Jorge Terra

18 de abril de 2024

promovendo justiça de transição

Muitos dos profissionais brasileiros da área jurídica realizam pesquisas de Mestrado, de Doutorado ou de Pós-Doutorado na Alemanha. Apesar disso e de muitos dos que estudaram em terras germânicas estarem em postos-chave, não é missão fácil identificar aqueles que, ao retornar ao Brasil, façam a evidente comparação da Shoá ou Holocausto (a discriminação, a violência sistemática e o extermínio de judeus que ocorreu de 1.933 a 1.945) com o chamado genocídio da população negra brasileira. Poder-se-ia realizar trabalho semelhante ao que ocorreu na Alemanha após a Segunda Grande Guerra e promover ações conjuntas para se tratar sobre direitos humanos, que, ao fim e ao cabo, é do que se trata ao abordar questões raciais.

Se o entendimento e o proceder fossem outros, talvez já estivesse firme no pensamento jurídico brasileiro que é inarredável a realização de um grande processo de justiça de transição. Justiça transicional nos dizeres de Paul van Zyl é “o esforço para a construção da paz sustentável após um longo período de conflito, violência em massa ou violação sistemática de direitos humanos”. Consoante Zyl, “o objetivo da justiça transicional implica processar os perpetradores, revelar a verdade sobre os crimes passados, fornecer reparações às vítimas, reformar as instituições perpetuadoras de abuso e promover a reconciliação.” Nesse sentido, perceba-se, os elementos basilares são a justiça, a busca da verdade, a reparação, as reformas institucionais e a reconciliação.

No Brasil, esse esforço tem sido efetuado pelas Comissões da Verdade sobre a Escravidão Negra. A instituída pela Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil situada no Estado do Rio Grande do Sul, por entender que seu trabalho configura um processo de justiça de transição, apura a realidade sem desconhecer as raízes dos problemas. Assim sendo, tem especial atenção e apreço pela História, pelo  Direito, pela Economia, pela Literatura, pela Sociologia, pela Política e pela Pedagogia.

Seguindo seu planejamento, a Comissão iniciou definindo seis grandes áreas nas quais foram realizadas pesquisas por seus membros, que podiam ou não ser Advogados. Depois disso, foram promovidos três seminários com objetivos distintos: o primeiro, denominado de Nilo Feijó, tinha por desiderato conhecer e reunir pesquisas científicas sobre a escravização e sobre seus reflexos nos presentes dias. O segundo e terceiro tiveram perfis diferentes do primeiro e entre si. O segundo, denominado de Luiza Bairros, permitiu discussão de pontos com pessoas não integrantes da Comissão, mas que levam a efeito estudos ou trabalhos concretos em áreas que seriam impactadas pelos efeito da longa escravização, servindo como bases importantes os dados pertinentes à cultura, à educação, à segurança, à economia e à saúde, havendo, ainda, o estabelecimento de comparação com a escravização desenvolvida nos Estados Unidos e com os movimentos internacionais por reparação pelo comércio transatlântico de pessoas e pela consequente escravização. O terceiro, tinha como diretriz estruturante a relação entre os 130 anos da abolição da escravatura no Brasil e os 30 anos da Constituição Federal de 1.988, verificando-se se, transcorrido esse tempo e com o arcabouço jurídico existente, houve o avanço significativo no estado civilizatório pátrio, se há mudanças a serem implementadas, quais as razões de eventual inêxito e de eventuais alterações que se fizessem necessárias. Nesse evento, também a Comissão procurou estreitar laços com processos e movimentos, tais como a Comissão da Verdade sobre o período da ditadura militar e o Movimento Negro Unificado (MNU).

Entre o segundo e o terceiro seminários, foram realizadas, gravadas e decupadas (transcritas) quatro rodas de conversa, cada uma delas versando sobre cultura, educação, mercado de trabalho e justiça. Essas terão sequência e fechamento com reuniões que serão realizadas em dois bairros de Porto Alegre.

Na fase atual de seu trabalho, a Comissão da Verdade está levando a efeito debates virtuais pertinentes a 8 eixos temáticos com o propósito de que aqueles que se cadastrarem em seu site, aprendam a fazer e construam recomendações a entidades públicas e privadas como forma de reparação e de transformação institucional e procedimental. Organizadas em ordem de prioridade pelos debatedores, as recomendações serão avaliadas, posteriormente pela Comissão para que haja inclusão no relatório final da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS. Cumprido o cronograma, em novembro será apresentado o projeto de relatório final e, no dia 25.3.2.019, dia no qual se homenageiam as vítimas do comércio transatlântico de escravos, será apresentado o relatório em forma de publicação.

É um trabalho de fôlego e que se encara como sustentável, ou seja, capaz de produzir efeitos de curto, de médio e de longo prazos, inserindo-se o Brasil e, mais especificamente o Rio Grande do Sul, no cenário dos movimentos internacionais por reparação pela longa, injusta e injustificável escravização de negros e de negras.

Escrito em 18 de Setembro de 2018.

Jorge Terra

Presidente da Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

WWW.CVENOABRS.WIXSITE.COM/PARTICIPE

17 de abril de 2024

A CONSTITUIÇÃO DE UM PLANO DE ENFRENTAMENTO DAS ALTAS TAXAS DE MORTALIDADE DE JOVENS NEGROS E POBRES

A CONSTITUIÇÃO DE UM PLANO DE ENFRENTAMENTO DAS ALTAS TAXAS DE MORTALIDADE DE JOVENS NEGROS E POBRES.

 

Resumo: As taxas de mortalidade de negros e pobres no Brasil são muito altas. Essas taxas são mais elevadas quando considerada a parte mais jovem da população. Instituindo uma Comissão, o Parlamento realizou investigação sobre as causas possíveis de um número elevado de negros e pobres serem vítimas de homicídio. Concluídos os trabalhos, com o fim de alterar essa situação, objetiva-se a aprovação de emenda constitucional e de projeto de lei para que haja um plano que gere mudança significativa do atual quadro. Evidente é a valorização que a Comissão confere à lei, tendo-a como instrumento capaz de realizar mudanças. Todavia, sem desmerecer esse ponto de vista, é importante que o plano esteja conectado com outras questões e não apenas com a segurança, havendo preocupação sistemática e abrangente. A lei isoladamente pouco mudará o quadro vivenciado. Ela é um meio que deve estar de acordo com outros para que os resultados sejam transformadores. Sem se alterar a educação, o mercado de trabalho e outros espaços importantes, não serão atingidos resultados significativos. Deve haver preocupação com a eficiência e com a eficácia das políticas públicas, bem como com a influência de stakeholders. Além disso, é de se promover mais audiências para reunir mais conhecimentos, criar parcerias e identificar possíveis adversários, identificando que contribuição o Direito pode oferecer na solução desse problema.

Palavras-chave: mortalidade, jovens negros, planejamento.

  1. Introdução

A Proposta de Emenda Constitucional tombada sob o número 129/2015 versa sobre a inclusão dos incisos III e IV no parágrafo 8º do artigo 227 da Constituição Federal.

Por meio de uma construção legislativa, objetiva-se a solução de tormentosa questão, uma vez que há constatação da perda de numeroso contingente de pessoas em decorrência da violência amplamente disseminada em solo pátrio.

Imprescindível analisar se a escolha levada a cabo é adequada e suficiente, se o problema visado merece a atenção que se pretende empregar e se há caminho estrategico a ser criado e sedimentado.

Nesse sentido, não se pode descurar de iniciativas aduzidas com o fim audacioso de se extinguir ou de se minimizar os efeitos das desigualdades vivenciadas no Brasil.  Tampouco pode haver a omissão de algum dos atores, devendo todos ofertar  o melhor de seus esforços para o atingimento de objetivos nobres e viáveis.

  1. O quadro vivenciado: alta mortalidade de negros no Brasil

Temas como igualdade racial, saúde da população negra, crimes raciais, interferência da raça ou da cor para obtenção ou manutenção de emprego, inserção da história e da cultura negra nos currículos escolares são relegados a planos que os aproximam da “invisibilidade” e os tornam como interessantes e necessários somente para uma parcela da população brasileira.

A verdade é que essas temáticas deveriam ser relevantes para todo o corpo social. Em não sendo, seriam, pelo menos, para a comunidade negra que, sabidamente, ultrapassa a metade da população brasileira.

No supracitado cenário, não surpreende a pouca ou nenhuma atenção com a mortalidade de jovens negros demonstrada nos ambientes acadêmicos e políticos apesar de os dados serem há muito alarmantes. Cumpre aqui, ao reproduzir parte das conclusões de pesquisa levada a efeito no ano de 1.998, sublinhar que à época, não se apresentou recorte racial nas análises. Todavia, empiricamente e pelos dados geográficos e culturais mencionados, ficava evidenciada a possibilidade de que muitos dos casos podiam ser de jovens negros[1].

Nossas taxas referentes a homicídios e outras violências, semelhantes às dos EUA, são 20 vezes superiores às taxas da Itália ou do Canadá; quase 50 vezes superiores às da Irlanda ou da Espanha, entre muitos outros países. E, neste campo ainda, algumas das informações derivadas do Sistema de Informações sobre a Mortalidade são realmente estarrecedoras: no plano nacional, 35,1% das mortes de jovens devem-se a homicídios e a outras violências. Nas capitais do país, essa proporção se eleva para 41,8% e, nas regiões metropolitanas, para 47.7%. Praticamente, uma em cada duas mortes de jovens nas regiões metropolitanas têm sua origem nesta causa.

Em se cuidando do direito fundamental à vida, o que restava e resta violado ou, no mínimo comprometido, faz com que o Direito esteja obrigado a buscar alternativas tendentes a, ao menos, minimizar a situação vivenciada. Não se pode desconsiderar que o decorrer do tempo sem a tomada de decisões públicas e privadas qualificadas  gerou repercussões diretas e indiretas nos campos vinculados ao direito fundamental ao desenvolvimento e a outros de igual relevo. Assim sendo, é inegável que é indispensável uma articulação acelerada, pois os dados conhecidos não permitem mais adiamentos e inércias.

Nessa linha, é importante perceber a sofisticação atingida pelo estudo denominado de Mapa da Violência. Já no pertinente ao ano de 2.016, ele demonstra a evolução dos homicídios por armas de fogo no Brasil dentro no período de 1980 a 2014. Além disso, escancara-se a incidência de fatores como o sexo, a raça/cor e as idades das vítimas dessa mortalidade, apontando-se as características da evolução dos homicídios com a utilização de armas de fogo nas unidades da federação, nas Capitais e nos Municípios com elevados níveis de mortalidade [2].

São magnitudes tão absurdas e surreais que torna-se difícil dimensionar seu significado, foge a nosso entendimento e experiência. Temos, para dar um exemplo, que a AIDS, causada  pelo  malfadado  vírus  da  imunodeficiência  humana  (HIV),  matou  12.534 pessoas no ano de 2014. É um número que revela uma situação preocupante, dando origem,   justificadamente,   a   numerosos   campanhas,   programas,   mecanismos   de prevenção, proteção e/ou tratamento. Mas este outro flagelo, o das armas de fogo, que nesse mesmo ano matou um total de 44.861 pessoas — quase quatro vezes mais que a  AIDS — pouca  ou  nenhuma  atenção  parece  merecer.  No  máximo,  discursos preocupados  e/ou  políticas  pontuais,  contingenciadas  tanto  na sua  cobertura  e incidência, quanto no seu financiamento, continuidade e centralidade.
Mais adiante, frisa-se que a questão racial é crucial para se bem compreender a segurança no Brasil[3]:

Ainda mais perversa e preocupante é a seletividade racial dos HAF, além de sua tendência crescente. Entre 2003 e 2014, as taxas de HAF de brancos caem 27,1%, de 14,5, em 2003, para 10,6, em 2014; enquanto a taxa de homicídios de negros aumenta 9,9%: de 24,9 para 27,4. Com esse diferencial, a vitimização negra do país, que em 2003 era de 71,7%, em poucos anos mais que duplica: em 2014, já é de 158,9%, ou seja, morrem 2,6 vezes mais negros que brancos vitimados por arma de fogo.

No já assazmente referido estudo, elenca-se como causa da inegável desigualdade de tratamento entre brancos e negros na atualidade a longa escravização no Brasil.

Outra causa seria a crescente privatização do aparelho de segurança, ou seja, a ofertada para os que podem ou não pagar conduz a um quadro de desigualdade e de injustiça. Enquanto os brancos disporiam de uma segurança privada somada à uma precária segurança pública, os negros disporiam, em regra, apenas da pública por terem menor remuneração e maior taxa de desemprego. Ademais, inserta dentre os temas de interesse político-eleitoral, a segurança vê seus gestores tendo como critério de distribuição de efetivos e de recursos, bem como de necessidade de realizar investigação e de elucidar casos, a posição socioeconômica e a localização geográfica das pessoas, privilegiando os bairros mais abastados.  Esse quadro, sem sombra de dúvidas, criou maiores dificuldades para os negros. Isso sem se olvidar de que a letalidade e seletividade policial também tem conduzido a uma maior vitimização negra.

Os mencionados trabalhos estão acompanhados de outros de iguais níveis de qualidade e de credibilidade. Dentre eles, traz-se aqui o Atlas da Violência 2.017 produzido pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) e pelo Forum de Segurança Pública em parceria.

Colhe-se do primeiro o ensinamento sobre a imprescindibilidade de o Brasil alterar sua forma de registro com o fito de diminuir seus índices de subnotificação, bem como de alterar seus procedimentos com o fim de diminuir a letalidade e a violência policial.

Assim está consignado no Atlas supradito:

A categoria “intervenções legais e operações de guerra”, registro Y35-Y36 do SIM, continua apresentando um alto grau de subnotificação, como confirmam os números da segurança pública. Em 2015, o SIM registrou apenas 942 casos de intervenções legais(Tabela 3.1), enquanto a segurança pública registrou 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais (Tabela 3.2), ou seja, 3,5 vezes o número de registros da saúde.

Para além da necessidade de rever os protocolos de registro para esses casos pela área da saúde, devemos insistir na mudança de um modelo de segurança pública que, se não promove, é conivente com o uso abusivo da força letal e execuções sumárias, ao mesmo tempo que expõe e vitimiza cada vez mais os seus agentes.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que, em 2015, ao menos 358 policiais civis e militares constam das estatísticas de homicídio do país.

Nos últimos anos, assistimos a um realinhamento a favor desse modelo de atuação policial que permanece com o um dos maiores desafios de nosso processo de consolidação democrática e de um efetivo Estado de Direito.

Estar-se-ia privilegiando um atuar belicista e não dialogal, ampliando-se o número de vítimas inclusive de policiais. Aliás, sobre as vítimas policiais, importante consignar o seguinte trecho do mencionado Atlas da Violência:

De cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras. Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra. Cerqueira e Coelho (2017), a partir de análises econométricas com base nos microdados do Censo Demográfico do IBGE e do SIM/MS, mostraram que a tragédia que aflige a população negra não se restringe às causas socioeconômicas. Estes autores estimaram que o cidadão negro possui chances 23,5% maiores de sofrer assassinato em relação a cidadãos de outras raças/cores, já descontado o efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e bairro de residência. Cerqueira e Coelho mostraram que, do ponto de vista de quem sofre a violência letal, a cidade do Rio de Janeiro é partida não apenas na dimensão econômica entre pobres e ricos, ou na dimensão geográfica, mas também pela cor da pele. Ao calcular a probabilidade de cada cidadão sofrer homicídio, os autores concluíram que os negros respondem por 78,9% dos indivíduos pertencentes ao grupo dos 10% com mais chances de serem vítimas fatais, conforme o Gráfico 5.1 deixa assinalado.

