Jorge Terra

20 de março de 2024

Governantes, não repetir as ausências já é inovar!

Não repetir as ausências já é inovar!

Participações que não resistem ao fim dos programas eleitorais tem sido a regra. Em outros termos, aqueles que não são brancos, nem homens e que não se apresentam como heterossexuais não costumam compor as equipes governamentais independentemente do matiz ideológico que seja predominante. Essa não escolha se dá mesmo quando os preteridos, filiados ou não a partidos políticos, são dotados de sabida capacidade.

Em época na qual há países, pautados pela eficiência e pela eficácia, que examinam se a coerção e se a influência podem efetivamente ser utilizadas como formas de se atingir resultados positivos, pensar na composição do Ministério ou do Secretariado como um estímulo (nudge) para a sociedade é algo que pode dar certo.  Não é mais admissível que as inconformidades veiculadas com ênfase em campanhas eleitorais, passados poucos meses, tornem-se o repetir de uma cultura que não conduz ao avanço.

O que se transmite para as pessoas quando a equipe governamental tem o perfil de outras tantas que prometeram mudança? O engajamento dos numerosos segmentos sociais é realmente considerado importante? A não escolha revela não apenas eventual preconceito de quem está a escolher, mas reforça preconceitos e atitudes repletas de vieses. A diversidade no seio das instituições além de levar à aptidão de conhecer melhor os anseios do corpo social traz outras vantagens? É possível obter o engajamento das pessoas se elas identificam comportamentos realmente transformadores por parte dos gestores?

Cidadãos engajados são capazes de melhor compreender medidas governamentais duras, bem  como de apresentar  formas de melhoramento ou de aprofundamento. Já os que são tratados como meros eleitores, viram opositores nas primeiras adversidades e não agem como comprometidos com a melhoria da situação.

E é bom ter ciência de que não cumpre o requisito da influência positiva ter, em equipes com mais de vinte integrantes, apenas um que não seja enquadrável no costumeiro padrão. Isso pode ser algo mais negativo, pois demonstra que o chefe da equipe sabia que deveria compor sua equipe de forma diferente, mas, sem coragem, tentou ludibriar a sociedade. Por óbvio, não é bastante a preocupação com a composição das equipes, pois não é raro ver pessoas integrantes de gestões tomarem ou concordarem com medidas que violam direitos dos grupos a que pertencem com o fim de manterem suas posições. A preocupação  com a formação das equipes é um primeiro e valioso passo para a mudança de prioridades e de formas de decidir.

Jorge Terra.

19 de março de 2024

Da imagem à ação

Ao ler obra do jurista Pontes de Miranda na qual ele comentava o art. 138 da Constituição de 1934 que, dentre outras coisas, previa o estímulo estatal à educação eugênica, chamou a atenção o seu silêncio quanto a esse ponto. Intrigado, li outra obra do mesmo autor. Nela, ele tratou sobre o racismo dirigido aos negros. Curioso é que, embora vivendo aqui já pudesse constatar tal situação, a abordagem referida foi trazida após o jurista morar por dois anos nos EUA.

Similar fenômeno parece acometer outros brancos no Brasil. Impactados pelas notícias relativas às manifestações antirracistas nos EUA, parecem começar a perceber parte do que instituições confiáveis demonstram há anos. Agora, talvez sejam capazes de se dar conta do trato inadequado de questões ligadas à igualdade, à história, à cultura e aos direitos fundamentais no campo da educação. Quem sabe até venham a perceber a injusta distribuição de equipamentos públicos e da estrutura da segurança em nossas cidades? Quem sabe possam enxergar a ocupação assimétrica dos espaços de poder e dos postos de trabalho com maior remuneração?

Fortes imagens oriundas do exterior auxiliaram na diminuição da invisibilidade da situação dos negros no Brasil. Elas chegaram simultaneamente com notícias sobre mortes ocorridas em nosso solo, reforçando as ações dos movimentos negros locais e descortinando um Brasil em desvantagem. Todavia, o despertar é insuficiente. É preciso realizar.

Há numerosas evidências dos danos decorrentes dos fenômenos raciais, mas saber que elas existem não significa vontade de buscar soluções, tampouco que o que aflige a comunidade negra adentrará as agendas políticas. É imprescindível que, nos âmbitos público e privado, haja comprometimento, planejamento, execução, avaliação, atenção à infraestrutura e foco em resultados e em impactos concretos positivos. Do contrário, as imagens referidas não serão convertidas em ação, restando como vagas lembranças ou como notícias impactantes e fugazes.

Jorge Terra

Procurador do Estado/RS

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

  • postado em Junho de 2020 e publicado no Jornal Zero Hora de Porto Alegre/RS na mesma época.

17 de janeiro de 2024

O EVIDENTE RACISMO

Os governos têm se revelado incapazes de criar e de implementar políticas públicas eficientes e eficazes quando se trata da questão racial. Parece faltar leitura da Constituição, pois nela há previsão de objetivos, de obrigatoriedade de planejamento, de eficiência e de eficácia. A opção, contudo, recai no improviso, no resultado insuficiente e na não transformação.

Falar em política baseada em evidências não é novidade e é até lógico quando se sabe que a concepção de uma politica inicia com a identificação de um problema. A questão é saber o que fazer com os dados, não reproduzindo métodos inexitosos e injustos.

Ainda se crê que ter lei que diga o que fazer ou não fazer seja o bastante. Nesse ponto, já há uma demonstração de que não se observam as evidências, pois, sabidamente, há numerosas leis descumpridas por governos, por empresas e por pessoas.

2024 é o último ano da década internacional dos afrodescendentes e não são perceptíveis mudanças significativas no país. Há objetivos de desenvolvimento sustentável que passam pelo enfrentamento do racismo, mas como atingir metas ousadas pouco fazendo ou fazendo o que sempre se fez?

Gestores públicos não percebem que pessoas são mortas, que pessoas não têm empregos descentes, não têm níveis satisfatórios de educação, de saúde e de segurança? Gestores privados não percebem que a excessiva desigualdade pode ser ruim para a sustentabilidade dos negócios?

Há como fazer melhor. Há como conceber e implementar políticas privadas e públicas eficientes e eficazes objetivando a igualação includente e o desenvolvimento. O desafio é grande e exige que cada setor da sociedade assuma suas responsabilidades, tendo o firme propósito de levar adiante ações concretas e articuladas.

O entendimento de que o racismo é antidemocrático, antieconômico e desigualizante deve ser diretriz para tomadas de decisões e não a base de discursos não sustentados pela prática. A concretude aguardada não pode mais ser adiada.

         Jorge Terra,

Diretor de Relações Institucionais do Instituto Acredite

*escrito em 20/12/2023.

24 de junho de 2023

A superação do racismo e do preconceito no domínio esportivo

Filed under: Uncategorized — jorgeterra @ 14:00
Tags: , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

O esporte em geral e o futebol em particular oferecem numerosos exemplos de superação. Essa superação pode ser individual, quando um atleta suplanta as expectativas de quem costuma acompanhar os seus resultados ou, ainda, pode ser coletiva, quando elevados graus de esforço, de mobilização e de coesão conduzem uma determinada equipe a vitórias quase que inesperadas.

A superação aguardada, contudo, parece não estar próxima. Essa diz com o racismo e com os preconceitos diuturnamente identificados, registrados e pouco ou ineficazmente combatidos no âmbito esportivo. Não é novidade que são adotados critérios sensíveis à origem, à sexualidade, ao gênero, à raça e à idade das pessoas que geram tratamentos desfavoráveis e desigualizantes. Essas desigualdades estão fortemente vivas na formação, no desenvolvimento e na contratação de atletas e de gestores, na ocupação dos espaços de comando, na comunicação, nas definições de premiações, nas concessões de patrocínios e nos comportamentos do público-alvo nas arenas esportivas e nas redes sociais.

A superação do racismo, é necessário sublinhar, há muito, também é esperada em outros domínios e não apenas no esporte embora se possa afirmar que a superação nesse domínio teria uma repercussão a curto prazo talvez inimaginável para aqueles que combatem o racismo na educação, nas relações de trabalho, no sistema de justiça ou no sistema de segurança. O esporte é um domínio no qual as discriminações operam com frequência e com amplitude como em outros tantos. Todavia essas características somadas à visibilidade que essa área de atuação humana atinge permitem entender que ações antirracistas nessa seara podem produzir significativos resultados e impactos na sociedade. Importa, entretanto, evidenciar que não é bastante enfrentar o racismo, os preconceitos, as discriminações e os decorrentes vieses em apenas um espaço ou domínio, pois questões complexas, estruturais e pervasivas exigem prevenção, precaução e intervenção com alcance equivalente.

A desigualdade e a discriminação raciais podem ser constatadas sob o exclusivo olhar dos direitos humanos, mas o respectivo enfrentamento deve ser procedido em combinação com os olhares da economia, da psicologia e da neurociência. Sim, é possível aferir os custos sociais e econômicos desses fenômenos raciais, bem como os ganhos com ações antirracistas. Pode-se, também, utilizar as ciências comportamentais como instrumento de avaliação e de mudança. O certo é que apenas levantar dados é insuficiente e que políticas públicas ou privadas, tal como regramentos, devem levar em conta fatores sociológicos, psicológicos, históricos, econômicos, comunicacionais, políticos e jurídicos para saber como as pessoas sentem, agem e comprometem-se com mudanças. Hoje, mundialmente, prevalecem a ineficiência e a ineficácia, mantendo-se a cultura baseada em falsas hierarquias.

Parece não haver consenso de que a questão racial é fundamental para que haja harmonia nas relações entre pessoas e entre nações. Há confusões conceituais tais como entender que a discriminação racial está restrita à situação econômica desfavorável ou à cor da pele. Se assim fosse, talvez não houvesse casos envolvendo atletas negros bem sucedidos financeiramente, tampouco turcos, judeus e árabes. Está-se diante de problema complexo, o que acaba por exigir complexidade na busca e na solução propriamente dita.

Vivenciamos a década internacional dos afrodescendentes, que vai de 2015 a 2024, mas não nos deparamos com ações planejadas, concretas e transformadoras de natureza privada ou pública. O atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, obrigaria a agenda política a se abrir para a questão racial assim como deveria tornar a responsabilidade social corporativa permeável à temática supracitada. Porém, esses importantes ajustes internacionais não foram exitosos na convergência de esforços para a sociedade reafirmasse valores extremamente relevantes e agisse em sintonia com eles. Aliás, inexitosa também tem sido a nossa Constituição embora repudie o racismo e o preconceito por se destinar à construção de uma sociedade democrática, justa e solidária.

Não é ousado dizer que o Observatório da discriminação racial no futebol desempenha papel essencial na desejada mudança de valores, de julgamentos, de decisões e de comportamentos que precisam ocorrer no enfrentamento ao racismo. O Observatório apoia aqueles que estão em situação de sofrimento, divulga e contabiliza atos discriminatórios, persegue a realização de apuração e a tomada de posição por parte de vítimas, de agressores e de gestores esportivos.

Perceba-se que ele não apenas observa, procurando intervir inclusive preventivamente. Nesse sentido, ganha relevo a capilaridade atingida pelo Observatório em decorrência de ter como política sempre estar disponível para pessoas, para instituições e para outros temas de direitos humanos. Assim sendo, o Observatório vai além do que fazem instituições que trazem análises qualitativas ou quantitativas das desigualdades em determinados domínios. Ele assume o encargo de, a partir de seus relatórios, promover ações, articulações e debates que possam ser capazes de levar à reflexão e à mudança no âmbito do futebol.

Jorge Terra.

Coordenador da Rede Afro-gaúcha de Profissionais do Direito

Escrito no início de 2020 para o Observatório contra a discriminação racial no futebol.

4 de junho de 2023

Se , no Brasil, tu não compreenderes…

Se não compreenderes que um grupo racial atravessou o Oceano Atlântico, escravizou os povos originários no Brasil por cerca de 40 anos e quase os aniquilou, todo movimento reparatório te parecerá antidemocrático.

Se não compreenderes que um grupo racial, tomando outro grupo como um mero insumo de uma cadeia produtiva, comercializou-o e escravizou-o por cerca de 300 anos no Brasil, todo movimento reparatório te parecerá antidemocrático.

Se não entenderes que interpretar dados socioeconômicos, educacionais ou políticos sem considerar a intergeracionalidade é fazer um trabalho mal feito, não saberás porque leis e políticas têm sido ineficientes e ineficazes.

Se não entenderes que os fenômenos raciais impactam em todos os domínios e cumprem papel relevante na hegemonia racial, tal como o governo brasileiro, pensarás que dará resultado combater isoladamente o racismo no esporte.

Se não entenderes que ações valorizativas são tão relevantes quanto as ações afirmativas e que ambas devem ser síncronas, não compreenderás a relevância de o Ministério dos Povos Indígenas ter competência para realizar demarcações de terras indígenas.

Se não compreenderes a desvalorização como o primeiro passo para a desigualdade, não entenderás que, no momento presente, sem leis de incentivo fiscal, as empresas brasileiras não terão políticas antirracistas de contratação, de permanência e de ascensão.

Se não compreenderes que há uma disputa em curso, aceitarás como razoável que Municípios e Estados tenham coordenadorias e não secretarias para tratar da questão racial.

Se não compreenderes que sistemas financeiros foram erguidos com base no ouro extraído por pessoas escravizadas e que famílias e países enriqueceram à custa de vida, de liberdade e de saúde de indígenas e de negros, não te parecerá razoável debater sobre reparação material ou imaterial.

Se não compreendes que os legados de dor e de desvalorização estão vívidos na memória coletiva, parecerá estranho para ti que pessoas critiquem nomes de rua, hinos e feriados.

Se não compreenderes o efeito da hegemonia de um grupo racial sobre os outros, não exigirás que as escolas púbicas e privadas modifiquem seus projetos político-pedagógicos, seus planos de ensino e seus planos de aula.

Se não compreendes os danos causados pelo racismo, considerarás normal fotos de empresas apenas com pessoas brancas e candidatas (os) à vaga pelo quinto constitucional serem em quase sua totalidade pessoas brancas.

Jorge Terra.

25 de maio de 2023

Injustiça intergeracional

Mediante caso de racismo que gere repercussão, governo, empresa ou pessoa que tenha relação com o caso dedica algumas semanas de atenção à temática, sempre com o propósito de mostrar que não é racista. Essa visão limitada impede perceber que o antirracismo deve ser empreendido como um megaprojeto, produzindo enfrentamento estrutural e estruturante. Quando se trata de estradas, de energia ou de tecnologia, governos facilmente identificam a necessidade de infraestrutura para construir soluções adequadas. Todavia, diante de injustiça intergeracional praticada há séculos contra determinados grupos raciais, não buscam técnicas pautadas pela eficiência e pela eficácia. Empresas, embora não seja novidade que a diversidade interna gera competitividade, engajamento e ganhos financeiros, persistem nos mesmos caminhos e buscando os mesmos perfis para seus quadros de gestores, além de não se comprometerem com o avanço.

Há, ainda, aqueles que acreditam que cotas e leis sejam os instrumentos suficientes para gerar mudança. Bom destacar que as cotas são reservas de vagas e, isoladamente, não envolvem nenhum investimento público ou privado. Leis de cunho racial como a que obriga a ensinar as histórias e as culturas africanas, afrobrasileiras e indígenas nas escolas, bem como o estatuto da igualdade racial são descumpridas sem remorso algum. Evidentemente, as populações negra e indígena são as que mais sofrem em decorrência do racismo no Estado e no país. Porém as consequências econômicas e políticas do racismo podem atingir a sociedade como um todo.

Atos meramente simbólicos e “lives” não mudam o mundo. A sociedade perde talentos diariamente e se afasta do desenvolvimento sustentável a passos largos. Problemas complexos demandam soluções complexas. A questão racial não pode ficar em um canto das instituições. Ela deve ser um critério de tomada de decisão. É crucial promover planejamento, monitoramento, avaliações e estrutura. A vida não pode esperar.

Jorge Terra – Diretor de relações institucionais do Instituto Acredite.

acrediteinstituto@gmail.com

17 de maio de 2022

RAGT

O NHS da Inglaterra e o Setor de Melhoramento da Região de Londres, em parceria com o Instituto Acredite, uma ONG brasileira, OFERECE:

A oportunidade de participar da Rede de Apoio à Gestão de Talentos

para Profissionais da Saúde

Período: Julho a Dezembro 2022

Como parte de nosso compromisso de capacitar a equipe do NHS para alcançar seu potencial e aspirações profissionais, desenvolvemos nossas Redes de Apoio à Gestão de Talentos (RAGT) para profissionais de saúde negros e negras. E agora, em parceria com o Instituto Acredite, temos o prazer de levar esse projeto ao Brasil, incluindo, agora, profissionais da saúde indígenas.

As RAGT usarão uma abordagem que promove a aprendizagem ativa, um método eficaz de aprendizado no qual um grupo se reúne regularmente para discutir questões relacionadas ao trabalho e apoiar umas às outras. O processo ocorre de forma não julgadora, solidária e confidencial e será o produto de uma combinação de aprendizado ativo on-line com facilitadores treinados e experientes e oportunidades de participar de webinars.

A equipe terá a possibilidade de fazer parte de uma rede facilitada de colegas ao longo de seis meses dentro de um ambiente de apoio.

Este será um lugar seguro para compartilhar preocupações e desafios relacionados ao trabalho.

Você será inspirado a alcançar seu potencial como líder.

Para se inscrever, basta preencher o formulário de inscrição da Rede de Apoio à Gestão de Talentos disponível em https://forms.gle/EzzvkqKGwzwWGJYz7 até 16 de junho de 2022.

Fazendo parte dessa iniciativa, tu te comprometes a participar de todos os encontros e participar do processo de avaliação ao final do curso.

Esta será uma oportunidade única para aprender e se conectar com profissionais da saúde da Inglaterra.

Fique atento aos prazos, pois as vagas são limitadas !!!!!

Instituto Acredite

@instituto.acredite (INSTAGRAM)

10 de abril de 2022

O Negro e a Lei Penal – vídeo

Em 09.10.2012, a Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul, em parceria com o Curso de Educação em Direitos Humanos da Faculdade de Educação da UFRGS, realizou o seminário “O Negro e a Lei Penal”.

Nessa ocasião, a abertura foi efetuada pelo Presidente da APERGS, Telmo Lemos Filho e pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Bombassaro da Faculdade de Educação da UFRGS. Contou-se com a conferência da Socióloga norteamericana Martha Huggins que tratou de dados relativos ao Brasil e aos Estados Unidos pertinentes às relações dos negros com a lei penal. Nesse primeiro momento, funcionaram como debatedores a Mestre em Educação Giancarla Brunetto (UFRGS) e o Assessor de Direitos Humanos da Brigada Militar, Tenente Coronel Franquilin. Seguiu-se painel que reuniu o Juiz Federal Roger Raupp Rios, o Advogado Antonio Carlos Côrtes e o Procurador do Estado Jorge Terra.

Além disso, o evento contou com as presenças de representantes dos Movimentos Sociais, Servidores Públicos, Militares, Professores, Estudantes, Operadores do Direito e demais pessoas. atingindo-se o número previsto de inscrições(205 inscrições).

Em decorrência dos limites impostos pelos sites em geral, houve necessidade de se partilhar o vídeo nas cinco partes que seguem abaixo:

parte 1  http://www.youtube.com/watch?v=BbynJui7Zf8

parte 2  http://www.youtube.com/watch?v=BbynJui7Zf8

parte 3  http://www.youtube.com/watch?v=jRGAIWu4Jo4

parte 4  http://www.youtube.com/watch?v=iDyRH45Xs4o

parte 5 http://www.youtube.com/watch?v=7kUR0VFCpWY

Jorge Terra

Diretor de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul (em 2012)

26 de maio de 2021

O que é reconhecimento ?

       Reconhecimento é consideração. É valorização por contribuição aduzida ou por esforço empregado em área de atuação humana tida como relevante. Nesse sentido, ao lado do desenvolvimento e da justiça, o reconhecimento foi estabelecido como um dos pilares da década internacional dos afrodescendentes instituída pela Organização das Nações Unidas.

