Jorge Terra

17 de abril de 2024

A CONSTITUIÇÃO DE UM PLANO DE ENFRENTAMENTO DAS ALTAS TAXAS DE MORTALIDADE DE JOVENS NEGROS E POBRES

A CONSTITUIÇÃO DE UM PLANO DE ENFRENTAMENTO DAS ALTAS TAXAS DE MORTALIDADE DE JOVENS NEGROS E POBRES.

 

Resumo: As taxas de mortalidade de negros e pobres no Brasil são muito altas. Essas taxas são mais elevadas quando considerada a parte mais jovem da população. Instituindo uma Comissão, o Parlamento realizou investigação sobre as causas possíveis de um número elevado de negros e pobres serem vítimas de homicídio. Concluídos os trabalhos, com o fim de alterar essa situação, objetiva-se a aprovação de emenda constitucional e de projeto de lei para que haja um plano que gere mudança significativa do atual quadro. Evidente é a valorização que a Comissão confere à lei, tendo-a como instrumento capaz de realizar mudanças. Todavia, sem desmerecer esse ponto de vista, é importante que o plano esteja conectado com outras questões e não apenas com a segurança, havendo preocupação sistemática e abrangente. A lei isoladamente pouco mudará o quadro vivenciado. Ela é um meio que deve estar de acordo com outros para que os resultados sejam transformadores. Sem se alterar a educação, o mercado de trabalho e outros espaços importantes, não serão atingidos resultados significativos. Deve haver preocupação com a eficiência e com a eficácia das políticas públicas, bem como com a influência de stakeholders. Além disso, é de se promover mais audiências para reunir mais conhecimentos, criar parcerias e identificar possíveis adversários, identificando que contribuição o Direito pode oferecer na solução desse problema.

Palavras-chave: mortalidade, jovens negros, planejamento.

  1. Introdução

A Proposta de Emenda Constitucional tombada sob o número 129/2015 versa sobre a inclusão dos incisos III e IV no parágrafo 8º do artigo 227 da Constituição Federal.

Por meio de uma construção legislativa, objetiva-se a solução de tormentosa questão, uma vez que há constatação da perda de numeroso contingente de pessoas em decorrência da violência amplamente disseminada em solo pátrio.

Imprescindível analisar se a escolha levada a cabo é adequada e suficiente, se o problema visado merece a atenção que se pretende empregar e se há caminho estrategico a ser criado e sedimentado.

Nesse sentido, não se pode descurar de iniciativas aduzidas com o fim audacioso de se extinguir ou de se minimizar os efeitos das desigualdades vivenciadas no Brasil.  Tampouco pode haver a omissão de algum dos atores, devendo todos ofertar  o melhor de seus esforços para o atingimento de objetivos nobres e viáveis.

  1. O quadro vivenciado: alta mortalidade de negros no Brasil

Temas como igualdade racial, saúde da população negra, crimes raciais, interferência da raça ou da cor para obtenção ou manutenção de emprego, inserção da história e da cultura negra nos currículos escolares são relegados a planos que os aproximam da “invisibilidade” e os tornam como interessantes e necessários somente para uma parcela da população brasileira.

A verdade é que essas temáticas deveriam ser relevantes para todo o corpo social. Em não sendo, seriam, pelo menos, para a comunidade negra que, sabidamente, ultrapassa a metade da população brasileira.

No supracitado cenário, não surpreende a pouca ou nenhuma atenção com a mortalidade de jovens negros demonstrada nos ambientes acadêmicos e políticos apesar de os dados serem há muito alarmantes. Cumpre aqui, ao reproduzir parte das conclusões de pesquisa levada a efeito no ano de 1.998, sublinhar que à época, não se apresentou recorte racial nas análises. Todavia, empiricamente e pelos dados geográficos e culturais mencionados, ficava evidenciada a possibilidade de que muitos dos casos podiam ser de jovens negros[1].

Nossas taxas referentes a homicídios e outras violências, semelhantes às dos EUA, são 20 vezes superiores às taxas da Itália ou do Canadá; quase 50 vezes superiores às da Irlanda ou da Espanha, entre muitos outros países. E, neste campo ainda, algumas das informações derivadas do Sistema de Informações sobre a Mortalidade são realmente estarrecedoras: no plano nacional, 35,1% das mortes de jovens devem-se a homicídios e a outras violências. Nas capitais do país, essa proporção se eleva para 41,8% e, nas regiões metropolitanas, para 47.7%. Praticamente, uma em cada duas mortes de jovens nas regiões metropolitanas têm sua origem nesta causa.

Em se cuidando do direito fundamental à vida, o que restava e resta violado ou, no mínimo comprometido, faz com que o Direito esteja obrigado a buscar alternativas tendentes a, ao menos, minimizar a situação vivenciada. Não se pode desconsiderar que o decorrer do tempo sem a tomada de decisões públicas e privadas qualificadas  gerou repercussões diretas e indiretas nos campos vinculados ao direito fundamental ao desenvolvimento e a outros de igual relevo. Assim sendo, é inegável que é indispensável uma articulação acelerada, pois os dados conhecidos não permitem mais adiamentos e inércias.

Nessa linha, é importante perceber a sofisticação atingida pelo estudo denominado de Mapa da Violência. Já no pertinente ao ano de 2.016, ele demonstra a evolução dos homicídios por armas de fogo no Brasil dentro no período de 1980 a 2014. Além disso, escancara-se a incidência de fatores como o sexo, a raça/cor e as idades das vítimas dessa mortalidade, apontando-se as características da evolução dos homicídios com a utilização de armas de fogo nas unidades da federação, nas Capitais e nos Municípios com elevados níveis de mortalidade [2].

São magnitudes tão absurdas e surreais que torna-se difícil dimensionar seu significado, foge a nosso entendimento e experiência. Temos, para dar um exemplo, que a AIDS, causada  pelo  malfadado  vírus  da  imunodeficiência  humana  (HIV),  matou  12.534 pessoas no ano de 2014. É um número que revela uma situação preocupante, dando origem,   justificadamente,   a   numerosos   campanhas,   programas,   mecanismos   de prevenção, proteção e/ou tratamento. Mas este outro flagelo, o das armas de fogo, que nesse mesmo ano matou um total de 44.861 pessoas — quase quatro vezes mais que a  AIDS — pouca  ou  nenhuma  atenção  parece  merecer.  No  máximo,  discursos preocupados  e/ou  políticas  pontuais,  contingenciadas  tanto  na sua  cobertura  e incidência, quanto no seu financiamento, continuidade e centralidade.
Mais adiante, frisa-se que a questão racial é crucial para se bem compreender a segurança no Brasil[3]:

Ainda mais perversa e preocupante é a seletividade racial dos HAF, além de sua tendência crescente. Entre 2003 e 2014, as taxas de HAF de brancos caem 27,1%, de 14,5, em 2003, para 10,6, em 2014; enquanto a taxa de homicídios de negros aumenta 9,9%: de 24,9 para 27,4. Com esse diferencial, a vitimização negra do país, que em 2003 era de 71,7%, em poucos anos mais que duplica: em 2014, já é de 158,9%, ou seja, morrem 2,6 vezes mais negros que brancos vitimados por arma de fogo.

No já assazmente referido estudo, elenca-se como causa da inegável desigualdade de tratamento entre brancos e negros na atualidade a longa escravização no Brasil.

Outra causa seria a crescente privatização do aparelho de segurança, ou seja, a ofertada para os que podem ou não pagar conduz a um quadro de desigualdade e de injustiça. Enquanto os brancos disporiam de uma segurança privada somada à uma precária segurança pública, os negros disporiam, em regra, apenas da pública por terem menor remuneração e maior taxa de desemprego. Ademais, inserta dentre os temas de interesse político-eleitoral, a segurança vê seus gestores tendo como critério de distribuição de efetivos e de recursos, bem como de necessidade de realizar investigação e de elucidar casos, a posição socioeconômica e a localização geográfica das pessoas, privilegiando os bairros mais abastados.  Esse quadro, sem sombra de dúvidas, criou maiores dificuldades para os negros. Isso sem se olvidar de que a letalidade e seletividade policial também tem conduzido a uma maior vitimização negra.

Os mencionados trabalhos estão acompanhados de outros de iguais níveis de qualidade e de credibilidade. Dentre eles, traz-se aqui o Atlas da Violência 2.017 produzido pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) e pelo Forum de Segurança Pública em parceria.

Colhe-se do primeiro o ensinamento sobre a imprescindibilidade de o Brasil alterar sua forma de registro com o fito de diminuir seus índices de subnotificação, bem como de alterar seus procedimentos com o fim de diminuir a letalidade e a violência policial.

Assim está consignado no Atlas supradito:

A categoria “intervenções legais e operações de guerra”, registro Y35-Y36 do SIM, continua apresentando um alto grau de subnotificação, como confirmam os números da segurança pública. Em 2015, o SIM registrou apenas 942 casos de intervenções legais(Tabela 3.1), enquanto a segurança pública registrou 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais (Tabela 3.2), ou seja, 3,5 vezes o número de registros da saúde.

Para além da necessidade de rever os protocolos de registro para esses casos pela área da saúde, devemos insistir na mudança de um modelo de segurança pública que, se não promove, é conivente com o uso abusivo da força letal e execuções sumárias, ao mesmo tempo que expõe e vitimiza cada vez mais os seus agentes.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que, em 2015, ao menos 358 policiais civis e militares constam das estatísticas de homicídio do país.

Nos últimos anos, assistimos a um realinhamento a favor desse modelo de atuação policial que permanece com o um dos maiores desafios de nosso processo de consolidação democrática e de um efetivo Estado de Direito.