Esse caráter discriminatório que vitima proporcionalmente mais a

juventude negra também foi documentado no estudo “Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade”. Neste trabalho, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública incorporou um indicador de desigualdade racial ao indicador sintético de vulnerabilidade à violência dos jovens (mortalidade por homicídios, por acidente de trânsito, frequência à escola e situação de emprego, pobreza e desigualdade).

III. A construção legislativa de solução

Após a conclusão dos trabalhos pertinentes à Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar as causas, consequências e custos sociais e econômicos da violência, das mortes e dos desaparecimentos de jovens negros e pobres, denominada de CPIJOVEM, foi apresentada, em 09/09/2015, a proposta de emenda à constituição número 129/2015.

Essa proposta contou com as assinaturas de 178 Deputados Federais, exigência do inciso I do artigo 60 da Constituição Federal, o que permitiu sua distribuição à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, onde foi apresentado e aprovado parecer favorável à sua tramitação, em 25/10/2016 e em 21/11/2017 respectivamente, por se reconhecer sua constitucionalidade e sua juridicidade.

Publicado o parecer supracitado e mediante requerimento do Deputado proponente, foi instituída, em 30/11/2017, comissão especial, a ser composta por trinta e quatro titulares e pelo mesmo número de suplentes, para que seja proferido parecer à PEC 129-A nos termos do regimento interno da Câmara dos Deputados.

A proposta tem por fulcro a inserção dos incisos III e IV no parágrafo 8º do artigo 227 da Lei Maior com o fito de que os entes da federação instituam planos de enfrentamento aos homicídios de jovens e de que seja criada lei que preveja que os planos sejam decenais e de que haja articulação entre as esferas de poder, entre si, e com a sociedade civil para a execução de políticas públicas que conduzam à redução do número de homicídios de jovens no Brasil.

A redação atual do artigo a ser alterado é a seguinte:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

(…)

  • 8º A lei estabelecerá: (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

I – o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

II – o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

Já a proposta de emenda à constituição tem o seguinte teor:

Art. 227. (…)

(…)

  • 8º (…)

III – os plano nacional, estadual, distrital e municipais do enfrentamento do (sic) homicídios de jovens;

IV – a lei disporá sobre os planos de enfrentamento de homicídios de jovens, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas de poder e sociedade civil para a execução de políticas públicas para a redução de homicídios de jovens.

Importa consignar que a lei prevista no proposto inciso IV, por meio do projeto de lei número 2.438/2.015, também em decorrência do trabalho desenvolvido pela já mencionada comissão parlamentar de inquérito, teve seu texto apresentado para apreciação da casa legislativa mencionada.

No que concerne à PEC, cumpre dizer que sua tramitação e as discussões e ações que ensejará já configuram certo avanço, pois se efetivamente cumpridas as atuais disposições do artigo 227 da Lei Maior, sobretudo porque ele determina prioridade absoluta para o atendimento de questões relevantíssimas que envolvem as crianças, os adolescentes e os jovens, a situação restará bem superior à atual. Sublinhe-se que o caput do artigo 227 torna obrigados a família, a sociedade e o poder público.

A verdade é que há a necessidade política de se reforçar as disposições já existentes e de articular ações concretas voltadas ao alcance de resultados positivos.

Normalmente, os planos são aduzidos pelo Poder Executivo, pois implicam a assunção de compromissos, inclusive orçamentários relacionados à criação de estruturas e de cargos, que tornam o chefe daquele poder o legitimado para trazer às luzes legislação que formaliza acordos e articulações entre as esferas de poder e a sociedade civil.

O quadro atual, que é objeto de críticas no âmbito internacional, no entanto, impõe que parlamentares tomem iniciativas que induzam os agires dos Poderes Executivos e das entidades privadas, incluindo na agenda nacional o tema em comento. Isso porque sabedores que o Brasil, conforme estudo publicado no mês de novembro de 2017 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância(UNICEF)[4], está no sétimo lugar no ranking de países onde morrem mais crianças e adolescentes em decorrência de homicídios. Dessa arte, refugindo de debates sobre eventual vício de origem, não é vedado que parlamentares ou o parlamento ofereçam, após articulações com a sociedade civil e com os Poderes Executivos, sugestão de texto legal diretamente ao Poder Executivo.

Sublinhe-se que, na justificativa relativa ao projeto de lei número 2.438/2.015, parcialmente reproduzida abaixo, o proponente aponta que os Executivos tem melhores condições de instituir os planos de enfrentamento que compreende ser indispensáveis.

Além disso, vislumbramos que o Poder Executivo é o único detentor das condições para definir objetivos, metas globais e setoriais, os programas e recursos necessários, que são elementos que, de fato, caracterizam um plano.

Partimos, portanto, do pressuposto que um documento denominado Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens é uma peça a ser elaborada pelo Poder Executivo, em estreita colaboração com a sociedade e os demais Poderes. Nesse sentido, a principal contribuição do Poder Legislativo reside em apresentar um documento de diretrizes, estas construídas a partir da ausculta dos jovens e a todos os interessados, processo que ocorreu de forma intensa durante os trabalhos da CPI.

No projeto de lei sub examine, preveem-se competências para a União, para os Estados, para o Distrito Federal e para os Municípios e não, por exemplo, para as Casas Legislativas, incluindo Tribunais de Contas e para o Poder Judiciário.

Destaque-se que há artigo no qual se institui o plano (artigo 1º); há artigos nos quais se estabelecem as competências para instituir os planos nacional e regionais (artigos 4º, I, 5º, I, 6º, I e 7º); há a promessa de se limitar a trazer à tona diretrizes por se compreender os Poderes Executivos como os capazes de instituir os planos nacional e regionais (justificativa). Evidencia-se, no texto, existência de contradição a ser corrigida portanto.

Há artigo que prevê as diretrizes dos planos (art. 3º). Se por um lado há o elogiável estabelecimento de uma meta, o que permite que sejam criados indicadores para se examinar os resultados e impactos dos planos, percebe-se, por outro, que o maior detalhamento das diretrizes permitiria um maior controle a posteriori, bem como um maior controle dos parlamentos sobre o instrumento a ser criado pelos Poderes Executivos.

Outrossim, não se constata a criação de relação com outras iniciativas existentes ou pendentes de efetivação, o que impede real ataque ao racismo institucional. E mais, não se entabula hipótese na qual se perceba o negro como sujeito das transformações que precisam ser levadas adiante.

Em outros termos, a diversidade no seio das instituições integrantes do sistema de justiça e de segurança é meio capaz de mudar os valores institucionais e a mera adoção do sistema de cotas raciais nos processos seletivos revela-se insuficiente para tal empreitada. A insuficiência reside tanto no número pequeno de cotistas que logram êxito nos certames para provimento de cargos vinculados à atividade-fim dessas instituições, quanto na falta de estrutura institucional que acompanhe o servidor durante um determinado período de sua vida funcional e não apenas o selecione.

É, com efeito, preciso pensar-se no sistema de cotas menos como forma de acesso diferenciado ao cargo público e mais como forma de contribuição do servidor que teve vivência diferenciada para a constituição de uma instituição mais democrática, transformadora, competitiva e apta a construir soluções para os problemas da sociedade, dentre eles a morte de jovens pobres e negros.

Frisa-se que, em 1º/11/2017, foi aprovada a audiência pública realizada em 7/11/2017, para a oitiva de dois integrantes do sistema de justiça, um do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e outro da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, convidados por suas trajetórias pessoais e não como representantes institucionais, e de dois representantes de instituições ligadas ao movimento social, ambas do Rio de Janeiro. A elogiável iniciativa de ouvir pessoas precisa ser reprisada em outros locais do país, permitindo-se a apreensão das diferentes realidades e a entrega de sugestões qualificadoras do trabalho a ser realizado. Obviamente, o trabalho de itinerância e de verdadeira e rica troca com a sociedade deve ser realizado dentro de período determinado e com o firme propósito de ouvir aqueles que são favoráveis e os que são desfavoráveis à concretização das medidas que se vislumbram inafastáveis.

Essa oitiva ampliada, chamemo-na assim, permitirá a constituição de um parecer referente ao projeto de lei, foco da audiência pública mencionada acima, no qual sejam evidenciados os conhecimentos, as iniciativas, as políticas públicas a serem constituídas ou efetivadas, as pessoas e as instituições privadas e públicas indispensáveis para que o trabalho seja altamente qualificado; permitirá também a identificação de possíveis parceiros nas caminhadas nos seios do Legislativo, do Executivo e Judiciário, bem como de possíveis adversários, seus argumentos, suas fragilidades e seus interesses em negociar.

É possível já depreender que a mobilização que se faz urgente ganhará mais intensidade e profundidade se os seus limites não forem os estreitos da segurança, mas se a ela forem incorporados o que pertine ao desenvolvimento, à eficiência e à eficácia das políticas públicas, à imprescindibilidade do planejamento e à sustentabilidade dos investimentos sociais e econômicos, bem como a preocupação com infraestruturas físicas e sociais.

  1. Um caminho para a construção de soluções

Oportuno consignar que a lei é um instrumento para a construção de solução, mas não é o único, tampouco a garantia de que haverá modificações concretas positivas. Ressalte-se que a lei não é o ponto final de uma caminhada que depende de mudança comportamental significativa.

Nesse teatro, não se vislumbra solução se as questões até o momento abordadas o forem de forma isolada e limitada. Se a força motriz dos problemas está no racismo e se esse é estruturado, somente uma ação sistêmica pode impactar positivamente o teatro já descrito.

A enorme mortalidade de jovens brasileiros, em especial de negros e de pobres, integra um conjunto de questões relevantes que são tidas como de somenos importância ou valia. Não se há de desconsiderar que, há muito, sem a força capaz de ensejar transformação, gritam segmentos numericamente importantes da sociedade por um melhor trato da igualdade racial na educação, na saúde, no mercado de trabalho, na segurança e nos espaços de poder.

Esse desconsiderar é que forma os nocivos quadros dos racismos estrutural e institucional, que se apresentam de diferentes formas, em diferentes momentos e intensidades. Por via de consequência, entende-se que a atuação deve ser sistematizada e deve ter por norte o campo do desenvolvimento do país e da comunidade negra em especial, permitindo-se a busca de novos atores, de diferentes soluções e de novos e maiores recursos humanos e financeiros.

O movimento social, especialmente o movimento negro, tem sido atingido pela tomada ou pela não tomada de decisões transformadoras. Todavia, em não raras vezes, não consegue influenciar significamente nas tomadas de decisão, sendo um stakeholder com extremo interesse, mas pouco ou nenhum poder ou influência.

Inafastável verdade é que o Brasil assumiu compromissos graves de naturezas diversas. As assunções supraditas estão no texto da Carta Magna, em atos internacionais e em leis de abrangência interna.

No que concerne ao desenvolvimento, o proceder brasileiro não é diferente, estando estampado na constituição pátria como um objetivo republicano, bem como em atos internacionais bi ou multilaterais e em leis nacionais.

Relevante é definir que abordagem se dá ao desenvolvimento, não o tendo como sinônimo de crescimento econômico, mas o concebendo como mais amplo. Assina-se que o crescimento econômico acelerado seria uma condição indispensável, mas não suficiente para se reduzir a pobreza e a desigualdade social, já que aquele pode se dar com desemprego, exclusão, sem participação, com destruição de culturas nacionais e com deterioração do meio ambiente.

Não se pode tirar de visada que o desenvolvimento nacional deve ser sustentável, ocorrendo em uma sociedade justa, livre e solidária, com foco na promoção do bem de todos, erradicando a pobreza e a marginalização, bem como reduzindo as desigualdades. De outro modo, a pretexto de cumprir norma extraível do texto constitucional, estaríamos a descumprir outras de mesma origem e grau hierárquico. Não se há de recair no equivocado entendimento de que o crescimento econômico naturalmente será “derramado” sobre os cidadãos mais pobres. Mister que haja a superação do modelo do derrame, percebendo-se que o desenvolvimento social é vital para o desenvolvimento econômico sustentado, porque os investimentos em capital humano e capital social e a melhoria da equidade são necessários para o crescimento econômico ser sólido[5].

O desenvolvimento é resultado de ações articuladas e continuadas, tornando-se um desafio para as sociedades. Ele exige convicção e força na busca do equilíbrio entre seus custos e suas vantagens, tanto no plano regional quanto no global, impondo discussão sobre campos e formas de atuação estatal, bem como sobre regras de regulamentação.

O desenvolvimento está imbricado com a eficiência. Por conseguinte, é indispensável sobre ela também tratar.

A eficiência deve ser perseguida na gestão brasileira, independentemente de posicionamento ideológico, sobretudo após o advento da Emenda Constitucional número 19/98 que, mais do que acrescer o princípio correspondente na cabeça do artigo 37 da Constituição Federal, estatuiu um sistema voltado à transição de uma administração pública patrimonialista para uma administração pública gerencial, ou seja, voltada para o alcance de resultados concretos positivos.

A eficiência, seja como princípio, seja como postulado, é um critério de atuação administrativa concernente à utilização adequada dos meios disponíveis para se atingir os fins de interesse público, sejam eles primários ou secundários, da maneira mais abrangente e profunda possível diante das peculiaridades do caso concreto. Essas peculiaridades são o nível de informação que pode ser obtida pelo agente, o tempo disponível para o enfrentamento do problema, a quantidade de recursos disponibilizados e a necessidade de se satisfazer mais de um fim com o mesmo meio.

A eficiência, na medida em que é critério normativo da atuação administrativa, deve estar inserida no encaminhamento das soluções de problemas de diversas ordens em cotejo com os outros princípios encartados no caput do artigo 37 da Carta Magna. Ela, assim, atrelada aos seus fundamentos e aos aspectos atinentes à sua operacionalidade, poderá ser fator de transformação cultural, institucional, econômica e social, proporcionando a consecução dos Objetivos entabulados no artigo 3º da nossa Lei Maior, dentre eles o do desenvolvimento nacional.

É fundamental, dessarte, que haja um manejo das externalidades capazes de gerar afastamento ou retardo do atingimento dos resultados positivos tão necessários para a consecução do desenvolvimento. As externalidades mencionadas acabam conformando o ambiente vivenciado, bem como influenciando a performance das instituições públicas e privadas que objetivam alcançar eficientemente o fim anteriormente apontado.

Anote-se que compromisso institucional da dimensão que tem o desenvolvimento não é atingido sem atenção à infraestrutura. Nesse sentido, é forçoso tratar de infraestrutura, compreendendo-se o Direito como um de seus elementos estruturantes e definindo esse último como o somatório do arcabouço jurídico com seus processos legislativos, das estruturas administrativas, das atividades administrativas, das procedimentalizações, das decisões proferidas nos âmbitos administrativo e judicial com seus respectivos critérios e métodos, bem como dos níveis de eficiência, de eficácia e de celeridade atingidas. Aliás, o Direito administrativo, nas fases que vivenciamos e na que precisamos ainda vivenciar, configura-se em ramo que rege as atividades jurídicas do Estado que deve atender os interesses públicos tendo por norte a segurança e o benefício dos administrados.

