, Municípios e União descumprem a regra estabelecida.

A questão é que o racismo influencia a tomada de decisão e a ocupação dos espaços decisórios. Dessa feita, os problemas que interessam às comunidades negra e indígena, em uma cultura eurocêntrica, não são tidos como problemas nacionais e não ingressam na agenda nacional. Em outros termos, quando o problema diz respeito exclusiva ou principalmente a esses segmentos, não importa o que indicam as evidências.

Jorge Terra.

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS.

20 de abril de 2020

Escola, hospital e supermercado

Na década de 1990, fui buscar minha esposa no trabalho. A instituição se situava quase ao centro da Vila Maria da Conceição.

Estacionei e meu concunhado desceu, pois iria buscar sua filha e chamar minha esposa.

Logo que ele desceu, alunos de minha esposa se aproximaram da janela do motorista e começamos a conversar. Quando percebi, três homens já tinham descido de um veículo sem identificação. Cercaram meu carro e queriam revistá-lo. Pedi que se identificassem. Identificados, revistaram e nada encontraram.

Enquanto faziam isso, dentro da instituição uma frase corria solta:

” – Estão prendendo o marido da Professora !”

Pessoas foram se aproximando e os policiais, já conhecidos da comunidade por extorquirem dinheiro de traficantes, assustaram-se e resolveram me conduzir ao Palácio da Polícia sob a acusação de desacato.

No trajeto, pensava que sofreria violência física. Mas não precisavam fazer isso se tinham a força da falsa imputação. Seguimos os quatro em silêncio.

Fiquei sentado por cerca de uma hora e uma servidora passava por mim e falava em voz alta:

“- Vai baixar o Presídio…!”

Veio conversar comigo um policial e fui ríspido ao perguntar se ele era o Delegado. Com toda calma, compreendendo meu estado de ânimo, nada disse e saiu. Depois, vim a saber que era o tio de outro concunhado que estava lá para me ajudar.

Passou mais um tempo e fui chamado pelo Delegado. Na sala, estávamos ele, eu, um dos policiais que me conduziram e um outro policial, amigo de minha esposa, que fora lá me ajudar. Quase no mesmo instante no qual entrei na sala, o Delegado recebeu uma ligação, em decorrência da atuação do tio de meu concunhado, e respondeu a quem lhe inquiria que estava junto no momento da ocorrência e que já a estava resolvendo. Colocando o telefone no gancho, o Delegado se dirigiu a mim. Disse que não haveria registro e que o caso estava encerrado, devendo ser esquecido pelas duas partes.

Mais adiante, soube que o motivo da abordagem inicial seria pelo fato de eu estar de carro no meio de uma vila. Note-se que meu carro tinha mais de cinco anos e que havia outros carros no local, possivelmente de outras Professoras.

E se eu tivesse sido preso? E se insatisfeitos com a falsa imputação, resolvessem incrementa-la com outras falsas imputações? Será que hoje eu seria um Advogado?

Em 2013, adolescentes negros atravessaram a rua onde ficava a escola na qual estudavam com o intuito de comprar biscoitos em um dos supermercados de uma grande rede gaúcha.

Quando já estavam por sair do caixa, foram abordados por seguranças do supermercado que os acusavam de furto e proferiam ofensas de cunho racial.

Revistadas as mochilas, nada foi encontrado. Em lugar de pedir desculpas, os seguranças expulsaram os três consumidores do supermercado. Ao pai de um deles, que dirigiu-se ao estabelecimento comercial, não quis a gerência prestar nenhuma informação.

Ajuizada a ação de natureza cível, o supermercado alegou que o fato não havia ocorrido e que essa configurava tentativa de se obter dinheiro. Mais adiante, transcorrido prazo superior a um ano desde o ajuizamento da demanda, diante do fato de que havia testemunhas dispostas a depor, o supermercado apresentou um dvd com imagens do ocorrido. Por ter dito que o fato inocorrera quando tinha cenas gravadas em seu próprio sistema, a empresa foi condenada às penas correspondentes à litigância de má-fé. Em decorrência das provas levadas aos autos, os adolescentes obtiveram a condenação da empresa na ação indenizatória.

Procurado por mim para que fossem realizadas atividades com fim reparatório para a comunidade negra, o supermercado, que já esteve envolto em outros casos de racismo, negou-se a conversar sobre o tema.