Estar-se-ia privilegiando um atuar belicista e não dialogal, ampliando-se o número de vítimas inclusive de policiais. Aliás, sobre as vítimas policiais, importante consignar o seguinte trecho do mencionado Atlas da Violência:

De cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras. Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra. Cerqueira e Coelho (2017), a partir de análises econométricas com base nos microdados do Censo Demográfico do IBGE e do SIM/MS, mostraram que a tragédia que aflige a população negra não se restringe às causas socioeconômicas. Estes autores estimaram que o cidadão negro possui chances 23,5% maiores de sofrer assassinato em relação a cidadãos de outras raças/cores, já descontado o efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e bairro de residência. Cerqueira e Coelho mostraram que, do ponto de vista de quem sofre a violência letal, a cidade do Rio de Janeiro é partida não apenas na dimensão econômica entre pobres e ricos, ou na dimensão geográfica, mas também pela cor da pele. Ao calcular a probabilidade de cada cidadão sofrer homicídio, os autores concluíram que os negros respondem por 78,9% dos indivíduos pertencentes ao grupo dos 10% com mais chances de serem vítimas fatais, conforme o Gráfico 5.1 deixa assinalado.

Esse caráter discriminatório que vitima proporcionalmente mais a

juventude negra também foi documentado no estudo “Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade”. Neste trabalho, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública incorporou um indicador de desigualdade racial ao indicador sintético de vulnerabilidade à violência dos jovens (mortalidade por homicídios, por acidente de trânsito, frequência à escola e situação de emprego, pobreza e desigualdade).

III. A construção legislativa de solução

Após a conclusão dos trabalhos pertinentes à Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar as causas, consequências e custos sociais e econômicos da violência, das mortes e dos desaparecimentos de jovens negros e pobres, denominada de CPIJOVEM, foi apresentada, em 09/09/2015, a proposta de emenda à constituição número 129/2015.

Essa proposta contou com as assinaturas de 178 Deputados Federais, exigência do inciso I do artigo 60 da Constituição Federal, o que permitiu sua distribuição à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, onde foi apresentado e aprovado parecer favorável à sua tramitação, em 25/10/2016 e em 21/11/2017 respectivamente, por se reconhecer sua constitucionalidade e sua juridicidade.

Publicado o parecer supracitado e mediante requerimento do Deputado proponente, foi instituída, em 30/11/2017, comissão especial, a ser composta por trinta e quatro titulares e pelo mesmo número de suplentes, para que seja proferido parecer à PEC 129-A nos termos do regimento interno da Câmara dos Deputados.

A proposta tem por fulcro a inserção dos incisos III e IV no parágrafo 8º do artigo 227 da Lei Maior com o fito de que os entes da federação instituam planos de enfrentamento aos homicídios de jovens e de que seja criada lei que preveja que os planos sejam decenais e de que haja articulação entre as esferas de poder, entre si, e com a sociedade civil para a execução de políticas públicas que conduzam à redução do número de homicídios de jovens no Brasil.

A redação atual do artigo a ser alterado é a seguinte:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

(…)

  • 8º A lei estabelecerá: (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

I – o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

II – o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

Já a proposta de emenda à constituição tem o seguinte teor:

Art. 227. (…)

(…)

  • 8º (…)

III – os plano nacional, estadual, distrital e municipais do enfrentamento do (sic) homicídios de jovens;

IV – a lei disporá sobre os planos de enfrentamento de homicídios de jovens, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas de poder e sociedade civil para a execução de políticas públicas para a redução de homicídios de jovens.

Importa consignar que a lei prevista no proposto inciso IV, por meio do projeto de lei número 2.438/2.015, também em decorrência do trabalho desenvolvido pela já mencionada comissão parlamentar de inquérito, teve seu texto apresentado para apreciação da casa legislativa mencionada.

No que concerne à PEC, cumpre dizer que sua tramitação e as discussões e ações que ensejará já configuram certo avanço, pois se efetivamente cumpridas as atuais disposições do artigo 227 da Lei Maior, sobretudo porque ele determina prioridade absoluta para o atendimento de questões relevantíssimas que envolvem as crianças, os adolescentes e os jovens, a situação restará bem superior à atual. Sublinhe-se que o caput do artigo 227 torna obrigados a família, a sociedade e o poder público.

A verdade é que há a necessidade política de se reforçar as disposições já existentes e de articular ações concretas voltadas ao alcance de resultados positivos.

Normalmente, os planos são aduzidos pelo Poder Executivo, pois implicam a assunção de compromissos, inclusive orçamentários relacionados à criação de estruturas e de cargos, que tornam o chefe daquele poder o legitimado para trazer às luzes legislação que formaliza acordos e articulações entre as esferas de poder e a sociedade civil.

O quadro atual, que é objeto de críticas no âmbito internacional, no entanto, impõe que parlamentares tomem iniciativas que induzam os agires dos Poderes Executivos e das entidades privadas, incluindo na agenda nacional o tema em comento. Isso porque sabedores que o Brasil, conforme estudo publicado no mês de novembro de 2017 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância(UNICEF)[4], está no sétimo lugar no ranking de países onde morrem mais crianças e adolescentes em decorrência de homicídios. Dessa arte, refugindo de debates sobre eventual vício de origem, não é vedado que parlamentares ou o parlamento ofereçam, após articulações com a sociedade civil e com os Poderes Executivos, sugestão de texto legal diretamente ao Poder Executivo.

Sublinhe-se que, na justificativa relativa ao projeto de lei número 2.438/2.015, parcialmente reproduzida abaixo, o proponente aponta que os Executivos tem melhores condições de instituir os planos de enfrentamento que compreende ser indispensáveis.

Além disso, vislumbramos que o Poder Executivo é o único detentor das condições para definir objetivos, metas globais e setoriais, os programas e recursos necessários, que são elementos que, de fato, caracterizam um plano.

Partimos, portanto, do pressuposto que um documento denominado Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens é uma peça a ser elaborada pelo Poder Executivo, em estreita colaboração com a sociedade e os demais Poderes. Nesse sentido, a principal contribuição do Poder Legislativo reside em apresentar um documento de diretrizes, estas construídas a partir da ausculta dos jovens e a todos os interessados, processo que ocorreu de forma intensa durante os trabalhos da CPI.

No projeto de lei sub examine, preveem-se competências para a União, para os Estados, para o Distrito Federal e para os Municípios e não, por exemplo, para as Casas Legislativas, incluindo Tribunais de Contas e para o Poder Judiciário.

Destaque-se que há artigo no qual se institui o plano (artigo 1º); há artigos nos quais se estabelecem as competências para instituir os planos nacional e regionais (artigos 4º, I, 5º, I, 6º, I e 7º); há a promessa de se limitar a trazer à tona diretrizes por se compreender os Poderes Executivos como os capazes de instituir os planos nacional e regionais (justificativa). Evidencia-se, no texto, existência de contradição a ser corrigida portanto.

Há artigo que prevê as diretrizes dos planos (art. 3º). Se por um lado há o elogiável estabelecimento de uma meta, o que permite que sejam criados indicadores para se examinar os resultados e impactos dos planos, percebe-se, por outro, que o maior detalhamento das diretrizes permitiria um maior controle a posteriori, bem como um maior controle dos parlamentos sobre o instrumento a ser criado pelos Poderes Executivos.

Outrossim, não se constata a criação de relação com outras iniciativas existentes ou pendentes de efetivação, o que impede real ataque ao racismo institucional. E mais, não se entabula hipótese na qual se perceba o negro como sujeito das transformações que precisam ser levadas adiante.

Em outros termos, a diversidade no seio das instituições integrantes do sistema de justiça e de segurança é meio capaz de mudar os valores institucionais e a mera adoção do sistema de cotas raciais nos processos seletivos revela-se insuficiente para tal empreitada. A insuficiência reside tanto no número pequeno de cotistas que logram êxito nos certames para provimento de cargos vinculados à atividade-fim dessas instituições, quanto na falta de estrutura institucional que acompanhe o servidor durante um determinado período de sua vida funcional e não apenas o selecione.

É, com efeito, preciso pensar-se no sistema de cotas menos como forma de acesso diferenciado ao cargo público e mais como forma de contribuição do servidor que teve vivência diferenciada para a constituição de uma instituição mais democrática, transformadora, competitiva e apta a construir soluções para os problemas da sociedade, dentre eles a morte de jovens pobres e negros.

Frisa-se que, em 1º/11/2017, foi aprovada a audiência pública realizada em 7/11/2017, para a oitiva de dois integrantes do sistema de justiça, um do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e outro da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, convidados por suas trajetórias pessoais e não como representantes institucionais, e de dois representantes de instituições ligadas ao movimento social, ambas do Rio de Janeiro. A elogiável iniciativa de ouvir pessoas precisa ser reprisada em outros locais do país, permitindo-se a apreensão das diferentes realidades e a entrega de sugestões qualificadoras do trabalho a ser realizado. Obviamente, o trabalho de itinerância e de verdadeira e rica troca com a sociedade deve ser realizado dentro de período determinado e com o firme propósito de ouvir aqueles que são favoráveis e os que são desfavoráveis à concretização das medidas que se vislumbram inafastáveis.

Essa oitiva ampliada, chamemo-na assim, permitirá a constituição de um parecer referente ao projeto de lei, foco da audiência pública mencionada acima, no qual sejam evidenciados os conhecimentos, as iniciativas, as políticas públicas a serem constituídas ou efetivadas, as pessoas e as instituições privadas e públicas indispensáveis para que o trabalho seja altamente qualificado; permitirá também a identificação de possíveis parceiros nas caminhadas nos seios do Legislativo, do Executivo e Judiciário, bem como de possíveis adversários, seus argumentos, suas fragilidades e seus interesses em negociar.

É possível já depreender que a mobilização que se faz urgente ganhará mais intensidade e profundidade se os seus limites não forem os estreitos da segurança, mas se a ela forem incorporados o que pertine ao desenvolvimento, à eficiência e à eficácia das políticas públicas, à imprescindibilidade do planejamento e à sustentabilidade dos investimentos sociais e econômicos, bem como a preocupação com infraestruturas físicas e sociais.