A infraestrutura pode ser física como o são a malha rodoviária, as redes de comunicação, o sistema energético, bem como social, como a educação, a saúde, o sistema jurídico.

A infraestrutura deve ser aquela que, no mínimo, tenha o nível suficiente para que haja o desenvolvimento de forma sustentável. É evidente que os riscos são inerentes à atividade administrativa e à vida negocial. Entretanto, a administração perseguidora de resultados sociais, ambientais e econômicos tendentes ao cumprimento dos objetivos republicanos está forçada a, de forma planejada e sistêmica, minimizar ou evitar os seus efeitos.

O ponto é que, apesar do contido no artigo 174 da Constituição Federal, não desenvolvemos a cultura do planejamento no campo prático, sobretudo quando é indispensável pensar a longo prazo.

A complexidade das administrações públicas e a das crescentes demandas a elas apresentadas em um quadro de recursos limitados, de exiguidade de tempo e de necessidade de atingimento de fins exigem o emprego de planejamento.

De início, já se sublinha que planejar, sinteticamente, é definir fins satisfatórios ou ótimos dependendo das situações vivenciadas e dos recursos disponíveis, bem como dos meios adequados ao atingimento dos primeiros.

O planejamento ou a condução de um planejamento, em numerosas ocasiões, exige o conhecimento aprofundado dos processos, dos produtos ou dos serviços pertinentes, bem como dos insumos envolvidos e da cadeia indispensável para os obter. Além disso, exige também a capacidade de obter, de classificar e de utilizar informes e informações, bem como, tendo uma boa noção dos comportamentos cooperativos ou não das pessoas envolvidas em alguma parte do processo, de realizar prognoses.

O planejamento é uma atividade racional, mas que, em algumas hipóteses, pode não desprezar a intuição, sendo importante conhecer ou buscar conhecer questões comportamentais do público-alvo ou dos componentes do grupo de trabalho. Não se pode olvidar, contudo, de que o agente terá uma racionalidade limitada, ou seja, uma deficiência de informação ou de como computar os dados ou as informações de que necessita[6].

Poderá a limitação estar vinculada aos meios, como a insuficiência de recursos humanos ou financeiros para buscar ou para manipular dados. Sim, não se pode descurar dos custos administrativos tal como do tempo para se obter informações, podendo a análise custo-benefício ser ou não suficiente para se atingir uma conclusão. Aliás, guardando-se atenção à sustentabilidade, não serão raras as vezes que a análise mencionada não será bastante.

Haverá ocasião na qual a limitação estará vinculada ao fim, exigindo que previamente o agente decida se perseguirá uma decisão ótima ou uma decisão satisfatória. Isso se dará quando o caminho eleito gerar gritante diferença de tempo, de custo ou de outra natureza. Obviamente, essas questões devem ser cotejadas com o retorno a atingir e esse poderá ou não ter expressão financeira.

Não se há de esquecer que intercorrências podem evidentemente exsurgir, sobretudo quando houver variáveis que não sejam integralmente controláveis. A impossibilidade de controle total pode decorrer do fato de se depender do atuar de outras pessoas ou instituições que podem ou não ter a mesma capacidade de trabalho ou de compreensão da importância da atividade. Pode, ainda, a dependência estar atrelada a alguma questão climática.

A verdade é que a existência de um plano e, mais do que isso, o fato de se ter realizado um planejamento, levará a pensar sobre as externalidades que podem ensejar alteração, bem como nas fragilidades ou carências envolvidas. Com isso, havendo o problema, aquele que planejou estará mais apto a encontrar, caso não a tenha programado, uma alternativa, no mínimo, satisfatória.

O plano, é bom que se diga, não é uma forma nova de atuação jurídica. Ela, de fato, envolve a utilização do repertório de atos de direito público e de direito privado recorríveis para o atingimento dos objetivos institucionais[7]. De bom alvitre mencionar que o planejamento envolverá também os conhecimentos não jurídicos que melhor dialogarem com o campo de atuação daquele que planeja ou com o teatro de operações onde haverá o desenvolvimento do plano.

No que pertine ao planejamento, mister referir que são insuficientes mudanças estruturais administrativas, sendo fundamental modificar a forma como atuam as organizações (processos) e como se relacionam entre si. Importante também, além de liderança agregadora, é a capacitação dos envolvidos para possam bem conduzir os processos estando ou não no centro do sistema de planejamento[8].

O fato é que somente com uma visão estrategica poder-se-á promover modificações e adaptações indispensáveis para dar concretude ao que nos comprometemos nas searas internacional e nacional. Nesse ponto, deita raiz a importância do planejamento.

O planejamento, em regra, está vinculado às políticas públicas. Dessarte, quanto mais eficiência houver no processo de concepção e no de implementação da política pública, menor será a possibilidade de o planejamento ser inexitoso.

Prudente, então, tratarmos nesse ponto sobre a formulação de uma política pública.

Política pública é a solução aduzida pela administração pública com o fito de resolver ou de minimizar problema concreto e socialmente relevante. Portanto, partindo-se dessa premissa, essa política deve ser o fruto dos melhores esforços estatais alinhados com contribuições e articulações do movimento social.

Não obstante, na fase de concepção da política, a preocupação com a qualidade dos processos decisórios levará à obtenção de informações sobre a situação a ser transformada, sobre as instituições e pessoas capazes de colaborar, sobre os conhecimentos necessários, sobre os interesses em jogo e sobre as experiências adotadas em casos idênticos no país ou em outros lugares, bem como sobre os resultados aferidos e sobre as formas de os avaliar.

Na fase da aplicação da política pública, definidos o público-alvo, os resultados pretendidos, os modos e os momentos de os atingir, os possíveis parceiros, os possíveis adversários e os espaços de negociação, devem ser arrolados os previsíveis entraves e as formas de os combater eficazmente.

Nesse quadro, sinteticamente, pode-se afirmar que, uma vez que a instituição decidir levar a cabo determinada política, deve se organizar para que ela chegue onde ela é indispensável.

Em decorrência disso, revela-se instrumento adequado a realização de audiência pública. Esse meio, perfectibilização da participação popular na administração pública, amplia o número de propostas sobre a temática em causa, pode permitir a produção de consensos necessários, bem como a diminuição de dissensos ou a constituição de estrategias de negociação que talvez fossem desconsideradas na formulação levada a cabo apenas por integrantes da administração pública ou por consultores contratados.

A qualidade dos processos decisórios e a qualidade da política pública que se quer implantar estão conectadas com a qualidade do plano que se quer por em execução.

Todavia, é bom que se diga que até as ideias ou propostas que não sejam técnica ou juridicamente relevantes necessitam de planejamento. Talvez, precisem mais ainda do planejamento do que aquelas. Ocorre que aqui o planejamento estaria mais focado nas estrategias de convencimento e de negociação.

Apresentadas essas ideias, passa-se ao exame do caso concreto.

Entende-se que há pontos essenciais para o enfrentamento do grande número de homicídios mais de uma vez mencionado.

Ao ver do signatário, o combate que se pretende travar não pode ser cogitado sem se também focar na efetivação de uma educação racialmente inclusiva, pois estar-se-á mirando pensando também nas gerações futuras e adotando-se meios que produzem resultados duradouros de médio e de longo prazos. Em síntese, predominará uma visão de nação e não apenas um meio desvinculado da sustentabilidade.

Nesse sentido, eleger-se-ia como fundamental que os planos de enfrentamento pretendidos perpassassem pelo cumprimento nas escolas privadas e públicas, de ensino fundamental e médio das disposições do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que dispõe sobre a obrigatoriedade de serem inseridos nos currículos escolares a história e cultura africana, afrobrasileira e indígena.

Parte-se do pressuposto de que aquele que tem uma educação inclusiva, ou seja, que assume os direitos humanos como valores por meio do qual passa a examinar os fatos da vida, não abordará mais ou com o emprego de violência os que forem não brancos.

Independentemente dessa visão de longo prazo, é inegável que é indispensável repensar os cursos de formação de policiais cujas cargas horárias para se abordar todos os temas de direitos humanos são extremamente pequenas. Ademais, como a socialização que se dá nessas atividades é interna, ou seja, como a apreensão de valores e de características institucionais se dá ao se desempenhar a atividade e não durante a formação inicial, é obrigatório pensar e prever uma formação continuada para policiais militares civis com ampla ênfase em direitos humanos. Essa é uma alternativa a ser considerada para diminuir a violência policial.

Existem disposições legais vinculadas à essa seara e existem estruturas administrativas constituídas e até solidificadas. Porém, o descumprimento da legislação supracitada é premiado com a impunidade. Isso porque, no Brasil, somente o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul exerce o controle oficial junto aos Municípios, estando por inaugurar semelhante controle sobre o Estado.

Em se cuidando de desigualdade socioeconômica, indispensável que, com esteio em dados fidedignos do mercado de trabalho, principalmente no que diz com os níveis salariais e de empregabilidade, os planos de enfrentamento prevejam atuação estatal e privada, se possível, baseada na responsabilidade social corporativa. As conexões faltantes, que o plano poderia ensejar podem ser novas ou já existentes ou em elaboração.

Por oportuno, é de se sublinhar que há duas disposições do estatuto da igualdade racial que jamais foram cumpridas, mas que poderiam ser impactantes se melhor compreendidas pelo Poder Executivo federal.

Está-se a falar dos artigos 40 e 39, §3º do diploma já mencionado. O primeiro estabelece que o conselho deliberativo do fundo de amparo ao trabalhador (CODEFAT), que dispõe de bilhões de reais, deveria destinar recursos financeiros para receber programas, projetos e ações vinculadas à igualdade racial no mercado de trabalho. Todavia, tendo entrado em vigor no ano de 2.010, o instrumento e a disposição indicada não foram bastantes para que fosse destinado sequer um real para se ver cumprida a norma que se extrai do artigo já indicado. O segundo artigo, por seu turno, prevê que o poder público estimulará, por meio de incentivos, que as empresas tenham programas, projetos e ações voltadas à igualdade racial no mercado de trabalho. Transcorrido prazo mais do que razoável, não se promoveu a regulamentação do artigo sub oculis e, somente por meio dela, estarão definidos os reais benefícios fiscais e as obrigações que cumpridas os ensejarão.

Além de auxiliar na promoção desses dois artigos, o plano em liça poderia estimular a criação de grupos de trabalho regionais e nacionais aos quais competiria analisar o mercado de trabalho e propor mecanismos, instrumentos legais, articulações, cursos e eventos com o fim de alterar os dados que demonstram como o mercado de trabalho é sensível à raça e ao gênero das pessoas.

Tal proceder já foi adotado pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Por intermédio do Decreto estadual número 53.505/2017, foi instituído grupo de trabalho que reúne entidades empresariais, secretarias estaduais, universidades, movimento social, Procuradoria-Geral do Estado e OAB/RS, visando a alterar positivamente o mercado de trabalho ao combater as influências negativas da raça e do gênero das pessoas.

Por fim, no que pertine à segurança pública, mister, como premissa, que seja examinada a legislação atinente aos crimes raciais. Isso porque à legislação atual tem conduzido a quase 70% de absolvição, desconsiderando-se a ocorrência de suspensão condicional do processo no caso de injúria racial e nos de crimes raciais cuja pena mínima seja de 1 ano.

Oportuno dizer que, sob o silêncio do movimento social, tramita o novo código penal. O respectivo anteprojeto é resultado do trabalho de um grupo de profissionais que parece ter desconsiderado a flagrante ineficácia dos textos das leis hoje em vigor, pois os reproduziu parcialmente.

CONCLUSÕES

A mortalidade de jovens negros e pobres, que atinge taxas altíssimas, está inserida em um quadro de racismo sistêmico. Por via de consequência, é inegável que o ataque deverá ser também sistêmico, ou seja, vinculado às possíveis soluções atinentes às desigualdades existentes na educação, no mercado de trabalho, na segurança, nos espaços de poder e outros espaços nos quais o racismo gere reflexo.

Assim sendo, o combate deverá ser abrangente para que surta efeito. Portanto, o plano de enfrentamento que se pretende ver previsto na Carta Magna deverá considerar os processos relativos à tomada de decisão, à constituição e à implantação de políticas públicas, as concepções de desenvolvimento, de eficiência e de eficácia, a importância da responsabilidade social corporativa e o conceito e a operatividade da stakeholder network value.

Em síntese, é insuficiente a constituição de soluções legislativas para problemas extremamente complexos, devendo se reforçar a indispensabilidade do planejamento para a satisfação de direitos fundamentais que cujas efetividade e  proteção são diuturnamente negadas para uma parcela significativa da população brasileira.

A PEC 129/2015 e o PL /2015 abrigam o mérito de reavivar questões socialmente relevantes, merecendo que a estrategia e a articulação sejam amplas a ponto de mobilizar um número expressivo de atores pertencentes ou não à comunidade negra. Impositivo, por conseguinte que a caminhada que se quer exitosa siga passos capazes de levar a resultados e impactos concretos positivos.

JORGE LUÍS TERRA DA SILVA

PROCURADOR DO ESTADO/RS

[1]WAISELFIESZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência contra os jovens do Brasil, Rio de Janeiro:  Garamond, 1.998.

[2]WAISELFIESZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2.016 – Homicídios por arma de fogo  no Brasil, Rio de Janeiro:  Garamond, 2.016

[3]WAISELFIESZ, Julio Jacobo. Mapa…

[4]. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) https://www.unicef.org/publications/files/Violence_in_the_lives_of_children_and_adolescents.pdf, (acessado em 4/12/2017)

[5]KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o Estado para o Desenvolvimento Social, superando dogmas e convencionalismos. Editora Cortez. 2ª Edição. São Paulo (Coleção Questões  da Nossa Época, v. 64).

[6]SIMON, Herbert Alexander. Rational Decision-Making in Business Organizations. Nobel Memorial Lecture, 8 December, 1978.

[7]COUTO E SILVA, Almiro. Problemas Jurídicos do Planejamento. Revista da PGE-RS, Cadernos de Direito Público em homenagem a Almiro do Couto e Silva, número 57, pags. 127-161. Dezembro de 2003.

[8]  REZENDE, Fernando, Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução/ Fernando Rezende. Brasília, DF: CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA, 2010. (Texto para Discussão, 4).

*ESCRITO EM MARÇO DE 2019

19 de março de 2024

Da imagem à ação

Ao ler obra do jurista Pontes de Miranda na qual ele comentava o art. 138 da Constituição de 1934 que, dentre outras coisas, previa o estímulo estatal à educação eugênica, chamou a atenção o seu silêncio quanto a esse ponto. Intrigado, li outra obra do mesmo autor. Nela, ele tratou sobre o racismo dirigido aos negros. Curioso é que, embora vivendo aqui já pudesse constatar tal situação, a abordagem referida foi trazida após o jurista morar por dois anos nos EUA.