    Ocorre que, transcorridos em torno de seis anos e meio do início dessa década, o nível de reconhecimento da contribuição social, econômica e cultural da população negra no Brasil não parece ter se elevado. Não se pode dizer que houve por parte de governos, empresas e sociedade, planejamento, ação ou esforço transformador.

    Nesse quadro, constatável é a ineficácia de ser signatário de atos internacionais, de editar disposições constitucionais e legais sem atenção à concretude e sem legítimo interesse em ser efetivo.

    Aliás, oportuno registrar que reconhecimento é um problema que aflige a população negra em outra dimensão. Sim, há numerosos casos nos quais pessoas negras inocentes são reconhecidas como autoras de crimes, impondo-se-lhes as dores da injustiça, da responsabilização por atos não cometidos e da privação de liberdade.

    Não há a ilusão de que, nos três anos e meio restantes da década, ter-se-á a efetividade não observada em pouco mais de 60% dela. Pode-se dizer que deveria ter sido instituído comitê de monitoramento pela ONU; pode-se dizer que se deveria ter instituído sistema de avaliação; pode-se dizer que a ONU não foi tão incisiva quanto deveria ter sido. O que certamente deve-se dizer é que, no Brasil, não houve vontade alguma de se promover alterações institucionais, comportamentais, educacionais, culturais, sociais, políticas e jurídicas, pois a manutenção da situação vivenciada desde o final da escravatura, ou seja, a falsa hierarquia de raças e de culturas, interessa ao grupo que quase aniquilou os indígenas e comercializou os negros por longo período.

A conclusão inarredável é que, sem reconhecimento, não há reparação, desenvolvimento e justiça.

Jorge Terra.

11 de maio de 2021

A desconhecida ação judicial com que advogado negro libertou 217 escravizados no século 19

  • Leandro Machado
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

8 maio 2021

Luiz Gama
Legenda da foto,Luiz Gama foi figura-chave no movimento abolicionista brasileiro

Em um dia do mês junho de 1869, uma nota no jornal chamou a atenção de Luiz Gama, advogado considerado um herói nacional por seu ativismo abolicionista no século 19. A notícia relatava que a família do comendador português Manoel Joaquim Ferreira Netto, um dos homens mais ricos do Império, estava brigando na Justiça pelo espólio do patriarca, morto repentinamente em Portugal.

Ferreira Netto tinha uma grande fortuna: 3 mil contos de réis (cerca de R$ 400 milhões em valores atuais), distribuídos em inúmeras fazendas, armazéns comerciais, sociedade em empresas lucrativas, e centenas de pessoas negras escravizadas em suas propriedades.

Em uma linha de seu testamento, publicado em um jornal um ano antes, o comendador fez um pedido comum entre grandes proprietários de escravos da época: depois de sua morte, ele gostaria que todos fossem libertados. A “alforria post mortem” era vista como uma espécie de “redenção moral e de consciência”, pois, ao final da vida, os escravocratas também queriam garantir um espacinho no céu.

Ao ler a notícia, Luiz Gama procurou saber se a vontade do morto havia sido cumprida: as 217 pessoas escravizadas pelo comendador tinham sido libertadas como determinava o testamento? Logo descobriu que não, como ocorria com frequência em documentos do tipo. A família e alguns sócios brigavam pelos bens, mas os cativos continuaram na mesma situação.

O advogado, em início de carreira, decidiu acionar a Justiça para que a liberdade e a vontade do empresário fossem respeitadas. O processo judicial que se seguiu, conhecido nos jornais da época como “Questão Netto”, é apontado por historiadores consultados pela BBC News Brasil como a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas. Por ora, não há registro de processo que envolva mais pessoas, segundo eles.Pule Talvez também te interesse e continue lendoTalvez também te interesse

Fim do Talvez também te interesse

Páginas do processo, escritos a mão
Legenda da foto,O historiador Bruno Rodrigues de Lima precisou decifrar as várias caligrafias do processo

Essa ação de Luiz Gama foi encontrada recentemente pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em História e Teoria do Direito pelo Max Planck Institute, em Frankfurt, na Alemanha.

A peça de mais de mil páginas – toda escrita à mão – estava armazenada no Arquivo Nacional e não há registros de que ela tenha sido analisada em profundidade. “Não há grandes registros desse processo na historiografia sobre Luiz Gama. Encontrei citações nas décadas seguintes ao processo e uma uma nota de rodapé num livro dos anos 1990”, diz Lima, que há mais de uma década pesquisa a vida e a obra do abolicionista.

Lima fez uma cópia do processo e a levou para a Alemanha, onde passou meses decifrando as várias caligrafias presentes no calhamaço. “Logo identifiquei a letra de Gama, que era de mais fácil leitura. Mas havia várias outras, como a de escrivães, promotores e juízes”, explica.

A análise do processo agora fará parte da tese de doutorado que o historiador vai apresentar ao final deste ano sobre a obra jurídica do abolicionista. Além desse, a tese contará com dezenas de outros processos ainda desconhecidos, diz.

A ‘Questão Netto’

Lima conta que o processo passou a correr em Santos, litoral sul de São Paulo, por causa de uma pendenga judicial do comendador Ferreira Netto com um sócio da cidade. Inicialmente, Luiz Gama se apresentou ao juiz da comarca apenas como um interessado no caso.

“Ele fez uma petição ao juiz de maneira bastante escorregadia, porque ele não era parte naquela briga judicial pela herança. Ele entra no processo como um cidadão que queria saber o que aconteceu com os escravizados. O juiz respondeu que eles precisavam de um representante”, diz.

A princípio, Gama não foi nomeado “curador” dos interesses do grupo, mas, depois de outros cidadãos se recusarem a participar da ação, ele foi indicado pelo próprio juiz para assumir a tarefa.

O abolicionista não sabia quem estava representando de fato, mas mandou emissários para descobrir os nomes, idades e há quanto tempo pertenciam ao comendador.

Bruno Rodrigues de Lima
Legenda da foto,O historiador Bruno Rodrigues de Lima estuda a vida e a obra de Luiz Gama há mais de uma década

No total, havia 217 escravizados nas propriedades do fidalgo – gente de Angola, Moçambique, Congo, entre outras nações africanas. “Gama recebe informações com nome, idade, naturalidade, histórias de vida. Havia famílias inteiras nas fazendas”, diz Lima.

Mas como garantir que o direito à liberdade, recém-conquistado com a morte do comendador, fosse garantido? Lima acredita que a “Questão Netto” tenha sido o primeiro grande processo de liberdade de Luiz Gama, que, na época, havia sido demitido de um cargo na polícia.

Quem era Luiz Gama?

Nascido em 1830 em Salvador, Luiz Gama teve de lidar com a escravidão desde cedo. Sua mãe era uma mulher negra e seu pai, um fidalgo de origem portuguesa.

Praça da Sé, final do século 19
Legenda da foto,Luiz Gama atuou como advogado em São Paulo, onde trabalhou na polícia. A imagem mostra a praça da Sé

“A vida dele foi singular em todos os aspectos. Muitos historiadores acreditam que ele era filho de Luiza Mahin, uma guerreira que participou de várias revoltas negras na Bahia”, diz Zulu Araújo, presidente da Fundação Pedro Calmon e ex-presidente da Fundação Palmares durante o governo Lula.

“Mas não há certeza de que Mahin era sua mãe mesmo ou se foi uma história inventada por Gama. O fato é que a mãe dele desapareceu, e ele foi criado pelo pai.”

Aos 10 anos, Gama foi vendido pelo próprio pai a um contrabandista do Rio de Janeiro, que logo o repassou a um fazendeiro paulista. O dinheiro da venda serviria para o pai saldar uma dívida de jogo. Na adolescência, ele foi escravizado, mas, com 18 anos, conseguiu provas de sua liberdade e fugiu do cativeiro.

Aprendeu a ler e escrever, foi poeta e trabalhou como jornalista, tipógrafo e escrivão de polícia, onde passou a lidar diariamente com a legislação. Autodidata, o jovem tentou cursar Direito na tradicional Faculdade do Largo São Francisco, mas foi rejeitado pela elite que comandava a instituição. Ele só ganharia o título oficial de advogado, dado pela OAB, em 2015, quando sua morte completou 133 anos.

“Gama era uma pessoa ‘improvável’ para a época, porque era negro e pobre. Ele aprende o Direito na prática, trabalhando na polícia e frequentando a biblioteca particular de Furtado de Mendonça, chefe da polícia e amigo que o protegia”, explica Tâmis Parron, professor de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Commun (Núcleo de Estudos de História Comparada Mundial).

“A grande sacada dele foi perceber a centralidade do Direito na luta abolicionista e como estratégia para destruir a escravidão. O ativismo jurídico tinha sido muito importante para o abolicionismo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Ele o trouxe para o Brasil. Gama percebeu que a própria legislação podia ser usada contra os senhores”, diz Parron.

Estima-se que o advogado tenha conseguido libertar centenas de escravizados com ações na Justiça – há centenas de processos de liberdade com seu nome no arquivo do Tribunal de Justiça de São Paulo, material em boa parte desconhecido da historiografia. Muitas vezes, ele trabalhava de graça.

Mas como ele conseguia libertar tantas pessoas?

Primeiro, é preciso voltar um pouco no tempo. Em 7 de novembro de 1831, pressionado pela Inglaterra, o Império brasileiro assinou uma lei que proibia o tráfico de africanos ao Brasil. Ou seja, a partir daquele momento, qualquer africano trazido ao país deveria ser libertado imediatamente.

Processo
Legenda da foto,O processo tem mais de mil página e está armazenado no Arquivo Nacional

Mas isso não aconteceu na prática. Embora embarcações inglesas patrulhassem a costa brasileira em busca de navios negreiros, o contrabando era bastante comum no país – essa discrepância entre o que estava na lei e a vida real fez com que a norma ganhasse o apelido de “lei para inglês ver”.

Estima-se que mais de 700 mil africanos foram trazidos ilegalmente para o Brasil entre 1831 e 13 de maio de 1888, quando a escravidão foi finalmente abolida pela Lei Áurea. Em todo o período de escravidão, foram cerca cinco milhões de pessoas.

Luiz Gama passou a atuar em casos de pessoas contrabandeadas ao país depois dessa legislação. “Ele reunia provas para demonstrar que, se a pessoa tinha nascido na África e foi trazida ao Brasil depois de 1831, ela fatalmente foi traficada e sua condição de escravizada era ilegal. Esse foi um dos argumentos que ele utilizou para conseguir libertar centenas de pessoas”, conta Bruno Lima.

Segundo Tâmis Parron, o tráfico negreiro ocorria com o consentimento e a participação do Império, que dependia da economia escravista. “Para existir e atuar, o crime organizado precisa da participação ou da anuência de alguma esfera da burocracia estatal”, diz.

“O que Gama fez com seu ativismo foi escancarar que o Estado e o escravismo brasileiros, além de roubarem os direitos naturais e inalienáveis do homem, eram literalmente ladrões e criminosos, pois burlavam a lei que eles próprios criaram”, completa Parron.

Escravos urbanos coletando água no Brasil da década de 1830
Legenda da foto,Escravizados urbanos coletando água no Brasil da década de 1830

Liberdade, vidas perdidas

Luiz Gama apresentou uma tese jurídica bastante simples, porém inédita, para tentar ganhar a ação contra a família e os sócios do comendador Ferreira Netto, que queriam manter a propriedade de seus 217 cativos.

“Ele teve a sacada de usar a voz do senhor de escravos como argumento jurídico contra ele próprio. O testamento havia sido publicado em vida na imprensa. Então, a estratégia dele foi a seguinte: se o próprio comendador escreveu que gostaria que os escravizados fossem libertados, por que eles ainda não estavam livres?”, conta Bruno Lima.

Ou seja, o advogado argumentou que, quando Ferreira Netto morreu, os cativos ficaram livres imediatamente, pois o testamento assim o pregava. Para Gama, o papel da Justiça no caso não seria conceder a liberdade aos escravizados, mas devolvê-la a eles.

“Ele para de usar a palavra ‘escravo’ no processo, chama-os de libertandos. Na época, havia o crime de redução de uma pessoa livre à condição de escravizado. Isso não era permitido pela lei. Então, Gama inverte o jogo, mostrando ao juiz que a família do comendador estava cometendo um crime ao escravizar pessoas que já eram declaradas livres. É um argumento meticuloso e muito bem pensado”, explica Lima.

Os herdeiros da herança, temendo perder um bem tão valioso, contrataram um advogado renomado para representá-los no tribunal: José Bonifácio, poeta romântico, professor de Direito no Largo São Francisco, conhecido como “o Moço”.

Segundo o historiador, a ideia da família era ter como defensor um advogado que não fosse identificado com a escravidão. Bonifácio era um político liberal e abolicionista. De fato, anos depois do caso, ele participaria como senador da campanha pelo fim do regime. No processo do comendador, porém, defendeu os escravocratas.

Curiosamente, o argumento jurídico de Bonifácio, que contestou o trecho do testamento que libertava os cativos, começava de maneira um pouco culpada: “Sem opor-me à liberdade, mas…”.

Gravura de 1881 de um 'navio negreiro'
Legenda da foto,O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculos

Para Lima, ao longo do processo, Bonifácio “jogou sua imagem de abolicionista no lixo”. “Se ele começou escrevendo que não se opunha à liberdade, no restante da ação agiu como um escravocrata confesso, defendendo de maneira ensandecida a família do comendador”, aponta o historiador.

No auge do processo, quando a causa ganhou repercussão em jornais da corte, Luiz Gama contou estar sofrendo ameaças de morte. Mencionou o fato em dois textos escritos em uma mesma semana de setembro de 1870, quando houve uma audiência importante do caso:

Ao jornal Correio Paulistano, revelou uma trama da chefia da polícia para matá-lo. Já em uma carta ao filho, que tinha apenas 11 anos na época, escreveu o seguinte: “Lembra-te de escrevi essas linhas em momento supremo, sob ameaça de assassinato.”

Porém, apesar da pressão da elite escravocrata, o juiz de Santos deu ganho de causa ao argumento de Gama, em tese libertando os 217 cativos. Mas Bonifácio apelou a outras instâncias no interior de São Paulo, numa chicana jurídica que prolongou o processo e adiou a libertação das vítimas.

Em 1872, o julgamento do mérito finalmente chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, a última instância, no Rio de Janeiro. No tribunal, Gama foi representado por um amigo, o advogado Saldanha Marinho, pois a corte não aceitava sua atuação fora de São Paulo. O abolicionista escreveu a sustentação final, apresentada por Marinho, e acompanhou o julgamento no palácio da Justiça.

Os ministros concordaram com a tese de Gama, mas a vitória não foi completa. Eles determinaram um prazo de 12 anos para a libertação dos 217 escravizados a partir da feitura do testamento, de 1866. Ou seja, os cativos tiveram que prestar serviços forçados para os herdeiros do comendador até 1878, quando finalmente foram libertados.

Pintura do porão de um navio negreiro
Legenda da foto,O tráfico de africanos foi proibido no Brasil em 1831, mas o contrabando continuou por várias décadas

“Essa liberdade condicional foi uma derrota para Gama, mas a vitória dele no mérito da causa, uma alforria coletiva, foi uma coisa escandalosa para a época. Isso nunca tinha acontecido no Brasil. São raríssimas as libertações coletivas no sistema escravocrata das Américas, o que dirá de uma alforria de 217 pessoas”, explica Lima.

A vitória histórica de Gama na maior corte do país não foi noticiada com destaque na imprensa paulista, bastante ligada a fazendeiros escravocratas. Temia-se que a repercussão da história pudesse gerar novos processos. “Saiu apenas uma pequena nota em um jornal, e ela só informava o final da causa”, diz o historiador.

Ao final do prazo, em 1878, um jornal paulista noticiou uma grande festa em comemoração pela libertação dos cativos do comendador Ferreira Netto. No entanto, das 217 pessoas representadas por Gama, apenas 130 ainda estavam vivas para gozar a liberdade finalmente conquistada, segundo a publicação.

“No fim das contas, Gama não se sentiu vitorioso, talvez por isso ele pouco tenha falado dela depois. Mesmo tendo ganho o mérito, 80 vidas foram perdidas”, diz Lima.

Maior ação coletiva

A “Questão Netto” foi a maior causa de libertação defendida por Luiz Gama. Segundo Bruno Lima, ela chegou a ser citada brevemente por historiadores nas décadas seguintes, mas caiu no esquecimento.

A segunda maior ação de Gama, por exemplo, tinha 18 pessoas, e correu em Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Portanto, dado que o advogado foi o maior ativista do abolicionismo jurídico do país, o caso dos 217 cativos pode ser o maior processo do tipo na história do Brasil.

O historiador Tâmis Parron, da UFF, vai mais longe: o catatau encontrado e analisado por Bruno Lima pode ser a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas até hoje.

“Nos Estados Unidos e no restante da América, os processos de alforria eram bem distintos. Nos EUA, por exemplo, a alforria não dependia apenas da vontade do senhor, como no Brasil, mas sim da autorização de várias instâncias da burocracia estatal. Era difícil ter ações coletivas. Nunca li nada na historiografia do abolicionismo sobre um processo que envolvesse tantas pessoas”, diz.

Para Lima, a descoberta abre brechas importantes nas pesquisas sobre o abolicionismo brasileiro e sobre a trajetória de um de seus maiores expoentes. Em seu doutorado, ele analisa principalmente os argumentos jurídicos das partes, mas outros aspectos da ação ainda podem ser pesquisados.

“Há muito a se estudar ainda sobre esse processo: quem eram esses escravizados? O que aconteceu com eles depois? Outro ponto é que ele joga luz sobre a figura de José Bonifácio, visto historicamente como um grande abolicionista, mas que na ação defendeu escravocratas de maneira bastante enfática”, aponta o historiador.

Apagamento

Existem algumas biografias sobre Luiz Gama, mas sua obra completa e sua atuação como advogado ainda não são de todo conhecidas. Há diversas razões para explicar os motivos desse esquecimento.

“Primeiro, existe um problema estrutural da pesquisa acadêmica no Brasil que é o subfinanciamento. É uma vergonha que a obra de Luiz Gama não esteja toda publicada. Se ele fosse americano, dada a sua importância histórica, tudo o que ele escreveu já estaria na vigésima edição. Qualquer assunto da história do Brasil ainda é um terreno a se desbravar”, diz Tâmis Parron.

Para ele, outro problema afeta os estudos sobre o abolicionismo. “Com o racismo estrutural e o negacionismo em relação à escravidão e às desigualdades sociorraciais, não é difícil entender por que esse grande abolicionista da história mundial não tem sua obra estudada no país”, completa.

Já Zulu Araújo, ex-presidente da Fundação Palmares e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia, acredita que a elite brasileira tentou “branquear” a história ao associar o fim da escravidão apenas à Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea em 1888, e não ao trabalho incessante dos abolicionistas.

“Tentou-se apagar a escravidão da história do país com a assinatura de uma senhora da elite. Esse tipo de narrativa apaga a participação popular no processo abolicionista e as lideranças que tinham origem popular, como Luiz Gama”, diz. “Ele era um negro que viveu todas as instâncias da escravidão: nasceu livre, foi vendido pelo próprio pai, tornou-se escravo e depois se libertou para defender outros escravizados.”

Segundo Zulu, o movimento negro, depois dos anos 1970, escolheu Zumbi dos Palmares como seu maior símbolo na luta contra o racismo. “Para se contrapor à Princesa Isabel, escolheu-se uma figura guerreira como referência. Foi uma escolha histórica. Acredito que hoje, com o maior acesso da população negra às universidades, outras pessoas importantes voltarão a ser estudadas. Acredito que uma das saídas para o movimento é resgatar outros símbolos da nossa história, como Luiz Gama”, diz.

fonte: BBC BRASIL

17 de março de 2021

Conversaremos no dia 25 de março de 2021

Filed under: Uncategorized — jorgeterra @ 9:20
Tags: , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

Estava cortando a grama de minha casa no intervalo do almoço. O sol estava bem forte.

Passei a pensar como seria se estivesse na condição de escravo, ou seja, trabalhando para outra pessoa ganhar, sem intervalo, sem remuneração e sem esperança.