  1. Um caminho para a construção de soluções

Oportuno consignar que a lei é um instrumento para a construção de solução, mas não é o único, tampouco a garantia de que haverá modificações concretas positivas. Ressalte-se que a lei não é o ponto final de uma caminhada que depende de mudança comportamental significativa.

Nesse teatro, não se vislumbra solução se as questões até o momento abordadas o forem de forma isolada e limitada. Se a força motriz dos problemas está no racismo e se esse é estruturado, somente uma ação sistêmica pode impactar positivamente o teatro já descrito.

A enorme mortalidade de jovens brasileiros, em especial de negros e de pobres, integra um conjunto de questões relevantes que são tidas como de somenos importância ou valia. Não se há de desconsiderar que, há muito, sem a força capaz de ensejar transformação, gritam segmentos numericamente importantes da sociedade por um melhor trato da igualdade racial na educação, na saúde, no mercado de trabalho, na segurança e nos espaços de poder.

Esse desconsiderar é que forma os nocivos quadros dos racismos estrutural e institucional, que se apresentam de diferentes formas, em diferentes momentos e intensidades. Por via de consequência, entende-se que a atuação deve ser sistematizada e deve ter por norte o campo do desenvolvimento do país e da comunidade negra em especial, permitindo-se a busca de novos atores, de diferentes soluções e de novos e maiores recursos humanos e financeiros.

O movimento social, especialmente o movimento negro, tem sido atingido pela tomada ou pela não tomada de decisões transformadoras. Todavia, em não raras vezes, não consegue influenciar significamente nas tomadas de decisão, sendo um stakeholder com extremo interesse, mas pouco ou nenhum poder ou influência.

Inafastável verdade é que o Brasil assumiu compromissos graves de naturezas diversas. As assunções supraditas estão no texto da Carta Magna, em atos internacionais e em leis de abrangência interna.

No que concerne ao desenvolvimento, o proceder brasileiro não é diferente, estando estampado na constituição pátria como um objetivo republicano, bem como em atos internacionais bi ou multilaterais e em leis nacionais.

Relevante é definir que abordagem se dá ao desenvolvimento, não o tendo como sinônimo de crescimento econômico, mas o concebendo como mais amplo. Assina-se que o crescimento econômico acelerado seria uma condição indispensável, mas não suficiente para se reduzir a pobreza e a desigualdade social, já que aquele pode se dar com desemprego, exclusão, sem participação, com destruição de culturas nacionais e com deterioração do meio ambiente.

Não se pode tirar de visada que o desenvolvimento nacional deve ser sustentável, ocorrendo em uma sociedade justa, livre e solidária, com foco na promoção do bem de todos, erradicando a pobreza e a marginalização, bem como reduzindo as desigualdades. De outro modo, a pretexto de cumprir norma extraível do texto constitucional, estaríamos a descumprir outras de mesma origem e grau hierárquico. Não se há de recair no equivocado entendimento de que o crescimento econômico naturalmente será “derramado” sobre os cidadãos mais pobres. Mister que haja a superação do modelo do derrame, percebendo-se que o desenvolvimento social é vital para o desenvolvimento econômico sustentado, porque os investimentos em capital humano e capital social e a melhoria da equidade são necessários para o crescimento econômico ser sólido[5].

O desenvolvimento é resultado de ações articuladas e continuadas, tornando-se um desafio para as sociedades. Ele exige convicção e força na busca do equilíbrio entre seus custos e suas vantagens, tanto no plano regional quanto no global, impondo discussão sobre campos e formas de atuação estatal, bem como sobre regras de regulamentação.

O desenvolvimento está imbricado com a eficiência. Por conseguinte, é indispensável sobre ela também tratar.

A eficiência deve ser perseguida na gestão brasileira, independentemente de posicionamento ideológico, sobretudo após o advento da Emenda Constitucional número 19/98 que, mais do que acrescer o princípio correspondente na cabeça do artigo 37 da Constituição Federal, estatuiu um sistema voltado à transição de uma administração pública patrimonialista para uma administração pública gerencial, ou seja, voltada para o alcance de resultados concretos positivos.

A eficiência, seja como princípio, seja como postulado, é um critério de atuação administrativa concernente à utilização adequada dos meios disponíveis para se atingir os fins de interesse público, sejam eles primários ou secundários, da maneira mais abrangente e profunda possível diante das peculiaridades do caso concreto. Essas peculiaridades são o nível de informação que pode ser obtida pelo agente, o tempo disponível para o enfrentamento do problema, a quantidade de recursos disponibilizados e a necessidade de se satisfazer mais de um fim com o mesmo meio.

A eficiência, na medida em que é critério normativo da atuação administrativa, deve estar inserida no encaminhamento das soluções de problemas de diversas ordens em cotejo com os outros princípios encartados no caput do artigo 37 da Carta Magna. Ela, assim, atrelada aos seus fundamentos e aos aspectos atinentes à sua operacionalidade, poderá ser fator de transformação cultural, institucional, econômica e social, proporcionando a consecução dos Objetivos entabulados no artigo 3º da nossa Lei Maior, dentre eles o do desenvolvimento nacional.

É fundamental, dessarte, que haja um manejo das externalidades capazes de gerar afastamento ou retardo do atingimento dos resultados positivos tão necessários para a consecução do desenvolvimento. As externalidades mencionadas acabam conformando o ambiente vivenciado, bem como influenciando a performance das instituições públicas e privadas que objetivam alcançar eficientemente o fim anteriormente apontado.

Anote-se que compromisso institucional da dimensão que tem o desenvolvimento não é atingido sem atenção à infraestrutura. Nesse sentido, é forçoso tratar de infraestrutura, compreendendo-se o Direito como um de seus elementos estruturantes e definindo esse último como o somatório do arcabouço jurídico com seus processos legislativos, das estruturas administrativas, das atividades administrativas, das procedimentalizações, das decisões proferidas nos âmbitos administrativo e judicial com seus respectivos critérios e métodos, bem como dos níveis de eficiência, de eficácia e de celeridade atingidas. Aliás, o Direito administrativo, nas fases que vivenciamos e na que precisamos ainda vivenciar, configura-se em ramo que rege as atividades jurídicas do Estado que deve atender os interesses públicos tendo por norte a segurança e o benefício dos administrados.

A infraestrutura pode ser física como o são a malha rodoviária, as redes de comunicação, o sistema energético, bem como social, como a educação, a saúde, o sistema jurídico.

A infraestrutura deve ser aquela que, no mínimo, tenha o nível suficiente para que haja o desenvolvimento de forma sustentável. É evidente que os riscos são inerentes à atividade administrativa e à vida negocial. Entretanto, a administração perseguidora de resultados sociais, ambientais e econômicos tendentes ao cumprimento dos objetivos republicanos está forçada a, de forma planejada e sistêmica, minimizar ou evitar os seus efeitos.

O ponto é que, apesar do contido no artigo 174 da Constituição Federal, não desenvolvemos a cultura do planejamento no campo prático, sobretudo quando é indispensável pensar a longo prazo.

A complexidade das administrações públicas e a das crescentes demandas a elas apresentadas em um quadro de recursos limitados, de exiguidade de tempo e de necessidade de atingimento de fins exigem o emprego de planejamento.

De início, já se sublinha que planejar, sinteticamente, é definir fins satisfatórios ou ótimos dependendo das situações vivenciadas e dos recursos disponíveis, bem como dos meios adequados ao atingimento dos primeiros.

O planejamento ou a condução de um planejamento, em numerosas ocasiões, exige o conhecimento aprofundado dos processos, dos produtos ou dos serviços pertinentes, bem como dos insumos envolvidos e da cadeia indispensável para os obter. Além disso, exige também a capacidade de obter, de classificar e de utilizar informes e informações, bem como, tendo uma boa noção dos comportamentos cooperativos ou não das pessoas envolvidas em alguma parte do processo, de realizar prognoses.

O planejamento é uma atividade racional, mas que, em algumas hipóteses, pode não desprezar a intuição, sendo importante conhecer ou buscar conhecer questões comportamentais do público-alvo ou dos componentes do grupo de trabalho. Não se pode olvidar, contudo, de que o agente terá uma racionalidade limitada, ou seja, uma deficiência de informação ou de como computar os dados ou as informações de que necessita[6].

Poderá a limitação estar vinculada aos meios, como a insuficiência de recursos humanos ou financeiros para buscar ou para manipular dados. Sim, não se pode descurar dos custos administrativos tal como do tempo para se obter informações, podendo a análise custo-benefício ser ou não suficiente para se atingir uma conclusão. Aliás, guardando-se atenção à sustentabilidade, não serão raras as vezes que a análise mencionada não será bastante.

Haverá ocasião na qual a limitação estará vinculada ao fim, exigindo que previamente o agente decida se perseguirá uma decisão ótima ou uma decisão satisfatória. Isso se dará quando o caminho eleito gerar gritante diferença de tempo, de custo ou de outra natureza. Obviamente, essas questões devem ser cotejadas com o retorno a atingir e esse poderá ou não ter expressão financeira.

Não se há de esquecer que intercorrências podem evidentemente exsurgir, sobretudo quando houver variáveis que não sejam integralmente controláveis. A impossibilidade de controle total pode decorrer do fato de se depender do atuar de outras pessoas ou instituições que podem ou não ter a mesma capacidade de trabalho ou de compreensão da importância da atividade. Pode, ainda, a dependência estar atrelada a alguma questão climática.

A verdade é que a existência de um plano e, mais do que isso, o fato de se ter realizado um planejamento, levará a pensar sobre as externalidades que podem ensejar alteração, bem como nas fragilidades ou carências envolvidas. Com isso, havendo o problema, aquele que planejou estará mais apto a encontrar, caso não a tenha programado, uma alternativa, no mínimo, satisfatória.

O plano, é bom que se diga, não é uma forma nova de atuação jurídica. Ela, de fato, envolve a utilização do repertório de atos de direito público e de direito privado recorríveis para o atingimento dos objetivos institucionais[7]. De bom alvitre mencionar que o planejamento envolverá também os conhecimentos não jurídicos que melhor dialogarem com o campo de atuação daquele que planeja ou com o teatro de operações onde haverá o desenvolvimento do plano.