Agora, em 2020, uma senhora negra foi internada em um hospital já que havia sofrido uma parada cardíaca. O seu marido, também negro, que era seu acompanhante, foi falsamente acusado de ter furtado o telefone celular de uma enfermeira ou técnica de enfermagem desse hospital.

Ele estava sentado ao lado da cama de sua esposa quando foi abordado pelo chefe da segurança, pela profissional referida acima e por outros colegas dessa última. Ao mesmo passo que acusavam o mencionado senhor, o grupo proferia ofensas raciais sem se intimidar com a presença de outras pessoas.

Não satisfeito, o grupo mencionado levantou o senhor da cadeira e o levou para outro local. O chefe da segurança, aproveitando-se do momento, desferiu-lhe socos nas costas e conduziu a revista na bolsa e no corpo do senhor que, inclusive, foi despido. Nada sendo encontrado, a dona do celular revistou a cama e as fraldas da enferma sem nada encontrar.

Em lugar de apresentar pedido de desculpas, o grupo supradito expulsou o acompanhante das dependências do hospital. Depois de algum tempo, a dona do aparelho celular o encontrou na sala na qual ele havia sido esquecido. Tentaram então os funcionários do hospital, dizendo que fora um mero equívoco, silenciar a vítima oferecendo-lhe um modesto lanche. Tendo visto o que ocorrera com o esposo e também sido revistada, a paciente teve novo ataque cardíaco e veio a falecer.

A direção do hospital, por seu turno, disse que instalaria sindicância, mas que já tinha informação suficiente para consignar que não houve violência, ofensas raciais e relação entre a morte e o agir dos seus funcionários.

O posicionamento do hospital não surpreende, tampouco dignifica um estabelecimento voltado ao salvamento de vidas. Sem considerar que há testemunhas e exame de corpo de delito, nega que houve tortura nos termos da lei 9455/97, crime de racismo, crime de injúria racial e lesões corporais leves. Além disso, o estabelecimento não ofereceu atendimento psicológico aos familiares obviamente abalados com os fatos e com o falecimento.

Em comum, essas três histórias apresentam o fato de que pessoas negras que estavam a procurar locais de livre acesso acabaram sofrendo violência física ou moral. Em outros termos, procurados um estabelecimento de ensino, um supermercado e um hospital, acabaram ocorrendo abusos, discriminações, humilhações e morte.

Note-se que nem o transcurso dos anos entre os fatos (dos anos 90 a 2020), o que poderia ensejar um estágio civilizatório diferenciado, afastou a ideia de que o racismo permanece forte em nossa sociedade.

Mas o que fazer além de lamentar e de externar a insatisfação nas redes sociais ou nos meios de comunicação?

Há medidas de curto, de médio e de longo prazos.

Em primeiro lugar, é indispensável ter preocupação com a segurança pessoal, ou seja, dependendo de quem for o violador, poderá a violação de direitos tornar a acontecer como forma de amedrontar a vítima. Em segundo lugar, há de se procurar autoridades policiais com o fim de se registrar as ocorrências sempre dispondo de provas ou de formas de como as obter. Em terceiro lugar, há de se promover meios no sentido de que haja ações criminais e cíveis correspondentes. Em quarto lugar, se possível com o auxílio de profissionais, deve ser recomposta a autoestima da vítima.

Medidas de médio prazo concretizáveis seriam as realizações de formações iniciais e continuadas pertinentes aos direitos humanos e à igualdade racial no seio das instituições e as constituições de grupos interinstitucionais capazes de levar às instituições a se repensar e a alterar procedimentos. Já as de longo prazo seriam às direcionadas à educação em direitos humanos, em especial, às focadas na infância e na juventude como as implementações da educação para as relações etnicorraciais e das mudanças na documentação escolar consoante o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).