Similar fenômeno parece acometer outros brancos no Brasil. Impactados pelas notícias relativas às manifestações antirracistas nos EUA, parecem começar a perceber parte do que instituições confiáveis demonstram há anos. Agora, talvez sejam capazes de se dar conta do trato inadequado de questões ligadas à igualdade, à história, à cultura e aos direitos fundamentais no campo da educação. Quem sabe até venham a perceber a injusta distribuição de equipamentos públicos e da estrutura da segurança em nossas cidades? Quem sabe possam enxergar a ocupação assimétrica dos espaços de poder e dos postos de trabalho com maior remuneração?

Fortes imagens oriundas do exterior auxiliaram na diminuição da invisibilidade da situação dos negros no Brasil. Elas chegaram simultaneamente com notícias sobre mortes ocorridas em nosso solo, reforçando as ações dos movimentos negros locais e descortinando um Brasil em desvantagem. Todavia, o despertar é insuficiente. É preciso realizar.

Há numerosas evidências dos danos decorrentes dos fenômenos raciais, mas saber que elas existem não significa vontade de buscar soluções, tampouco que o que aflige a comunidade negra adentrará as agendas políticas. É imprescindível que, nos âmbitos público e privado, haja comprometimento, planejamento, execução, avaliação, atenção à infraestrutura e foco em resultados e em impactos concretos positivos. Do contrário, as imagens referidas não serão convertidas em ação, restando como vagas lembranças ou como notícias impactantes e fugazes.

Jorge Terra

Procurador do Estado/RS

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

  • postado em Junho de 2020 e publicado no Jornal Zero Hora de Porto Alegre/RS na mesma época.

29 de novembro de 2023

QUASE FINDANDO O QUE NÃO INICIOU

No final de Dezembro de 2024, encerrar-se-á a “Década internacional dos afrodescendentes”. Essa década, instituída pela Organização das Nações Unidas, tem como pilares o reconhecimento, a justiça e o desenvolvimento. Ela, sobretudo no Brasil, tem conexão com os Objetivos de desenvolvimento sustentável, pois não se há de falar em desenvolvimento sustentável sem enfrentamento da questão racial no território brasileiro.

Desde janeiro de 2015, início da instituída década, numerosos casos de exclusão, de preterição e de preferência em decorrência do pertencimento racial, da cor da pele ou da associação com a cultura ou com a religiosidade negra permanecem ocorrendo em larga escala. As injustiças perpetradas redundaram em doenças, em mortes, em desemprego, em desigualdade salarial, em traumas, em prisões, em condenações, em violência obstétrica e em desastres ambientais.

O fato é que se segue, mesmo diante de casos com repercussão e com reflexos políticos e econômicos, sem atenção à antidiscriminação. Em outros termos, apesar de tudo, os governos, as empresas e a sociedade não se apresentam antirracistas no Brasil. Ser antirracista é trabalhar com prevenção e precaução, é se voltar contra as causas com planejamento, eficiência e eficácia. Se apresentar no espaço público como não racista exige bem menos: basta emprestar solidariedade, lamentar o ocorrido, produzir vídeos, notas de repúdio e esperar o próximo acontecimento.

É evidente que a despreocupação com o racismo nos espaços público e privado revela que as pessoas que são alvos dele não encontram reconhecimento, justiça e tampouco desenvolvimento. Essas pessoas são alvos em todas as áreas de atuação humana: na educação, no mundo do trabalho, na habitação, na saúde, na segurança, no sistema de justiça, no esporte e na tecnologia. Entretanto, somente há reação ao que diariamente sofrem (e reações ineficientes e ineficazes em quase sua totalidade) quando há reflexo econômico ou político para outros grupos específicos. Esses sim com capacidade de influenciar agendas políticas e empresariais.

A Década internacional dos afrodescendentes não é a primeira voltada à questão negra no mundo. Houve outras direcionadas contra o colonialismo e contra o Apartheid no continente africano. Essa, contudo, não foi aproveitada como oportunidade de mudança anticasta e de efetivação de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais da população negra em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e no Brasil.

Jorge Terra.

20 de dezembro de 2022

As Holandas diferentes entre si.

A Holanda, em 19.12.2022, por intermédio de seu Primeiro Ministro, pediu perdão pelo período de 250 anos durante os quais se beneficiou da escravização de pessoas negras.

Pedir perdão pode ser uma fase de um processo de justiça de transição. Esse pedido não é essencial no referido processo, mas é demonstração do interesse em constituir uma sociedade sobre outras bases valorizativas. No caso em comento, não se trata de um processo de justiça de transição e o pedido é objeto de críticas de pessoas e de hoje países que ainda sofrem os efeitos de período de mensuráveis ganhos econômicos auferidos por países colonizadores, por financiadores de viagens transatlânticas, de plantações nas colônias e de compras de pessoas escravizadas, bem como por traficantes e por proprietários de terras e de manufaturas. A falsa hierarquia de raças e de culturas instituída no passado continua a gerar efeitos danosos para os mesmos grupos. A crítica, portanto, está sustentada no fato de o pedido de perdão estar desacompanhado de reparação.

Há países que, diferentemente, parecem fingir que, em seu território, não ocorreu escravização, tampouco ganhos econômicos com o tráfico de pessoas, com a exploração de pessoas e de produtos como a madeira, o algodão, o açúcar ou o ouro. Há países, ainda, que fingem ter constituído um sólido e harmônico tecido social que somente seria rompido se descendentes de escravizados insistissem em invocar direitos reparatórios ou pontuar discriminações.

Há países com sólido sistema bancário que desde a origem lastreavam-se em ouro sem terem quantidade expressiva de minas desse metal. Há, ainda hoje, países sem plantações de cacau que são famosos por vender chocolates a despeito de saberem que crianças e adolescentes são escravizados em países africanos para que sejam maiores os lucros dessa cadeia produtiva.

É quase finda a década iniciada em janeiro de 2015 para gerar mudança na gestão de problemas raciais no mundo. Essa década, a dos afrodescendentes segundo a ONU, não suportaria avaliação sob qualquer aspecto, sendo perceptível que reconhecimento, justiça e desenvolvimento são promessas diariamente reprisadas. Aliás, falando-se em reprise, há ex-colônias que reprisam comportamentos das ex-metrópoles ao constituir sucessivos governos sem considerar suas demografias. Não é acidente que, na obra na qual pela vez primeira se falou em racismo institucional, a comparação foi entre o agir da metrópole em relação à colõnia quando se abordou sobre a relação entre grupos raciais dominantes e subordinados dentro de um mesmo país.

Nesse quadro, adianta haver leis ou constituição que sejam contrárias à prática vista em larga escala no mundo? Isso depende do que se considera como sendo o sentido de “adiantar” e sobre o que são ações. Sim, disposições legais ou constitucionais são relevantes, mas isoladamente podem redundar em insuficiente resultado concreto. É possível fazer melhor. É possível não lembrar de determinadas questões apenas em períodos eleitorais ou de protestos mais severos. É possível agir de forma planejada e com atenção à intergeracionalidade.

Basta de governantes se dizerem preocupados e de pouco se fazer! A eficiência e a eficácia declamadas quando se debate sobre infraestrutura, energia ou tecnologia desaparecem quando específicos temas e pessoas estão no centro do debate.

Ativistas, pesquisadores e sociedade em geral, gritem: – Peça desculpas em um genuíno processo de justiça de transição e não esqueça da importância da reparação e da possível contribuição de pessoas nunca vistas em posições de comando!

Não há tempo para retroceder, tampouco para esmorecer. Todavia, ouvir diferentes Holandas, nos dois lados do Atlântico, a se eximir e a se organizar para nada mudar, já não pode mais ser tolerado.

Jorge Terra JT

1 de julho de 2021

Como a diversidade sexual impacta nas instituições ? (vídeo)

A Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul realizou o evento “Como a diversidade sexual impacta nas instituições?” em 30 de junho de 2021. As pessoas convidadas, Márcia Medeiros de Farias, Adriana Souza e Enrico Rodrigues de Freitas, trouxeram técnica e vivência, o que agregou riqueza para um debate urgente e necessário.

Também participaram da atividade, Amanda Weidlich, Lourenço Floriani e Jorge Terra, que integram a Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos da PGE/RS.

O evento pode ser acessado pelo seguinte link:

Jorge Terra,

Coordenador da Comissão Permanente de Defesa de Direitos Humanos da PGE/RS

26 de maio de 2021

O que é reconhecimento ?

       Reconhecimento é consideração. É valorização por contribuição aduzida ou por esforço empregado em área de atuação humana tida como relevante. Nesse sentido, ao lado do desenvolvimento e da justiça, o reconhecimento foi estabelecido como um dos pilares da década internacional dos afrodescendentes instituída pela Organização das Nações Unidas.

    Ocorre que, transcorridos em torno de seis anos e meio do início dessa década, o nível de reconhecimento da contribuição social, econômica e cultural da população negra no Brasil não parece ter se elevado. Não se pode dizer que houve por parte de governos, empresas e sociedade, planejamento, ação ou esforço transformador.

    Nesse quadro, constatável é a ineficácia de ser signatário de atos internacionais, de editar disposições constitucionais e legais sem atenção à concretude e sem legítimo interesse em ser efetivo.

    Aliás, oportuno registrar que reconhecimento é um problema que aflige a população negra em outra dimensão. Sim, há numerosos casos nos quais pessoas negras inocentes são reconhecidas como autoras de crimes, impondo-se-lhes as dores da injustiça, da responsabilização por atos não cometidos e da privação de liberdade.

    Não há a ilusão de que, nos três anos e meio restantes da década, ter-se-á a efetividade não observada em pouco mais de 60% dela. Pode-se dizer que deveria ter sido instituído comitê de monitoramento pela ONU; pode-se dizer que se deveria ter instituído sistema de avaliação; pode-se dizer que a ONU não foi tão incisiva quanto deveria ter sido. O que certamente deve-se dizer é que, no Brasil, não houve vontade alguma de se promover alterações institucionais, comportamentais, educacionais, culturais, sociais, políticas e jurídicas, pois a manutenção da situação vivenciada desde o final da escravatura, ou seja, a falsa hierarquia de raças e de culturas, interessa ao grupo que quase aniquilou os indígenas e comercializou os negros por longo período.

A conclusão inarredável é que, sem reconhecimento, não há reparação, desenvolvimento e justiça.

Jorge Terra.

28 de abril de 2021

‘Não sou a ré, sou a advogada’: a mulher que combate o racismo e a ignorância na Justiça

  • Eva Ontiveros
  • BBC World Service

8 outubro 2020

Alexandra Wilson usando peruca e toga tradicionais da Justiça no Reino Unido
Legenda da foto,Com uma carreira impressionante, Alexandra Wilson é advogada aos 25 anos

“Não espero ter que justificar constantemente minha existência no trabalho”, diz Alexandra Wilson à BBC.

No entanto, como uma advogada negra de 25 anos trabalhando no sistema jurídico britânico, é exatamente isso que ela tem que fazer — às vezes até quatro vezes por dia.

Quando ela vai a um julgamento, se ela não está usando peruca e toga — como é tradição em alguns tribunais britânicos — ela frequentemente é confundida com os supostos criminosos que ela defende — tudo por causa de sua cor.

O direito inglês pode ser famoso em todo o mundo e ter influenciado sistemas jurídicos de dezenas de países — de Bangladesh às Bahamas — mas a experiência de Alexandra Wilson expõe os problemas que ainda tem em relação ao racismo.PUBLICIDADEhttps://da9aa19dc7778b6f8f2f960b940c1276.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Já chegaram a gritar para eu sair do tribunal”, conta Alexandra. “Isso já aconteceu várias vezes e indica um problema muito maior na sociedade.”

Mas ela recebeu apoio do Conselho da Ordem (Bar Council, em inglês) e de suas “jovens colegas brancas que nunca tiveram essa experiência”. Até o Serviço de Cortes e Tribunais de Sua Majestade (HMCTS, na sigla em inglês) se desculpou pelo “comportamento totalmente inaceitável”.

Parada quatro vezes

Retrato de Alexandra Wilson
Legenda da foto,Nem todos os tribunais exigem que os advogados usem perucas e togas

Da última vez que Alexandra foi ao tribunal para representar um cliente, ela não suspeitou que acabaria no centro de uma polêmica em rede social.

O dia não começou bem: ao chegar, o segurança perguntou o nome dela, “para riscar da lista de réus”.

Quando ela explicou que era advogada, ele se desculpou e Alexandra continuou seu caminho, mas conta que foi impedida novamente por um membro do público “dizendo que eu não poderia ir ao tribunal porque é apenas para advogados”.

Ela entrou mesmo assim, e foi informada por um advogado “para voltar para fora e esperar ser chamada pelo porteiro”. Novamente, alguém presumiu que ela era a ré.

Alexandra explicou mais uma vez que ela era a advogada de defesa e foi para a frente do tribunal.

“Foi aí que o escrivão começou a gritar para que eu saísse do tribunal e me registrasse com o porteiro, perguntando se eu estava representada.”

A essa altura, o papel de Alexandra no tribunal já havia sido questionado quatro vezes.

‘Houve um impacto em mim’

Quando Alexandra finalmente conseguiu falar com o promotor, ela disse: “Eu estava absolutamente exausta, e tudo isso foi antes mesmo de meu caso começar.”

Mas apesar de sentir que tinha sido prejudicada, ela continuou.

“Consegui concluir o caso e obter um bom resultado para o meu cliente. Mas isso torna a situação cada vez mais difícil para mim.”

Embora o que aconteceu não tenha tido um impacto negativo sobre a pessoa que ela estava defendendo, ela diz: “Houve um impacto em mim.”

“Tive de reprimir por dentro o quanto me sentia chateada para poder continuar fazendo um bom trabalho. Não é bom sentir que você tem que justificar por que está no seu trabalho.”

Como é ser negro e estar em um tribunal no Reino Unido

Alexandra Wilson usando sua peruca e toga
Legenda da foto,Alexandra: ‘É assim que se parece uma advogada’

Com exceção do segurança, ninguém se desculpou na época, “o que foi bastante perturbador”.

Desde então, ela recebeu um pedido de desculpas do chefe do serviço judicial.

“É um primeiro passo importante, mas precisamos ver uma mudança real”, diz Alexandra. “Infelizmente, o que aconteceu é um reflexo do nosso sistema de justiça criminal. Há um número desproporcional de réus negros e não há advogados negros suficientes. Portanto, a suposição, quando um membro da equipe vê um jovem negro no tribunal, não é que ele seja o advogado”.

A situação também deu a Alexandra um ponto de vista diferente: “Não é particularmente bom ser réu no Reino Unido. Todos devem ser tratados com respeito.”

‘Oxford não é para você’

Jovem Alexandra sorrindo, segurando os resultados dos exames
Legenda da foto,Alexandra ficou muito feliz quando recebeu os resultados das provas

Alexandra cresceu em Essex, região da Inglaterra muitas vezes menosprezada por ser ligada à classe trabalhadora.

Desde muito jovem, Alexandra sabia que queria “fazer algo que fosse academicamente desafiador”. “Eu estabeleci meu objetivo de ir para Oxford”, conta.

Mas alguns dos funcionários de sua escola tentaram desencorajá-la a se candidatar à universidade de elite: “Muitos professores me disseram que eu estava sendo ambiciosa demais”.

Ela acha que eles estavam preocupados porque “Oxford não é para pessoas como eu. Eu não era chique, não vim de uma origem particularmente privilegiada, não fui para uma escola particular, tenho um sotaque de Essex… Eu não sou branca.”