No que pertine ao planejamento, mister referir que são insuficientes mudanças estruturais administrativas, sendo fundamental modificar a forma como atuam as organizações (processos) e como se relacionam entre si. Importante também, além de liderança agregadora, é a capacitação dos envolvidos para possam bem conduzir os processos estando ou não no centro do sistema de planejamento[8].

O fato é que somente com uma visão estrategica poder-se-á promover modificações e adaptações indispensáveis para dar concretude ao que nos comprometemos nas searas internacional e nacional. Nesse ponto, deita raiz a importância do planejamento.

O planejamento, em regra, está vinculado às políticas públicas. Dessarte, quanto mais eficiência houver no processo de concepção e no de implementação da política pública, menor será a possibilidade de o planejamento ser inexitoso.

Prudente, então, tratarmos nesse ponto sobre a formulação de uma política pública.

Política pública é a solução aduzida pela administração pública com o fito de resolver ou de minimizar problema concreto e socialmente relevante. Portanto, partindo-se dessa premissa, essa política deve ser o fruto dos melhores esforços estatais alinhados com contribuições e articulações do movimento social.

Não obstante, na fase de concepção da política, a preocupação com a qualidade dos processos decisórios levará à obtenção de informações sobre a situação a ser transformada, sobre as instituições e pessoas capazes de colaborar, sobre os conhecimentos necessários, sobre os interesses em jogo e sobre as experiências adotadas em casos idênticos no país ou em outros lugares, bem como sobre os resultados aferidos e sobre as formas de os avaliar.

Na fase da aplicação da política pública, definidos o público-alvo, os resultados pretendidos, os modos e os momentos de os atingir, os possíveis parceiros, os possíveis adversários e os espaços de negociação, devem ser arrolados os previsíveis entraves e as formas de os combater eficazmente.

Nesse quadro, sinteticamente, pode-se afirmar que, uma vez que a instituição decidir levar a cabo determinada política, deve se organizar para que ela chegue onde ela é indispensável.

Em decorrência disso, revela-se instrumento adequado a realização de audiência pública. Esse meio, perfectibilização da participação popular na administração pública, amplia o número de propostas sobre a temática em causa, pode permitir a produção de consensos necessários, bem como a diminuição de dissensos ou a constituição de estrategias de negociação que talvez fossem desconsideradas na formulação levada a cabo apenas por integrantes da administração pública ou por consultores contratados.

A qualidade dos processos decisórios e a qualidade da política pública que se quer implantar estão conectadas com a qualidade do plano que se quer por em execução.

Todavia, é bom que se diga que até as ideias ou propostas que não sejam técnica ou juridicamente relevantes necessitam de planejamento. Talvez, precisem mais ainda do planejamento do que aquelas. Ocorre que aqui o planejamento estaria mais focado nas estrategias de convencimento e de negociação.

Apresentadas essas ideias, passa-se ao exame do caso concreto.

Entende-se que há pontos essenciais para o enfrentamento do grande número de homicídios mais de uma vez mencionado.

Ao ver do signatário, o combate que se pretende travar não pode ser cogitado sem se também focar na efetivação de uma educação racialmente inclusiva, pois estar-se-á mirando pensando também nas gerações futuras e adotando-se meios que produzem resultados duradouros de médio e de longo prazos. Em síntese, predominará uma visão de nação e não apenas um meio desvinculado da sustentabilidade.

Nesse sentido, eleger-se-ia como fundamental que os planos de enfrentamento pretendidos perpassassem pelo cumprimento nas escolas privadas e públicas, de ensino fundamental e médio das disposições do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que dispõe sobre a obrigatoriedade de serem inseridos nos currículos escolares a história e cultura africana, afrobrasileira e indígena.

Parte-se do pressuposto de que aquele que tem uma educação inclusiva, ou seja, que assume os direitos humanos como valores por meio do qual passa a examinar os fatos da vida, não abordará mais ou com o emprego de violência os que forem não brancos.

Independentemente dessa visão de longo prazo, é inegável que é indispensável repensar os cursos de formação de policiais cujas cargas horárias para se abordar todos os temas de direitos humanos são extremamente pequenas. Ademais, como a socialização que se dá nessas atividades é interna, ou seja, como a apreensão de valores e de características institucionais se dá ao se desempenhar a atividade e não durante a formação inicial, é obrigatório pensar e prever uma formação continuada para policiais militares civis com ampla ênfase em direitos humanos. Essa é uma alternativa a ser considerada para diminuir a violência policial.

Existem disposições legais vinculadas à essa seara e existem estruturas administrativas constituídas e até solidificadas. Porém, o descumprimento da legislação supracitada é premiado com a impunidade. Isso porque, no Brasil, somente o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul exerce o controle oficial junto aos Municípios, estando por inaugurar semelhante controle sobre o Estado.

Em se cuidando de desigualdade socioeconômica, indispensável que, com esteio em dados fidedignos do mercado de trabalho, principalmente no que diz com os níveis salariais e de empregabilidade, os planos de enfrentamento prevejam atuação estatal e privada, se possível, baseada na responsabilidade social corporativa. As conexões faltantes, que o plano poderia ensejar podem ser novas ou já existentes ou em elaboração.

Por oportuno, é de se sublinhar que há duas disposições do estatuto da igualdade racial que jamais foram cumpridas, mas que poderiam ser impactantes se melhor compreendidas pelo Poder Executivo federal.

Está-se a falar dos artigos 40 e 39, §3º do diploma já mencionado. O primeiro estabelece que o conselho deliberativo do fundo de amparo ao trabalhador (CODEFAT), que dispõe de bilhões de reais, deveria destinar recursos financeiros para receber programas, projetos e ações vinculadas à igualdade racial no mercado de trabalho. Todavia, tendo entrado em vigor no ano de 2.010, o instrumento e a disposição indicada não foram bastantes para que fosse destinado sequer um real para se ver cumprida a norma que se extrai do artigo já indicado. O segundo artigo, por seu turno, prevê que o poder público estimulará, por meio de incentivos, que as empresas tenham programas, projetos e ações voltadas à igualdade racial no mercado de trabalho. Transcorrido prazo mais do que razoável, não se promoveu a regulamentação do artigo sub oculis e, somente por meio dela, estarão definidos os reais benefícios fiscais e as obrigações que cumpridas os ensejarão.

Além de auxiliar na promoção desses dois artigos, o plano em liça poderia estimular a criação de grupos de trabalho regionais e nacionais aos quais competiria analisar o mercado de trabalho e propor mecanismos, instrumentos legais, articulações, cursos e eventos com o fim de alterar os dados que demonstram como o mercado de trabalho é sensível à raça e ao gênero das pessoas.

Tal proceder já foi adotado pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Por intermédio do Decreto estadual número 53.505/2017, foi instituído grupo de trabalho que reúne entidades empresariais, secretarias estaduais, universidades, movimento social, Procuradoria-Geral do Estado e OAB/RS, visando a alterar positivamente o mercado de trabalho ao combater as influências negativas da raça e do gênero das pessoas.

Por fim, no que pertine à segurança pública, mister, como premissa, que seja examinada a legislação atinente aos crimes raciais. Isso porque à legislação atual tem conduzido a quase 70% de absolvição, desconsiderando-se a ocorrência de suspensão condicional do processo no caso de injúria racial e nos de crimes raciais cuja pena mínima seja de 1 ano.

Oportuno dizer que, sob o silêncio do movimento social, tramita o novo código penal. O respectivo anteprojeto é resultado do trabalho de um grupo de profissionais que parece ter desconsiderado a flagrante ineficácia dos textos das leis hoje em vigor, pois os reproduziu parcialmente.

CONCLUSÕES

A mortalidade de jovens negros e pobres, que atinge taxas altíssimas, está inserida em um quadro de racismo sistêmico. Por via de consequência, é inegável que o ataque deverá ser também sistêmico, ou seja, vinculado às possíveis soluções atinentes às desigualdades existentes na educação, no mercado de trabalho, na segurança, nos espaços de poder e outros espaços nos quais o racismo gere reflexo.

Assim sendo, o combate deverá ser abrangente para que surta efeito. Portanto, o plano de enfrentamento que se pretende ver previsto na Carta Magna deverá considerar os processos relativos à tomada de decisão, à constituição e à implantação de políticas públicas, as concepções de desenvolvimento, de eficiência e de eficácia, a importância da responsabilidade social corporativa e o conceito e a operatividade da stakeholder network value.

Em síntese, é insuficiente a constituição de soluções legislativas para problemas extremamente complexos, devendo se reforçar a indispensabilidade do planejamento para a satisfação de direitos fundamentais que cujas efetividade e  proteção são diuturnamente negadas para uma parcela significativa da população brasileira.

A PEC 129/2015 e o PL /2015 abrigam o mérito de reavivar questões socialmente relevantes, merecendo que a estrategia e a articulação sejam amplas a ponto de mobilizar um número expressivo de atores pertencentes ou não à comunidade negra. Impositivo, por conseguinte que a caminhada que se quer exitosa siga passos capazes de levar a resultados e impactos concretos positivos.

JORGE LUÍS TERRA DA SILVA

PROCURADOR DO ESTADO/RS

[1]WAISELFIESZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência contra os jovens do Brasil, Rio de Janeiro:  Garamond, 1.998.

[2]WAISELFIESZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2.016 – Homicídios por arma de fogo  no Brasil, Rio de Janeiro:  Garamond, 2.016

[3]WAISELFIESZ, Julio Jacobo. Mapa…

[4]. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) https://www.unicef.org/publications/files/Violence_in_the_lives_of_children_and_adolescents.pdf, (acessado em 4/12/2017)

[5]KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o Estado para o Desenvolvimento Social, superando dogmas e convencionalismos. Editora Cortez. 2ª Edição. São Paulo (Coleção Questões  da Nossa Época, v. 64).