Sabe-se que foram milhões de vidas levadas inteiramente sob essa condição e o que resultou disso? Aquele que trabalhou sob o sol e sob a chuva foi rotulado como inapto para o trabalho assalariado sendo substituído por povos de outros lugares. E hoje ainda percebe os piores salários, não alcança postos de liderança e tenta provar que são falsas as crenças e os estereótipos de que é preguiçoso e pouco capaz.

Somente no mercado de trabalho, são perceptíveis o triste legado da escravidão e da forma da abolição da escravatura? Será?

Há consumidores que são perseguidos por seguranças desde que entram nas lojas? Há consumidores para os quais os vendedores alertam que os produtos podem ser adquiridos em até 6 parcelas ? Há consumidores que entram e saem das lojas sem ser atendidos? Essas situações seriam resquícios do comércio transatlântico de escravizados, da longa escravização e da inocorrência de um processo de justiça de transição?

No dia 25.3, às 18h, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS, com as presenças do escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo, quer virtualmente se encontrar contigo no evento que será alusivo ao dia em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão e falar sobre suas recomendações para as instituições públicas e privadas em um esforço de mudança ainda pendente. É fundamental que pessoas antirracistas se engagem nesse processo obstinadamente.

VENHAM! Sem tua presença, nada será possível !

INSCRIÇÕES PELO SEGUINTE LINK:

https://www.sympla.com.br/homenagem-as-vitimas-do-comercio-transatlantico-de-escravizados-e-da-escravidao__1157809?fbclid=IwAR3bOPFLG3LA0Rqri5BYNUDZzrNwIQVYxLVk3NxEY4dY0JPlqOhycypXM_8

TRANSMISSÃO PELO CANAL DA OAB/RS NO YOUTUBE.

JORGE TERRA

PRESIDENTE DA COMISSÃO DA VERDADE SOBRE A ESCRAVIDÃO NEGRA DA OAB/RS

3 de agosto de 2020

DeepMind and Oxford University researchers on how to ‘decolonize’ AI

A new lens for thinking about race and artificial intelligence.

Chris Ip@chrisiptwJuly 28, 2020

Sometimes it’s tempting to think of every technological advancement as the brave first step on new shores, a fresh chance to shape the future rationally. In reality, every new tool enters the same old world with its same unresolved issues.

In a moment where society is collectively reckoning with just how deep the roots of racism reach, a new paper from researchers at DeepMind — the AI lab and sister company to Google — and the University of Oxford presents a vision to “decolonize” artificial intelligence. The aim is to keep society’s ugly prejudices from being reproduced and amplified by today’s powerful machine learning systems.

The paper, published this month in the journal Philosophy & Technology, has at heart the idea that you have to understand historical context to understand why technology can be biased.

“Everyone’s talking about racial bias and technology, gender bias and technology, and wanting to mitigate these risks, but how can you if you don’t understand a lot of these systems of oppression are grounded in very long histories of colonialism?” Marie-Therese Png, a co-author, PhD candidate at the Oxford Internet Institute and former technology advisor to the UN, told Engadget. The paper’s other authors were DeepMind senior research scientists Shakir Mohamed and William Isaac.

“How can you contextualize, say, the disproportionate impact of predictive policing on African Americans without understanding the history of slavery and how each policy has built on, essentially, a differential value of life that came from colonialism?” Png said.

Almost every country in the world was at some point controlled by European nations. Decoloniality is about understanding these historic exploitative dynamics, and how their residual values are still alive in contemporary society — and then escaping them.

As an example, the paper points to algorithmic discrimination in law enforcement disproportionately affecting people of color in the US, which recently has been under the spotlight. It also connects “ghost workers”, who perform the low-paid data annotation work that fuels tech companies as a kind of “labor extraction” from developing to developed countries which mimics colonial dynamics.

Similarly, the authors see beta testing of potentially harmful technologies in non-Western countries — Cambridge Analytica tried its tools on Nigerian elections before the U.S. — as redolent of the medical experiments by the British empire on its colonial subjects or the American government’s infamous Tuskegee syphilis study in which African-American men with the disease were told to come for treatment and instead were observed until they died.

As Png says, one of coloniality’s core principles is that some lives are worth more than others. The fundamental issue for AI — which can literally quantify the value of humans — was put by co-author Mohamed in a blog post two years ago: “How do we make global AI truly global?” In other words: How can AI serve both the haves and have-nots equally in a world which does not?

The paper ultimately spells out guidance for a “critical technical practice” in the AI community — essentially for technologists to evaluate the underlying cultural assumptions in their products and how it will affect society with “ethical foresight.”

The “tactics” the paper lists to do this span algorithmic fairness techniques to hiring practices to AI policymaking. It speaks of technologists learning from oppressed communities — giving examples of grassroots organizations like Data for Black Lives — to reverse the colonial mentality of “technological benevolence and paternalism.”

Implicitly, the authors are calling for a shift away from a longstanding tech culture of supposed neutrality: the idea that the computer scientist just makes tools and is not responsible for their use. The paper was being written before the filmed death of George Floyd at the hands of the Minneapolis police, but the event — and a subsequent national reckoning with race — has brought into focus the question of what role tech should play in social inequity. Major AI institutions like OpenAI and the conference NeurIPS have made public statements supporting Black Lives Matter, which at least ostensibly signals a willingness to change.

“This discourse has now been legitimized and you can now talk about race in these spaces without people completely dismissing you, or you putting your whole career on the line or your whole authority as a technologist,” said Png.

“My hope is that this renewal of interest and reception to understanding how to advance racial equity both within the industry and in broader society will be sustained for the long run,” said co-author Isaac.

“You can now talk about race in these spaces without people completely dismissing you, or you putting your whole career on the line or your whole authority as a technologist.”

What this paper provides is a roadmap, a conceptual “way out” of the sometimes-shallow discussions around race among technologists. It’s the connective tissue from today’s advanced machine learning to centuries of global history.

But Png says that decoloniality is not a purely intellectual exercise. To decolonize would mean actively dismantling the technology that furthers the inequality of marginalized communities. “We’re trying to argue a proper ceding of power,” she said.

AI supercharges the idea that those who can’t remember the past are condemned to repeat it: if AI doesn’t remember the past, it will reify, amplify, and normalize inequalities. Artificial intelligence provides the veneer of objectivity — you cannot debate with an algorithm and often you cannot understand how it’s reached a decision about you. The further AI pervades our lives, the harder it becomes to undo its harms. 

“That’s why this moment is really important to put into words and identify what these systems are,” said Png. “And they are systems of coloniality, they are systems of white supremacy, they are systems of racial capitalism, which are based and were born from a colonial project.”

This research also raises the question of what new types of AI could be developed that are decolonial. Isaac pointed to organizations working towards similar visions, like Deep Learning Indaba or Mechanism Design for Social Good. But this area has little precedent. Would decolonial AI mean embedding a non-Western philosophy of fairness in a decision-making algorithm? Where do we categorize projects that involve writing code in Arabic and other languages?

On these points, Png is unsure. The pressing issue right now, she said, is the process of decolonizing the world we’re already living in. What AI would look like when truly divested of any colonial baggage — when the mission isn’t merely to fight back, but to build a legitimately fresh and fair start — is still speculative. The same could be said about society at large.

fonte: https://www.engadget.com/deepmind-oxford-decolonial-ai-paper-161535009.html

17 de maio de 2020

Estudo revela comunidade negra na Argentina

REVISÃO HISTÓRICA
Arqueólogo diz que a população negra deixou Buenos Aires e vive no interior do país, em regiões próximas à fronteira brasileira

LÉO GERCHMANN
de Buenos Aires

Um estudo arqueológico contesta dados oficiais segundo os quais não há presença de negros na Argentina. Segundo o responsável pelo trabalho, o antropólogo Daniel Schavelzon, os descendentes de africanos deixaram Buenos Aires em direção ao interior do país, onde vivem hoje em número reduzido.
“Os negros foram para o interior porque havia discriminação na capital. Eles existem em pequeno número, entre outros motivos porque, durante os conflitos dos quais a Argentina participou, foram colocados na linha de frente”, diz Schavelzon, que é diretor do Centro de Arqueologia Urbana de Buenos Aires.
Os locais onde há descendentes de africanos são as Províncias de Corrientes, Entre Ríos e Misiones, próximas do Brasil (Rio Grande do Sul) e do Uruguai.
A cidade de Buenos Aires, na época da Argentina colonial -mais de 200 anos atrás-, chegou a ter 30% da sua população composta por negros. A confirmação dessa tese ocorreu recentemente, quando Schavelzon e outros arqueólogos encontraram uma vasilha redonda de cerâmica africana, moldada artesanalmente.
Dados oficiais, divulgados no “Guía del Viajero 1997”, da Secretaria Nacional de Turismo, indicam que a população argentina é composta por 95% de brancos, 4,5% de mestiços (resultantes da mistura de brancos e índios) e 0,5% de índios das tribos mapuches, collas, tobas, matacos e chiriguanos. Não há registro de negros.
Dos 35 milhões de argentinos, mais da metade vive na cidade e na Província de Buenos Aires. São 10,1 habitantes por quilômetro quadrado espalhados pelo país.
O trabalho, mostrando a presença de população africana na formação étnica dos argentinos, foi divulgado em setembro passado, no Congresso Nacional de Arqueólogos, realizado em La Plata, capital da Província de Buenos Aires.

Vodu
Bem antes de ser encontrada a vasilha, haviam sido achados, em 1988, objetos de magia africana, como um boneco enforcado por um pedaço de corda -um legítimo exemplo de vodu- e perfurado no peito por meio de um pedaço de osso fino.
“A comprovação de que havia 30% de negros em Buenos Aires existe em função de censos do século 18”, afirma o pesquisador. “Depois, encerraram-se as emigrações africanas em 1807 e começaram as européias entre 1830 e 1840, houve a guerra pela independência, entre unitários e federalistas, e a do Paraguai, das quais os negros participaram ativamente e quase foram exterminados”, diz Schavelzon.
Numa expedição arqueológica realizada em 1928, já haviam sido encontrados objetos tipicamente africanos, que foram destruídos porque os pesquisadores da época desconfiaram de sua autenticidade. A convicção de Schavelzon, porém, é de que o achado era de um cemitério composto por corpos de escravos libertos.

Fonte: Folha de São Paulo (1997).

8 de maio de 2020

Homens ganharam quase 30% a mais que as mulheres em 2019

Editoria: Estatísticas Sociais | Alerrandre Barros | Arte: Brisa Gil

  • 06/05/2020 10h00 | Última Atualização: 06/05/2020 11h10
Embora maioria, as mulheres ocuparam menos postos de trabalho que homens – Foto: Pedro Ventura/Agência do Trabalhador

Os homens tiveram rendimento médio mensal 28,7% maior do que das mulheres em 2019, considerando os ganhos de todos os trabalhos. Enquanto eles receberam R$ 2.555, acima da média nacional (R$ 2.308), elas ganharam R$ 1.985, segundo o módulo Rendimento de Todas as Fontes, da PNAD Contínua, divulgado hoje (6) pelo IBGE.

No ano passado, havia no mercado de trabalho brasileiro 92,5 milhões de pessoas ocupadas com 14 anos ou mais, uma alta de 2,6% em relação a 2018. Mais da metade da população em idade de trabalhar era formada por mulheres (52,4%), no entanto, os homens representavam 56,8% da parcela da população que efetivamente trabalhava. Parte das mulheres não podem trabalhar porque não contam com creche para deixar os filhos.

Em todas as grandes regiões do país, a participação masculina na população ocupada foi superior à feminina, sendo que o Norte teve a menor estimativa de mulheres trabalhando (38,7%). O Sudeste (44,5%), o Sul (43,8%) e o Centro-Oeste (43,3%) registraram as maiores participações femininas na ocupação em 2019. Já o Nordeste (41,8%) teve o maior avanço percentual desde 2012, início da série histórica.

A participação no mercado de trabalho também variou conforme a cor da pele. No ano passado, os brancos eram 44,8% da população ocupada, enquanto os pardos 43,7% e os pretos, 10,4%. Os dados da pesquisa mostram, porém, que a participação brancos caiu 4,1 pontos percentuais desde 2012. Já a ocupação de pretos e dos pardos subiram 2,3 e 1,5 ponto percentual, respectivamente.

“O salário das pessoas brancas (R$ 2.999) foi maior do que o pago a pardos (R$ 1.719) e pretos (R$ 1.673). Brancos tiveram rendimentos 29,9% superiores à média nacional (R$ 2.308), enquanto os pardas e pretos receberam rendimentos 25,5% e 27,5%, respectivamente, inferiores à média nacional”, detalhou a analista da pesquisa, Alessandra Scalioni Brito.

Trabalhador com nível superior ganha seis vezes mais

Por outro lado, o nível de instrução do trabalhador brasileiro com, no mínimo, o ensino médio completo subiu de 59,3% para 60,8% no ano passado. Do total de ocupados, 24,6% não tinha instrução ou possuíam somente o ensino fundamental incompleto. Esse grupo era maior (25,8%) em 2018.

Na comparação com 2012, início da série histórica, o maior crescimento ocorreu no ensino superior completo, que correspondia a 14,8% dos ocupados naquele ano, passando para 20,8% em 2019.

As pessoas que não possuíam instrução em 2019 ganhavam, em média, R$ 911, menos que o salário mínimo (R$ 998, na ocasião). Por outro lado, o rendimento das pessoas com ensino fundamental completo ou equivalente foi 61,5% maior, chegando a R$ 1 472.

Já os trabalhadores com ensino superior completo ganharam, em média, R$ 5.108 – renda três vezes maior que a daqueles que tinham somente o ensino médio completo e cerca de seis vezes que o rendimento dos trabalhadores sem instrução. “O trabalhador brasileiro está mais escolarizado. A pesquisa confirma que quanto maior o nível de instrução, maior o rendimento”, comentou Alessandra Brito.

Renda no Sudeste é 61,9% maior que no Nordeste

Já o rendimento médio mensal no país de todos os trabalhos, desconsiderando outras fontes, foi de R$ 2.308 em 2019. Enquanto profissionais do Sudeste, do Centro-Oeste e do Sul receberam R$ 2.572, R$ 2.480 e R$ 2.428, no Norte e Nordeste ganharam 1.687 e R$ 1.588, respectivamente. A diferença chega a 61,9% entre Sudeste e Nordeste, os dois extremos.

Em relação ao ano de 2018, as Regiões Nordeste e Sul apresentaram aumento de 2,3% e 1,5%, respectivamente. Por outro lado, Norte (6,4%) e Centro-Oeste (2,2%) tiveram as maiores reduções em 2019.

fonte: IBGE

27 de abril de 2020

A população negra brasileira e a proteção deficiente de direitos fundamentais.

A população negra brasileira e a proteção deficiente de direitos fundamentais.

The Brazilian black population and the deficient protection of fundamental rights.

JORGE LUÍS TERRA DA SILVA

SUMÁRIO: Introdução; 1. Da proteção e da proteção deficiente ou insuficiente de direitos fundamentais; 2. “Para inglês ver”?; 3. “Para brasileiro ver?”; Conclusão.

RESUMO: A ONU instituiu a década compreendida entre 2015 a 2024 como sendo a década internacional do afrodescendente. Ela objetiva intervir no atual quadro, fazendo com que, por meio do acesso à justiça, do reconhecimento de direitos e do desenvolvimento em todas as suas formas, os afrodescendentes espalhados pelo mundo possam ter efetiva inserção nas sociedades onde vivem. Em linha semelhante, surgem os objetivos de desenvolvimento sustentável, pois é inegável que os negros e negras estão em situação de vulnerabilidade em várias partes do globo terrestre. No Brasil, para que sejam cumpridos os compromissos assumidos, devemos analisar se os direitos fundamentais dessa população estão efetivamente protegidos e são efetivamente exercidos. Para tanto, devemos retornar no tempo e compreender os efeitos da longa escravização para toda a sociedade brasileira e, a partir desse ponto, verificar como leis atuais que interessam a esse segmento não são implementadas e respeitadas ou são criadas sem se considerar as possibilidades de modificarem a realidade. É importante eleger questões como educação inclusiva, mercado de trabalho e prática de crimes raciais, verificando se os negros e negras tem seus direitos fundamentais efetivados ou se estamos diante de direitos fundamentais protegidos de forma deficiente. Para tanto, adequado saber como a proporcionalidade pode servir como critério de implementação e de controle desses direitos e se há espaço para que aqueles que militam e estudam sobre os direitos humanos e sobre os direitos fundamentais realizem recorte racial em suas análises e pesquisas. Além disso, é indispensável apontar as mudanças que devem ser feitas no campo do Direito, da Política e da Gestão.

Palavras chaves: direitos humanos – direitos fundamentais – racismo – proteção – Direito – Educação

ABSTRACT: The UN has established the 2015-2024 decade as the international decade of the afrodescendant. It aims to intervene in the current framework, in order that, through access to justice, the recognition of rights and development in all its forms, afrodescendants around the world can have effective insertion in the societies where they live. Similarly, the goals of sustainable development emerge, since it is undeniable that black men and women are vulnerable in various parts of the globe. In Brazil, in order to fulfill the commitments assumed, we must analyze whether the fundamental rights of this population are effectively protected and effectively reinforced. To do so, we must look in hindsight and understand the effects of long enslavement to the whole Brazilian society and, from that point on, verify how current laws, which are of interest to this segment, are not implemented or are not reinforced or else are created without considering the possibilities of changing reality. It is important to elect issues such as inclusive education, labor market and practice of racial crimes verifying if, in fact, black men and women have their fundamental rights guaranteed or if we are facing protected fundamental rights in a deficient form. In order to do so, it is appropriate to know how proportionality can serve as a criterion for the implementation and control of these rights and whether there is room for those who advocate for and study human rights and fundamental rights to include a racial cut in their analysis and research. In addition, it is indispensable to point out the changes that must be made in Law, Politics and Management.

Key words: human rights – fundamental rights – racism – protection – Law – Education

Introdução

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, por meio da resolução número 68/237[1], proclamou a década internacional dos afrodescendentes, compreendida entre 1º/01/2015 a 31/12/2024.

O foco estaria e está na ampliação da cooperação internacional, regional e nacional para que os milhões de afrodescendentes participem de forma igualitária e plena nas sociedades nas quais se encontram, sendo reconhecidos e efetivados os seus direitos sociais, econômicos, culturais, civis e políticos.

Para atingir esse audacioso desiderato, a Assembleia estabeleceu e apresentou um plano de implementação que, até o momento, não gerou sequer debate pelos órgãos estatais vinculados ao combate ao racismo no Brasil.

Cumpre destacar que a Organização das Nações Unidas estabeleceu, em 2.015, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável[2], havendo questões que tocam diretamente com a questão racial brasileira.

Sublinhando que há uma agenda e 169 metas apontando para uma sociedade mundial diferente da atual já para o ano de 2.030 e exigindo mudanças graves nas instituições e na sociedade brasileira, é pertinente reproduzir o que segue[3]:

10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra

10.3 Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito

16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos

16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais

Nesse sentido, é pertinente examinar se, no Brasil, há proteção efetiva ou deficiente dos direitos fundamentais da população negra. Urge, por via de consequência, examinar e atuar nos mais variados campos com o fito de impedir ou minimizar os efeitos do racismo. Para tanto, como não se pode enfrentar doença sem a premissa de se admitir doente, não se há de enfrentar essa questão sem admitir que não vivemos em uma “democracia racial” e que há parte significativa de nossa população que não tem seus direitos fundamentais plenamente efetivados por conta de sua raça.

No presente texto, não se discutirá sobre os conceitos de direitos humanos, de direitos fundamentais ou de direitos naturais, adotando-se aqueles que seriam os mais aceitos, mas apontando para o fato de que na Constituição brasileira são utilizadas as expressões direitos humanos e direitos fundamentais. Aqui é bom asseverar que os direitos humanos e os direitos fundamentais, em linhas gerais, seriam os direitos naturais positivados em legislação externa ou em legislação interna, respectivamente. Diz-se “em linhas gerais” porque há direitos fundamentais que, consabidamente, não configurariam direitos naturais, tais como o direito às férias.

Os limites de um artigo científico não permitem, sem se cair em infrutífera superficialidade, abarcar a gama de questões sensíveis à raça, sobretudo quando esse marcador social é agregado a outros como o gênero, a orientação sexual, a deficiência física, mental ou intelectual ou a situação socioeconômica.