Oxford foi criticada no passado por não atrair estudantes suficientes que não fossem brancos e não tivessem educação privada, diz Alexandra, “então, quando adolescente, duvidei muito de mim mesma. Eu me perguntei se eles estavam certos”.

Então o que aconteceu?

“Tive muita sorte de meus pais me apoiarem excepcionalmente”, diz Alexandra. “Eles sempre me encorajaram a buscar sucesso, a colocar meu empenho nisso”.

E foi o que ela fez.

Por que bons conselhos são importantes

Alexandra com seus irmãos
Legenda da foto,Alexandra com seus irmãos

Alexandra sabe que tem força de vontade e um ambiente familiar atencioso, mas o que acontece se não for esse o caso?

“É por isso que esse tipo de atitude é tão prejudicial, especialmente para os jovens que podem se sentir inseguros, como todos nós”, diz ela. “Se você vem de um ambiente em que não conhece outras pessoas na universidade ou em certas carreiras ou posições, pode ser muito difícil.”

Independentemente de onde você esteja no mundo, Alexandra acredita que o papel das escolas e dos professores é muito importante: “Se você não tem pessoas ao seu redor dizendo ‘você pode fazer isso’, posso ver facilmente como os jovens podem ficar desanimados ou desista”.

Mas, igualmente importante, as instituições devem estar dispostas a mudar, diz Alexandra.

“A responsabilidade recai sobre essas instituições para incentivar as pessoas com experiências específicas, deixá-las saber que têm uma boa chance de entrar (em uma universidade) se se inscreverem.”

Envolva-se, mude o mundo

Alexandra Wilson
Legenda da foto,Alexandra defende mais diversidade nas instituições

“Ser aceita em Oxford foi muito importante para mim, embora eu não sentisse que me encaixava lá”, diz Alexandra. “Oxford é difícil de qualquer maneira, mas gostei do desafio intelectual. O que achei mais difícil é o aspecto social.”

Houve momentos em que ela se sentiu bastante isolada, como quando durante um jogo de bebida alguém gritou “alguém que só entrou em Oxford porque era negro”.

Havia apenas dois alunos negros em todo o salão, incluindo Alexandra.

Mas ela acrescenta: “É importante participar se queremos transformar essas instituições. Precisamos estar lá, precisamos ter um leque diversificado de pessoas”.

Alexandra reconhece que pode ser difícil quando você entra nesse tipo de ambiente. “Você não vê muitas pessoas que se parecem com você, não consegue ver muitas pessoas com quem pode se relacionar.”

‘Nós não entendemos o que é racismo’

Alexandra com os irmãos, de férias
Legenda da foto,A sociedade pode garantir que todas as crianças terão as mesmas oportunidades?

Algumas pessoas nas redes sociais a questionaram, dizendo que nunca encontraram tal falta de profissionalismo no tribunal.

“Algumas pessoas sugeriram que, porque não aconteceu com elas, não pode ser verdade”, diz Alexandra. “Isso destaca parte do problema: as pessoas não estão dispostas a ouvir a experiência dos outros e levá-los a sério.”

Ela diz que não se trata apenas do que aconteceu com ela: “Isso é um indicativo das atitudes da sociedade.”

Alexandra também destaca os inúmeros comentários de advogados negros e asiáticos relatando experiências semelhantes e que corroboram as dela.

Outros disseram que era mais um caso de ignorância do que de racismo.

Isso é, talvez, o que mais importa para Alexandra: “O maior problema que temos é que não entendemos do que se trata o racismo.”

“Por muito tempo, as pessoas pensavam que você era racista só se você gritasse explicitamente calúnias ou dissesse ‘os negros não podem fazer isso ou aquilo'”, diz Alexandra. “Mas temos um problema muito maior”.

“É sobre o racismo sistêmico que as pessoas precisam ser ensinadas”, diz ela.

Alexandra aponta que é isso que faz as pessoas fazerem grandes suposições sobre os outros apenas com base em sua aparência.

“Uma das razões pelas quais os negros são desproporcionalmente afetados pelo sistema de justiça criminal desde o início é que são maciçamente policiados, têm taxa de revista muito mais altas: 38 em 1.000 homens negros em comparação com quatro em 1.000 homens brancos.”

E continua nos tribunais, diz Alexandra: “Dados do Ministério da Justiça mostram que negros e outros infratores de minorias étnicas são mandados para a prisão em uma taxa muito maior do que infratores brancos.”

Mas não precisa ser assim para sempre, diz Alexandra. “Com uma melhor compreensão de como funciona o racismo sistêmico, temos uma chance muito melhor de enfrentá-lo.”

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Histórias relacionadas

  • Eva Ontiveros
  • BBC World Service

8 outubro 2020

Alexandra Wilson usando peruca e toga tradicionais da Justiça no Reino Unido
Legenda da foto,Com uma carreira impressionante, Alexandra Wilson é advogada aos 25 anos

“Não espero ter que justificar constantemente minha existência no trabalho”, diz Alexandra Wilson à BBC.

No entanto, como uma advogada negra de 25 anos trabalhando no sistema jurídico britânico, é exatamente isso que ela tem que fazer — às vezes até quatro vezes por dia.

Quando ela vai a um julgamento, se ela não está usando peruca e toga — como é tradição em alguns tribunais britânicos — ela frequentemente é confundida com os supostos criminosos que ela defende — tudo por causa de sua cor.

O direito inglês pode ser famoso em todo o mundo e ter influenciado sistemas jurídicos de dezenas de países — de Bangladesh às Bahamas — mas a experiência de Alexandra Wilson expõe os problemas que ainda tem em relação ao racismo.PUBLICIDADEhttps://da9aa19dc7778b6f8f2f960b940c1276.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Já chegaram a gritar para eu sair do tribunal”, conta Alexandra. “Isso já aconteceu várias vezes e indica um problema muito maior na sociedade.”

Mas ela recebeu apoio do Conselho da Ordem (Bar Council, em inglês) e de suas “jovens colegas brancas que nunca tiveram essa experiência”. Até o Serviço de Cortes e Tribunais de Sua Majestade (HMCTS, na sigla em inglês) se desculpou pelo “comportamento totalmente inaceitável”.

Parada quatro vezes

Retrato de Alexandra Wilson
Legenda da foto,Nem todos os tribunais exigem que os advogados usem perucas e togas

Da última vez que Alexandra foi ao tribunal para representar um cliente, ela não suspeitou que acabaria no centro de uma polêmica em rede social.

O dia não começou bem: ao chegar, o segurança perguntou o nome dela, “para riscar da lista de réus”.

Quando ela explicou que era advogada, ele se desculpou e Alexandra continuou seu caminho, mas conta que foi impedida novamente por um membro do público “dizendo que eu não poderia ir ao tribunal porque é apenas para advogados”.

Ela entrou mesmo assim, e foi informada por um advogado “para voltar para fora e esperar ser chamada pelo porteiro”. Novamente, alguém presumiu que ela era a ré.

Alexandra explicou mais uma vez que ela era a advogada de defesa e foi para a frente do tribunal.

“Foi aí que o escrivão começou a gritar para que eu saísse do tribunal e me registrasse com o porteiro, perguntando se eu estava representada.”

A essa altura, o papel de Alexandra no tribunal já havia sido questionado quatro vezes.

‘Houve um impacto em mim’

Quando Alexandra finalmente conseguiu falar com o promotor, ela disse: “Eu estava absolutamente exausta, e tudo isso foi antes mesmo de meu caso começar.”

Mas apesar de sentir que tinha sido prejudicada, ela continuou.

“Consegui concluir o caso e obter um bom resultado para o meu cliente. Mas isso torna a situação cada vez mais difícil para mim.”

Embora o que aconteceu não tenha tido um impacto negativo sobre a pessoa que ela estava defendendo, ela diz: “Houve um impacto em mim.”

“Tive de reprimir por dentro o quanto me sentia chateada para poder continuar fazendo um bom trabalho. Não é bom sentir que você tem que justificar por que está no seu trabalho.”

Como é ser negro e estar em um tribunal no Reino Unido

Alexandra Wilson usando sua peruca e toga
Legenda da foto,Alexandra: ‘É assim que se parece uma advogada’

Com exceção do segurança, ninguém se desculpou na época, “o que foi bastante perturbador”.

Desde então, ela recebeu um pedido de desculpas do chefe do serviço judicial.

“É um primeiro passo importante, mas precisamos ver uma mudança real”, diz Alexandra. “Infelizmente, o que aconteceu é um reflexo do nosso sistema de justiça criminal. Há um número desproporcional de réus negros e não há advogados negros suficientes. Portanto, a suposição, quando um membro da equipe vê um jovem negro no tribunal, não é que ele seja o advogado”.

A situação também deu a Alexandra um ponto de vista diferente: “Não é particularmente bom ser réu no Reino Unido. Todos devem ser tratados com respeito.”

‘Oxford não é para você’

Jovem Alexandra sorrindo, segurando os resultados dos exames
Legenda da foto,Alexandra ficou muito feliz quando recebeu os resultados das provas

Alexandra cresceu em Essex, região da Inglaterra muitas vezes menosprezada por ser ligada à classe trabalhadora.

Desde muito jovem, Alexandra sabia que queria “fazer algo que fosse academicamente desafiador”. “Eu estabeleci meu objetivo de ir para Oxford”, conta.

Mas alguns dos funcionários de sua escola tentaram desencorajá-la a se candidatar à universidade de elite: “Muitos professores me disseram que eu estava sendo ambiciosa demais”.

Ela acha que eles estavam preocupados porque “Oxford não é para pessoas como eu. Eu não era chique, não vim de uma origem particularmente privilegiada, não fui para uma escola particular, tenho um sotaque de Essex… Eu não sou branca.”

Oxford foi criticada no passado por não atrair estudantes suficientes que não fossem brancos e não tivessem educação privada, diz Alexandra, “então, quando adolescente, duvidei muito de mim mesma. Eu me perguntei se eles estavam certos”.

Então o que aconteceu?

“Tive muita sorte de meus pais me apoiarem excepcionalmente”, diz Alexandra. “Eles sempre me encorajaram a buscar sucesso, a colocar meu empenho nisso”.

E foi o que ela fez.

Por que bons conselhos são importantes

Alexandra com seus irmãos
Legenda da foto,Alexandra com seus irmãos

Alexandra sabe que tem força de vontade e um ambiente familiar atencioso, mas o que acontece se não for esse o caso?

“É por isso que esse tipo de atitude é tão prejudicial, especialmente para os jovens que podem se sentir inseguros, como todos nós”, diz ela. “Se você vem de um ambiente em que não conhece outras pessoas na universidade ou em certas carreiras ou posições, pode ser muito difícil.”

Independentemente de onde você esteja no mundo, Alexandra acredita que o papel das escolas e dos professores é muito importante: “Se você não tem pessoas ao seu redor dizendo ‘você pode fazer isso’, posso ver facilmente como os jovens podem ficar desanimados ou desista”.

Mas, igualmente importante, as instituições devem estar dispostas a mudar, diz Alexandra.

“A responsabilidade recai sobre essas instituições para incentivar as pessoas com experiências específicas, deixá-las saber que têm uma boa chance de entrar (em uma universidade) se se inscreverem.”

Envolva-se, mude o mundo

Alexandra Wilson
Legenda da foto,Alexandra defende mais diversidade nas instituições

“Ser aceita em Oxford foi muito importante para mim, embora eu não sentisse que me encaixava lá”, diz Alexandra. “Oxford é difícil de qualquer maneira, mas gostei do desafio intelectual. O que achei mais difícil é o aspecto social.”

Houve momentos em que ela se sentiu bastante isolada, como quando durante um jogo de bebida alguém gritou “alguém que só entrou em Oxford porque era negro”.

Havia apenas dois alunos negros em todo o salão, incluindo Alexandra.

Mas ela acrescenta: “É importante participar se queremos transformar essas instituições. Precisamos estar lá, precisamos ter um leque diversificado de pessoas”.

Alexandra reconhece que pode ser difícil quando você entra nesse tipo de ambiente. “Você não vê muitas pessoas que se parecem com você, não consegue ver muitas pessoas com quem pode se relacionar.”

‘Nós não entendemos o que é racismo’

Alexandra com os irmãos, de férias
Legenda da foto,A sociedade pode garantir que todas as crianças terão as mesmas oportunidades?

Algumas pessoas nas redes sociais a questionaram, dizendo que nunca encontraram tal falta de profissionalismo no tribunal.

“Algumas pessoas sugeriram que, porque não aconteceu com elas, não pode ser verdade”, diz Alexandra. “Isso destaca parte do problema: as pessoas não estão dispostas a ouvir a experiência dos outros e levá-los a sério.”

Ela diz que não se trata apenas do que aconteceu com ela: “Isso é um indicativo das atitudes da sociedade.”

Alexandra também destaca os inúmeros comentários de advogados negros e asiáticos relatando experiências semelhantes e que corroboram as dela.

Outros disseram que era mais um caso de ignorância do que de racismo.

Isso é, talvez, o que mais importa para Alexandra: “O maior problema que temos é que não entendemos do que se trata o racismo.”

“Por muito tempo, as pessoas pensavam que você era racista só se você gritasse explicitamente calúnias ou dissesse ‘os negros não podem fazer isso ou aquilo'”, diz Alexandra. “Mas temos um problema muito maior”.

“É sobre o racismo sistêmico que as pessoas precisam ser ensinadas”, diz ela.

Alexandra aponta que é isso que faz as pessoas fazerem grandes suposições sobre os outros apenas com base em sua aparência.

“Uma das razões pelas quais os negros são desproporcionalmente afetados pelo sistema de justiça criminal desde o início é que são maciçamente policiados, têm taxa de revista muito mais altas: 38 em 1.000 homens negros em comparação com quatro em 1.000 homens brancos.”

E continua nos tribunais, diz Alexandra: “Dados do Ministério da Justiça mostram que negros e outros infratores de minorias étnicas são mandados para a prisão em uma taxa muito maior do que infratores brancos.”

Mas não precisa ser assim para sempre, diz Alexandra. “Com uma melhor compreensão de como funciona o racismo sistêmico, temos uma chance muito melhor de enfrentá-lo.”

fonte: BBC Brasil

17 de março de 2021

Conversaremos no dia 25 de março de 2021

Filed under: Uncategorized — jorgeterra @ 9:20
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Estava cortando a grama de minha casa no intervalo do almoço. O sol estava bem forte.

Passei a pensar como seria se estivesse na condição de escravo, ou seja, trabalhando para outra pessoa ganhar, sem intervalo, sem remuneração e sem esperança.

Sabe-se que foram milhões de vidas levadas inteiramente sob essa condição e o que resultou disso? Aquele que trabalhou sob o sol e sob a chuva foi rotulado como inapto para o trabalho assalariado sendo substituído por povos de outros lugares. E hoje ainda percebe os piores salários, não alcança postos de liderança e tenta provar que são falsas as crenças e os estereótipos de que é preguiçoso e pouco capaz.

Somente no mercado de trabalho, são perceptíveis o triste legado da escravidão e da forma da abolição da escravatura? Será?