[6]SIMON, Herbert Alexander. Rational Decision-Making in Business Organizations. Nobel Memorial Lecture, 8 December, 1978.

[7]COUTO E SILVA, Almiro. Problemas Jurídicos do Planejamento. Revista da PGE-RS, Cadernos de Direito Público em homenagem a Almiro do Couto e Silva, número 57, pags. 127-161. Dezembro de 2003.

[8]  REZENDE, Fernando, Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução/ Fernando Rezende. Brasília, DF: CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA, 2010. (Texto para Discussão, 4).

*ESCRITO EM MARÇO DE 2019

5 de março de 2021

O RACISMO INSTITUCIONAL NO COMBATE AO RACISMO

 

                                 O RACISMO INSTITUCIONAL NO COMBATE AO RACISMO

           O racismo pode ser combatido por meio de processos educacionais, por meio de ações afirmativas, por meio da aplicação de sanções, por meio de atos civilizados e civilizatórios vinculados aos exemplos pessoais ou institucionais, bem como pela constituição de estruturas voltadas ao trato dessa questão.

           É perceptível que, em solo pátrio, não estamos sendo eficazes no combate ao racismo, pois ele ainda é bem presente e, em certos momentos, afigura-se revigorado. Também não temos sido eficientes porque não utilizamos de forma sistêmica todos os meios dos quais dispomos.

           Nesse teatro, não é desarrazoado falar em um quadro de ineficiência e de ineficácia no combate ao racismo. Esse quadro está sustentado em dados atinentes à educação, ao mercado de trabalho, à inserção em espaços de poder, às condenações relativas aos crimes raciais e à segurança.

           Diante do que se tem visto, sem temer a pecha de ser considerado alarmista, pode-se consignar que se está vivenciando um cenário de racismo institucional no combate ao racismo.

            De bom alvitre destacar que se toma o racismo institucional como o desinteresse ou a desatenção com questão ou com necessidade que interessa a determinado grupo étnico ou racial, levando à ocorrência e à permanência da discriminação. Parte-se, por conseguinte, da superação da intencionalidade, tendo-se, como bem ensina Roger Raupp Rios1, como a gênese da discriminação a dinâmica social, o ambiente institucional e as organizações nas quais os indivíduos vivem. Sob essa ótica, o exame do preconceito e da discriminação racial não se calca no sentir e no agir individual, sobretudo em uma sociedade que não se admite racista e que ainda sustenta conformar uma democracia racial, mas nos padrões de conduta, nos posicionamentos e nas composições institucionais e nos resultados práticos para o grupo lesado.

           O racismo institucional é inimigo de mais difícil identificação, que necessita de assunção de compromissos institucionais e de afastamento de supostas e danosas neutralidades que são estigmatizadoras e impeditivas do avanço civilizatório.

           Nesse cenário, é tido como normal e não preocupante não se ter aplicado as normas extraíveis do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional embora seu texto originário date de 2.003 e sua alteração de 2.008. Segundo esse dispositivo legal, que tomo como a lei antirracista com maior possibilidade de gerar efeitos sociais concretos por atuar no campo da educação das crianças, as escolas públicas e privadas brasileiras, de ensino fundamental e médio, “em todas as disciplinas”, devem inserir as histórias e as culturas africana, afrobrasileira e indígena. Desconsiderando o caráter transformador da norma, pois ela visa à formação de uma sociedade baseada no conhecimento e não no preconceito, ultrapassando a questão educacional e configurando meio de prevenção e de combate às práticas racistas no corpo social, os Estados-membros e os Municípios não deram efetividade sistemática ao que determina a lei. A União, por sua vez, permite, ao não promover a alteração dos currículos das graduações, que profissionais saiam das Universidades sem o conhecimento necessário para ministrar disciplinas de forma adequada ao que determina a LDBEN. Falha, por conseguinte, do ponto de vista educacional, político e econômico, sobretudo porque, além disso, acaba repassando recursos com bem menor possibilidade de êxito, para que os já professores individualmente ou os demais entes federados em períodos de tempo inferiores ao da graduação, compareçam ou promovam eventos e cursos.

           Vê-se aí um importante meio de combate ao racismo, a educação, utilizado de forma ineficiente e gerando efeitos inferiores aos que legitimamente se poderia esperar.

            Outro meio de combate ao racismo seria a criação e o fortalecimento de estruturas governamentais de combate ao racismo. Todavia, temos como natural que, em um país com dimensões continentais, haja uma Secretaria sem estrutura de Ministério e com poucos recursos orçamentários e humanos para tratar da igualdade racial no Brasil. O mesmo se repete nos Estados e nos Municípios brasileiros, indicando não haver vontade férrea de combater as consequências para negros e não negros de uma longa escravização. Aliás, tal vontade estatal poderia e deveria ser externada na composição das equipes governamentais, mas não é raro vê-las compostas exclusiva ou quase que exclusivamente por não negros.

           Discute-se de maneira intensa quando ocorrem práticas individuais de racismo, a necessidade de tais atos serem considerados como crime de racismo e não como o de injúria racial, de serem mais severas as penas e de trabalharmos essa questão no campo da educação. E não é incomum o agente não se admitir racista, considerar hipócritas os cidadãos que o criticam e dizer ter amigos ou até parentes pretos ou pardos. No que interessa nesse breve texto, é bom destacar que não trabalhamos adequadamente a questão educacional previamente ou depois de fatos que comovem parte significativa da sociedade. E mais. Há estudos do respeitado Laboratório de Análises Econômicas, Histórias, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais dando conta de que quase 70% das pessoas que respondem por crimes raciais restam absolvidas. Creio que ainda se há de considerar que sendo os crimes de racismo e de injúria previstos com pena mínima de um ano, está o Ministério Público obrigado a ofertar a possibilidade de suspensão condicional do processo, o que ampliaria o número de pessoas supostamente praticantes de tais atos e sem recebimento de sanção.

           A questão é que, tendo-se a lei penal como um instrumento de combate ao racismo e vendo-a como incapaz de gerar os efeitos aguardados, sabe-se que está a tramitar no Congresso Nacional projeto de lei, sob o silêncio do chamado Movimento Negro, que reproduz o ineficaz texto legal, pois mescla o atual Código Penal com a Lei Federal 7.716/89. O mencionado projeto é fruto de uma comissão de notáveis convocada pelo Congresso. Sem se examinar competências e qualificações individuais, mister anotar que ou não se teve acesso ao estudo do LAESER, demonstrador da ineficácia legislativa, ou com ele se chegou à interpretação que, respeitosamente é forçoso dizer, não levará à transformação que a Constituição e os atos internacionais impõem à nossa Pátria. Dessa arte, a questão, divorciada dos dados, parece ter sido considerada de somenos importância diante das outras que deveriam ser tratadas na novel legislação. Aliás, apesar de no anteprojeto haver cominação (previsão) de pena (menor do que a atual, pois retirou-se a multa), o projeto de lei foi apresentado pelo Senador Sarney sem pena alguma para o crime de racismo.

           No que concerne às ações afirmativas, oportuno consignar que as cotas raciais no meio acadêmico nasceram nas próprias Universidades, não decorrendo, com efeito, de iniciativa governamental. Ainda no campo da ação afirmativa, impositivo asseverar que convivemos bem com o fato de o Estatuto da Igualdade Racial, que é um marco regulatório, ser descumprido. Restrinjo-me, aqui, a dois pontos relevantes: a não regulamentação do artigo 39 e a violação do artigo 40 do diploma mencionado acima. Foi constituída comissão para apresentar à SEPPIR/PR sugestão de regulamentação no ano de 2012. Desse grupo, embora o parágrafo terceiro do artigo supradito preveja a concessão de incentivos fiscais às entidades privadas que tenham programas, projetos e ações de igualdade racial no campo do trabalho, não constava nenhum membro do Ministério da Fazenda ou do Ministério do Planejamento. Como decorrência lógica, transcorrido prazo mais do que razoável, pois o Estatuto é de Julho de 2010, não há entidade privada que financie projetos de cunho eminente racial, salvo o Fundo Baobá, e somados os salários de homens brancos e mulheres brancas e somados os salários de homens negros e mulheres negras em seis regiões metropolitanas brasileiras, o segundo grupo de pessoas, com as mesmas qualificações e funções, percebe a metade do que percebe o primeiro como demonstra trimestralmente o LAESER.

          À toda evidência, desperdiçamos um forte meio transformador: a lei. Essa, no caso específico, estimularia o emprego de outro meio de igual valor: a responsabilidade social corporativa.

           Outro ponto do Estatuto que se quer aqui abordar é o descumprimento solene do que determina o artigo 40. Está o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo do Trabalhador obrigado a promover programas e ações, a financiar projetos e iniciativas pertinentes à igualdade racial no mercado de trabalho. Até o momento, nenhum centavo sequer foi endereçado ao que determina a lei e o que é pior, a leitura da ata da 117ª reunião ordinária do CODEFAT evidencia a intenção de não se dar efetividade à norma jurídica. O ápice é atingido quando o representante do BNDES sustenta que o Banco não tem a cor/raça como um critério para a concessão de financiamento. Ora, nada mais fez do que comprovar o descumprimento do Estatuto.

          O estatuto supradito instituiu ou Sistema Nacional de Promoção de Igualdade Racial no ano de 2010. Transcorrido longo período, pouco mais de 1% dos 5570 Municípios aderiu ao sistema e os que o fizeram, adotaram o padrão mais baixo dos três possíveis.

           Quanto à baixa inserção do negro nos espaços de poder, bastante seria ler o Censo do Poder Judiciário brasileiro, realizado com coragem e espírito republicano pelo Conselho Nacional de Justiça. Dos cerca de 10796 que responderam ao questionário que fora apresentado aos 16812 Juízes brasileiros, 1% (107) se autodeclararam pretos e 14%(1511) se autodeclararam pardos. Sabe-se que a diversidade interna torna a instituição mais competitiva e mais apta a compreender os desafios da sociedade e a construir soluções. Por conseguinte, alterar a composição do Judiciário pátrio é mais do que dar maior acesso do que o atual a um grupo de pessoas, é conferir-lhe mais condições de atuar com justiça numa sociedade contaminada pelas desigualdades de diversas ordens.