Jorge Terra

Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral do Estado/RS

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

Membro do Grupo Interinstitucional GT26-A

7 de abril de 2020

a verdadeira motivação

– E o branco pobre?
Essa frase era comum. O propósito de quem a proferia era combater as cotas de cunho racial. Nunca houve e não há uma genuína preocupação com a situação da pessoa branca que é pobre. Não havia e não há preocupação com a sua ascensão socioeconômica. A intenção era impedir que a população negra fosse reparada pela longa escravização e pelo racismo que dificulta que potenciais sejam efetivamente explorados.
Agora, diante do inevitável isolamento social, aqueles que privilegiam a economia perguntam: como sobreviverão os autônomos?
Esses nunca foram objeto de preocupação dos grandes empresários que, aliás, sempre conviveram bem com taxas altas de desemprego, com má distribuição de renda e de riqueza e com parcela significativa da população estando abaixo da linha da pobreza.
Agora, vendo seus lucros diminuírem, mesmo estando mais próximos dos governos e de seus socorros, bradam por aqueles que não importam para eles. Interessa-lhes correr o risco de os outros contraírem vírus devastador e de não encontrarem atendimento médico. Importa é o lucro e nada mais.

Jorge Terra.

24 de novembro de 2019

Tese aborda desigualdades raciais na estrutura jurídica e pública

No Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito, da Escola de DireitoJorge Terra defendeu a tese sobre O Desafio da Superação das Desigualdades Raciais e da Discriminação: Uma Análise da Estrutura Jurídica e das Políticas Públicas no Brasil, a qual foi aprovada com louvor. A principal motivação para o recém-doutor mergulhar na questão foi a preocupação com os critérios de tomada de decisão em diversos âmbitos da sociedade. Terra conta que, hoje em dia, as pessoas têm mais acesso às informações, mas que não é suficiente. O questionamento sobre “que tipo de comportamento, enquanto sociedade, nós deveríamos tomar perante esses dados?” foi uma das suas inspirações para a tese.

Tese aborda desigualdades raciais e discriminação na estrutura jurídica e pública no país

Jorge Terra e banca avaliadora da tese de doutorado sobre a temática racial

O professor Carlos Alberto Molinaro, orientador do trabalho, afirma que o aluno merece grande mérito e destaque pela qualidade da pesquisa, que deve se tornar um livro muito relevante socialmente e academicamente. A publicação está nos planos de Terra: “Entendo que é um compromisso meu, como é um assunto que interessa à sociedade de forma geral. De alguma maneira, é meu dever fazer com que isso chegue a todos os cantos”, afirma.

Molinaro enfatiza que tudo o que pode contribuir para reduzir as desigualdades sociais é importante e que essa foi a primeira vez que orientou uma tese sobre o tema específico: “É um fator fundamental enquanto agentes de promoção de desenvolvimento social”, afirma. Ele lembra da importância do meio acadêmico nesse processo, citando eventos já realizados sobre o tema.

Ações antirracistas na prática

Na tese, Terra afirma que que é necessário combater os estereótipos raciais que possam comprometer o julgamento e as tomadas de decisão, independente do contexto político e da legislação. Ele conclui: “É possível tornar mais eficazes a estrutura jurídica, as políticas públicas e a infraestrutura institucional, dando-se concretude aos objetivos fundamentais previstos na Constituição vigente”.

Entre as propostas de políticas públicas comportamentais elaboradas pelo autor, estão as voltadas para educação, segurança, mercado de trabalho, saúde, infraestrutura institucional, esporte, cultura, mídia, recursos tecnológicos e internet. “Recomenda-se que instituições públicas em geral e, em especial as que implementem políticas públicas pertinentes aos domínios da educação, da segurança e da justiça, bem como as que realizem controle ou fiscalização dessas políticas públicas, promovam atividades que reúnam seus profissionais com a sociedade civil com o fim de capacitar os primeiros a julgar, a decidir e a avaliar questões sensíveis à raça”, conclui Terra.

Atuação na área de direitos humanos

Jorge Terra, 52 anos, também é coordenador da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Presidente da Comissão Especial da Verdade da Escravidão Negra no RS (OAB), Procurador do Estado, entre outros cargos. Apesar de ocupar posições de destaque, ele conta que, geralmente, é um dos únicos negros nos ambientes em que frequenta: “Existem três procuradores negros no Rio Grande do Sul, entre os 400. Além de nós, houve apenas outra procuradora negra nos anos 80”, acrescenta.