Há consumidores que são perseguidos por seguranças desde que entram nas lojas? Há consumidores para os quais os vendedores alertam que os produtos podem ser adquiridos em até 6 parcelas ? Há consumidores que entram e saem das lojas sem ser atendidos? Essas situações seriam resquícios do comércio transatlântico de escravizados, da longa escravização e da inocorrência de um processo de justiça de transição?

No dia 25.3, às 18h, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS, com as presenças do escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo, quer virtualmente se encontrar contigo no evento que será alusivo ao dia em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão e falar sobre suas recomendações para as instituições públicas e privadas em um esforço de mudança ainda pendente. É fundamental que pessoas antirracistas se engagem nesse processo obstinadamente.

VENHAM! Sem tua presença, nada será possível !

INSCRIÇÕES PELO SEGUINTE LINK:

https://www.sympla.com.br/homenagem-as-vitimas-do-comercio-transatlantico-de-escravizados-e-da-escravidao__1157809?fbclid=IwAR3bOPFLG3LA0Rqri5BYNUDZzrNwIQVYxLVk3NxEY4dY0JPlqOhycypXM_8

TRANSMISSÃO PELO CANAL DA OAB/RS NO YOUTUBE.

JORGE TERRA

PRESIDENTE DA COMISSÃO DA VERDADE SOBRE A ESCRAVIDÃO NEGRA DA OAB/RS

11 de dezembro de 2020

A Justiça conduz à paz

Quem sabe te reúnes com pessoas com o fim de ver o que podes fazer para a justiça ser algo presente e real na vida das pessoas?

Jorge Terra.

23 de outubro de 2020

Colonial abuses haunt France’s racism debate

By Lucy Williamson
BBC Paris correspondentPublished18 JuneRelated Topics

Protesters with a Justice for Adama banner
image captionAdama Traoré’s death in 2016 sparked protests across France

Two dead men have become the faces of France’s current racism debate.

Adama Traoré, a young black man from the Paris suburbs who died in police custody four years ago; and Jean-Baptiste Colbert, a white aristocrat from the 17th Century who managed the country’s finances under King Louis XIV.

One is remembered today in demonstrations against police brutality; the other with a marble statue outside the National Assembly.

“We’ve been fighting here in France for four years,” Adama’s sister, Assa Traoré, told us. “My brother’s case is [well] known, but it’s George Floyd’s death that will really expose what’s going on here in France.”

Adama Traoré was 24 years old when he was arrested by police after running away from an ID check outside Paris. He died at a police station hours later. The cause of his death has been fiercely disputed, and several inquiries produced conflicting results.

Tens of thousands of people have turned out this month at protests in his memory, boosted by the impact of events in the US.

Assa Traoré
image captionAssa Traoré, the sister of Adama Traoré, is an active anti-racism campaigner

“We are importing ideas from the US,” says historian Sandrine Le Maire, an expert on French colonialism.

“The deaths of Adama Traoré and George Floyd happened in similar circumstances, but our historical baggage is not the same. There was no lynching here, or racial laws.

“There are stereotypes, inherited from colonisation, but racism has never entered our legislation.”

In the US, where official national data is not available, the Washington Post has counted more than 1,000 deaths from police shootings alone in the past year. It says a disproportionate number of the victims were black.

The French police say they don’t have figures for all deaths in police custody. They say 19 people died last year during police interventions, but there is no data on their ethnic origin because it is illegal to collect this information in France.

Equality for all?

France’s concept of national identity is based around the unity and equality of its citizens. State policies that single out one particular group – based on ethnicity, for example – are seen as damaging.

But many from France’s ethnic minorities say this ideal of equality is being maintained in theory at the expense of reality, and that racism – in policing, schools or the job market – is impossible to tackle if it cannot be quantified.https://emp.bbc.com/emp/SMPj/2.35.13/iframe.htmlmedia captionThere were clashes in Paris as police threw tear gas at protesters who hit them with stones

Last weekend, President Emmanuel Macron’s own spokeswoman, Sibeth Ndiaye, added her voice to those calling for a new debate about ethnic data.

Senegalese-born Ms Ndiaye said in an open letter that, for France’s national vision to prosper in the face of extremist narratives from both sides, it was necessary to “measure and look at reality as it is”.

“Let us dare to publicly debate subjects that have become taboo,” she urged. Her suggestion was immediately shot down by senior – white – ministers in the government.

France requires its immigrant citizens to adopt the history, culture and story of the République. “Multiculturalism”, one historian told me, “is a dirty word here”.

But whose story is it?

And so to Jean-Baptiste Colbert, who sits with his long marble curls and finery outside the National Assembly.

‘Black Code’

Barely noticed by most of the drivers honking their horns as they crawl past him along the Left Bank of the Seine, but a target for those who say it’s time to re-examine this kind of public history in France.

Because Colbert, famous for running France’s finances under its Sun-King, Louis XIV, was also the brains behind its notorious ‘Black Code’, a set of rules for how black slaves would be treated in its colonies.

Inspired by scenes of demonstrators across the Channel in Bristol throwing the statue of Edward Colston into the city’s river, some here are now calling for Colbert to be unseated from his prominent position. He also has a room named after him inside the assembly building.

France’s former prime minister Jean-Marc Ayrault, now president of the Foundation for the Remembrance of Slavery, says the Colbert room should be renamed, but he draws the line at abolishing statues or street names.

“We are in a new stage with the death of George Floyd and youth movements across France,” he said.

He has suggested that France revisit its monuments and street names, to give greater explanation and context, as an alternative to simply removing them. “We need to do the work of remembrance,” he says.

“You can’t erase history,” Sandrine Le Maire explained. “Or we’ll start erasing everything and anything: castles, palaces, monarchies. We need symbols, even if they shock us. Historical figures are multifaceted: [Marshal] Pétain was a First World War hero for 20 years before being rejected as a collaborator [during the Second World War].”

President Macron, speaking to the nation last week, agreed: “The Republic will not erase any trace or name from its history,” he said. “It won’t remove any statue.”

The challenge of remembrance

So, no review of France’s statues or street names – at least, not yet. Mr Macron is not one who likes being forced into decisions by events.

Statue of Jean-Baptiste Colbert in front of France's National Assembly
image captionJean-Baptiste Colbert devised rules for how black slaves would be treated in French colonies

But he has been more outspoken than most French leaders about the country’s past, courting outrage before his election by saying that France had committed “crimes against humanity” against its former colony, Algeria.

And it’s France’s history – not its statues – that holds the answer, says Jean-Francois Mbaye, a black French MP who was born in Senegal.

“Are we ready to teach the history of French slavery, French colonisation?” he asks. “France’s former colonies know their history, but I don’t think our people, our youth, know it.”

“It can be gratifying to remove a statue and throw it in the river,” he told me. “But then what?”

Assa Traoré believes that, if Colbert’s statue is to remain in front of the National Assembly, his deeds “should be written on the statue’s plaque by a black man. Let a black man tell us who Colbert was and what the Black Code meant, not a white man.”

Other names, reflecting the stories of France’s non-white citizens, should be added to the country’s streets, she says, and other statues erected outside its buildings.

Black Lives Matter is a slogan that resonates here, but black lives – whether in data or in monuments – are sometimes hard to see in the official story of France.

fonte: BBC News – 18 junho 2020

20 de julho de 2020

Como bancos ingleses lucraram com escravidão no Brasil

Apesar de a prática ter sido abolida pelo Reino Unido em suas próprias colônias no início do século 19, no Brasil indivíduos e instituições britânicas continuaram por muito tempo envolvidos com a escravidão.

Letícia Mori – Da BBC News Brasil

O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculos
O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculosFoto: Getty Images / BBC News Brasil

No auge do tráfico de escravos da África para o Brasil, entre 1800 e 1850, mais de 2 milhões de pessoas foram trazidas à força para o país para serem escravizadas, segundo o Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos (Transatlantic Slave Trade Database). No total, ao longo de quatro séculos, mais de 4,8 milhões de pessoas escravizadas foram obrigadas a desembarcar em solo brasileiro.

O tráfico era um negócio lucrativo, mas não foram só os traficantes e fazendeiros que se aproveitaram da exploração brutal de seres humanos. Banqueiros ingleses se envolveram com a escravidão no Brasil mesmo depois de ela ter sido abolida nas colônias britânicas, em 1833.

É isso que mostra uma pesquisa do historiador Joe Mulhern, especializado no envolvimento britânico com a escravidão no Brasil, pela Universidade de Durham, na Inglaterra.

“Apesar de o Império Britânico na era vitoriana pensar em si mesmo como um modelo moral quanto à escravidão e fazer pressão para que outros países, inclusive o Brasil, abolissem a prática, os legisladores tiveram dificuldade para cortar os laços econômicos com a escravidão em países estrangeiros”, explica Mulhern em entrevista à BBC News Brasil.

Havia duas formas principais de envolvimento dos britânicos, explica o historiador. Uma mais ampla, por meio de empréstimos e a compra de títulos do Tesouro, entre outras relações indiretas com a economia escravocrata. E outra mais direta, em que instituições e indivíduos deram apoio financeiro, na forma de empréstimos e garantias, por exemplo, para o tráfico de escravos ou para fazendas que usavam esse tipo de mão de obra.

Alguns britânicos chegaram a ser diretamente proprietários de escravos — segundo o trabalho de Mulhern, um censo de 1848-1849 mostra que havia, naquele ano, cerca de 3.400 pessoas escravizadas por mestres britânicos.

Entre os envolvidos nessa relação mais direta, havia indivíduos ligados a bancos que foram predecessores de grandes instituições financeiras atuais do Reino Unido.

Lobby no parlamento

Em 1833 o Reino Unido havia extinguido a escravidão em suas colônias, dando compensações para os senhores mas não para os escravizados. O império começou também a fazer pressão diplomática para que a escravidão fosse abolida no Brasil. Essa pressão é apontada por historiadores brasileiros como um dos múltiplos fatores que levaram ao fim da prática no país.

A lei que proibiu o tráfico como parte de um acordo com o Reino Unido, inclusive, deu origem à expressão “para inglês ver”, porque durante muito tempo não havia fiscalização e o tráfico continuou.

No entanto, apesar dessa pressão do governo do país europeu, muitos do britânicos envolvidos na prática conseguiam impedir que a legislação britânica fosse mais restritiva em relação às suas atividades no exterior.

“Essa ambivalência no envolvimento do Reino Unido na escravidão (tanto pressionando para o seu fim quanto deixando de cortar laços econômicos existentes) pode ser encontrada na legislação da época”, diz o historiador.

Africanos escravizados tiveram roubadas sua liberdade, identidade e cultura
Africanos escravizados tiveram roubadas sua liberdade, identidade e culturaFoto: Getty Images / BBC News Brasil

Isso porque os envolvidos faziam lobby no Parlamento.

“Eles pressionavam para que seus negócios fossem protegidos, com os mesmos argumentos para defender a escravidão usados no Reino Unido antes de 1833”, explica Mulhern.

Os três principais, aponta, eram a defesa da propriedade (porque as pessoas tinham sido vendidas como propriedades); a necessidade de o Reino Unido prosperar nesses mercados que ainda eram escravocratas; e o mito de que os britânicos que exploravam escravos eram “benevolentes”.

“Já existia o mito de que os senhores de escravos no Brasil eram benevolentes. Os ingleses diziam que eles eram ainda mais”, conta Mulhern. “Mas não há nenhuma evidência de que a escravização, uma prática baseada na violência ou na ameaça dela, era menos cruel quando praticada pelos britânicos”.

Seres humanos como garantia

Muitas vezes os escravizados eram parte das propriedades usadas em garantias de empréstimos de um banco. Na dissertação de Mulhern, ele resgatou casos em que bancos ingleses tinham um devedor insolvente e acabavam leiloando os escravizados para cobrar a dívida.

Um desses bancos, mostra Mulhern em sua pesquisa, era o London and Brazilian Bank, criado em 1862 (e comprado em 1923 pelo Lloyd’s Banking Group, que existe até hoje).

O banco continuou envolvido com a escravidão até a praticamente a abolição da prática no Brasil, em 1888 — ou seja, mais de 50 anos depois da abolição da escravatura nas colônias britânicas, como Jamaica e África do Sul.

Um dos executivos do London and Brazilian Bank, Edward Johnston, chegou a ser dono de escravos no Brasil e a casar com uma família que era dona de uma fazenda de café no Rio de Janeiro. “A riqueza gerada com a escravidão no Brasil ajudou a estabelecer um banco que investiria na exploração de pessoas”, diz Mulhern.

A presença de negros no Cone Sul é um fenômeno que pode ser traçado desde os tempos da conquista, no século 16, quando já havia registros da presença de pessoas que escravizados
A presença de negros no Cone Sul é um fenômeno que pode ser traçado desde os tempos da conquista, no século 16, quando já havia registros da presença de pessoas que escravizadosFoto: Getty Images / BBC News Brasil

Esses laços, no entanto, eram escondidos de investidores no Reino Unido, onde a opinião pública já não era favorável à escravidão.

Para evitar afugentar investidores no país de origem, a maior parte dos bancos envolvidos com operações relacionadas à escravidão não o fazia diretamente, mas por meio de comissários intermediários, explica Mulhern à BBC News Brasil.

Um desses intermediários era a casa bancária Gavião Ribeiro Gavião, que financiava a economia agrícola de São Paulo e atuava no comércio interno de escravos.

A casa bancária atuou como intermediária para o London and Brazilian Bank. O banco britânico declarava que seu propósito no Brasil era comercial, mas tinha uma carteira de hipotecas cujas garantias eram fazendas de café em São Paulo e mais de 800 pessoas que trabalhavam nelas como escravos.

Terceirização

O historiador também cita o caso da Fazenda Angélica, em Rio Claro, no interior de São Paulo, que acabou se tornando um dos ativos de um banco e sendo administrada por ele. Depois de uma tentativa fracassada de usar mão de obra de imigrantes, o banco resolveu “terceirizar” o uso de mão de obra escrava.

Isso porque, sendo uma empresa inglesa, o banco não poderia ser dono direto de escravizados. Mas uma brecha na legislação permitia que ele “alugasse” a mão de obra escrava de outros senhores de escravo — e foi o que fez.

Um escravo sendo torturado em uma fazenda brasileira na visão do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que viajou o país retratando cenas da vida no século 19
Um escravo sendo torturado em uma fazenda brasileira na visão do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que viajou o país retratando cenas da vida no século 19Foto: Domínio Público / BBC News Brasil

Quando vendeu a fazenda, o banco afirmou que “não empregava um único escravo” — sem citar que pagou senhores de escravos para usarem as pessoas escravizadas por eles na plantação e que ainda tinha 80 escravos como garantia do financiamento que possibilitou a venda da fazenda.

Empréstimo não pago

“Nem sempre esse envolvimento era bem-sucedido, e agentes britânicos que fizeram as negociações do tipo no Brasil chegaram a ser repreendidos no Reino Unido”, conta Mulhern.

Mas a repreensão, diz ele, não foi por questões morais, mas porque muitos dos empréstimos não foram recuperados e algumas instituições acabaram tendo dificuldades financeiras por causa disso.

“Muitos investidores buscavam investir em infraestrutura, em criação de linhas de trem por exemplo, mas os fazendeiros queriam um investimento direto na produção agrícola, que era um negócio muito arriscado”, diz Mulhern. “Apesar disso, alguns agentes se envolveram, até contraindo orientações da sede, e depois foram repreendidos porque os negócios não deram certo”.