           Numerosas vezes, parece que olvidamos de que o combate às desigualdades é um Objetivo Republicano estampado na Constituição. Ademais, já passou da hora de darmos efetividade ao princípio e postulado da eficiência no campo da igualdade racial no Brasil, afastando-nos de atos simbólicos, de ritmos ditados por questões político-partidárias ou individuais, gerando-se um sistema capaz da consecução de resultados e impactos transformadores há muito aguardados por cidadãos negros e não negros.

Jorge Terra

Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito.

1RIOS, Roger Raupp, Direito da Antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2008

PS: artigo republicado sem levar em conta eventuais censos do Poder Judiciário realizados após o período da presidência do Ministro Joaquim Barbosa.

 

3 de agosto de 2016

Especialistas avaliam como positivas novas regras de concursos para candidatos autodeclarados negros 

 

Editais deverão prever uma espécie de banca que avaliará informações considerando somente os “aspectos fenotípicos”. Iniciativa pode ajudar a evitar fraudes, disseram fontes consultadas

Por: Eduardo Rosa
02/08/2016 – 21h33min | Atualizada em 02/08/2016 – 22h04min
Especialistas avaliam como positivas novas regras de concursos para candidatos autodeclarados negros  Betina Humeres/especial/Agencia RBS

Foto: Betina Humeres/especial / Agencia RBS

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão publicou novas regras para verificar a veracidade das autodeclarações de candidatos negros em concursos de órgãos e entidades da administração pública federal. Conforme o texto que está no Diário Oficial da União desta terça-feira, deverão ser considerados “tão somente, os aspectos fenotípicos”, que serão avaliados na presença do concorrente à vaga.

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A orientação normativa diz que os editais de concurso para cargos efetivos devem prever e detalhar os métodos para que seja feita a conferência da autodeclaração, com a indicação da comissão responsável pelo trabalho.

É necessário prever, também, a possibilidade de o candidato que não for considerado preto ou pardo recorrer da decisão. Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Humberto Adami vê nas novidades uma forma de evitar fraudes:

– Muita gente estava obtendo vantagens indevidas se autodeclarando preto ou pardo sem ter a condição – afirma, dando como exemplo casos em que ele atuou como advogado, nos quais cotistas teriam ficado sem a vaga por conta de declarações falsas.

Também diretor do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), Adami relata que a norma já vinha sendo trabalhada durante a administração de Dilma Rousseff e foi mantida pelo governo interino:

– Isso significa que a política de ações afirmativas tem de ser entendida como política de Estado para reparação de uma dívida histórica.

O grupo que fará a verificação deve ter “membros distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade”. Se a declaração do candidato for considerada falsa, ele “será eliminado do concurso sem prejuízo de outras sanções cabíveis”. Em relação aos concursos em andamento, cujo resultado final não foi homologado, os editais precisarão ser retificados para atender o que determina a orientação normativa.

A coordenadora do Programa de Pós-graduação em Genética e Biologia Molecular da UFRGS, Maria Cátira Bortolini, diz que a autodeclaração é usada há tempo, mas, quando contraria a visão de outras pessoas, gera questionamentos.

– (A avaliação) será a percepção que a banca tem do que é conhecido por fenótipos que remetem a uma ancestralidade africana. (Os membros da banca) vão chegar a um acordo que definirá as características visíveis expressas no fenótipo que remete aquela pessoa que está pedindo a vaga a alguma ancestralidade africana – afirma a professora do Departamento de Genética da UFRGS.

Número de vagas é critério para reserva

As novas regras começaram a valer nesta terça e dizem respeito a concursos públicos para cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Elas regulamentam a Lei 12.990, de 2014, que reserva 20% das vagas a negros sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a três. Jorge Terra, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Procuradoria-geral do Estado, considera o novo critério justo.

– É uma obrigação do poder público fazer a política afirmativa chegar a quem precisa. Quando o critério é frouxo, permite a fraude – avalia.

fonte: Zero Hora – edição de 03.08.2016

3 de fevereiro de 2016

POLÍTICA PÚBLICA EFICAZ

Política pública eficaz

Novamente, exsurgem notícias de que haveria pessoas que estariam a se apresentar como integrantes da comunidade negra, que é composta por pretos e por pardos, com o intuito exclusivo de participar de certames públicos dentro no sistema de reserva de vagas para cotistas raciais.

Política pública é a solução apresentada por ente estatal com o fim de resolver ou de minimizar problema concreto e socialmente relevante. Logo, partindo-se dessa premissa, essa política deve ser o fruto dos melhores esforços estatais alinhados com contribuições e articulações do movimento social. Além disso, na fase de concepção da política, a preocupação com a qualidade dos processos decisórios levará à obtenção de informações sobre a situação a ser transformada, sobre as instituições e pessoas capazes de colaborar, sobre os conhecimentos necessários, sobre os interesses em jogo e sobre as experiências adotadas em casos idênticos no país ou em outros lugares, bem como sobre os resultados aferidos e sobre as formas de os avaliar.

Na fase da aplicação da política pública, definidos o público-alvo, os resultados pretendidos, os modos e os momentos de os atingir, os possíveis parceiros, os possíveis adversários e os espaços de negociação, devem ser arrolados os previsíveis entraves e as formas de os combater eficazmente.

Nesse quadro, sinteticamente, pode-se afirmar que, uma vez que a instituição decidir levar a cabo determinada política, deve se organizar para que ela chegue onde ela é indispensável.

Nesse sentido, é inadmissível, ao meu sentir, que uma instituição resolva aplicar um sistema de cotas na admissão de estudantes ou de profissionais e o faça na presunção de que o padrão moral dos candidatos seja inibidor suficiente para a apresentação de declaração falsa. Em outros termos, é obrigação da instituição que visa ao atingimento de resultado concreto impedir que a política seja empregada no caso daquele que efetivamente dela não necessite. Há então o poder-dever de ter meio de aferição dos requisitos da política e do cargo.

Nesse teatro, não se pode criar sistema calcado exclusivamente em declaração do sedizente titular ao direito de ingresso diferenciado. Do contrário, politicamente reforça-se a posição daqueles que entendem que as ações afirmativas não deveriam ser empregadas e, ao mesmo passo, impõe-se um afastamento daqueles que as querem ver adotadas.

Aliás, de bom alvitre lembrar que a impossibilidade de custear os encargos referentes a um processo judicial, regulada pela lei número 1.060/50, é aduzida por mero pedido daquele que se apresenta como necessitado. Todavia, com o decorrer do tempo, robusteceu-se o entendimento de que não está afastada a possibilidade de o julgador exigir provas da hipossuficiência. Outra alternativa, inclusive, estaria divorciada da Constituição Federal que prevê , no artigo 5º, inciso LXXIV,  que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Acrescente-se que as pessoas com deficiência, quando concorrem nos mesmos certames, devem comprovar que possuem o direito de concorrer ao sistema de reserva.

Em síntese, é de interesse da sociedade que a política pública seja efetiva, isto é, que ela chegue nos espaços e nos momentos previstos para que possa gerar alteração positiva concreta. No que tange às políticas de reservas de vagas de cunho racial, é indispensável que nos editais sejam previstas comissões de verificação e de acompanhamento com participação de membros da carreira e da sociedade civil.

JORGE TERRA

COORDENADOR DA REDE AFRO-GAÚCHA DE PROFISSIONAIS DO DIREITO

5 de agosto de 2015

TCE-RS encaminha projeto de lei sobre cotas raciais à Assembleia

Foto Noticia

O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) encaminhou à Assembleia Legislativa (AL/RS) projeto de lei que dispõe sobre a reserva de vagas destinadas a negros, índios e pardos nos concursos públicos realizados pela Instituição. A proposição foi entregue em audiência, na manhã desta quarta-feira (05), pelo presidente do TCE-RS, conselheiro Cezar Miola, ao presidente da Casa Legislativa, deputado Edson Brum.

Entre outras disposições, o projeto estabelece critérios para confirmação da autodeclaração étnica dos candidatos. Uma comissão constituída para essa finalidade observará a fenotipia e examinará documentos comprobatórios dos inscritos. A comissão poderá convidar representantes de entidades da sociedade civil comprometidas com a promoção da igualdade racial para acompanhar seus trabalhos.

Cezar Miola destacou que o projeto assinala avanço importante para a efetivação das cotas. “Trata-se de um regramento para o TCE-RS que poderá servir de parâmetro para outras instituições e Poderes, de tal forma que sejam beneficiadas as pessoas que, de fato, necessitam de ações afirmativas”, disse.  O deputado Edson Brum, por seu turno, saudou a iniciativa do Tribunal, manifestando sua disposição para a necessária mobilização política em torno do objetivo da plena inclusão social. “Venho de Rio Pardo, a cidade com maior proporção de afrodescendente do estado, e sei exatamente o que significa a discriminação. Sou um militante da causa”, declarou.

Presente na audiência, o procurador Jorge Terra, liderança nos movimentos pela valorização da identidade e cultura negras, assinalou que o projeto consolida uma conquista. “Ainda hoje, as taxas de empregabilidade de negros na região metropolitana são inferiores a dos brancos, inclusive para afrodescendentes com maior escolarização. O TCE-RS é o único Tribunal de Contas do Brasil que tem atuado nesta área fiscalizando, por exemplo, o disposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação quanto à obrigatoriedade do ensino da cultura africana e indígena”, assinalou.

O TCE-RS reserva 15% das vagas em seus concursos para negros, pardos e indígenas. Nos últimos dois processos de seleção, nove candidatos inscritos pelo sistema de cotas foram desclassificados por não terem comprovado sua ascendência.