Agora, Terra almeja realizar o pós-doutorado, mas tem um objetivo mais urgente. Ele planeja lecionar: “Quero colaborar na formação dos futuros profissionais do Direito”. Ao falar sobre os aprendizados do processo durante o doutorado, destaca que “é possível fazer” e conta que, muitas vezes, as pessoas perdem a esperança por não verem um caminho. “Acredito que meu trabalho traz esse caminho, essa possibilidade”, comenta o novo doutor.

Ele destaca que, quando cursou a graduação, não havia debate em sala de aula sobre direitos humanos, racismo e outras pautas relacionadas. Por isso, fica feliz em trazer o tema para dentro desse ambiente: “Quis buscar formas práticas e executáveis que o Direito possa implementar. O que nós não vemos são políticas públicas e estruturas políticas que sejam eficazes no enfrentamento desse problema”.


Fonte : Daniel Quadros – Comunicação Social da PUCRS

19 de maio de 2019

Can truth and reconciliation commissions heal divided nations?

Bonny IbhawohProfessor of History and Global Human Rights, , McMaster University – 2019

As long as unresolved historic injustices continue to fester in the world, there will be a demand for truth commissions.

Unfortunately, there is no end to the need.

The goal of a truth commission — in some forms also called a truth and reconciliation commission, as it is in Canada — is to hold public hearings to establish the scale and impact of a past injustice, typically involving wide-scale human rights abuses, and make it part of the permanent, unassailable public record. Truth commissions also officially recognize victims and perpetrators in an effort to move beyond the painful past.

Over the past three decades, more than 40 countries have, like Canada,established truth commissions, including Chile, Ecuador, Ghana, Guatemala, Kenya, Liberia, Morocco, Philippines, Rwanda, Sierra Leone, South Africa and South Korea. The hope has been that restorative justice would provide greater healing than the retributive justice modelled most memorably by the Nuremberg Trials after the Second World War.

There has been a range in the effectiveness of commissions designed to resolve injustices in African and Latin American countries, typically held as those countries made transitions from civil war, colonialism or authoritarian rule.

Most recently, Canada’s Truth and Reconciliation Commission addressed historic injustices perpetrated against Canada’s Indigenous peoples through forced assimilation and other abuses.

Its effectiveness is still being measured, with a list of 94 calls to action waiting to be fully implemented. But Canada’s experience appears to have been at least productive enough to inspire Australia and New Zealand to come to terms with their own treatment of Indigenous peoples by exploring similar processes.

Although both countries have a long history to trying to reconcile with native peoples, recent discussions have leaned toward a Canadian-style TRC model.

South Africa set the standard

There had been other truth commissions in the 1980s and early 1990s, including Chilé’s post-Pinochet reckoning.

But the most recognizable standard became South Africa’s, when President Nelson Mandela mandated a painful and necessary Truth and Reconciliation Commission to resolve the scornful legacy of apartheid, the racist and repressive policy that had driven the African National Congress, including Mandela, to fight for reform. Their efforts resulted in widespread violence and Mandela’s own 27-year imprisonment.

Through South Africa’s publicly televised TRC proceedings, white perpetrators were required to come face-to-face with the Black families they had victimized physically, socially and economically.

There were critics, to be sure, on both sides. Some called it the “Kleenex Commission” for the emotional hearings they saw as going easy on some perpetrators who were granted amnesty after demonstrating public contrition.

Others felt it fell short of its promise — benefiting the new government by legitimizing Mandela’s ANC and letting perpetrators off the hook by allowing so many go without punishment, and failing victims who never saw adequate compensation or true justice.

These criticisms were valid, yet the process did succeed in its most fundamental responsibility — it pulled the country safely into a modern, democratic era.

Saving humanity from ‘hell’

Dag Hammarskjöld, the secretary general of the United Nations through most of the 1950s who faced criticism about the limitations of the UN, once said the UN was “not created to take mankind to heaven, but to save humanity from hell.”

Similarly, South Africa’s Truth and Reconciliation Commission was not designed to take South Africa to some idyllic utopia. After a century of colonialism and apartheid, that would not have been realistic. It was designed to save South Africa, then a nuclear power, from an implosion — one that many feared would trigger a wider international war.

To the extent that the commission saved South Africa from hell, I think it was successful. Is it a low benchmark? Perhaps, but it did its work.

Since then, other truth commissions, whether they have included reconciliation or reparation mandates, have generated varying results.

Some have been used cynically as tools for governments to legitimize themselves by pretending they have dealt with painful history when they have only kicked the can down the road.