Em sendo assim, sem se desconhecer a importância de se tratar da mortalidade de negros no Brasil, já que a cada 100 pessoas que sofrem homicídio, 71 delas são negras[4], o escopo desse artigo será tratar da proteção deficiente dos direitos fundamentais da população negra no que concerne ao mercado de trabalho, à educação racialmente inclusiva e aos crimes raciais em decorrência de um combate ineficiente ao racismo no Brasil.

  1. Da proteção e da proteção deficiente ou insuficiente de direitos fundamentais.

Direitos à proteção ensina SARLET (2.011)[5], com apoio na formulação de Alexy, seriam as posições jurídicas fundamentais que outorgariam o direito de o indivíduo exigir do Estado a proteção contra a ingerência de terceiros.

Em decorrência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, o Estado tem o dever de dar efetividade a esses direitos, protegendo o patrimônio jurídico dos indivíduos de indevidas ingerências dos poderes públicos e de agressões promovidas por particulares ou por outros Estados. Nesse teatro, esse dever gera a obrigação de adotar medidas positivas que garantam e protejam de forma efetiva a fruição dos direitos fundamentais.

Importa consignar que o objeto da proteção é extremante amplo, abarcando precaução e prevenção. Seriam objeto de proteção “tudo que se encontra no âmbito de proteção dos direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana  em geral, a liberdade, a propriedade”. Ainda segundo o magistério de SARLET (2.011)[6], os direitos de proteção e os deveres de proteção abrangem os riscos de lesão aos bens e direitos tutelados constitucionalmente e os modos de realização da proteção supradita podem se perfectibilizar por meio de normas penais, de normas procedimentais, de atos administrativos ou, ainda, por uma atuação concreta dos poderes públicos.

Elucidativa é a lição de CANOTILHO (2.008)[7] a seguir transcrita:

Em primeiro lugar, deve distinguir-se entre direito à protecção jurídica e direito de defesa (Abwehrrecht) perante o Estado. O direito à protecção jurídica é uma pretensão que qualquer titular de um direito fundamental pode exigir do Estado que o proteja perante agressões de outros cidadãos; um direito fundamental de defesa é um direito cujo conteúdo se traduz fundamentalmente em exigir que o próprio Estado (poderes públicos) se abstenha de intervenções coactivas na esfera jurídica do particular. Quer dizer: nos direitos à protecção, estamos perante direitos constitucionais que apontam para a necessidade de o Estado conformar a ordem jurídica (exemplo: tipificando como crime as ofensas à vida, ou protegendo os cidadãos contra indústrias poluidoras), de modo a evitar a violação dos direitos dos particulares por parte de outros sujeitos privados. Nos direitos fundamentais de defesa, o cidadão pretende uma abstenção dos poderes públicos.

Cumpre sublinhar que a exigência sempre é dirigida ao Estado, destinatário do dever de proteção contra particulares e, obviamente, no caso do direito de defesa, de não agredir a esfera jurídica dos cidadãos.

É razoável admitir que não se pode previamente definir o modo como o Estado realizará o direito de proteção, pois poderia haver uma série de alternativas a serem consideradas, uma limitação de meios disponíveis e a existência de outros interesses a serem satisfeitos que poderiam, inclusive, estar em rota de colisão, bem como a necessidade de constituir uma escala de prioridades. De outra banda, considerando o caráter normativo do princípio da eficiência, não se pode sequer pensar em ação que não se paute pelo alcance de resultados positivos concretos em decorrência da otimização dos meios disponíveis. Embora seja possível não ser encontrada e efetivada solução ótima, às vezes inviabilizadora da satisfação de outro direito, não se pode empregar esforços e recursos de diferentes naturezas em alternativas incapazes de conduzir ao atingimento de fins de forma satisfatória.

Tal entendimento não inviabiliza o cotejo de interesses e de direitos, sobretudo em uma sociedade extremamente complexa que apresenta a uma estrutura estatal também complexa uma gama crescente de demandas. Ao contrário, o desafio posto aos poderes públicos está em estabelecer critérios justos de atuação nesse cenário.

Socorre o magistério de SARLET (2.011), valendo-se de lição de Canaris, pontuando que haveria três critérios que confeririam legitimidade ao dever de proteção. Esses seriam os seguintes:

a) A lesão, ameaça ou o risco de lesão ao direito fundamental deve ser capaz de afetar o seu âmbito de proteção;

b) A intervenção deve ser necessária, ou seja, o âmbito de proteção do direito fundamental deve ter sido efetiva ou potencialmente atingido por intervenção relevante e, em não raras vezes, ilícita sem se configurar em hipótese que possa ser evitada ou rechaçada pelo lesado;

c) O funcionamento conjunto dos diversos critérios, que devem interagir, impõe que, além dos requisitos mencionados, considere-se a relevância do bem juridicamente tutelado, o peso da intervenção e a intensidade da própria intervenção ou ameaça de violação do direito protegido.

Passível de exame é o nível de satisfatoriedade do cumprimento do dever de proteção, podendo esse ser tido como excessivo ou deficiente. Em síntese, pode a atuação estatal gerar desproporções e essas conformarem antijuridicidade.

Ao cumprir o dever de proteção, o Estado pode afetar desproporcionalmente direito fundamental. O princípio da proporcionalidade, que para alguns doutrinadores seria postulado, isto é, regra de aplicação de outras regras, seria um critério de limitação ou, ainda, um critério de controle da constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que é aplicável também, diga-se de passagem, no caso daquele que eventualmente esteja a lesar direito fundamental de outrem.

 Assim como a proporcionalidade pode funcionar na perspectiva da proibição de excesso, ou seja, direito de defesa, pode, por outro lado, servir de critério de verificação se o agir estatal foi deficiente ou insuficiente na proteção de direito fundamental violado ou ameaçado.

A proporcionalidade na atuação estatal de caráter protetivo de direitos fundamentais é bem esclarecida por SARLET (2.011)[8] com esteio em lições de Cristian Calliess:

Com efeito, valendo-nos aqui das lições de Cristian Callies (que sustenta uma distinção dogmática e funcional entre proibição de excesso e insuficiência), uma vez determinada a existência de um dever de proteção e seu respectivo objeto, o que constitui um pressuposto de toda a análise posterior, é possível descrever as três etapas da seguinte maneira: a) no que diz com o exame da adequação ou idoneidade, é necessário verificar se a(s) medida(s) – e a própria concepção de proteção – adotada(s) ou mesmo prevista(s) para a tutela do direito fundamental é (são) apta(s) a proteger de modo eficaz o bem protegido; b) em sendo afirmativa a primeira resposta,, cuida-se de averiguar se existe uma concepção de segurança (proteção) mais eficaz, sem que com isso se esteja a intervir de modo mais rigoroso em bens fundamentais de terceiros ou interesses da coletividade? Em outras palavras, existem meios de proteção mais eficientes, mas pelo menos tão pouco interventivos em bens de terceiros? Ainda neste contexto, anota o autor referido, que se torna possível controlar medidas isoladas no âmbito de uma concepção mais abrangente de proteção, por exemplo, quando esta evolve uma política pública ou um conjunto de políticas públicas; c) no âmbito da terceira etapa (que corresponde ao exame da proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade, como preferem alguns), é preciso investigar se o impacto das ameaças e riscos remanescentes após a efetivação das medidas de proteção é de ser tolerado em face de uma ponderação com a necessidade de preservar outros direitos e bens fundamentais pessoais ou coletivos.

Em decorrência de disposições constitucionais universalistas, os negros brasileiros são titulares dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, ao desenvolvimento, à liberdade de expressão, à honra, à segurança, à educação, à saúde e a outros direitos fundamentais pertinentes ao Estado brasileiro.

Além disso, há disposições constitucionais que, por razões históricas, econômicas e sociais, podem ser consideradas como mais direcionadas a essa parcela da população brasileira. Essas disposições dizem com a liberdade religiosa, com o combate ao racismo, com a redução das desigualdades, com o ensino da história tendo por esteio as contribuições dos povos formadores da pátria brasileira.

De bom alvitre sublinhar que as violações aos direitos elencados acima não configuram exclusividades atinentes aos pretos e aos pardos, ou seja, aos integrantes da comunidade negra. Todavia, é inegável que esses vivenciam situação de proteção deficiente.

Cumpre consignar que não se está a discorrer sobre mitigações à universalidade dos direitos fundamentais, perfectibilizada no alargamento ou na restrição em sintonia com o entendimento do legislador constituinte. Trata-se de imperativos de realidade que devem ser considerados pelo legislador, pelo jurista e pelos cidadãos brasileiros.

Se não há discussão doutrinária sobre a impossibilidade de a proteção dos direitos fundamentais ser ilimitada ou absoluta, não se aceita que essa possa ser estabelecida de qualquer forma, ou seja, sem um padrão qualitativo mínimo. Nesse sentido, serve a proporcionalidade como critério de avaliação da eficácia protetiva dos direitos fundamentais.

2.“Para inglês ver”?

Em certa medida, as regras, sejam estabelecidas por políticas, por contratos ou por leis, podem configurar expectativas e não certezas de cumprimento.

Em se tratando de leis ou de políticas públicas, sobretudo, ou de ajustes como contratos, termos ou convênios, é obrigação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, informados pelo princípio constitucional da eficiência, ter foco nos resultados e nos impactos das decisões proferidas. Em outros termos, sob pena de não serem gerados efeitos positivos concretos ou de haver perpetuação ou até mesmo ampliação dos efeitos negativos de decisões proferidas, devem eles ter controle efetivo dos processos decisórios próprios e uns dos outros, bem como estarem abertos ao controle social. Frisa-se aqui que ações administrativas, decisões judiciais, ações legislativas, políticas públicas e leis enquadram-se no gênero decisões.

Assim sendo, uma vez que o norte está no emprego adequado dos meios e no atingimento de resultados e de impactos concretos planejados e positivos, ganham relevo as atividades de identificar os stakeholders de cada segmento, de planejar e de estimular a participação no seio dos Poderes, pois são meios de diminuição do grau de incerteza das decisões e de ampliação do de possibilidade de êxito.

Mister que superemos a visão de que bastante é a produção legislativa, independentemente de serem elas em nível constitucional ou infraconstitucional. Elas são em número expressivo no solo pátrio, mas não atingimos eficiência e eficácia em especial no campo da administração pública. Certamente, o Direito e não apenas a Política contribuiu para a constituição desse cenário.

As leis, assim como os planos e as políticas públicas, podem ter e normalmente tem um caráter indutor, ou seja, procuram estimular, induzir ou até impor que as pessoas ou as instituições tenham um comportamento necessário para um sistema ou para uma estrutura cooperativa. Porém, nesse processo, não podem desconhecer imperativos de realidade, características pessoais ou regionais, existência de outros interesses e outros estímulos e, sobretudo, dados e informações. Em síntese, não basta apenas editar lei ou conceber política sem pensar e repensar nos mecanismos que possam gerar a eficácia pretendida ou a ineficácia temida.

Nesse cenário, o cerne aqui é pensar se o combate ao racismo no Brasil tem sido efetivo e se estampar na Carta Política que esse fenômeno é repudiado e que sua prática configura um crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão surtiu efeito nos campos político, educacional, judicial e social.

No que concerne à população negra brasileira, para que haja um avanço, mister que se retroceda um pouco na história, apreendendo contexto relevante para que, como sociedade que se pretende justa e solidária, bem como direcionada ao desenvolvimento econômico, social e ambiental, possamos bem decidir sobre os fins a serem perseguidos e sobre os meios a serem empregados. Para tal exercício será de extrema valia repisar que consoante o conjunto de concepções constituído por PERELMAN (2.005)[9], atuação justa seria aquela que atribui, em síntese, o que segue:

“1. a cada qual a mesma coisa.

2. a cada qual segundo seus méritos.

3. a cada qual segundo suas obras.

4. a cada qual segundo suas necessidades.

5. a cada qual segundo sua posição.

6. a cada qual segundo o que a lei lhe atribui.”

A primeira concepção abrigaria a ideia de tratar todos de forma igual, ou seja, sem considerar nenhuma particularidade que tornasse alguém diferente. Seria, com efeito, a única noção “puramente igualitária” e não exigente de proporcionalidade como as demais.

Seria tida como a irrealizável, no que pertine à justiça concreta, servindo apenas como ideal do qual se pode tentar aproximação na medida do possível. Poderia essa noção, por outra mão, conduzir à conceituação de uma justiça formal.

A justiça formal tem como cerne a igualdade como forma de evitar privilégios dentro de uma mesma categoria essencial. Ela se contrapõe, portanto, à justiça distributiva, que, com base na igualdade, “leva em conta capacidades e esforços individuais na atribuição das vantagens”. Essa, por seu turno, afasta-se da justiça comutativa que não se ocupa com a vida individual tomada em conjunto, mas, sim, com o estabelecimento da igualdade em cada ato jurídico.

No esforço de definir a justiça material, PERELMAN (2.005)[10] destaca um elemento comum em todas as fórmulas de justiça material. A sua construção perpassa por questionamentos sobre a necessidade ou obrigatoriedade de tratar todos igualmente e, em caso de haver distinções, quais os critérios para definir as que seriam relevantes e suas consequências.

Nesse trilho, o doutrinador chega à ideia de característica essencial e essa seria aquela que “permite agrupar os seres numa classe ou numa categoria, definida pelo fato de seus membros possuírem a característica em questão”. Dessa arte, esses indivíduos comporiam a mesma categoria essencial.

Justiça formal ou abstrata seria “um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma”. Já o dissenso das fórmulas de justiça concreta está no fato de que cada uma dela considera uma característica diferente como a única que se deve levar em conta na aplicação da justiça.

A segunda concepção de justiça material, destaca características pessoais e esforço também pessoal, denominadas de mérito. PERELMAN (2.005)[11] sublinha que não basta que as pessoas tenham mérito, sendo necessário que tenham mérito no mesmo grau para serem integradas na mesma categoria essencial. Aqui já não se fala em justiça igualitária, mas sim proporcional a esse mérito.

Aqui é bom frisar que mérito seria o “valor moral intrínseco do indivíduo” e “esse será o critério do juiz, cego a todas as outras considerações”.

Importante não confundir, como normalmente ocorre quando se está a discutir sobre sistema diferenciado de ingresso em estabelecimentos de ensino ou no serviço público, a segunda concepção com a que virá a seguir.

A terceira noção de justiça concreta também exige um tratamento proporcional, mas “o critério já não é moral, pois não se leva em conta a intenção, nem os sacrifícios realizados, mas unicamente o resultado da ação”.

Essa concepção afasta-se do irrealizável “por levar em conta, o mais das vezes, elementos sujeitos ao cálculo, ao peso, à medida”. Nessa concepção, inspiram-se o pagamento de salário dos operários por hora trabalhada ou por peça produzida, bem como “os exames e os concursos em que, sem se preocupar com o esforço fornecido levam-se em conta apenas o resultado, a resposta do candidato, o trabalho que apresentou”.

 A quarta concepção é a que toma como essencial “os sofrimentos que resultam na impossibilidade” de a pessoa “satisfazer suas necessidades essenciais”. Por isso, configura uma tentativa de diminuir esse sofrer.

Essa concepção exige a definição de critérios formais relativos a essas necessidades. O autor assevera que se deve levar em conta um mínimo vital que envolva necessidades básicas individuais e familiares.

Essa concepção, “impondo-se cada vez mais na legislação social contemporânea, pôs em xeque a economia liberal em que o trabalho, assimilado a uma mercadoria, estava sujeito às flutuações resultantes da lei da oferta e da procura”. Por via de consequência, dela decorrem a proteção ao trabalho e ao trabalhador, a definição de um salário mínimo, as legislações referentes à pessoa idosa, à criança e à pessoa enferma, ou desempregada, etc.

A quinta concepção diz com o tratamento diferenciado às pessoas em razão de pertencimento a uma ou a outra categoria determinada. Essa concepção é constantemente defendida pelos beneficiários, que fazem prevalecer a força política ou institucional que possuem.

No exército, por exemplo, há tratamento diferenciado entre oficiais e praças, regrado em razão da posição dentro na instituição.

Por fim, a sexta concepção é tida como de justiça estática porque baseada na ordem estabelecida. As anteriores são tidas como de justiça dinâmica pelo fato de poderem, ao menos potencialmente, modificar a ordem e as regras que a determinam.

Por essa concepção, a pessoa encarregada de a aplicar não está livre para eleger a concepção de sua preferência. Portanto, “a classificação, a distribuição em categorias essenciais, é-lhe imposta e ele deve obrigatoriamente levá-la em conta. É essa a distinção fundamental entre a concepção moral e a concepção jurídica de justiça”.

 PERELMAN (2.005)[12] impôs-se o desafio de pesquisar o que há em comum entre as diferentes concepções da justiça. Aqui, nesse breve texto, suficiente é identificar concepções de justiça que permitiriam examinar as escolhas tomadas quando da edição da denominada de Lei dos Sexagenários.

Não é necessário descrever detidamente o momento vivenciado em nossa pátria, pois bastante é trazer detalhes que permitam demonstrar a desproteção dos direitos naturais da quase totalidade dos homens negros e das mulheres negras há pouco mais de 130 anos em solo brasileiro.

Em verdade, o conjunto de leis produzidas visava à manutenção do escravagismo. Daí decorre a alcunha histórica de leis “para inglês ver”, pois a Inglaterra, após longo e lucrativo comércio transatlântico de escravizados, passou a proibir tal atividade tendo em vista seus outros interesses comerciais.

As deliberadas tergiversações, configuradas em forma de leis, geraram diplomas legais que tinham como objetivo principal falsamente demonstrar intenção e esforço no combate progressivo à escravização humana, bem como abertura para os novos tempos econômicos.

A lei em comento, portanto, decorre de uma discussão acirrada ligada à transformação de uma economia calcada no trabalho do escravizado para a baseada no trabalho livre. O ponto nodal do debate versava sobre a indenização para os proprietários de escravizados e sobre a concessão de liberdade para esses últimos.

Havia uma conjugação de interesses que conduziu à prevalência do legislativo no processo decisório sobre a abolição. Aos abolicionistas, aos escravagistas, em especial aos grandes produtores de café e aos próprios membros da Assembleia Nacional, esses últimos sob a alegação de que o debate poderia levar à subversão da ordem pública, por razões diferentes, interessava que esse poder capitaneasse o processo.

Perceba-se que, no momento histórico identificável, não se estava diante de leis descumpridoras do inerente caráter indutor das legislações, mas sim de leis que continham o firme propósito de retardar mudanças que já tinham ocorrido em numerosos pontos do globo terrestre. Sim, o Brasil foi o último país que aboliu a escravatura.

A celebração de atos internacionais entre Brasil e Inglaterra seria, pois, o marco da ilegalidade da escravidão no Brasil, que foi reforçada por leis nacionais também descumpridas. Em outros termos, muitos dos seres humanos trazidos forçadamente para o Brasil o foram em descumprimento de normas vigentes à época.

Antes de tudo, reproduz-se trecho de obra premiada e aprovada pela Resolução Imperial de 9 de Fevereiro de 1.861 para uso das Faculdades de Recife e São Paulo, intitulada Direito Administrativo Brasileiro[13]:

Pela Conv. de 23 de Novembro de 1826 obrigou-se o Brasil para com a Inglaterra a não consentir que os seus súditos exercessem o tráfico de africanos 3 anos depois de trocadas as ratificações da mesma convenção, sendo este tráfico declarado pirataria.

Para tornar efetivas estas estipulações, promulgou-se a lei de 7 de novembro de 1831, que declarou livres todos os escravos que entrarem no território ou nos portos do Brasil, vindos de fora, com exceção dos matriculados nas equipagens das embarcações, e dos que fugirem do território ou embarcação estrangeira; impôs aos importadores a pena do art. 179 do Cód. Criminal (prisão por 3 a 9 anos e multa correspondente à 3ª parte do tempo), a multa de 200$ por cabeça de escravo importado, além da obrigação de pagar a despesa de reexportação para a África; definiu quais são os importadores africanos; e ofereceu o prêmio de 30$000 por cabeça a quem der notícia ou apreender, ainda sem mandado judicial, os ditos africanos ilicitamente importados. 