Também acompanharam a audiência na AL/RS, a supervisora de Gestão de Pessoas do TCE-RS, Carina Franceschini, e o presidente da Comissão de Avaliação do TCE-RS sobre os requisitos para cotistas, Mauro Cadori.

Acesse aqui a integra do projeto.

fonte: Comunicação Social do Tribunal de Contas do Estado/RS

Data de Publicação: 05/08/2015 12:11

11 de novembro de 2014

Programa Cidadania – O impacto das cotas no serviço público

No dia 28 de Outubro de 2014, o Programa Cidadania da TVE/RS estabeleceu a sempre interessante discussão sobre o impacto das ações afirmativas, em especial das cotas, no serviço público.

A discussão envolveu questões atinentes às cotas para pessoas com deficiência, pretos e pardos nos concursos públicos, bem como também para pessoas oriundas de escolas públicas nas disputas por vagas em universidades públicas.

Os debatedores foram a Professora Universitária Ana Tércia Rodrigues e o Procurador do Estado Jorge Terra.

O programa, cuja temática deveu-se ao dia do servidor público, está acessível pelos seguintes links:

http://www.cwaclipping.net/sistema/newsletter/visualizar/materia.php?security=4763a1b7fc4f.1773568.3870768

http://www.cwaclipping.net/sistema/newsletter/visualizar/materia.php?security=26448818a0d8.1773568.3870785

Jorge Terra

Diretor de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul – APERGS

9 de outubro de 2014

As Eleições 2014 e a Questão Racial

Na terça-feira (07/10/2014), o Programa Café com Cultura estabeleceu uma interessante pauta: no Rio Grande do Sul, de todos os parlamentares eleitos na eleição de 2014, somente um deles se considerou como integrante da comunidade negra (composta por pretos e por  pardos).
Quais seriam as razões da baixa inserção do negro também no Poder Legislativo?

É necessário uma nova postura dos Defensores dos Direitos Humanos, sobretudo os que militam pela causa negra? Tem havido recrudescimento do racismo?
A matéria está acessível pelo seguinte link:

JORGE TERRA

REDE AFRO-GAÚCHA DE PROFISSIONAIS DO DIREITO

25 de junho de 2014

Censo do CNJ sobre composição do Poder Judiciário

No segundo semestre de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mapeou, pela primeira vez, o perfil dos magistrados e servidores do Poder Judiciário brasileiro. Para alcançar seu objetivo de traçar o perfil dos magistrados e dos servidores do Poder Judiciário, o Censo buscou conhecer quem são e o que pensam, identificar os níveis de satisfação com as políticas institucionais das instituições em que trabalham e sobre o próprio CNJ, além de buscar, pela primeira vez, quais os níveis de motivação com a carreira, com a escolha profissional de trabalhar no Poder Judiciário.

Para realizar a pesquisa, o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ elaborou dois questionários, um para magistrados e outro para servidores, ambos disponibilizados de forma eletrônica na página do CNJ.

O Censo dos servidores contou com a participação de 60% dos servidores da Justiça, o que significa afirmar que 170.746 servidores, do universo de 285.328, responderam a pesquisa. A adesão dos magistrados foi ainda mais significativa, pois 64% (10.796) dos 16.812 magistrados em atividade prestaram informações à consulta realizada pelo CNJ.

O relatório final apresenta os resultados do Censo, deflagrando os Vetores Iniciais e Dados Estatísticos (VIDE) com o propósito de promover uma ambiência para sugestões e discussões no âmbito do Poder Judiciário, sobretudo com o intuito de suscitar a participação das mais de 400 pessoas envolvidas com a execução deste projeto em cada um dos 94 tribunais e conselhos. Espera-se, ainda, abrir mais um veio de debate público também com a academia e a sociedade.

Além desta introdução, a seção 2 aborda os aspectos metodológicos da pesquisa, enfatizando os esclarecimentos necessários à correta leitura dos dados apresentados na sequência.

A seção 3 compreende o perfil dos magistrados, com informações pessoais, profissionais e referentes à satisfação e motivação com a carreira.

A seção 4 aborda o perfil do servidor e segue as mesmas linhas do terceiro, inclusive quanto às opiniões dos servidores do Poder Judiciário.

Dada a importância da pesquisa para a transparência e modernização do Poder Judiciário, outros estudos de caráter analíticos estão em elaboração com base nas informações constantes neste documento e serão apresentados.

Link de acesso ao Censo :  http://www.cnj.jus.br/images/dpj/CensoJudiciario.final.pdf

Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ

16 de novembro de 2013

VOTAR E SER VOTADO

VOTAR E SER VOTADO

Discute-se, nacionalmente, sobre o teor da proposta de emenda à constituição que prevê reserva de vagas para pretos e pardos na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Legislativas Municipais, ou seja, nas eleições proporcionais em todo o país.
Com esteio na PEC 116/2011, haveria eleição apartada, realizada simultaneamente à necessária para a ocupação das outras vagas. Cada eleitor teria direito a voto específico pertinente à reserva para candidatos autodeclarados pretos ou pardos. A reserva seria em porcentagem correspondente a 2/3 da população de pretos e de pardos auferida em censo demográfico e duraria por cinco legislaturas, podendo ser renovado tal sistema por igual período.
Tenta-se, pela via da construção de solução legislativa, enfrentar a baixa representatividade da comunidade negra nas casas legislativas.

Entendo que, no que concerne às demandas e à representatividade das pessoas componentes da comunidade negra, deveria ser outra a opção. Aliás, calha dizer que a proposta não aborda eleições majoritárias (para o Senado e para o Poder Executivo) e desborda do fato de que não há falta de leis, mas cumprimento efetivo delas (aqui não se precisa estender a fala sobre a falta de regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial e sobre o descumprimento do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, como exemplos). Aliás, sabe-se bem da supremacia do Executivo sobre o Legislativo em nossa pátria e do número ínfimo de Ministros de Estado e de Secretários de Estado pardos e pretos no Brasil, inclusive em São Paulo e na Bahia, onde há número expressivo de pretos e de pardos.
Em verdade, move-me mais aprender sobre os critérios de definição dos candidatos, de apoios políticos e de destinação de votos. Aliás, o Professor Doutor Edmilson Santos dos Santos, baseado em dados obtidos junto à Justiça Eleitoral, indica dificuldades de serem levadas adiante candidaturas que não fossem de homens brancos e apresentados como heterossexuais. Sublinhe-se que o Professor estava a se debruçar sobre dados de um partido de esquerda em uma capital brasileira*.
Tenho como legítimo que os segmentos concentrem interesses e esforços, bem como destinem recursos e espaços para determinadas candidaturas. Isso porque, há muito, sabe-se da importância de se viabilizar pautas e demandas nas casas de decisão política. Dessa arte, os segmentos têm estabelecido e mantido ligações e/ou representações no campo político-partidário, bem como feito emergir candidatos de seu seio.
O que impõe exame é se, no chamado movimento negro, ocorre fenômeno diferente. Em outros termos, os partidos penetram no segmento, conduzindo suas pautas, dificultando o estabelecimento de consensos e limitando o desenvolvimento de lideranças criativas e propositivas. Dessa arte, em lugar de a relação estreita com os partidos ou com políticos tidos como “defensores da causa” gerar maior influência na destinação de recursos e no estabelecimento de metas a serem atingidas pelos partidos ou pelas gestões, exsurge o controle da caminhada política do segmento.
Quando o militante social acaba priorizando o ritmo de transformações ou as prioridades eleitas pelos partidos sem que haja contrapartida para seu segmento, pode estar colaborando para que sejam perpetrados retrocessos e desarmonia. O pior é que essa atitude não é tida nos partidos políticos como a indicação de que se está diante de pessoa com ascendência sobre outras ou com habilidade especial. Ao contrário, se esse reconhecimento houvesse, poderia esse militante, ao menos, tornar-se candidato com estrutura que lhe permitisse ser competitivo. Aliás, nesse “vácuo” é que atuam pessoas não pertencentes ao segmento e que se apresentam como “defensores da causa”. Na realidade, os estranhos ao segmento, que o entendem e se solidarizam com sua causa, devem ser parceiros na execução de pautas e de estrategias definidas, com protagonismo, pelo segmento, não os vendo, com efeito, como reduto de eleitores.
O que devemos empreender é o modo de definir pautas unificadoras e tornar o movimento negro menos infenso a interesses externos. Há de se disputar nos partidos políticos, sejam de direita ou de esquerda, demandas e agendas de interesse do movimento, bem como a indicação de lideranças legítimas para funções relevantes nas estruturas partidárias e nas eventuais gestões.
Como exemplo da atual situação, grita o caso do Município de Salvador, no qual menos de 1/3 dos vereadores pertenceria à comunidade negra. Além disso, o prefeito eleito, nesse Município de maioria negra, integra partido que ajuizara ação para que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgasse inconstitucional o sistema de cotas raciais nas universidades.
Dessa arte, é de se sopesar se a sociedade brasileira para ter equilíbrio de forças entre os segmentos necessita de novas regras ou de novas posturas. Já aos militantes sociais impõe refletir para quem contribuem auxiliando em candidaturas majoritárias ou proporcionais que têm frustrado os anseios e as necessidades de seu segmento embora se apresentem como “defensores da causa”.

*http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=6&Itemid=5

Jorge Terra
Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito
Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS
Diretor de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado.

22 de setembro de 2013

Pátria distraída

Pátria distraída

Muita gente no Brasil consegue ver com nitidez o grau de desigualdade racial americana, mas não a brasileira. Fica indignada quando vê os números ou sabe das histórias nos Estados Unidos. É capaz de se emocionar com o discurso de Martin Luther King, e não vê o que está posto diante de nossos olhos. A nossa vergonhosa separação racial exige muita abstração para não ser vista.