Empréstimos que tinham seres humanos como garantia e não eram pagos tinham impactos diretos na vida dessas pessoas.

Em 1869, o Barão do Turvo, fazendeiro carioca que tinha uma dívida com o London and Brazilian Bank, não pagou um empréstimo que devia.

“O banco então entrou com um processo para recuperar o dinheiro, e como havia pessoas escravizadas como garantia, elas sofreram a consequência”, diz Mulhern. Advogados do banco então realizam um leilão de 103 escravizados, incluindo famílias com crianças e bebês. Documentos da época compilados por Mulhern mostram como o banco vendeu pelo menos 30 dessas pessoas no leilão — entre elas a pequena Ancieta, uma bebê escravizada de apenas um ano de idade; e as pequenas Adelina e Marcellina, vendidas com 2 e 6 anos.

Lidando com o passado

O movimento americano Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português), de protesto contra o racismo e contra o assassinato de negros pela polícia, fez com que muitas instituições viessem a público falar sobre seu histórico racista e mostrar que mudaram de postura, inclusive doando dinheiro para instituições de combate ao racismo.

“Historiadores já sabiam dessas ligações, mas o movimento Black Lives Matter trouxe um novo escrutínio sobre esse passado”, diz Mulhern.

Após a publicação de um artigo de Joe Mulhern sobre sua pesquisa, o banco Lloyds Banking Group atualizou seu site para incluir um reconhecimento de que pelo menos seis dos 200 bancos que foram incorporados pelo grupo se envolveram com a escravidão, incluindo o London and Brazilian Bank.

“Embora tenhamos muito do nosso passado para nos orgulharmos, não podemos nos orgulhar de tudo”, diz o banco.

“Mas se esse debate vai ir além do reconhecimento e levar de fato a algum tipo de reparação ou doação financeira é algo que eu não sei”, afirma o pesquisador.

fonte: BBC News Brasil – 19 jul 2020.

19 de maio de 2019

Can truth and reconciliation commissions heal divided nations?

Bonny IbhawohProfessor of History and Global Human Rights, , McMaster University – 2019

As long as unresolved historic injustices continue to fester in the world, there will be a demand for truth commissions.

Unfortunately, there is no end to the need.

The goal of a truth commission — in some forms also called a truth and reconciliation commission, as it is in Canada — is to hold public hearings to establish the scale and impact of a past injustice, typically involving wide-scale human rights abuses, and make it part of the permanent, unassailable public record. Truth commissions also officially recognize victims and perpetrators in an effort to move beyond the painful past.

Over the past three decades, more than 40 countries have, like Canada,established truth commissions, including Chile, Ecuador, Ghana, Guatemala, Kenya, Liberia, Morocco, Philippines, Rwanda, Sierra Leone, South Africa and South Korea. The hope has been that restorative justice would provide greater healing than the retributive justice modelled most memorably by the Nuremberg Trials after the Second World War.

There has been a range in the effectiveness of commissions designed to resolve injustices in African and Latin American countries, typically held as those countries made transitions from civil war, colonialism or authoritarian rule.

Most recently, Canada’s Truth and Reconciliation Commission addressed historic injustices perpetrated against Canada’s Indigenous peoples through forced assimilation and other abuses.

Its effectiveness is still being measured, with a list of 94 calls to action waiting to be fully implemented. But Canada’s experience appears to have been at least productive enough to inspire Australia and New Zealand to come to terms with their own treatment of Indigenous peoples by exploring similar processes.

Although both countries have a long history to trying to reconcile with native peoples, recent discussions have leaned toward a Canadian-style TRC model.

South Africa set the standard

There had been other truth commissions in the 1980s and early 1990s, including Chilé’s post-Pinochet reckoning.

But the most recognizable standard became South Africa’s, when President Nelson Mandela mandated a painful and necessary Truth and Reconciliation Commission to resolve the scornful legacy of apartheid, the racist and repressive policy that had driven the African National Congress, including Mandela, to fight for reform. Their efforts resulted in widespread violence and Mandela’s own 27-year imprisonment.

Through South Africa’s publicly televised TRC proceedings, white perpetrators were required to come face-to-face with the Black families they had victimized physically, socially and economically.

There were critics, to be sure, on both sides. Some called it the “Kleenex Commission” for the emotional hearings they saw as going easy on some perpetrators who were granted amnesty after demonstrating public contrition.

Others felt it fell short of its promise — benefiting the new government by legitimizing Mandela’s ANC and letting perpetrators off the hook by allowing so many go without punishment, and failing victims who never saw adequate compensation or true justice.

These criticisms were valid, yet the process did succeed in its most fundamental responsibility — it pulled the country safely into a modern, democratic era.

Saving humanity from ‘hell’

Dag Hammarskjöld, the secretary general of the United Nations through most of the 1950s who faced criticism about the limitations of the UN, once said the UN was “not created to take mankind to heaven, but to save humanity from hell.”

Similarly, South Africa’s Truth and Reconciliation Commission was not designed to take South Africa to some idyllic utopia. After a century of colonialism and apartheid, that would not have been realistic. It was designed to save South Africa, then a nuclear power, from an implosion — one that many feared would trigger a wider international war.

To the extent that the commission saved South Africa from hell, I think it was successful. Is it a low benchmark? Perhaps, but it did its work.

Since then, other truth commissions, whether they have included reconciliation or reparation mandates, have generated varying results.

Some have been used cynically as tools for governments to legitimize themselves by pretending they have dealt with painful history when they have only kicked the can down the road.

In Liberia, where I worked with a team of researchers last summer, the records of that country’s truth and reconciliation commission are not even readily available to the public. That secrecy robs Liberia of what should be the most essential benefit of confronting past injustices: permanent, public memorialization that inoculates the future against the mistakes of the past.

U.S. needs truth commission

On balance, the truth commission stands as an important tool that can and should be used around the world.

It’s painfully apparent that the United States needs a national truth commission of some kind to address hundreds of years of injustice suffered by Black Americans. There, centuries of enslavement, state-sponsored racism, denial of civil rights and ongoing economic and social disparity have yet to be addressed.

Like many, I don’t hold out hope that a U.S. commission will be established any time soon – especially not under the current administration. But I do think one is inevitable at some point, better sooner than later.

Wherever there is an ugly, unresolved injustice pulling at the fabric of a society, there is an opportunity to haul it out in public and deal with it through a truth commission.

Still, there is not yet any central body or facility that researchers, political leaders or other advocates can turn to for guidance, information and evidence. Such an entity would help them understand and compare how past commissions have worked — or failed to work — and create better outcomes for future commissions.

As the movement to expose, understand and resolve historical injustices grows, it would seem that Canada, a stable democracy with its own sorrowed history and its interest in global human rights, would make an excellent place to establish such a centre.

fonte: site do Forum Econômico Mundial – 21/2/2019

18 de fevereiro de 2019

Brasil e França trabalharam pelo silenciamento da memória escravista”, diz historiadora

O trabalho de resgate da memória do período escravista do Brasil é tema de uma série de palestras em Paris da professora do departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora e Professora Titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense, Hebe Mattos.

Além dos encontros com estudantes de universidades e especialistas, ela está em uma missão junto ao Centro Internacional de Pesquisas sobre a Escravidão, vinculado ao CNRS (Centro Nacional de Pesquisa da França), para concluir a revisão em francês de seu livro “Das Cores do Silêncio”. A obra, lançada nos anos 1990 a partir do trabalho da historiadora com descentes de escravos no Rio de Janeiro, foi reeditada em 2013 e esta nova versão ganhará uma tradução em francês.

Hebe integra diferentes atividades e grupos de pesquisadores que trabalham no resgate da memória da escravidão, assunto que é transversal entres os dois países.

“Brasil e França estão na origem da escravidão africana no Atlântico. O Brasil com a colonização portuguesa e a França com a colonização das Antilhas, utilizando a mão-de-obra escrava africana. E mesmo depois, com a França pós-revolução e o Brasil independente, constitucional e liberal, mantiveram a escravidão por algumas décadas. E, apesar das diferenças, os dois países vão trabalhar com um certo silenciamento dessa memória”, afirma.

Hebe vê muitos paralelos no processo de colonização no Brasil e por parte da França. “São dois países católicos, que atualizam o processo de escravidão já sua fase mais liberal, nacional, e que lidam com a abolição mais na chave do silêncio do que no enfrentamento das feridas que essa ordem escravista deixou nas duas sociedades”, argumenta.

No Brasil, Hebe coordena o Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI), rede de pesquisa com grupos em funcionamento na UFF e na UFJF, e é responsável pelo projeto Memórias do Cativeiro, criado em 1994.

Durante suas investigações, Hebe conversou com netos de escravos que viveram o período da abolição no Brasil. O trabalho foi focado nas comunidades negras escravizadas das antigas áreas cafeeiras no interior do Rio de Janeiro.

Segundo a historiadora, essa pesquisa revelou um aspecto pouco conhecido e garantido por um silêncio que reinou no país para ofuscar um procedimento que trouxe ilegalmente cerca de 750 mil pessoas em um espaço de 20 anos entre a 1ª e 2ª lei da abolição do tráfico negreiro. “Esse trabalho foi importante para fazer essas comunidades se autorreconhecerem como remanescentes de quilombos e também para todo o movimento social e de reconhecimento de patrimônios imateriais de origem africana, como o jongo”, afirma, em referência à dança que tem raízes no Congo-Angola.

“Trata-se de uma pesquisa em dois tempos. Como a memória da escravidão é atualizada politicamente por essas comunidades e como ela pode nos iluminar sobre determinados aspectos silenciados da história do Brasil no século 19”, acrescenta.

Evolução da sociedade

Hebe Mattos estima que a partir da Constituição de 1988, o trabalho de resgate histórico da comunidade negra e escravizada no Brasil ganhou nova dimensão e abertura. “Essa história era fechada em pequenos grupos familiares e se politizou, e um ‘boom’ das comunidades remanescentes de quilombos ocorreu, acionando publicamente essa memória”, diz.

Ela cita como exemplo a descoberta em 2011, durante as escavações da zona portuária, do Cais do Valongo, porto de entrada de escravos africanos, que fez do Rio de Janeiro a maior cidade escravista do Atlântico no século 19. Em 2017, o sítio arqueológico foi reconhecido como Patrimônio Mundial da Humanidade. “Há uma importante iniciativa de criar um Museu da História da Cultura Afro-brasileira na cidade do Rio. Há uma demanda dessa memória e de como lidar com ela no espaço público, como não havia 30 anos atrás”, justifica.

O Estatuto da Igualdade Racial, instaurado em 2010, também se transformou em um marco da ruptura com um racismo institucionalizado no país, segundo Hebe. “Hoje em dia, como o Censo sabe a cor da população brasileira? Hoje a população se autodeclara cada vez mais negra e parda? Há um orgulho em negar os processos de branqueamento crescentes. Mas como todas transformações profundas pelas quais o Brasil passou nas últimas décadas, e elas foram positivas, produziram também uma reação de vontade reacionária, de volta ao passado, mas eu acho que não tem mais retorno. Sou otimista por esse ponto de vista”, concluiu.

Veja abaixo a entrevista completa:

FONTE: RFI – Rede França Internacional   04.02.2019

13 de janeiro de 2019

Seminário Luiza Bairros: Escravidão, Memória e Verdade no Brasil e nos Estados Unidos tem apoio da OAB/RS

Seminário Luiza Bairros: Escravidão, Memória e Verdade no Brasil e nos Estados Unidos tem apoio da OAB/RS

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Seminário Luiza Bairros: Escravidão, Memória e Verdade no Brasil e nos Estados Unidos, que ocorre nos dias 18 e 19 de maio, irá ocorrer no Arquivo Público do Rio Grande do Sul. O evento é uma iniciativa da Subcomissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/RS e outras entidades, e terá como objetivo refletir sobre a escravidão, ainda presente, ou não, na sociedade.

Durante o encontro, serão realizadas diversas palestras que focarão em temas como escravidão e liberdade, desigualdades étnico-raciais, racismo no Rio Grande do Sul e impasses e dilemas da luta antirracista. O presidente da subcomissão, Jorge Terra, comenta como o evento pode ser positivo para a sociedade. “Nós temos como objetivo a constituição de um relatório que demonstre a situação hoje vivenciada, a influência da escravização nesse quadro, bem como conjunto de medidas reparatórias. Por isso, é fundamental mesclar pesquisadores e militantes, permitindo que o trabalho seja correspondente à responsabilidade que assumimos”, disse.

Para a integrante da subcomissão, Laura Zacher, a iniciativa é fundamental para discutir temas ligados a escravidão.“É importante para que se possa refletir sobre o momento atual. Consequências da escravidão ainda seguem presentes no Brasil e precisamos falar sobre esse tema que passa largamente invisibilizado em nossa sociedade, para que busquemos completar a abolição de 1888 de fato.”, comentou.

O evento contará com pesquisadores e a comunidade acadêmica em geral, militantes e ativistas do movimento negro e membros da OAB. O evento é promovido pela OAB/RS, Defensoria Pública da União, Unisinos e Ufrgs. Para fazer a sua inscrição acesse o site https://www.seminarioluizabairros2017.com.br/

Quem foi Luiza Bairros:

Luiza Bairros nasceu em Porto Alegre e tem formação em administração pública e de empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ela também possui mestrado em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e tem doutorado em sociologia (Universidade de Michigan – EUA). Mudou-se para Salvador em 1979, onde atuou em diversos movimentos sociais, com destaque para o Movimento Negro Unificado (MNU). Participou de forma ativa das principais iniciativas dos movimentos negros em todo Brasil, sendo eleita, em 1991, como primeira Coordenadora Nacional do MNU, onde permaneceu até 1994. Trabalhou também em programas das Nações Unidas contra o racismo em 2001 e em 2005.

Ela também teve uma participação de destaque na Conferência de Durban, um evento que reuniu, em 2001, representantes de 173 países na África do Sul para discutir medidas contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e intolerâncias correlatas – e seus desdobramentos. Luiza teve papel fundamental na fundação do Grupo Temático da ONU sobre Gênero, Raça e Etnia. Ela foi titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Social da Bahia (Sepromi) e ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, de 2011 a 2014. Dentre os prêmios recebidos na vida pública estão a medalha Zumbi dos Palmares (2011), emitido pela Câmara Municipal de Salvador, o título de Cidadã Baiana (2013), concedido pela Assembleia Legislativa da Bahia, além do diploma Bertha Lutz (2016), entregue pelo Senado Federal a pessoas que tenham oferecido contribuição relevante à defesa dos direitos da mulher e a questões de gênero no Brasil. Luiza faleceu no ano de 2016 em virtude de um câncer pulmonar.

11 de janeiro de 2019

Seminário 130 anos de Abolição Incompleta da Escravidão

Seminário 130 anos de Abolição Incompleta da Escravidão no Brasil teve início na manhã de quarta (18)

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Foto: Lucas Pfeuffer – OAB/RS

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Ocorreu, na manhã da quarta-feira (18), a solenidade de abertura do “Seminário 130 anos de Abolição Incompleta da Escravidão no Brasil”. Organizado pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/RS (CVEN), o evento tem como objetivo debater a atualidade dos marcos históricos da escravidão brasileira, bem como os 30 anos da Constituição Federal.