Dito isso, retorna-se ao trilho original, ou seja, às considerações sobre a lei dos sexagenários sobre a qual, de modo extremante sintético, pode-se dizer que acabou por promover o seguinte:

a) os escravizados que atingissem 60 anos ou mais anos de idade seriam libertos;

b) a libertação também ocorreria se houvesse inexistência ou omissão na matrícula dos escravizados(registro a ser procedido pelo proprietário de escravizado), por fundo de emancipação (fundo com recursos provenientes de taxas e rendas específicas, adicionais acrescidos aos impostos gerais, excetuando-se o de exportação, e títulos da dívida pública emitidos para tanto, que deveria custear a gradual emancipação de escravizados, a colonização e a conversão do trabalho escravo em atividades econômicas definidas pela lei)[14] ou por transgressão de domicílio (quando o escravizado era levado de uma província a outra sem autorização);

c) a indenização para o proprietário, que deveria ser feita pelo próprio liberto de 60 anos ou mais, obrigado a prestar serviços aos seus ex-senhores por três anos ou até completar 65 anos.

A olhos desavisados pode parecer que, em se concedendo a liberdade aos escravizados naquele cenário do não tão longínquo ano de 1.885, não haveria crítica severa a fazer pelo prisma da justiça do ato. A questão pouco abordada é que os brasileiros somente começaram a ter esperança de vida próxima aos 60 anos quase 100 anos depois. Melhor dizendo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o homem brasileiro, sob outras condições sanitárias, ao nascer, esperava viver 59,6 e a mulher brasileira, também nesse quadro mais favorável, 66,0 no ano de 1.980. Tendo em conta que a média para ambos os sexos de esperança de vida em 1980 era, por conseguinte, de 62,7, destaca-se que os escravizados que tivessem 60 anos ou mais deveriam trabalhar por três anos ou até os 65 anos de idade para indenizar os proprietários de escravos[15].

Assim, travestida de justiça segundo as necessidades de uma categoria essencial, no caso, os escravizados, em verdade, aplicou-se a concepção de justiça baseada na posição, atendendo-se aos interesses de uma categoria essencial que tinha posição de supremacia, a elite vinculada à cafeicultura.

A liberdade é um direito natural, vinculado ao contexto moral, que, no que tangia aos negros escravizados nascidos no Brasil, não estava positivado na Constituição de 1.824. Pelo alinhamento teórico já aduzido, para essa população não seria, em 1.885, um direito fundamental. Porém, havia legislação, no caso, a referida convenção celebrada com a Inglaterra e a lei que lhe dava aplicabilidade no Brasil, que reconheciam, ao o positivar, o direito à liberdade nas hipóteses outrora externadas. Para os escravizados abrangidos por essas legislações e para seus descendentes, poder-se-ia falar em violação ao direito humano à liberdade. 

Por via de consequência, no ver dos escravizados, a justiça concreta haveria na medida em que se lhes reconhecesse o direito à liberdade. Dessarte, uma vez que a expectativa que esse reconhecimento fosse para toda a categoria restou frustrada com a imposição de um critério etário e de previsão legal vinculada à existência de recursos financeiros em um fundo ou ao cometimento de ilegalidades por parte dos proprietários de escravizados, seria inevitável que percebessem essa situação como injusta.

Escravizados eram pessoas às quais se negava também o exercício do direito à liberdade, compelindo-se-os a executar trabalho sem remuneração. A idade do escravo adulto não seria fato relevante no exame de suas situações política e jurídica até o advento da lei em comento já que não seria hipótese de aplicação da Lei do Ventre Livre. O atingimento da idade de 60 anos configurou-se como critério arbitrário dificilmente atingível pelo beneficiário. Portanto, houve uma escolha causadora de injustiça e impeditiva da satisfatoriedade da necessidade de liberdade por intermédio de lei.

Por outra mão, a estipulação da idade para a emancipação também poderia ser vista, dentro na categoria essencial, como um critério reconhecedor do mérito, ou seja, do nível de sacrifício imposto. Em outros termos, a idade poderia ser tida como uma presunção de imposição de maior sacrifício individual em decorrência do maior tempo de exposição à violação de direitos. Mesmo sob esse prisma, por haver condições diferentes de submissão ao período escravagista, estariam os escravizados em graus diferentes de sofrimento que, em verdade, seria inavaliável.

Importante consignar que o ser humano persegue, e já perseguia naquela época, não apenas a liberdade, mas também a igualdade e as condições mínimas de existência digna correspondentes ao seu tempo. Nesse sentido, a falta de previsão de pagamento de indenização aos libertos, cumulada com a obrigação de eles, por meio de disponibilização por mais três anos de sua força de trabalho, indenizarem os senhores, sob a ótica da justiça à luz das necessidades, configurariam estado de injustiça.

Oportuno sublinhar que parte do fundo de emancipação destinava-se, em porções iguais, a estimular a colonização, a emancipar escravizados e a libertar escravizados de lavoura e mineração cujos senhores quisessem converter em livres os estabelecimentos mantidos com escravizados. Perceba-se, pela mesma noção de justiça, a ocorrência de injustiça, pois um terço dos valores do fundo serviriam para transportar os substitutos remunerados dos escravizados não indenizados e despreparados para os então novos tempos.

Os senhores de escravizados viam que as mudanças até poderiam trazer vantagens para o país ou, ao menos, seriam atos necessários diante de pressão interna e externa. Todavia, certamente, não queriam e não custearam a transformação. Nesse quadro, tendo-se por norte a concepção de justiça concreta de alcançar a cada um em sintonia com a sua posição, a postergação da abolição, o custeio da transformação do trabalho escravo para o trabalho livre por parte do fundo de emancipação, bem como a indenização paga pelos libertos, é crível que os senhores de escravizados considerem que tenha havido justiça.

Dentre as leis integrantes do período identificado, tomamos como exemplo a Lei número 3.270, de 28 de Setembro de 1.885, conhecida como Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe[16]. Poder-se-ia ter utilizado a lei número 2.040 de 28 de setembro de 1.871[17] – a “Lei do Ventre Livre” – com o mesmo propósito de demonstrar o conjunto de injustiças promovidas durante e após a escravização no Brasil.

O retroceder histórico e a escolha de uma lei para tratar de forma mais detalhada é estrategia para sublinhar como o nosso passado foi gerador de um persistente racismo que teve como instrumento inclusive a lei.

No ponto seguinte, mostrar-se-á como leis atuais e vinculadas ao campo da igualdade racial continuam sendo ineficazes, gerando-se desproteção aos agora existentes direitos fundamentais das mulheres e dos homens negros.

3. “Para brasileiro ver?”

O sistema escravocrata era e é inerentemente injusto, pois elege critérios arbitrários para conceder direitos a um grupo de pessoas e, simultaneamente, negar a outro. Esses critérios podem ser a raça, o fato de ter havido prévia perda em uma guerra ou outro imposto por aquele que esteja em posição de impor a sua vontade ou sua visão de sociedade.

A escravização negra no Brasil produziu e sustenta marcas graves de difícil superação para o seu corpo social. Tanto que as transformações gradativas e de cunho legislativo parecem não surtir os efeitos necessários em diversos ambientes e aspectos.

O fato é que as leis que compõem o período prévio à abolição da escravatura e a situação sócio-política gerada por uma política estatal de violação extremada de direitos para os negros escravizados, constituiu injustiça intertemporal, ou seja, produziu reflexos em numerosos campos e contextos ainda não enfrentados de maneira eficiente e eficaz pela sociedade brasileira. Diante disso, os cidadãos negros brasileiros vivenciam quadro de proteção deficiente de seus direitos fundamentais.

O entusiasmadamente anunciado estatuto da igualdade racial, instituído pela lei número 12.288/2.010, parecendo remontar as leis do período mencionado acima, não gerou efeito positivo concreto apesar do tempo transcorrido.

Aliás, bom destacar dois de seus artigos.

O parágrafo 3º do artigo 39 estaria vocacionado a intervir no mercado de trabalho estimulando a responsabilidade social corporativa, pois assim dispõe:

Art. 39.  O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1o  A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2o  As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.

§ 3o  O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

Sem dúvida, a responsabilidade social corporativa é caminho a ser fortemente estimulado e trilhado, em paralelo com a adoção de cotas relativas aos cargos públicos, empregos públicos e funções delegadas. Aliás, a empresa é capaz oferecer mais vagas no mercado de trabalho e de tornar permanente e natural a inserção e do negro em searas de maior poder econômico e social. Essas ofertas, pelo menos no início, estariam ligadas ao interesse de agregar à marca uma imagem de efetivadora de direitos e de respeitadora da diversidade. Mais adiante, poder-se-ia perceber que instituições diversificadas são mais competitivas e mais aptas a se adaptar às diferentes realidades, a enfrentar adversidades e a encontrar soluções para os problemas enfrentados pela sociedade.

Evidentemente, o dispositivo legal está a exigir regulamentação, pois não há definição quanto à espécie de incentivo, ao número de beneficiários da iniciativa da empresa ou ao seu período mínimo de duração. O fato é que, enquanto não ocorrer a regulamentação do Estatuto, que prevê incentivos fiscais para as empresas que por convicção de seus dirigentes, por interesse mercadológico ou por identificação de oportunidade auxiliem no enfrentamento do racismo no mercado de trabalho, haveremos de constatar diferenciações acentuadas no que pertine à empregabilidade e aos níveis salariais.

Ressalta-se que os certames nos quais foram instituídos sistemas de reserva de vagas sensíveis à raça no Brasil o foram e o são com base em outras leis e não no estatuto supradito. Sublinhe-se que foi necessário, com o fito de evitar incessantes e desgastes discussões, ajuizar ação declaratória de constitucionalidade (tombada sob o número 41 e que foi julgada em 08.06.2017) relativa à lei 12990/2014 que reserva 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta do Executivo e que é aplicável também aos outros Poderes.

Nessa quadra, não surpreendem os dados reveladores de baixos níveis de empregabilidade, de diferenças salariais e de baixa inserção nas posições de gestão e de comando nas 500 maiores empresas brasileiras.

Pesquisa realizada pelo Instituto Ethos com a cooperação do Banco Interamericano de Desenvolvimento de 9 de Dezembro de 2.014 a 28 de Maio de 2.105 traz o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil[18]. Informa a instituição que foram consultadas 500 empresas, sendo que 117 enviaram respostas. Afirma, ainda, que já foram realizados trabalhos semelhantes, sendo o anterior do ano de 2.010 e que a escolha das empresas não foi aleatória, identificando que as eleitas exercem papel de liderança e de referência para o mercado.

Consoante a pesquisa, 88% das empresas que responderam ao questionário não tem política afirmativa de cunho racial. Daí decorre que os negros estariam em 35% das vagas do quadro funcional, em 25,9% das vagas de supervisão, em 6,3 das vagas de gerência, em 4,7 dos quadros executivos e 4,9% dos conselhos de administração.

O DIEESE faz consolidação de dados pertinentes a cinco regiões metropolitanas brasileiras, pesquisando sobre ocupação, desemprego, qualidade das relações de emprego e níveis salariais. No que concerne ao desemprego, oportuno reproduzir o que consta no trabalho denominado “Inserção produtiva dos negros nos mercados de trabalho metropolitanos” de novembro de 2.016:

“Historicamente, os negros convivem com patamares de desemprego mais elevados, mesmo nas regiões onde sua presença é expressiva, como Salvador, Fortaleza e Distrito Federal.

A taxa de desemprego dos negros apresenta diferença expressiva principalmente em Porto Alegre, onde a taxa desse segmento é superior a dos não negros em 4,5 pontos percentuais, seguida de Salvador (3,4 p.p), São Paulo (2,9 p.p), Distrito Federal (2,0 p.p) e, com menor distância, em Fortaleza (0,6 p.p).

Entre 2014 e 2015, as taxas de desemprego cresceram expressivamente em Porto Alegre e São Paulo e, de modo menos intenso, em Fortaleza e Salvador, atingindo os diferentes segmentos da força de trabalho. A desagregação dos dados pelos grupos de cor/raça mostra que o aumento do desemprego ocorreu em percentual maior para os negros em Fortaleza, São Paulo e, em menor medida, em Porto Alegre. Apenas em Salvador a taxa de desemprego aumentou mais para não negros. Considerando o sexo, a taxa de desemprego elevou-se mais para os homens que para as mulheres, em todas as regiões analisadas. Entre elas, exceto na região de Salvador, as taxas aumentaram mais para as mulheres negras, no período em análise.”

A Fundação de Economia e Estatística (FEE) gaúcha faz levantamento semelhante ao referido acima e, integrante do mesmo sistema, o repassa ao DIEESE. Importante assinalar que, referindo-se à região metropolitana de Porto Alegre e à queda do rendimento médio dos trabalhadores, uma vez mais, evidencia-se a existência de diferenças salariais entre negros e não negros:

“Entre 2014 e 2015, constatou-se redução dos rendimentos médios reais tanto para negros (4,5%) quanto para não negros (7,8%). Em termos absolutos, o rendimento médio dos negros reduziu de R$ 1.697 para R$ 1.620; para os não negros, a retração nos rendimentos foi mais intensa, de R$ 2.343 para R$ 2.160, no mesmo período.”

Definitiva e elucidativa é a apresentação do trabalho do DIEESE identificado acima:

“A análise das informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego – Sistema PED, realizada por meio do Convênio entre o DIEESE, a Fundação Seade, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE/FAT) e parceiros regionais no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e São Paulo – mostra que a redução das desigualdades raciais vivenciadas ao longo das últimas décadas, em um contexto de relativa melhora do mercado de trabalho, não foi suficiente para promover a equidade de valoração do trabalho exercido pelos negros em relação aos não negros. O recente processo de estruturação do mercado de trabalho brasileiro trouxe melhoria nas condições de inserção produtiva promovendo redução da diferença dos níveis de desemprego por raça/cor. Entretanto, entre 2014 e 2015, a situação mudou significativamente e restrições ao crescimento econômico trouxeram a recessão e o desemprego para a vida dos trabalhadores e trabalhadoras. As taxas de desemprego cresceram nas regiões metropolitanas pesquisadas pela PED, na maioria delas, com impacto maior sobre a população negra.

A dinâmica do mercado de trabalho expressa os padrões vigentes nas relações raciais e de gênero na sociedade brasileira. As diferenças salarial e ocupacional entre negros e não negros estruturam as oportunidades de vida desses diferentes grupos populacionais na sociedade brasileira.”

Restam evidentes as dessimetrias com as quais se deparam negras e negros no mercado de trabalho e com a insuficiência da proteção nesse campo.

Os reflexos do racismo também se traduzem na forma de proteção alcançada aos integrantes da comunidade negra que sofrem violações na forma de crimes raciais.

Sabe-se que ao Estado moderno não cabe apenas impedir a violação de direitos, cabendo-lhe promovê-los e criar ambiente propício para que pessoas e entidades públicas e privadas também os promovam. Nesse cenário, é que devem ser compreendidos os crimes raciais, sublinhando-se que, tecnicamente, a consideração de condutas como criminosas é a última alternativa.

Dessa arte, tem-se que são insuficientes, nos planos prático e jurídico, à luz da Constituição Federal, as disposições do parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal e da Lei Federal número 7.716/89. Em verdade, elas geram situação que não tem permitido a diminuição de práticas odiosas com motivação étnico-racial, pois criam atmosfera de que não há sanção para esses agires.

Normalmente, a crítica recai sobre os integrantes do sistema de justiça e de segurança. Todavia, é de se reconhecer que os instrumentos que se lhes alcançam não são de boa qualidade.

Numerosas vezes, discute-se, revelando-se frustração, o motivo de certas condutas serem tidas como injúria racial e não como crime de racismo. Ora, ao fazer a crítica, evidencia-se que o crime de racismo seria mais grave aos olhos de todos. Se assim é, não deveriam os dois ter idêntica cominação de pena, ou seja, reclusão de 1 a 3 anos e multa.

De bom alvitre sublinhar que gera-se aparente conflito entre o artigo 20 da Lei 7716/89 e o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal. Em síntese, pode-se dizer que, com esteio em decisões judiciais, que ofensa que se limite à pessoa da vítima, é tida como injúria racial e aquela que atinja um grupo étnico, mesmo que dita a uma pessoa, seria tipificada como racismo. Portanto, no primeiro grupo, enquadram-se as ofensas “macaco” ou negro safado”. Se a ofensa, dirigida a uma pessoa, fosse “aqui não é lugar de negro” ou “é bem coisa de negro”, estar-se-ia diante do segundo grupo.

Na medida em que se torna mais relevante o xingamento dito e não a intenção do agente, permite-se subjetividade geradora de insatisfação e de sensação de impunidade, pois, em não raras vezes, faz-se incidir a norma extraível do Código Penal. Com isso, não se estaria na presença de crime inafiançável e imprescritível, mas sim de crime que permite a fiança e que prescreve, em tese, em oito anos. Acrescente-se que há estudos técnicos que dão conta de que as absolvições superam o patamar de 69% (Relatório Anual das desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010 – LAESER).

Em verdade, o ânimo de injuriar não se coaduna com o da prática de racismo por meio de expressões racistas. Em verdade, na medida que se utiliza expressão de cunho racista, não se está diante de injúria. Está-se diante de atitude mais grave consoante o texto constitucional do que o ataque à honra, impondo resposta mais severa. Em outros termos, quem chama outro ser humano de “macaco”, “carvão”, “negro safado” ou negro sujo”, não está a injuriar, está a tratar a vítima com desigualdade, pretendo colocá-la em patamar inferior ao seu em decorrência de serem de cores ou de etnias diferentes. O agressor está a regredir no tempo e no estado civilizatório. Nesse teatro, o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal está em dessintonia com a Carta Magna, é gerador de conflito aparente e, desnecessário, conduz à sensação de impunidade, que é maximizadora de problemas. Além disso, apesar de a reprovabilidade ser maior no caso em comento, utilizam-se práticas jurídicas atinentes à injúria comum como a retorsão e a injusta provocação da vítima.

A solução para condutas que tenham como móvel o racismo, isto é, que tenham como intenção criar desvantagem, gerar ou ampliar desigualdade, negar oportunidade, impedir ou dificultar o exercício de direito ou o cumprimento de dever em decorrência da cor ou da etnia da vítima está na radical reforma da lei 7.716/89 ou na inclusão dos novos tipos que nela constariam no corpo do Código Penal. Aliás, é de se ter atenção às lições dos estudos sobre discriminação indireta, pois, talvez sejam mais frequentes e mais dificilmente enfrentadas numa pátria que ainda vive sob o mito da “democracia racial”.

Sem desdouro aos esforços empreendidos na confecção e na articulação para aprovação da Lei 7.716/89, é forçoso mencionar atecnicidades, à guisa de exemplo, que devem ser afastadas.

Na mencionada lei, referem-se os locais nos quais as condutas deveriam ser tipificadas como crime de racismo. Tal proceder é desnecessário e gerador de omissões graves. E se, por exemplo, um médico negasse atendimento à pessoa enferma por questão racial? A norma de qual artigo incidiria nesse caso, pois não há referência expressa a hospital na lei? Se se dissesse que, aplicar-se-ia a norma extraível do artigo 20, exsurgiria uma pergunta: tendo o direito à vida e à saúde status diferenciado, pode o inacesso a salão de cabeleireiro ter a mesma cominação de pena? A inadequada referência aos locais de cometimento de racismo só serve para criação de discussões periféricas em princípio e hábeis a levar à absolvição no final.

O artigo 20 dá a impressão de que os artigos que o antecedem não preveem atos que configurariam prática de racismo, necessitando de sua existência. Aliás, o verbo empregado “praticar” é impreciso, merecendo alteração. No que tange à pena, além de ela ser idêntica para o caso de ofensa a uma pessoa ou a um grupo étnico, perceba-se que se Presidente de entidade que reúna empresários e empresas disser, “incitando-os”, que não devem ser contratadas pessoas de determinada etnia, em tese, teria pena menor do que aquele que, no fundo de seu quintal, resolvesse manufaturar suásticas.