De novo isso ficou evidente, na comemoração dos 50 anos do maravilhoso e inesquecível discurso do pastor Martin Luther King. O racismo deles, de ontem e de hoje, nos deixa indignado; mas o nosso sequer é notado. A ausência dos negros nos eventos onde está a elite, de qualquer área, não incomoda os brasileiros. E porque tantos não veem essa ausência, podem continuar dizendo com conforto que o racismo brasileiro não existe. São os que dizem que nós apenas discriminamos os pobres. E falam isso sem pejo, sem sequer se dar conta do preconceito que a frase embute.

A propósito do aniversário do mais importante discurso do século XX, muitos textos foram publicados na imprensa brasileira. Houve textos mostrando o quanto, cinco décadas depois, o sonho de Martin Luther King está ainda incompleto. Houve até quem tentasse extrair das palavras do líder negro americano uma condenação às políticas de inclusão baseadas em ações afirmativas. Não é a primeira vez, nem será a última, que no Brasil vai se tentar inverter as palavras do ícone do movimento negro. O manifesto dos intelectuais, de triste memória, que se divulgou no Brasil contra as cotas raciais usava as palavras de Martin Luther King para sustentar suas teses de defesa do status quo no Brasil. Felizmente, tudo isso foi superado quando o Supremo Tribunal Federal considerou as cotas constitucionais por unanimidade. Mas seus opositores ainda resmungam.

Pode-se revisitar qualquer número e lá está a marca da separação entre pretos e pardos, de um lado; brancos de outro. Pode-se visitar os espaços brasileiros para se encontrar de um lado a hegemonia branca, de outro a maioria preta e parda.

Uma jovem negra de hoje, certamente, estudou mais do que seus pais, mas a taxa de desemprego feminino negro entre 18 a 24 anos chega a 20%. A dos jovens em geral é de 13%. A da população é menos de 6%. Mesmo num dos melhores momentos do mercado de trabalho recente no Brasil, a exclusão permanece.

Os salários dos trabalhadores negros é a metade dos salários dos trabalhadores brancos. Muitos dirão que é a diferença de escolaridade. Mas os estudos que comparam pessoas com a mesma escolaridade comprovam que a diferença persiste. Há inúmeros dados, mas não quero empilhar números aqui, eles são conhecidos. O que me espanta é o silêncio enorme que se faz sobre eles. O tema não tem tido a visibilidade e a constância que precisa ter na imprensa brasileira.

Recentemente, numa entrevista que me concedeu, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, se referiu ao episódio do concurso do Itamaraty do qual ele foi eliminado numa entrevista. Depois de ter passado nas provas, ele foi reprovado por um embaixador que o entrevistou. E isso foi referendado por outros cinco embaixadores.

É transparente a ausência de negros no Itamaraty desde sempre. Quando se quer dizer que não é bem assim, se lembram do embaixador Souza Dantas. Ele era o único quando foi nomeado no final dos anos 1960. Diante de uma representação diplomática quase escandinava, o Itamaraty começou a tomar, recentemente, algumas medidas de apoio à entrada de candidatos negros. Mas é pouco e recente. Sobre o caso lembrado pelo ministro Joaquim, a única resposta sincera do Itamaraty era reconhecer esse passado de discriminação. Mas o Ministério preferiu uma nota de defesa corporativa em que usou o presente recentíssimo para abonar um longo passado de exclusão. A verdade é que a porta que sempre esteve fechada, apenas começa a se entreabrir.

Seria bom se o Brasil tivesse aproveitado a oportunidade do aniversário do memorável discurso para pensar sobre si mesmo, fazendo uma honesta admissão de quanto tem discriminado os negros. Se a pátria permanecer assim distraída, sendo tão capaz de ver o alheio, mas nunca a si mesma; se continuar repetindo os mitos da miscigenação que tudo resolveu, se permanecer não percebendo o tom racista em certas palavras e reações, vamos estar aqui partidos ainda, no dia em que se comemorar 100 anos da proclamação do sonho americano.

MIRIAM LEITÃO 01/09/2013
FONTE:http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2013/09/01/patria-distraida-508833.asp

21 de julho de 2013

O verdadeiro parceiro critica e apresenta sugestão

A Presidência da República, em decorrência das manifestações realizadas nas ruas de numerosos Municípios brasileiros, reuniu alguns segmentos em Brasília. Até o momento, não houve notícia de que o encontro com pessoas e entidades escolhidas pela SEPPIR tenha gerado resultados concretos.
Dito isso, prossegue-se.
Não creio em sonhos. Entendo que devemos constituir objetivos e meios de os atingir.
Nesse quadro, tenho como objetivo de forma direta ou indireta estabelecer contato com quatro Ministros de Estado. Aliás, tenho para mim que parceiro útil é aquele que também apresenta críticas e, sobretudo, sugestões. Pautando-me por isso, estou sempre disposto a formar consensos com pessoas e com entidades diversificadas.
No Ministério de Justiça, pretendo apresentar crítica acompanhada do Projeto Curso Acredite, que é forma de combater a insuficiente presença de negros e de pardos no sistema de Justiça e de Segurança. O projeto supradito já está estruturado, estando vocacionado a permitir que seu público-alvo contribua para que as instituições integrantes do sistema de justiça e de segurança, no futuro, tornem-se mais competitivas e aptas a resolver questões ligadas às suas competências. O Projeto, em síntese, tem por objetivo ampliar o número de negros e de pardos no sistema já mencionado, inserindo novos valores e novas vivências nos entes e propiciando o alcance de postos de trabalho com maiores remunerações e poder.
Aproveitando o ensejo, ainda no Ministério de Justiça, aduziria análise do anteprojeto do novo código penal, demonstrando como ele, se mantido o atual texto, não alterará positivamente a situação no que concerne ao crime de racismo. Além disso, apresentaria proposta de alteração do texto do código penal, visando ao combate de um dado concreto: segundo o LAESER/UFRJ, cerca de 66% das pessoas que supostamente teriam cometido crime de natureza racial acabaram sendo absolvidas. De plano, percebe-se que não se resolve essa questão sem trabalhar na seara da tipicidade.

No Ministério do Trabalho, de forma objetiva, abordaria a inocorrência de políticas voltadas à equidade racial. Começaria por referir a inexistência de recorte racial e de gênero no Programa Jovem Aprendiz, fazendo-o reprodutor de uma realidade a ser transformada. Prosseguiria sugerindo a criação de grupo de trabalho paritário entre o Poder Público e a Sociedade Civil com o fim de estabelecer forma de cumprimento do artigo 40 do Estatuto da Igualdade da Racial. Isso porque, transcorrido prazo superior a três anos da edição dessa lei, o CODEFAT não constituiu programas, ações ou forma de financiar projetos tendentes a melhorar a situação socioeconômica de pardos e de negros brasileiros.

Já, na Casa Civil, que, por tradição, exerce função de articulação, questionaria o fato de que, se o Governo tem ciência dos dados atinentes à empregabilidade (oportunidades e salários diferentes) por que os finitos recursos públicos estão mais voltados à área cultural (mesmo sabendo que a economia criativa ou economia da cultura não tenha deslanchado) e não ao empreendedorismo, às profissões que propiciam melhores condições socioeconômicas e maiores condições de intervir nos destinos da Sociedade brasileira. Mais adiante, cuidaria de tema que pode impulsionar outros tantos: a regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial. Em especial, abordaria o fato de o Estado não estimular a responsabilidade social corporativa no enfrentamento do racismo no mercado de trabalho. Sublinhar-se-ia que o artigo 39 do diploma já mencionado prevê que seriam alcançados incentivos fiscais às empresas que tivessem políticas inclusivas. Entretanto, sem regulamentação, as empresas, espontaneamente, não desenvolvem políticas com o tom supradito. A regulamentação seria no sentido de definir qual a espécie e qual o limite do benefício fiscal, bem como a forma e o período do que se lhe vai exigir como contrapartida. Havendo a firme convicção da promoção da regulamentação, seriam consultados os Ministérios da Fazenda e do Planejamento por óbvio.

Por fim, a conversação com a maior possibilidade de ser transformadora, pois destinada à totalidade do Povo brasileiro. Sim, tratar de educação é, ao meu sentir, tratar da criação de uma nova sociedade brasileira.
Começaria por externar que o Ministério da Educação, tendo visão inclusiva, não poderia ter iniciado a execução do Programa Ciência Sem Fronteiras sem, em paralelo, ter concretizado forma de dar acesso à língua estrangeira, pelo menos, as estudantes beneficiários do sistema de cotas, do PROUNI e do FIES. E que não se diga não houve tempo para entrar em contato com os centros de línguas existentes nas universidades, pois as negociações com universidades estrangeiras não pode ter se dado em tempo inferior a dois anos.
Prosseguir-se-ia a conversa questionando-se o Ministério da Educação se é eficiente o método empregado atualmente de financiar a capacitação de Professores integrantes de redes públicas mediante a apresentação de demanda e de projeto pertinente ao artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (criado pela Lei 10.639/2003 e alterado pela Lei 11.645/2008). A LDB evidencia que o trato das histórias e das culturas negra e indígena se dará em todas as disciplinas embora haja três delas que sejam preferenciais. Não seria antieconômico aguardar que o Professor ingressasse numa rede para aí então encaminhar recursos financeiros para as Universidades o capacitarem em períodos não excedentes a um ano? O Ministério da Educação dentro no período de dez anos já fluído não deveria trabalhar no sentido da mudança dos currículos dos cursos de graduação? Obviamente, ainda haveria o contingente de Professores que saíram das Universidades antes de 2003. Para esses, evidentemente, haveria necessidade de capacitação posterior. Todavia, no sistema hoje empregado, o contingente é bem maior, os recursos necessários são maiores e as redes não são atingidas em sua integralidade.
Por fim, avançando-se seria de se perquirir se já se cogitou de reduzir eventual repasse de recursos ou alcance de oportunidades para Estados e Municípios que não comprovem ter alterado suas documentações, capacitado seus Professores e colocado em prática a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Jorge Terra
Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

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