In Liberia, where I worked with a team of researchers last summer, the records of that country’s truth and reconciliation commission are not even readily available to the public. That secrecy robs Liberia of what should be the most essential benefit of confronting past injustices: permanent, public memorialization that inoculates the future against the mistakes of the past.

U.S. needs truth commission

On balance, the truth commission stands as an important tool that can and should be used around the world.

It’s painfully apparent that the United States needs a national truth commission of some kind to address hundreds of years of injustice suffered by Black Americans. There, centuries of enslavement, state-sponsored racism, denial of civil rights and ongoing economic and social disparity have yet to be addressed.

Like many, I don’t hold out hope that a U.S. commission will be established any time soon – especially not under the current administration. But I do think one is inevitable at some point, better sooner than later.

Wherever there is an ugly, unresolved injustice pulling at the fabric of a society, there is an opportunity to haul it out in public and deal with it through a truth commission.

Still, there is not yet any central body or facility that researchers, political leaders or other advocates can turn to for guidance, information and evidence. Such an entity would help them understand and compare how past commissions have worked — or failed to work — and create better outcomes for future commissions.

As the movement to expose, understand and resolve historical injustices grows, it would seem that Canada, a stable democracy with its own sorrowed history and its interest in global human rights, would make an excellent place to establish such a centre.

fonte: site do Forum Econômico Mundial – 21/2/2019

2 de julho de 2017

RAPIDAMENTE

RAPIDAMENTE, passo a te fazer algumas perguntas que podem ou não ter relevância para ti.

Seres ou não doador de sangue ou de órgãos diz algo sobre o seu nível de solidariedade?

No seu Estado ou no seu Município, o Secretariado também é composto por um número significativo de mulheres brancas?

Na instituição a que eventualmente pertences, todas as pessoas que alcançam destaque ou poder se apresentam como heterossexuais?

Deveria ser exigido que o candidato seja egresso da escola pública ou que tenha estudado em escola privada em decorrência de ter sido contemplado com bolsa de estudos nas ações afirmativas de cunho racial no campo da educação?

Nas últimas duas eleições nas quais votaste, o fato de os candidatos dizerem que era tempo de mudança influenciou na tua decisão?

Quando observas, conversas ou trabalhas com uma pessoa com deficiência física, mental ou intelectual, consegues ver as potencialidades dela?

Vês problema no fato de alguém amar tanto uma pessoa de outra raça a ponto de casar e de ter filhos com essa pessoa?

Consegues distinguir quando há o interesse legítimo por uma causa e não um interesse político-partidário, profissional ou financeiro?

Dentro das suas possibilidades, estás fazendo algo para melhorar a vida coletiva?

Partindo do pressuposto de que escolheste uma religião, pergunto se já conversaste, em mais de uma ocasião, sobre liberdade religiosa com ateu ou com pessoa que professa outra religião.

É de seu conhecimento que as mulheres negras, mesmo nas faixas com 11 anos ou mais de escolarização, atingem uma porcentagem maior de desemprego e percebem menor remuneração do que as mulheres brancas e do que os homens brancos e negros no Brasil?

Saber que cerca de 95% das pessoas que compõem os conselhos de administração das 117 maiores empresas brasileiras são homens te leva a pensar que essas instituições são grandes por terem maioria masculina nesse importante setor das empresas?

Obter a informação de que aproximadamente 94% das pessoas que compõem os conselhos de administração das 117 maiores empresas brasileiras são brancas te leva a pensar que basta ter competência para se chegar a esse importante  setor das empresas?

O acesso diferenciado de filhos de militares aos colégios militares é legítimo?

Sabias que segundo dados de 2017, de cada 100 pessoas que morrem em razão de homicídio no Brasil, 71 são negras?

Consideras importante saber mais sobre a história e a cultura de pessoas de raça ou de nacionalidade diferente da sua?

Diante das composições de sucessivos governos federais, estaduais e municipais (que sendo governos de coalizão, abarcam numerosos partidos), acreditas que há partidos brasileiros que querem ou sabem como integrar nos centros de decisão mulheres, negros e pessoas que não se apresentam como heterossexuais?

Está na hora de começares a fazer e a responder tuas próprias perguntas?

Jorge Terra
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