Em verdade, a pena mínima não poderia ser inferior a dois anos com o fim de se evitar a possibilidade corriqueira da suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95. Já a pena máxima deveria ser de 5 anos, evitando-se a possibilidade de fiança. Poderia ocorrer, com esteio no princípio da presunção de inocência, o alcance da liberdade provisória, mas, ao menos, quando da constatação da ocorrência delituosa, haveria plena e pronta resposta do sistema de segurança.

Seja na alterada lei de combate ao racismo ou no Código Penal, mister que se preveja que a retorsão ou o fato de a ofensa ter ocorrido durante ou após discussão, não gerarão afastamento da punibilidade. Ora, é justamente nessas ocasiões que aflora o preconceito, convertendo-se em ação danosa concreta.

Importante destacar que disposição que visa ao combate ao racismo não pode ser prevista apenas levando em conta que a maior parte das vítimas é negra no país, sob pena de se gerar antinomias. Por esse motivo, havendo praticantes de religiões de matriz africana que não são negros, não se deveria inserir a questão da religião no que ora se discute, mas em ambiente próprio, pois também há preconceito religioso a ser frontalmente combatido em nossa Pátria.

Em síntese, as sugestões que se apresenta são a) a revogação parcial do parágrafo terceiro do artigo 140 do CP, excluindo o que diga respeito ao que se denomina de injúria racial; b) a reforma da lei 7.716, restringindo-a a questões atinentes à cor e à etnia, reduzindo-se os tipos penais e se os redigindo de maneira que tenham como conteúdo a intenção de criar desvantagem, de gerar ou de ampliar desigualdade, de negar oportunidade, de impedir ou de dificultar o exercício de direito ou o cumprimento de dever em decorrência da cor ou da etnia da vítima ou, ainda, a revogação da lei 7.716/89, criando-se disposições novas no Código Penal; c) previsão expressa de que, em caso de racismo, em qualquer de suas formas, não caberia o perdão judicial com esteio na ocorrência de retorsão, de embate ou de provocação da vítima; d) cominação de pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa e previsão de cláusula de aumento de pena se o crime atentar contra grupo étnico.

A interpretação concernente ao texto sugerido, por óbvio, advirá das decisões judiciais, da realidade a ser examinada, da experiência do intérprete e dos fatos relativos a cada caso. Todavia, impõe anotar que se adotou linha que se entende pertinente ao que mais ocorre no momento e que, na visão do subscritor, merece ser tipificado criminalmente.

Sublinha-se que há fatos, infelizmente repetidos na vida diária, que podem, ainda, ser combatidos por intermédio de ações civis, em especial ações civis públicas com a destinação de valores para ações concretas de combate ao racismo, bem como por ações criminais com esteio na legislação vigente(como a lei federal 9.455/97) ou, ainda, de forma preventiva, com a aguardada regulamentação do estatuto da igualdade racial (v.g., prevenção à violência policial, diminuição das desigualdades no campo da saúde, da pesquisa, do mercado de trabalho e da educação) e com a implantação do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

No que tange ao aspecto religioso, na medida em que há praticantes de religião de matriz africana que não são negros, a lei atual gera confusão em determinados casos concretos. Logo, prudente é que ofensas diretamente vinculadas a questões religiosas sejam mantidas como móvel para a aplicação do §3º do artigo 140 do Código Penal ou de artigo que vier a lhe substituir com o mesmo teor. Pode-se, ainda, criar artigo ou lei atinente à intolerância religiosa, abordando-se a questão mencionada.

Por se fazer menção ao impedimento ou à dificuldade de exercício de direito juridicamente tutelado, compreende-se a salvo direitos como à saúde, à educação, ao trabalho descente, à cultura, à ascensão socioeconômica, à liberdade de culto e de religião, à livre locomoção, ao acesso aos cargos públicos, sendo despiciendo citar esses ou outros de natureza diversa. Quando se aborda a criação de desvantagem, a geração ou a ampliação de desigualdade, visa-se ao ataque à discriminação indireta, não se inviabilizando a efetivação de ações afirmativas no presente ou no futuro, o que é óbvio pelo contexto constitucional e infraconstitucional pátrio. E quando, quando se estampa a vedação à negativa de oportunidade, abarca-se ataque ao inacesso a possibilidades no mercado e a processos seletivos privados, bem como a vedação de escolhas pessoais serem pautadas por critérios menos nobres.

Entendendo-se que são mais reprováveis os atos promovidos por agente público ou por agente político, nas redes sociais ou nos meios de comunicação, com o intuito de atingir um número maior de pessoas, deveria se prever pena maior nessas hipóteses. Mais graves também são as discriminações que se expressam por meio de violência ou de grave ameaça ou que se configuram em orquestração para não permitir o exercício de direitos ou para negar oportunidade. Nesse teatro, se pessoa não contrata outra pessoa por ser ela negra, a situação é uma. Todavia, se gestor de agência de empregos nega-se a encaminhar negros para contratação, a situação afigura-se bem mais grave.

Crendo que está assazmente demonstrado como a legislação penal atual não cumpre o dever de proteção, aduz-se sugestão de texto legal:

       Crime de racismo

Art. Impedir ou dificultar o exercício de direito, criar desvantagem, gerar ou ampliar desigualdade, negar oportunidade ou ofender em decorrência da cor ou da etnia da vítima.

Pena – reclusão, de 2 a 5 anos e multa

§1º Aumenta-se em um terço a pena nas seguintes situações:

I- quando a prática atentar contra determinado grupo de pessoas ou contra determinada etnia em toda a sua extensão;

II- quando o crime for cometido por meio ou em local que gere maior conhecimento sobre a sua ocorrência;

III- quando o criminoso for agente político ou agente público, ou, ainda, quando o crime for levado a efeito em relações de trabalho.

§2º Aumenta-se a metade da pena:

I – quando a discriminação for efetuada mediante violência ou grave ameaça;

II – quando houver associação para a prática de racismo em qualquer das suas formas.

§3º Incide nas mesmas penas quem pratica incitação ou apologia referente ao crime ou ao criminoso.

§4º Não gerarão extinção da punibilidade a ocorrência de retorsão e o fato de o crime ter sido praticado durante discussão ou por provocação da vítima.

§5º A ação penal será pública incondicionada em qualquer hipótese.

A educação racialmente inclusiva talvez seja o caminho mais eficaz para ensejar as transformações faltantes na sociedade. Ela, potencialmente, pode ampliar nossos níveis de coesão social e civilizatórios com base no conhecimento das raízes dos povos formadores do povo brasileiro e do afastamento de uma cultura eurocêntrica e refratária à diversidade.

Esse entendimento já chegou aos profissionais e militantes do campo da educação, como também chegaram as desvantagens no sistema atual que são impostas aos negros e indígenas. Tanto é assim que foi alterada, em 2.003, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos termos da Lei Federal número 10.639/2003 (criando-se o artigo 26-A), posteriormente alterada pela Lei Federal número 11.645/2008.

Desta forma está entabulado no dispositivo legal referido acima:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.        (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.           (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.         (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).”

Cumprida a lei, a escola seria local de construção de outras relações, permitindo-se um melhor desempenho dos alunos, bem como uma diminuição da evasão escolar. Aliás, ao saber mais sobre sua história e sobre sua cultura, negros e indígenas teriam efetiva e ampla integração e os não negros ou indígenas veriam esses outros grupos a partir do conhecimento, ou seja, do conceito e não do preconceito.

Lamentável é constatar que as gestões dos entes federativos não direcionam atenção à possibilidade de com um determinado meio atingir satisfatoriamente mais de um fim. Diverso fosse o processo decisório e de compreensão, realizando análise intertemporal das questões e das soluções possíveis, bem como avaliações de impacto das políticas públicas, poderiam já ter implementado o comando que se extrai da lei.

Esses entes também não demonstram foco na qualidade do gasto público com o fito de atingimento de resultados concretos positivos. Portanto, ao agir no campo da educação de maneira dissociada dos interesses, dos direitos e das necessidades de grupos étnicos que superam a metade de seu contingente populacional, bem como de interesses, de direitos e de necessidades de toda a sociedade, em especial das crianças e dos adolescentes, o Brasil escancara carecer melhor trato da eficiência, da sustentabilidade e da eficácia.

O preconceito e a discriminação racial impedem que potenciais sejam de forma plena explorados individual e coletivamente. Dessa arte, é de interesse das sociedades, sobretudo as dos países em desenvolvimento, combater essas chagas ferrenhamente, já que uma sociedade harmônica, indubitavelmente, tem maior chance de atingir o desenvolvimento e que uma sociedade violadora acaba por desperdiçar talentos. Importa anotar que o ser humano não se limita a objetivos ou a ganhos economicamente mensuráveis, abarcando sentimentos e expectativas coletivas e individuais ligadas à solidariedade, à compaixão e à autoestima. Logo, a persistência do racismo e das desigualdades que produz são nocivas para o indivíduo discriminado, para o não discriminado e para o corpo social.

O racismo pode ser combatido por meio de processos educacionais, por meio de ações afirmativas, por meio da aplicação de sanções, por meio de atos civilizados e civilizatórios vinculados aos exemplos pessoais ou institucionais, bem como pela constituição de estruturas voltadas ao trato dessa questão.

É perceptível que, em solo pátrio, não estamos sendo eficazes no combate ao racismo, pois ele ainda é bem presente e, em certos momentos, afigura-se revigorado. Também não temos sido eficientes porque não utilizamos de forma sistêmica todos os meios dos quais dispomos.

A educação seria o remédio mais forte no combate ao racismo institucional. De bom alvitre destacar que se toma o racismo institucional como o desinteresse ou a desatenção com questão ou com necessidade que interessa a determinado grupo étnico, levando à ocorrência e à permanência da discriminação. Parte-se, por conseguinte, da superação da intencionalidade, tendo-se, como bem ensina RIOS (2.008), como a gênese da discriminação a dinâmica social, o ambiente institucional e as organizações nas quais os indivíduos vivem. Sob essa ótica, o exame do preconceito e da discriminação racial não se calca no sentir e no agir individual, sobretudo em uma sociedade que não se admite racista e que ainda sustenta conformar uma democracia racial, mas nos padrões de conduta, nos posicionamentos e nas composições institucionais e nos resultados práticos para o grupo lesado.

O racismo institucional é inimigo de mais difícil identificação, que necessita de assunção de compromissos institucionais e de afastamento de supostas e danosas neutralidades que são estigmatizadoras e impeditivas do avanço civilizatório.

Desconsiderando o caráter transformador da norma, pois ela visa à formação de uma sociedade baseada no conhecimento e não no preconceito, reafirma-se, ultrapassando a questão educacional e configurando meio de prevenção e de combate às práticas racistas no corpo social, os Estados-membros e os Municípios não deram efetividade sistemática ao que determina a lei. A União, por sua vez, permite, ao não promover a alteração dos currículos das graduações, que profissionais saiam das Universidades sem o conhecimento necessário para ministrar disciplinas de forma adequada ao que determina a LDBEN. Falha, por conseguinte, do ponto de vista educacional, político e econômico, sobretudo porque, além disso, acaba repassando recursos com bem menor possibilidade de êxito, para que os já professores individualmente ou os demais entes federados em períodos de tempo inferiores ao da graduação, compareçam ou promovam eventos e cursos.

Vê-se aí um importante meio de combate ao racismo, a educação, utilizado de forma ineficiente e gerando efeitos inferiores aos quais legitimamente se poderia esperar.

 Se não bastasse o descumprimento da lei por parte dos gestores da educação, conta a sociedade com a falta de fiscalização por parte da quase totalidade dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos e Defensorias.

 Justo é anotar que o Tribunal de Contas gaúcho e a Defensoria-Pública da União, no Rio Grande do Sul, desde 2012, integram grupo de trabalho que fiscaliza a implementação dessa política pública por parte dos Municípios do Estado. Essa iniciativa, que gerou a criação de uma metodologia de fiscalização específica, é única no país, o que torna seus resultados elogiáveis, mas pequenos diante do desafio enfrentado.

4. Conclusão:

No Brasil, os negros e negras não tem seus direitos fundamentais efetivamente protegidos em campos extremamente relevantes. Tal afirmação está sustentada nos dados pertinentes às questões eleitas acima. A razão dessa proteção deficiente ou insuficiente deita raiz no longo período de escravização seguido da adoção de políticas públicas de baixa eficiência e de insatisfatória eficácia.

Nesse cenário, não é crível que possam ser atingidos os Objetivos Republicanos, tampouco os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as metas da Década Internacional dos Afrodescendentes.

No campo das ciências, em especial, no Direito, é inafastável agregar cortes raciais nos estudos, nas pesquisas e nas análises sobretudo nas que digam respeito ao desenvolvimento, à igualdade, à tomada de decisão, à justiça, às políticas públicas e a questões econômicas.

No campo político e no da gestão, é inarredável a alteração dos processos e dos critérios decisórios, conferindo-se a ações plenamente planejadas uma maior possibilidade de êxito, ou seja, eficiência e eficácia devem ser agregadas. Mister que sejam bem definidos os fins a serem atingidos, bem como os meios de se lhes dar concretude. No caso concreto, a eficiência das políticas ligadas à igualdade racial estará diretamente vinculada ao afastamento de simbologias e ao agregar de preocupação com o atingimento de resultados e de impactos positivos concretos.

Nesse teatro, a educação racialmente inclusiva, em decorrência das transformações que pode ensejar em negros e em não negros é o instrumento a ser amplamente utilizado, pois representa a possibilidade da construção de uma sociedade baseada no conceito, ou seja, no conhecimento e não no preconceito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Nações Unidas – agenda 2030, https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ (acesso em 28/07/2017).

Organização das Nações Unidas estabeleceu, em 2.015, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ (acesso em 28/07/2017).

Resolução número 68/237, Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, https://nacoesunidas.org/img/2014/10/N1362881_pt-br.pdf (acesso em 28/07/2017).

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed., rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2006.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 1ª edição brasileira. Editora Revista dos Tribunais, 2008. 2ª Edição portuguesa. Coimbra Editora, 2008.

SANTOS, Lucimar Felisberto. Os bastidores da Lei: as estratégias escravas e o Fundos de Emancipação (http://www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a02.pdf – acessado em 28/06/2017).

PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, Martins Fontes, 2.005.

RIOS, Roger Raupp – Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas, Livraria do Advogado Editora, 2008).

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria geral dos Direitos Fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª edição. Livraria do Advogado Editora, 2011.

FREITAS, JUAREZ. – Responsabilidade objetiva do Estado, proporcionalidade e precaução” in: Direito e Justiça. Revista da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, vol. 31, 2006.

RIBAS, Antonio Joaquim, Direito Administrativo Brasileiro, Ministério da Justiça, 1.968.

Relatório Anual das desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010 – LAESER

Perfil, social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, Instituto Ethos, 2016, São Paulo.

Lei número 3.270, de 28 de Setembro de 1.885, Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe (http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66550 – acessado em 28/06/2.017)

Tábua de vida 2001 – IBGE (http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/evolucao_da_mortalidade_2001.shtm – acessado em 28/06/2017)

Atlas da Violência 2017 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

A inserção dos negros no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre em 2015 (http://www.fgtas.rs.gov.br/upload/arquivos/201611/17142558-ped-negros-2016.pdf – acessado em 28/06/2017).

Cumprimento do artigo 26-A da LDB nas escolas municipais do RS (https://portal.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/noticias_internet/textos_diversos_pente_fino/Relatrio_Art._26_-_A.pdf – acessado em 28/06/2017).

Estatuto da Igualdade Racial – Lei número 12.288/2.010 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm – acessado em 28/06/2017).

“Lei do Ventre Livre” – Lei número 2.040 de 28 de Setembro de 1.871 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM2040.htm – acessado em 28/06/2017).

Lei nº 10.639/2003: (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm – acessado em 28/06/2017).


[1]              Resolução número 68/237, Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, https://nacoesunidas.org/img/2014/10/N1362881_pt-br.pdf (acesso em 28/07/2017).

[2]              https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ (acesso em 28/07/2017).

[3]              https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ (acesso em 28/07/2017)

[4]        Atlas da Violência 2017 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

[5]              SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria geral dos Direitos Fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª edição. Porto Alegre/RS. Livraria do Advogado Editora, 2011. p.         

[6]              Ibid., p. .

[7]              CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 1ª edição brasileira. São Paulo – SP. Editora Revista dos Tribunais, 2008. 2ª Edição portuguesa. Coimbra – Portugal. Coimbra Editora, 2008. p. 75.

[8]                     SARLET, op. cit., p. 399

[9]                     PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, Martins Fontes, 2.005, p. 9.

[10]                   PERELMAN, op. cit., p. 10

[11]                   Ibid., p. 11.

[12]                   PERELMAN, op. cit., p. 12

[13]                   RIBAS, Antonio Joaquim, Direito Administrativo Brasileiro, Ministério da Justiça, 1.968, p. 223.

[14]                   SANTOS, Lucimar Felisberto, Os bastidores da Lei: as estratégias escravas e o Fundos de Emancipação      http://www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a02.pdf

[15]                   Tábua de vida 2001 – IBGEhttp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/evolucao_da_mortalidade_2001.shtm

[16]                   http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66550

[17]                   Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Imperio desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. § 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mãis, os quaes terão obrigação de crial-os e tratal-os até a idade de oito annos completos.  Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãi terá opção, ou de receber do Estado a indemnização de 600$000, ou de utilisar-se dos serviços do menor até a idade de 21 annos completos.  No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.  A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de renda com o juro annual de 6%, os quaes se considerarão extinctos no fim de 30 annos.  A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias, a contar daquelle em que o menor chegar à idade de oito annos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.

[18]           Perfil, social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, Instituto Ethos, 2016, São Paulo.

fonte: REVISTA DA AGU, VOLUME 18, N. 02, ABR./JUN., 2019

https://www.academia.edu/39735032/A_POPULA%C3%87%C3%83O_NEGRA_BRASILEIRA_E_A_PROTE%C3%87%C3%83O_DEFICIENTE_DE_DIREITOS_FUNDAMENTAIS_THE_BRAZILIAN_BLACK_POPULATION_AND_THE_DEFICIENT_PROTECTION_OF_FUNDAMENTAL_RIGHTS

25 de abril de 2020

Evidências

Já é consenso que as políticas públicas devem ser concebidas e implementadas com base em evidências, ou seja, com base em dados decorrentes de observação ou de experimentação são identificados os grandes problemas e definidas as soluções.

Em razão disso, soou atécnica a discussão que se pretendeu estabelecer entre implementar ou não o distanciamento social no Brasil. Aliás, chegou-se ao ponto de se tornar antagônicas a preocupação com a preservação das vidas ante uma doença contagiosa e a preocupação com a manutenção de atividades econômicas. O fato é que há uma escala de valores e no topo dela está a vida, sendo que o direito à vida é plenamente exercido se há saúde e condições econômicas ao menos razoáveis.

A crise decorrente da pandemia de covid-19 permite numerosas abordagens e uma delas diz com a questão racial, pois se pode apontar para a evidenciada diferença da situação de brancos e de negros no Brasil e nos Estados Unidos, bem como para a insuficiência da cobertura jornalística concernente ao desenvolvimento da pandemia no continente africano.

Essa linha de pensamento pode ser adotada para se analisar as políticas públicas brasileiras de caráter universal com impacto na questão racial e as políticas públicas de caráter racial propriamente ditas. Se dados é que devem nortear as tomadas de decisão como pode o grande número de mortes de jovens por arma de fogo não ter enfrentamento efetivo? Se as pessoas negras, em especial as mulheres, recebem menos, têm piores condições de trabalho e maior desempregabilidade, como os governos estaduais e o federal nunca atuaram e não atuam no campo da iniciativa privada? Se há lei de cunho educacional que determina que sejam ensinadas as culturas negra e indígena nas escolas públicas e privadas e esses grupos raciais somados correspondente a maior parte da população, como Estados, Municípios e União descumprem a regra estabelecida.

A questão é que o racismo influencia a tomada de decisão e a ocupação dos espaços decisórios. Dessa feita, os problemas que interessam às comunidades negra e indígena, em uma cultura eurocêntrica, não são tidos como problemas nacionais e não ingressam na agenda nacional. Em outros termos, quando o problema diz respeito exclusiva ou principalmente a esses segmentos, não importa o que indicam as evidências.