Toda a programação do seminário ocorre na sede do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (Rua Riachuelo, 1031) e vai até sexta-feira (20). A conferência conta com a parceria da AJURIS, do Arquivo Público do Estado do RS, da Unisinos, da Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado do RS.

Ao iniciar os trabalhos, o presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra, Jorge Terra, enalteceu a realização do evento e a proposta da CVEN como catalisadora de debates e soluções. “O nosso trabalho é o de buscar e analisar cada vez mais informações, através de seminários, audiências, reuniões, para que possamos contribuir e dialogar com as instituições. O relatório que será elaborado e apresentado ao final deste evento, na verdade, não deve ser visto como um fim, mas sim, um início de novas perspectivas, reforçou.

Também compuseram a mesa de abertura: Rita Cristina de Oliveira, representando a DPU; Humberto Adami, representado a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do CFOAB; Aerta Moscon, diretora do APERS e Karen Pinheiro, representado a AJURIS.

Veja a programação completa do evento:

18 julho 2018

09:00 – Conferência de Abertura – 130 anos de Abolição incompleta da Escravidão no Brasil: entre exclusão e representatividade

10:45 – Painel I – Comissões da Verdade: caminhos para garantia do direito à Memória, Verdade e Justiça

14:00 – Painel II – Do tráfico ao pós-abolição: trabalho compulsório e livre e a luta por direitos sociais no Brasil

16:00 – Painel III – As novas faces das migrações internacionais no Brasil contemporâneo: a imigração africana e caribenha face ao racismo à brasileira

19:00 – Painel IV – 30 anos da Constituição Cidadã: Negras e negros na construção de um outro paradigma de segurança pública

19 julho 2018

09:00 – Painel V – Espaços políticos e democracia: representatividade etnorracial e de gênero nas eleições 2018

10:45 – Painel VI – Responsabilidade civil e criminal em casos de racismo para superação da impunidade

14:00 – Painel VII – Prevenção e enfrentamento à violência institucional: pelo fim da tortura

16:00 – Painel VIII – Saúde da População Negra: enfrentamento da necropolítica rumo ao bem-viver

19:00 – Painel IX – Política de drogas e racismo no Brasil: quais caminhos para o futuro?

 

20 julho 2018

9:00 – Painel X – Territórios Quilombolas e resistências contemporâneas

10:45 – Painel XI – Feminismo negro e representatividade: de Dandara a Marielle, presente!

14:00 – Painel XII – Respeito às religiosidades de matriz africana: democracia, laicidade e direitos humanos como reparação

16:00 – Conferência de Encerramento

17:15 – Encerramento

10 de janeiro de 2019

Comissão sobre a Escravidão Negra da OAB/RS apresenta relatório sobre o legado pós-abolição nos dias atuais

Comissão sobre a Escravidão Negra da OAB/RS apresenta relatório sobre o legado pós-abolição nos dias atuais

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Foto: Lucas Pfeuffer – OAB/RS

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No dia da Consciência Negra, o presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, recebeu das mãos do presidente da Comissão de Verdade Sobre a Escravidão Negra, Jorge Terra, o relatório com as recomendações sobre meios de reparação à população negra pela escravização e seu legado na pós-abolição ainda nos dias atuais.

O dirigente da seccional, Ricardo Breier, destacou a importância do trabalho da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra: “É importante estar aqui, neste dia simbólico e efetivo, pois precisamos estar a par e compreender as demandas que o movimento negro faz. Apenas assim, poderemos garantir instância democrática de diálogo e de atuação para todos”, pontuou Breier.

“Esse grupo tem a chancela da presidência e a força da OAB para falar com as instituições públicas e privadas. Inclusive, dentro do seio da própria Ordem, pois há mudanças que não podem mais esperar, e estamos dispostos a levá-las adiante”, afirmou o presidente da CVEN, Jorge Terra.

“Precisamos reforçar que esse é um momento histórico, estamos apresentando as recomendações que construímos com os membros da comissão e com a sociedade civil, bem como com a consulta à academia, com os movimentos sociais e com a outras instituições. Construímos 130 recomendações. Precisamos ir adiante. A CVEN precisa, agora, fazer um acompanhamento, para saber se as recomendações foram acatadas e cumpridas e como foram cumpridas. O trabalho de acompanhamento é tão importante quanto o de formulação.

“Assumir o passado, compreender o presente e construir o futuro juntos: um compromisso com a reconciliação”

A frase acima está no sumário do relatório de recomendações. A meta do documento é alcançar no mínimo 80% de efetividade na implementação das recomendações até o término da Década Internacional de Afrodescendentes das Nações Unidas, em 2024.

O fórum virtual, que balizou a construção do relatório, tinha a expectativa de alcançar 150 inscrições na plataforma virtual, realizar quatro rodas de conversa e reunir 130 propostas de recomendação, em alusão aos 130 anos da Lei Áurea. Os resultados superaram todas as expectativas.  Entre os eixos principais do documento estão: cultura, comunidades tradicionais, justiça, mundo do trabalho, mídia, segurança pública, etc.

Também participaram da ocasião os membros da CVEN: Heleno Garay Rodrigues, Leticia Padilha, César de Oliveira Gomes, Major Dagoberto Albuquerque, Mário Rheingantz, Luiz Felipe Teixeira, Marie Rocha, Sergio Nunes, Tatiana Xavier, Felipe Leiria e Daiane Carvalho.

Fonte: Comunicação Social da OAB/RS  – 20.11.2018

23 de dezembro de 2018

Uma adolescente precisando de auxílio

Quando eu estava por nascer, depositavas muita esperança em mim: acreditavas que eu mudaria a situação de muita gente. Eu, ao teu ver, chegaria ao ponto de mudar a visão de quem exclui e de quem é excluído.

Depois, esse sentimento foi arrefecendo e tua incapacidade de compreender como sou e meus limites, acabaram fazendo com que chegasses ao ponto de me desprezar.

O tempo tem passado rápido e ele é testemunha da tua inação. Eu, que era futuro, agora sou passado sem ter sido presente.

Se parasses para pensar e soubesses reunir aqueles que podem me fazer crescer, a situação, sem dúvida, seria bem melhor. Bradar por mim ou me esconder em algum canto não é solução inteligente.

Tenho certeza de que posso trazer um novo olhar e novos caminhos. Minha força ainda adolescente traz muitas verdades escondidas. Sei que muitos comportamentos, até os inconscientes, poderiam se alterar.

Mas enquanto achares que arrumar uma parte do telhado evitará que a casa seja alagada, persistiremos caminhando de forma equivocada. Eu só serei plena se reformares todo o telhado! Tenha certeza disso!

De tempos em tempos, há quem espalhe que doença mortal me acomete e que não resistirei ao próximo inverno. Mas te pergunto: qual a razão de quem não gosta de mim não me querer viva, se, como eu disse, não tentas me ver inteiramente desenvolvida e forte?

Espero que, no próximo dia 9 de janeiro, quando completo mais um ano, possas ao menos te lembrar de mim. Gostaria mesmo é que te reunisses com outros e seguisses os caminhos daqueles que já sabem quem eu sou, o que posso fazer e como posso realmente sentir-me e estar viva na vida das crianças e dos adolescentes do nosso país.

Se pensares que não tens condições de fazer algo ou que será muito difícil, pare e lembre dos que sofrem, dos que morrem, dos que não tem emprego ou são retirados de suas terras por serem considerados com pouca ou nenhuma importância.

Assinado: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – artigo 26-A.

PS: em 9.1.2003, foi instituído o artigo 26-A da LDBEN por meio da LEI número 10.639, que foi alterada, em 2.008, pela LEI número 11.645.

Jorge Terra.

 

 

25 de novembro de 2018

“Não cometa inconstitucionalidade, Santa Cruz do Sul!” ou “Atenção OAB, MP, DPE e demais legitimados!”

No dia 26.11.2018, ao final da tarde, a Câmara de Vereadores do Município de Santa Cruz do Sul, no interior gaúcho, apreciará e votará projeto de lei que versa sobre a adoção do sistema de cotas em seus concursos públicos.

Bom aqui lembrar que C. Perelman (2.008) separou os conceitos conhecidos de justiça em grupos com base nos seguintes seis critérios:

1. dar a cada um a mesma coisa (igualdade formal);

2. dar a cada um segundo seus méritos (mérito entendido como esforço e como capacidade);

3. dar a cada um segundo suas obras (ou seja, de acordo com sua nota, com as horas trabalhadas, com o material produzido). Veja que os defensores da meritocracia, falam dela, mas a justificam, equivocadamente;

4. dar a cada um de acordo com suas necessidades (base das ações afirmativas);

5. dar a cada um de acordo com sua posição (critério defendido por quem está em posição de vantagem);

6. dar a cada um de acordo com o que a lei lhe atribui.

Com esteio naquele grupo que tem como  critério a necessidade, é justa a aplicação do sistema de cotas raciais nos concursos públicos pela administração pública direta e indireta do Município de Santa Cruz do Sul e por qualquer Poder ou ente federativo no Brasil, bem como por empresas ou qualquer ente privado. A constitucionalidade de tal proceder está assegurada não somente pela leitura da Constituição Federal, sobretudo pelo fato de ser um objetivo republicano a diminuição das desigualdades, mas também pela interpretação dada à Lei Maior pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade número 41.

A ação supracitada teve por base  a Constituição Federal e a lei concernente à administração pública federal, mas antes que se diga que se restrinja à União, bom afirmar que conceitos e entendimentos foram firmados com caráter geral, ou seja, o Supremo Tribunal Federal definiu qual o padrão legislativo e de comportamento (execução da lei) que respeita e torna efetiva a Constituição Federal de 1.988.

A ADC 41 foi ajuizada pela OAB em decorrência de numerosas tentativas de burla, que o STF denominou de fraudes no texto do acórdão. Elas perpassam por concursos regionalizados, por oferta de vagas inferior ao número de três, falta de verificação das condições necessárias para ser cotistas, sempre com a intenção de não aplicar o sistema de cotas raciais ou de diminuir o número de vagas.

Como é consabido, a população negra e a sociedade brasileira ainda sofrem com os efeitos da longa escravização e do entendimento de que o Brasil conformava uma denominada “democracia racial”. A Constituição não apenas obriga a impedir ou vedar a discriminação; ela obriga os Poderes Públicos a combatê-la.

Ao apresentar substitutivo que também será apreciado pela Câmara, um grupo de seis Vereadores (do PTB, do PP, do PSDB e do MDB) desconsideram toda a situação descrita acima. No instrumento referido, acrescentam o critério da hipossuficiência, ou seja, o candidato cotista deveria ser negro e hipossuficiente. Mas negros que não são pobres não sofrem racismo? Há de se confundir questão racial com questão racial pelo fato de o racismo ter como um de seus produtos a discriminação no campo social?

É flagrante a tentativa de limitar a aplicação do sistema de cotas. Já se pode antever a vedação para dele participar no Município de Santa Cruz do Sul quando o candidato for advogado ou médico. Em síntese, a intenção é evidente de se restringir o acesso aos cargos com maior remuneração que, normalmente. Tal iniciativa e consequente substitutivo são inconstitucionais e, se houver aprovação, macularam a imagem do Município. Espera-se que o plenário, meio de controle prévio da constitucionalidade, evite tal ocorrência.

É importante que, sem desrespeitar a independência do Poder Legislativo municipal, a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público estadual, a Defensoria Pública estadual e todos os legitimados para o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal perante a Constituição do Estado estejam prontos para agir. Frisa-se, aqui, que dois artigos da Constituição estadual são relevantes, sem prejuízo de outros, para o caso:

“Art. 1.º O Estado do Rio Grande do Sul, integrante com seus Municípios, de forma
indissolúvel, da República Federativa do Brasil, proclama e adota, nos limites de sua autonomia e competência, os princípios fundamentais e os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos universalmente consagrados e reconhecidos pela Constituição Federal a todas as pessoas no âmbito de seu território.”

e “Art. 8.º O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

É necessário encerrar dizendo o que parece não ser de conhecimento universal: dos candidatos cotistas também é  exigido um desempenho condizente com as exigências do cargo em disputa; o sistema constitucional brasileiro veda a discriminação (de qualquer espécie) e obriga os Poderes Públicos a reduzir ou a eliminar as discriminações e as suas danosas consequências.

Portanto, não há margem ou espaço para que, por preconceito ou por ideologias insustentáveis, seja tomada decisão não respeitadora de direitos constitucionalmente assegurados.

 

Jorge Terra.

 

 

 

 

 

 

21 de novembro de 2018

Comissão sobre a Escravidão Negra da OAB/RS apresenta relatório sobre o legado pós-abolição nos dias atuais

 

No dia da Consciência Negra, o presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, recebeu das mãos do presidente da Comissão de Verdade Sobre a Escravidão Negra, Jorge Terra, o relatório com as recomendações sobre meios de reparação à população negra pela escravização e seu legado na pós-abolição ainda nos dias atuais.

O dirigente da seccional, Ricardo Breier, destacou a importância do trabalho da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra: “É importante estar aqui, neste dia simbólico e efetivo, pois precisamos estar a par e compreender as demandas que o movimento negro faz. Apenas assim, poderemos garantir instância democrática de diálogo e de atuação para todos”, pontuou Breier.

“Esse grupo tem a chancela da presidência e a força da OAB para falar com as instituições públicas e privadas. Inclusive, dentro do seio da própria Ordem, pois há mudanças que não podem mais esperar, e estamos dispostos a levá-las adiante”, afirmou o presidente da CVEN, Jorge Terra.

“Precisamos reforçar que esse é um momento histórico, estamos apresentando as recomendações que construímos com os membros da comissão e com a sociedade civil, bem como com a consulta à academia, com os movimentos sociais e com a outras instituições. Construímos 130 recomendações. Precisamos ir adiante. A CVEN precisa, agora, fazer um acompanhamento, para saber se as recomendações foram acatadas e cumpridas e como foram cumpridas. O trabalho de acompanhamento é tão importante quanto o de formulação.

“Assumir o passado, compreender o presente e construir o futuro juntos: um compromisso com a reconciliação”

A frase acima está no sumário do relatório de recomendações. A meta do documento é alcançar no mínimo 80% de efetividade na implementação das recomendações até o término da Década Internacional de Afrodescendentes das Nações Unidas, em 2024.

O fórum virtual, que balizou a construção do relatório, tinha a expectativa de alcançar 150 inscrições na plataforma virtual, realizar quatro rodas de conversa e reunir 130 propostas de recomendação, em alusão aos 130 anos da Lei Áurea. Os resultados superaram todas as expectativas.  Entre os eixos principais do documento estão: cultura, comunidades tradicionais, justiça, mundo do trabalho, mídia, segurança pública, etc.

Também participaram da ocasião os membros da CVEN: Heleno Garay Rodrigues, Leticia Padilha, César de Oliveira Gomes, Major Dagoberto Albuquerque, Mário Rheingantz, Luiz Felipe Teixeira, Mariê Rocha, Sergio Nunes, Tatiana Xavier, Felipe Leiria e Daiane Carvalho.

FONTE: COMUNICAÇÃO SOCIAL DA OAB/RS

 

 

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