Jorge Terra.

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS.

16 de março de 2019

PROPOSTA REFERENTE AOS CRIMES DE MOTIVAÇÃO RACIAL OU RELIGIOSA

Filed under: Uncategorized — jorgeterra @ 4:08
Tags: , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

PROPOSTA REFERENTE AOS CRIMES COM MOTIVAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E RELIGIOSA

PROPONENTE: JORGE LUÍS TERRA DA SILVA

SITUAÇÃO ATUAL:

Código Penal e Lei nº 7.716/89

Código Penal:

“Injúria

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena – reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)”

Lei n. 7.716/89:

“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Art. 2º (Vetado).

Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

§ 1o  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica: (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

I – deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

II – impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

III – proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

§ 2o Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabelereiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Art. 15. (Vetado).

Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.

Art. 17. (Vetado).

Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Art. 19. (Vetado).

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;

II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

III – a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Renumerado pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990)

Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário. (Renumerado pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990)

CRÍTICA E OBJETIVOS:

A Sociedade brasileira, por seus representantes, elegeu o combate ao racismo como uma meta a ser perseguida, sobretudo porque são objetivos republicanos a erradicação da pobreza, a redução efetiva das desigualdades e a promoção do bem de todos sem preconceitos relativos à origem, à cor e à etnia. Nessa senda, estampou-se na Lei Maior o repúdio ao racismo e a qualificação dele como crime imprescritível e inafiançável.

Sabe-se que ao Estado moderno não cabe apenas impedir a violação de direitos, cabendo-lhe promovê-los e criar ambiente propício para que pessoas e entidades públicas e privadas também os promovam. Nesse cenário, é que devem ser compreendidos os crimes raciais, sublinhando-se que, tecnicamente, a consideração de condutas como criminosas é a última alternativa.

Dessa arte, tem-se que são insuficientes, nos planos prático e jurídico, à luz da Constituição Federal, as disposições do parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal e da Lei Federal número 7.716/89. Em verdade, elas geram situação que não tem permitido a diminuição de práticas odiosas com motivação étnico-racial, pois criam atmosfera de que não há sanção para esses agires.

Normalmente, a crítica recai sobre os integrantes do sistema de justiça e de segurança. Todavia, é de se reconhecer que os instrumentos que se lhes alcançam não são de boa qualidade. Alterada essa situação, poder-se-lhes-ão exigir, com rigor, outros posicionamentos.

Numerosas vezes, discute-se, revelando-se frustração, o motivo de certas condutas serem tidas como injúria racial e não como crime de racismo. Ora, ao fazer a crítica, evidencia-se que o crime de racismo seria mais grave aos olhos de todos. Se assim é, não deveriam os dois ter idêntica cominação de pena, ou seja, reclusão de 1 a 3 anos e multa.

De bom alvitre sublinhar que gera-se aparente conflito entre o artigo 20 da Lei 7716/89 e o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal. Em síntese, pode-se dizer que, com esteio em decisões judiciais, que ofensa que se limite à pessoa da vítima, é tida como injúria racial e aquela que atinja um grupo étnico, mesmo que dita a uma pessoa, seria tipificada como racismo. Portanto, no primeiro grupo, enquadram-se as ofensas “macaco” ou negro safado”. Se a ofensa, dirigida à uma pessoa, fosse “aqui não é lugar de negro” ou “é bem coisa de negro”, estar-se-ia diante do segundo grupo.

Na medida em que se torna mais relevante o xingamento dito e não a intenção do agente, permite-se subjetividade geradora de insatisfação e de sensação de impunidade, pois, em não raras vezes, faz-se incidir a norma extraível do Código Penal. Com isso, não se estaria na presença de crime inafiançável e imprescritível, mas sim de crime que permite a fiança e que prescreve, em tese, em oito anos. Acrescente-se que há estudos técnicos que dão conta de as absolvições superarem as condenações (Relatório Anual das desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010 – LAESER).

Entende-se que o ânimo de provocar injúria não se coaduna com o da prática de racismo por meio de expressões racistas. Portanto, na medida que se utiliza expressão de cunho racista, não se está diante de injúria. Está-se diante de atitude mais grave consoante o texto constitucional, impondo resposta mais severa. Em outros termos, quem chama outro ser humano de “macaco”, “carvão”, “negro safado” ou negro sujo”, não está a injuriar, está a tratar a vítima com desigualdade, pretendo colocá-la em patamar inferior ao seu em decorrência de serem de cores ou etnias diferentes. O agressor está a regredir no tempo e no estado civilizatório.

Calha aqui, trecho de obra premiada e aprovada pela Resolução Imperial de 9 de Fevereiro de 1861 para uso nas aulas das Faculdades do Direito de Recife e de São Paulo, reeditado em 1968 pelo Ministério da Justiça, da lavra do Conselheiro Ribas:

“O rápido esbôço que acabamos de fazer assaz manifesta que longe estamos dos tempos em que o escravo era equiparado às cousas e sujeito ao pleno alvedrio de seu proprietário. Conquanto, porém, a legislação tenha extingüido muitas das antigas origens donde emana a escravidão e mitigado a sorte dos escravos, muito ainda lhe resta fazer nesse sentido, sem atacar de frente a instituição; entre as providências desta ordem ocupa o primeiro lugar a que deve ter por fim resguardar-lhes as relações e os direitos de família”.  (Direito Administrativo Brasileiro, Antonio Joaquim Ribas, 1.866, págs. 231/2).

Nesse teatro, entende-se que é de se revogar parcialmente o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal, pois ele está em dessintonia com a Carta Magna, é gerador de conflito aparente e desnecessário que conduz à sensação de impunidade, que é maximizadora de problemas. Além disso, apesar de a reprovabilidade ser maior, utilizam-se práticas jurídicas atinentes à injúria comum. Aqui cabe reproduzir trecho de obra doutrinária(  Pedroso, Fernando de Almeida – Direito Penal, parte especial, v. 2: doutrina e jurisprudência – São Paulo: Método, 2008, p.401):

“Estampou ainda a lei penal a possibilidade de aplicação do perdão judicial, benesse reservada exclusivamente ao delito de injúria(artigo 140, par. primeiro). Trata-se de causa extintiva da punibilidade(art. 107, n. IX, CP) cuja sentença concessiva não guarda natureza absolutória ou condenatória, mas meramente declaratória ou inculpatória,de sorte que não gera os efeitos secundários de uma condenação(v. n.57). Previu a norma penal o perdão judicial e fixou sua incidência, em relação à injúria, para duas situações: provocação da vítima e retorsão imediata”.

A solução para condutas que tenham como móvel o racismo, isto é, que tenham como intenção criar desvantagem, gerar ou ampliar desigualdade, negar oportunidade, impedir ou dificultar o exercício de direito ou o cumprimento de dever em decorrência da cor ou da etnia da vítima está na radical reforma da lei 7.716/89 ou na inclusão dos novos tipos que nela constariam no corpo do Código Penal. Aliás, é de se ter atenção às lições do Juiz Federal Roger Raupp Rios sobre discriminação indireta, pois, talvez sejam mais frequentes e mais dificilmente enfrentadas numa pátria que ainda vive sob o mito da “democracia racial”(RIOS, Roger Raupp – Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas, Livraria do Advogado Editora, 2008).

Sem desdouro aos esforços empreendidos na confecção e na articulação para aprovação da Lei 7.716/89, é forçoso mencionar atecnicidades, à guisa de exemplo, que devem ser afastadas.

Na mencionada lei, referem-se os locais nos quais as condutas deveriam ser tipificadas como crime de racismo. Tal proceder é desnecessário e gerador de omissões graves. O Procurador de Justiça e Professor Gilberto Thums refere exemplo definitivo: se um médico negasse atendimento à pessoa enferma por questão racial, a norma de qual artigo incidiria nesse caso, pois não há referência expressa a hospital na lei? Se se dissesse que, aplicar-se-ia a norma extraível do artigo 20, exsurgiria uma pergunta: tendo o direito à vida e à saúde status diferenciado, pode o inacesso a salão de cabelereiro ter a mesma cominação de pena restritiva de direito?”. Perceba-se, por conseguinte, que a inadequada referência aos locais de cometimento de racismo só serve para criação de discussões periféricas em princípio e hábeis a levar à absolvição no final.

O artigo 20 dá a impressão de que os artigos que o antecedem não preveem atos que configurariam prática de racismo, necessitando de sua existência. Aliás, o verbo empregado “praticar” é impreciso, merecendo alteração. No que tange à pena, além de ela ser idêntica para o caso de ofensa a uma pessoa ou a um grupo étnico, perceba-se que se Presidente de entidade que reúna empresários e empresas disser, “incitando-os”, que não devem ser contratadas pessoas de determinada etnia, em tese, teria pena menor do que aquele que, no fundo de seu quintal, resolvesse manufaturar suásticas.

O fato é que a pena mínima não poderá ser inferior a dois anos com o fim de se evitar a possibilidade corriqueira da suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei 9.099. Já a pena máxima deveria ser de 5 anos, evitando-se a possibilidade de fiança. Em verdade, poderá ocorrer, com esteio no princípio da presunção de inocência, o alcance da liberdade provisória, mas, ao menos, quando da constatação da ocorrência delituosa, haveria plena e pronta resposta do sistema de segurança. E, sabemos todos, é nesse momento que os criminosos percebem o erro que cometeram.

Seja na alterada lei de combate ao racismo ou no Código Penal, mister que se preveja que a retorsão ou o fato de a ofensa ter ocorrido durante ou após discussão, não gerarão afastamento da punibilidade. Ora, como bem aponta o Desembargador Francesco Conti, é justamente nessas ocasiões que aflora o preconceito, convertendo-se em ação danosa concreta.

Importante destacar que disposição que visa ao combate ao racismo não pode ser prevista apenas levando em conta que a maior parte das vítimas é negra no país, sob pena de se gerar antinomias. Por esse motivo, havendo praticantes de religiões de matriz africana que não são negros, não se deveria inserir a questão da religião no que ora se discute, mas em ambiente próprio, pois também há preconceito religioso a ser frontalmente combatido em nossa Pátria.

Em síntese, as sugestões que se apresenta são a) a revogação parcial do parágrafo terceiro do artigo 140 do CP, excluindo o que diga respeito ao que se denomina de injúria racial; b) a reforma da lei 7.716, restringindo-a a questões atinentes à cor e à etnia, reduzindo-se os tipos penais e se os redigindo de maneira que tenham como conteúdo a intenção de criar desvantagem, de gerar ou de ampliar desigualdade, de negar oportunidade, de impedir ou de dificultar o exercício de direito ou o cumprimento de dever em decorrência da cor ou da etnia da vítima ou, ainda, a revogação da lei 7.716/89, criando-se disposições nos novas no Código Penal; c) previsão expressa de que, em caso de racismo, em qualquer de suas formas, não cabe o perdão judicial com esteio na ocorrência de retorsão, de embate ou de provocação da vítima; d) cominação de pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa e previsão de cláusula de aumento de pena se o crime atentar contra grupo étnico.

As mudanças que se sugere e outras devem ser analisadas também em audiências públicas promovidas pelo país com a presença de Advogados, Defensores Públicos, Promotores, Juízes e a Sociedade Civil organizada. Nessa ocasião, dever-se-á disseminar o conteúdo do artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública, alterada pelo Estatuto da Igualdade Racial, no qual se prevê o recolhimento de indenização para um fundo ou conta remunerada quando houver condenação pela prática de publicidade racista.

INTERPRETAÇÃO:

A interpretação concernente ao texto sugerido, por óbvio, advirá das decisões judiciais, da realidade a ser examinada, da experiência do intérprete e dos fatos relativos a cada caso. Todavia, impõe anotar que se adotou linha que se entende pertinente ao que mais ocorre no momento e que, na visão do subscritor, merece ser tipificado criminalmente.

Sublinha-se que há fatos, infelizmente repetidos na vida diária, que podem, ainda, ser combatidos por intermédio de ações civis, em especial ações civis públicas com a destinação de valores para ações concretas de combate ao racismo, bem como por ações criminais com esteio na legislação vigente(como a lei federal 9.455/97) ou, ainda, de forma preventiva, com a aguardada regulamentação do estatuto da igualdade racial (v.g., prevenção à violência policial, diminuição das igualdades no campo da saúde, da pesquisa, do mercado de trabalho e da educação) e com a implantação do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Aliás, sustenta-se que o descumprimento do artigo 26-A da LDB enseja e carece da atuação dos Ministérios Públicos de Contas, pois é descumprimento gerador de danos mensuráveis e atribuíveis aos gestores.

Entende-se que quem incita ou faz apologia ao crime ou a criminoso, pela possibilidade de replicabilidade de seu ato, pode ser mais danoso como mencionado na crítica ao texto atual. Todavia, optou-se por equivaler as penas, podendo o caso concreto, o considerar do meio utilizado ou o local da ocorrência, conduzir à modulação adequada. E mais. Aquele que produz, comercializa ou distribui graciosamente artefatos de cunho racista está a incitar a prática do ódio racial, bastando a previsão que se ora apresenta. Nos termos da lei ora em vigor, grande empresário que pregasse a não contratação de negros ou de judeus, em tese, teria pena inferior a quem resolvesse produzir suástica no fundo de seu quintal. Quem geraria maior dano? Há também que se considerar a distinção entre incitar que se discrimine de se incitar que se pratique violência ao se discriminar.

Aliás, como bem ensina o Advogado Gabriel Pithan Daudt, há de se distinguir os atos de ofender, os atos de violar direitos por iniciativa individual e de forma associada e os atos de violar direitos de forma violenta. Com base nesse magistério, ordenou-se a sugestão apresentada, adotando-se a fuga de negativas ou de expressões que possam gerar confusão interpretativa como assevera o Juiz de Direito Gustavo Borsa Antonello.

No que tange ao aspecto religioso, na medida em que há praticantes de religião de matriz africana que não são negros, pode gerar-se confusão em determinados casos concretos se a disposição penal for única, ou seja, se não se separar casos de intolerância religiosa de casos de discriminação por cor ou etnia. Logo, prudente é que ofensas diretamente vinculadas a questões religiosas sejam mantidas como móvel para a aplicação do §3º do artigo 140 do Código Penal ou de artigo que vier a lhe substituir com o mesmo teor. Pode-se, ainda, criar artigo ou lei atinente à intolerância religiosa, abordando-se a questão mencionada.

Adotando-se rigoroso silogismo, ou seja, que não se trata de questão racial típica, não se inseriu referência a questões de procedência nacional ou estrangeira, de deficiência, de idade ou de orientação ou opção sexual

Por se fazer menção ao impedimento ou à dificuldade de exercício de direito juridicamente tutelado, compreendem-se a salvo direitos como à saúde, à educação, ao trabalho descente, à cultura, à ascensão socioeconômica, à liberdade de culto e de religião, à livre locomoção, ao acesso aos cargos públicos, sendo despiciendo citar esses ou outros de natureza diversa. Quando se aborda a criação de desvantagem, a geração ou a ampliação de desigualdade, visa-se ao ataque à discriminação indireta, não se inviabilizando a efetivação de ações afirmativas no presente ou no futuro, o que é óbvio pelo contexto constitucional e infraconstitucional pátrio. E quando, quando se estampa a vedação à negativa de oportunidade, abarca-se ataque ao inacesso a possibilidades desde o campo da formação e da qualificação  até o do mercado de trabalho, perpassando por atividades honoríficas e não remuneradas, bem como a vedação de escolhas pessoais serem pautadas por critérios menos nobres.

Entendendo-se que são mais reprováveis os atos promovidos por agente público ou por agente político[1], nas redes sociais ou nos meios de comunicação, com o intuito de atingir um número maior de pessoas, previu-se pena maior. Mais graves também são as discriminações que se expressam por meio de violência ou de grave ameaça ou que se configuram em orquestração para não permitir o exercício de direitos ou para negar oportunidade. Nesse teatro, se pessoa não contrata outra pessoa por ser ela negra a situação é uma. Todavia se gestor de agência de empregos nega-se a encaminhar negros para contratação a situação é bem mais grave.

Por fim, afastaram-se as hipóteses de perdão judicial atinentes à injúria racial.

SUGESTÃO DE TEXTO LEGAL:

Crime de racismo

Art. Impedir ou dificultar o exercício de direito, criar desvantagem, gerar ou ampliar desigualdade, negar oportunidade ou ofender em decorrência da cor ou da etnia da vítima.

Pena – reclusão, de 2 a 5 anos e multa

§1º Aumenta-se em um terço a pena nas seguintes situações:

I- quando a prática atentar contra determinado grupo de pessoas ou contra determinada raça ou etnia em toda a sua extensão;

II-            quando o crime for cometido por meio ou em local que gere maior conhecimento sobre a sua ocorrência;

III-         quando o criminoso for agente político ou agente público, ou, ainda, quando o crime for levado a efeito em relações de trabalho.

§ Aumenta-se a metade da pena:

I – quando a discriminação for efetuada mediante violência ou grave ameaça;

II – quando houver associação para a prática de racismo em qualquer das suas formas.

§3º Incide nas mesmas penas quem pratica incitação ou apologia referente ao crime ou ao criminoso.

§4º Não gerarão extinção da punibilidade a ocorrência de retorsão e o fato de o crime ter sido praticado durante discussão ou por provocação da vítima.

§5º A ação penal será pública incondicionada em qualquer hipótese.

SITUAÇÃO/ CRÍTICA E OBJETIVOS

No já referido parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal, mesclada com outras questões, exsurge a injúria com motivação religiosa.

Além de haver indevida junção de temas atinentes à sexualidade, à etnia e ao respeito à deficiência e à idade, o tratamento legal não tem impedido ou minimizado a ocorrência de casos ligados ao campo da intolerância religiosa.

Em razão disso, a reforma do Código Penal se apresenta como momento propício para se refletir sobre a eficácia da lei criminal como instrumento profilático-pedagógico e como modo de resguardo de direitos consagrados constitucionalmente de escolha e de prática religiosa.

Tem-se aqui como matriz ideológica a possibilidade de pessoas de religiões diferentes conviverem harmoniosamente em território brasileiro, sendo despiciendo, ao se professar determinada religião, fazer comparações ou manifestações depreciativas às outras.

Os seres humanos estão sempre em busca de novas respostas para questões nem sempre novas e para outras que surgem em uma sociedade tecnológica, célere e de relações por vezes instáveis. Por isso, sem se fechar para novas alternativas, mister que haja certa proteção das religiões que hoje estão consagradas no cenário brasileiro e mundial. De bom alvitre sublinhar que, no cenário mencionado acima, podem surgir seitas ou religiões destituídas de base sólida e que gerem manifestações mais acaloradas.

Nessa senda, ressalvando que religiões podem surgir e se demonstrar aptas ao engrandecimento moral e espiritual dos brasileiros, o propósito da tipificação sugerida é reforçar os tutelados direitos à liberdade de crença e de culto que, hoje, por exemplo, não têm sido plenamente exercidos por alguns praticantes de religiões de matriz africana em numerosos cantos de nossa pátria.

Como mencionado ab initio, faz-se, aqui, distinção clara das questões concernentes às questões étnico-raciais típicas das de cunho religioso.

Obviamente, o tempo trará os temperamentos necessários se o texto ora apresentado se converter em lei. Porém, sublinha-se que se estabeleceu pena e casos nos quais ela deve ser ampliada por refletirem atos que ensejem maior reprovabilidade social: a utilização de meios de comunicação ou as redes sociais ou a prática em cultos ou em locais de grande concentração de pessoas; a prática por pessoa que tenha ascendência sobre outras, promovendo a replicabilidade da discriminação e a disseminação de preconceitos e de estereótipos.

SUGESTÃO DE TEXTO LEGAL

Crime de discriminação religiosa

Art. Impedir ou prejudicar o exercício da liberdade de crença e de culto, ofender os praticantes, estimular o preconceito ou incitar a discriminação de religião legal e socialmente aceita.

Pena de reclusão de 2 a 4 anos.

Parágrafo Único Aumenta-se em um terço a pena:

I- se o crime for praticado por meio ou em local que gere maior conhecimento de sua ocorrência;

II- se o crime for praticado mediante violência ou grave ameaça;

III- se o agente for sacerdote ou exercer qualquer outra função de comando em religião diferente da professada pela vítima, for agente político ou agente público.

FOTO: CRÉDITOS: José Cruz/Agência Senado

JORGE LUÍS TERRA DA SILVA

OAB/RS N. 36.181.

[1] O agente político é aquele detentor de cargo eletivo, eleito por mandatos transitórios, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder Legislativo, além de cargos de Diplomatas, Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação, os quais não se sujeitam ao processo administrativo disciplinar.

O agente público é todo aquele que presta qualquer tipo de serviço ao Estado, funções públicas, no sentido mais amplo possível dessa expressão, significando qualquer atividade pública. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8429/92) conceitua agente público como “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. Trata-se, pois, de um gênero do qual são espécies o servidor público, o empregado público, o terceirizado e o contratado por tempo determinado.(Fonte: Controladoria-Geral da União – http://www.cgu.gov.br/AreaCorreicao/PerguntasFrequentes/Agentes_Publicos_Politicos.asp)

23 de fevereiro de 2019

O impacto do racismo na saúde mental da população negra

Camilo Rocha 26 Jan 2019 (atualizado 27/Jan 14h54)

Pesquisa aponta aumento de suicídios entre jovens negros. Para especialistas ouvidos pelo ‘Nexo’, a relação entre preconceito e saúde mental não é tratada com a atenção que merece.

A cada dez jovens que se suicidam no Brasil, seis são negros. O dado, de 2016, está em um levantamento do Ministério da Saúde e da UnB (Universidade de Brasília), divulgado no início de 2019. Entre 2012 e 2016, a taxa de pessoas brancas entre 10 e 29 anos que tirou a própria vida permaneceu a mesma. Já entre jovens e adolescentes negros ela subiu, de 4,88 mortes para cada 100 mil, em 2012, para 5,88, quatro anos depois. “Um dos grupos vulneráveis mais afetados pelo suicídio são os jovens e sobretudo os jovens negros, devido principalmente ao preconceito e à discriminação racial e ao racismo institucional”, afirma o estudo, baseado no Sistema de Informação sobre Mortalidade. No Brasil, como nos Estados Unidos, há um movimento crescente que reivindica o reconhecimento do preconceito e da discriminação racial como importantes causadores de problemas psíquicos. Trabalhos acadêmicos e profissionais da psicologia listam consequências como depressão, estresse e baixa autoestima entre os problemas sofridos por quem é vítima constante não só da agressão racista aberta, mas de uma estrutura social e cultural em que o negro frequentemente aparece inferiorizado e humilhado. “Nas ações, vou começar a reivindicar o ideal de ego branco para mim, então eu preciso ter uma companheira branca para dizer que eu ascendi socialmente. Vou me vestir de uma forma e fazer transformações físicas para não ser confundido com essas pessoas negras.” Valter da Mata Psicólogo Em um trabalho de 2011, os psicólogos André Faro e Marcos Emanoel Pereira apresentam a desigualdade entre brancos e negros como “um poderoso fator na causação de iniquidades em saúde, o que fomenta disparidades em relação à prevalência de estresse”. Os números deixam evidente a desigualdade entre raças no país. Veja o que diz a pesquisa Pnad Continua de 2017: A renda média do trabalho é de R$ 1.570 para negros, R$ 1.606 para pardos e R$ 2.814 para brancos O desemprego é mais alto para pretos (14,6%) do que para brancos (11,9%). Pardos ficam em 13,8% A taxa de anafabetismo para brancos (4,2%) é cerca de metade da registrada para pretos e pardos (9,9%) Ensino superior: brancos com mais de 25 que terminaram a universidade são 22,9%. Pretos e pardos são 9,3% O Nexo procurou dois psicólogos com estudo e trabalho ligados à questão de problemas psíquicos e relações raciais para falar sobre o tema. Segundo eles, o problema está longe de ser tratado com a atenção que merece, pelo sistema de saúde pública, pelos cursos de formação e pelos profissionais da área. Monica Feitosa Santana: Mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) com a dissertação “Muito além da cor da pele?: Psicologia, Saúde Mental e relações étnico-raciais em serviços públicos de saúde do município de Suzano, São Paulo”. Há dez anos, trabalha na área da saúde em instituições públicas e privadas Valter da Mata: Psicólogo pioneiro na abordagem do tema na Bahia, em seu trabalho de conclusão de curso, pelo Instituto de Psicologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia), em 1995. Foi membro da comissão de direitos humanos do Conselho de Psicologia Federal, onde atuou como consultor para relações raciais e psicologia do órgão Quais os principais impactos psicológicos do racismo que se pode observar nas pessoas negras? MÔNICA FEITOSA SANTANA Em meu estudo, foi constatado que mulheres negras rememoram os momentos em que foram vítimas de preconceito ou de discriminação. Mulheres que não foram contratadas em empregos, mulheres que sofreram discriminação na escola por parte de professores, que disseram que elas eram pobres, burras e que nunca iriam conseguir nada. O que é interessante é que, embora muitos profissionais tenham relatado narrativas de sofrimento, isso também aconteceu de uma forma positiva, em um momento de conquista. Por exemplo, quando uma mulher acabou de ser promovida no emprego em uma multinacional, sendo que a professora dizia que era uma ‘preta burra que nunca ia ser ninguém’. Tem um processo de resiliência psicológica. Por outro lado, tem relatos de como a própria equipe às vezes desqualifica a paciente por ser negra. Um exemplo foi o caso de um profissional que não acreditava que um dependente químico estava abstinente da droga que fazia uso por conta da cor da pele. Os profissionais que fizeram parte da minha equipe falam de como o racismo afeta a saúde mental das pessoas, causando principalmente depressão e ansiedade, e também baixa autoestima. A pessoa tem um baixo valor para si, às vezes manifesta sintomas de agressividade, porque não sabe como reagir ao racismo, às vezes abandona emprego. Os desdobramentos mais fáceis aí são dois: dependência química e o suicídio. Então as estatísticas que a gente tinha aqui eram de que a maior parte dos que cometiam suicídio ou que eram dependentes químicos eram negras. VALTER DA MATA A primeira dimensão da psicologia atingida é a autoestima, como a pessoa se avalia, se valoriza. Ela vive uma série de situações onde vai ser minimizada, ignorada, invisibilizada ou ainda associada a coisas ruins. Sem compreender, a vítima de racismo passa a introjetar essa menos-valia, acreditando ser burra, feia, inferior. Existia no Brasil, por exemplo, o famigerado “boa aparência”. A pessoa negra é taxada desde a escola com adjetivos muito pesados com relação a seus traços, ao cabelo, então ela se auto-discrimina, e não acredita que tenha boa aparência. Outra dimensão que forma a espinha dorsal da questão psíquica é a da identidade. A identidade nada mais é do que referências em torno das quais o indivíduo se reconhece. Existe a identidade pessoal, ligada às características do sujeito  (“Eu sou tímido, sou extrovertido, sou competente, sou alegre”), que são características psicológicas, e a identidade social, o pertencimento a grupos sociais. Obviamente, queremos nos identificar com coisas positivas. No Brasil, existe uma característica muito interessante que é o modo como se pode formar a identidade. Nos EUA, você tem uma sociedade praticamente binária, ou é branco, ou é negro. Já no Brasil, tem um exemplo interessante, que é o censo de 1980, em que, pela primeira vez, a pessoa era perguntada sobre qual era sua cor. Tivemos mais de 150 cores para não-brancos. Tudo isso para fugir da identidade negativa que está ligada aos estereótipos que são designados para a raça negra. Estudos vão mostrar que, por exemplo, as profissões de baixo prestígio estão associados a negros, assim como características como sujeira,  burrice, criminalidade, preguiça. O que faço para me proteger psicologicamente? Vou deslocar minha identidade para esse tal “moreno”, pois não há estereótipos para eles. Nas ações, vou começar a reivindicar o ideal de ego branco para mim, então eu preciso ter uma companheira branca para dizer que eu ascendi socialmente. Vou me vestir de uma forma e fazer transformações físicas para não ser confundido com essas pessoas negras. A mais atingida nesses casos é a mulher. O primeiro elemento mais atingido é o cabelo, as mulheres precisam domar a juba negra, esse cabelo ruim. Qual a importância que o campo da psicologia em geral dá para essa questão? Isso é estudado na formação do psicólogo? MÔNICA FEITOSA SANTANA A maioria dos professores que entrevistamos disseram que nunca tiveram contato com esse tema na faculdade, mesmo profissionais que fizeram pós-graduação, mestrado. Tivemos o caso de uma menina no segundo ano de psicologia social onde eram discutidas raça e etnia, mas aí falava mais da questão dos indígenas, entre outras questões. Mas na formação, a gente teve um comparativo de gênero, raça e classe, que são três fatores determinantes na subjetividade da pessoa na psicologia. Uma das coisas que mais ficou exposta nas narrativas era o quanto havia ênfase no gênero. Havia muitas discussões sobre mulher, queer, trans, a psicologia estuda muito sobre isso, assim como as questões de classe. Mas todos foram unânimes em dizer que não existe o mesmo olhar para a questão da raça. Infelizmente, por mais que a gente tenha na psicologia social e clínica um campo de produção muito vasto sobre relações étnico-raciais, não as estudamos no Brasil como fator determinante na construção da saúde mental, diferentemente de classe social e gênero. Meu trabalho e o grupo de pesquisadores do qual faço parte defendem incluir cor, raça e etnia como determinantes sociais em saúde. Tem estudo que fala sobre a influência da pele no modo como a pessoa vai morrer, em como acessa ou não o serviço de saúde, e em sua saúde orgânica e sua saúde mental. VALTER DA MATA A psicologia brasileira se sustenta em teorias feitas na Europa e nos Estados Unidos. Essa teoria americana e europeia tem um tempo e um espaço. Ela se desenvolveu fortemente nos séculos 19 e 20. Quanto ao seu espaço, ele é europeu e burguês. Freud e Jung não se preocuparam em trabalhar com a subjetividade do proletariado e muito menos do imigrante. São dimensões que ficaram de fora do escopo dos teóricos estudados no Brasil. Aqui, a psicologia adquiriu um caráter eminentemente burguês. Ela vai se solidificar na carreira do psicólogo clínico. E boa parte dos psicólogos vão se calar diante do fenômeno do racismo. Os estudos da área feitos no país na primeira metade do século 20 mostram muita gente na área partidária da eugenia, que brancos eram superiores. No ano 2000, começam a surgir alguns livros. Em 2002, o Conselho Federal de Psicologia vai admitir que existe o racismo e que ele é um vetor de sofrimento psíquico. Nessa época, surgiu a primeira resolução que vai dizer o que o psicólogo tem de fazer em situações de discriminação racial. Também foram lançadas as campanhas “O racismo humilha e a humilhação social faz sofrer”, e o vídeo “Preto no branco”, falando sobre as questões raciais que envolvem o Brasil. Em 2005, o governo brasileiro convida a psicologia a fazer parte do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), que atende basicamente pessoas de renda muito baixa, ou seja, principalmente negros. Foi aí que começamos a ver que a psicologia que era dada na formação não era suficiente para ler essa população. Mas vem aumentando bem a quantidade de pessoas dedicadas a estudar e trabalhar com isso. Pela urgência, ainda é pouco, mas a produção deve ter subido quase 500%, entre 2000 e 2019. Em 2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra definiu como uma de suas estratégias o ‘fortalecimento da atenção à saúde mental das crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos negros’. O quanto isso saiu do papel? MÔNICA FEITOSA SANTANA Tivemos algumas ações aqui no município [de Suzano] para preparar os documentos que iriam nortear as diretrizes dos nossos protocolos no campo da saúde mental. A raça foi incluída como um fator importante para a questão da saúde mental porque eu estava lá. Se não estivesse, talvez não constaria. Essa política é boa em muitos pontos, como [as para] anemia falciforme, hipertensão arterial, câncer de próstata, que têm incidências diferentes entre pessoas negras. Mas a maior parte dos municípios não tem um olhar para isso, a maioria dos gestores com quem atuei desconhece a existência dessa política. Do ponto de vista federal, não há cobrança por parte do poder público da execução. Temos políticas nacionais importantes de combate à mortalidade infantil e elas estão sujeitas à fiscalização: se um município não apresenta resultado de diminuição de mortalidade infantil em determinado período, o município é punido, não tem repasse de verbas. Não há nada assim para a política dirigida à população negra. VALTER DA MATA Para ser bem franco, na saúde mental foi quase zero. Outras dimensões avançaram alguma coisa. Por exemplo, a política da anemia falciforme avançou alguma coisa. É perfeita? Não, nada direcionado à população negra é perfeito. Sempre é alguma coisa capenga. Mas já é mais discutido. Já a saúde mental não saiu do estágio de sensibilização, ou seja, mostrar, dizer a todos os profissionais de saúde e gestores que existem táticas institucionais que discriminam e terminam por machucar a população negra, mentalmente falando. Os gestores terminam não abraçando e, por cadeia, isso sempre fica como uma perna curta de uma mesa de quatro pés, e mancando. Dados da UnB mostram o índice de suicídio aumentando. Um documentário da jornalista Stela Guedes Caputo sobre crianças no candomblé no Rio mostrou que a discriminação era tão forte que, quando elas tinham que voltar para a escola com a cabeça raspada e de branco, por conta da iniciação, elas preferiam dizer que estavam com leucemia para não sofrer discriminação e agressões.

fonte: NEXO JORNAL LTDA. – 27/1/2019

24 de outubro de 2018

Liderança negra: o desafio da inclusão racial nos cargos mais altos das empresas

Liderança negra: o desafio da inclusão racial nos cargos mais altos das empresas

Amcham Brasil

24 Abril 2018 | 09h46

Discutir o combate ao racismo nas empresas é essencial. O caso recente do Starbucks mostra o quanto esse debate ainda é necessário. Nos Estados Unidos, na Filadélfia, dois homens negros foram presos enquanto esperavam um amigo dentro da loja nesta semana. Diversos policiais retiraram os dois algemados do estabelecimento, mesmo sob protesto de diversos clientes, que afirmavam aos agentes que eles não estavam fazendo nada de errado. O episódio levou a Starbucks a decidir fechar oito mil lojas no dia 29 de maio para realizar treinamentos relacionados a racismo institucional. Mesmo assim, houve dano reputacional, com diversos pedidos de boicote à loja rodando pela internet.

O racismo institucional não está presente apenas no lado do cliente. A desigualdade racial dentro de ambientes corporativos é perceptível aos olhos. Ao entrar em qualquer reunião de alto escalão, é notável a falta de líderes negros. Uma pesquisa lançada pela Santo Caos neste mês colocou em dados que essa percepção não é falsa. No levantamento, realizado com 1798 pessoas, três em cada quatro profissionais de Recursos Humanos afirmaram que não há demanda por profissionais negros para ocupar altos cargos. A grande maioria desse grupo (90%) relatou ainda que o processo de ascensão entre negros e não negros é diferente. Apesar do maior acesso a graduação e níveis superiores de educação, muito graças a política de cotas raciais, a maioria dos negros e negras ainda ocupa cargos mais baixos, como aprendizes (57%) e estagiários (28,8%), segundo o Instituto Ethos. Em comparação, quanto aos níveis de gerência e quadro executivo, são minoria: 6,3% e 4,7%, respectivamente.

Elaine Matos é uma das exceções. Mulher, negra, é gerente de Produto da Dow. Durante evento na Amcham – Brasil em São Paulo no dia 16/04, ela lembra que foi através de um programa desenvolvido pela organização voltado a estagiários negros que conseguiu desenvolver habilidades novas e aprender o inglês, algo que ainda não sabia e que é considerado essencial no meio corporativo. Esse tipo de ação afirmativa, na opinião da profissional, é um meio efetivo de inclusão. Ela lembra que muitos jovens negros ainda não tem as mesmas oportunidades que brancos de desenvolver habilidades antes de entrar nas empresas. “E se eu não tivesse tido essa oportunidade através dessa lente?”, reflete.

Parte do grupo de diversidade da organização, Matos tem hoje a missão de aumentar o pipeline da liderança negra da Dow agindo principalmente na porta de entrada: contratação de estagiários. Um dos problemas enfrentados atualmente é a falta de atração. A executiva revela que hoje apenas 30% dos estagiários contratados são negros. “Hoje meu posicionamento na companhia, como líder de um grupo de diversidade de negros, é lutar pelas pessoas que estão chegando na companhia”, relata.

A partir de um mapeamento, a Dow identificou que 22% de seus colaboradores são negros. No entanto, a nível da América Latina, há apenas uma diretora negra. A empresa colocou como seu dever e comprometimento aumentar o número. A criação de um programa de mentoria tem como objetivo capacitar essas pessoas para alcançarem cargos maiores.

“Eu quero olhar para os lados e ter pares. Olhar para cima e ver diretores [negros] e ver a turma de trainee com 50% de negros. Tem vários jovens formados hoje, então por que eles não chegam nos nossos processos seletivos, por que não conseguimos atrair? Para a próxima turma, o comprometimento é ter 50%. A gente precisa de pipeline e é um mito dizer que não tem pessoas formadas”, ressaltou a líder.

Papel dos brancos

“Se temos um país em que temos uma cota para incluir a maior parte da população, isso mostra que algo está errado. Mostra que o Brasil foi criado com base em desigualdade e os brancos fazem de conta que não discriminam. É um tabu falar sobre esse assunto”. A frase é do CEO da Bayer, Theo van der Loo, também durante o seminário na Amcham. A farmacêutica e seu principal líder tem levado o debate da equidade racial a sério dentro da companhia. A empresa conta com diversos comitês relacionados à diversidade para LGBTs, PCDs, Gênero, Gerações e um exclusivo para inclusão e igualdade racial – o BayAfro.

Para van der Loo, como os brancos estão nas posições de liderança, devem também se envolver na luta e se aproximar. Sua dica para os CEOs e presidentes é que conversem com os negros da empresa para entenderem suas dificuldades. Na época que começaram  a pensar essa questão internamente, van der Loo relata que não havia informações ou dados sobre os colaboradores. O Censo ajudou a identificar que, na época, havia apenas 16% de negros no quadro de funcionários. Hoje, a porcentagem é de 21%. O problema do alto escalão, para o presidente, é que não há alta rotatividade. A maioria dos negros e negras ainda está como jovens aprendizes e estagiários – mas a ideia do CEO é que haja um aumento expressivo nessa base.

O envolvimento da alta liderança é fundamental para apoiar as ações, como lembra o presidente da multinacional. “Automaticamente, quando eu falo de inclusão, alguém acha que será excluído. Eu dependo dos gestores, então precisa persuadir os colegas a participarem desse projeto. É bem mais difícil do que a gente imagina e o CEO tem que estar presente o tempo todo. A diversidade tem que fazer parte da agenda o ano todo”, relata.

FONTE: ESTADÃO – ECONOMIA

29 de setembro de 2018

estranho momento

Estranho o momento que vivenciamos.

É aceitável que pessoa realize escolha, sobretudo em momento eleitoral, tendo como critério algo que lhe favoreça ou que favoreça o segmento ao qual pertence. Pode-se ter ou pretender que se tenha uma visão ampla do viver dignamente em sociedade. Todavia, não há a certeza de que todos entendam dessa forma e, mais, que pratiquem essa forma de comportamento.

No momento atual, e talvez já tenha ocorrido isso e eu é que desconhecia o fato, pessoas manifestam intenção de votar em candidatos que, se eleitos, podem vir a lhes causar prejuízos diretos e exclusivos. Aliás, pode ter ocorrido em outra ocasião, mas, provavelmente, com menor informação sobre o perfil de cada candidato.

É bem verdade que se tenta manipular e não informar eleitores. Também é que muitos não tem a dimensão do que significa votar e que o nível de educação tem uma séria vinculação com esse fato.

Nesse momento estranho, todavia, deparamo-nos com pessoas com bom nível de informação (e isso não está relacionado com o nível de formação) que pretendem eleger aqueles que, em mais de uma ocasião, disseram ou mostraram que os vão prejudicar. Vemos servidores dispostos a votar em candidatos que pregam a diminuição do Estado, negros dispostos a votar em quem já ofendeu a comunidade negra e mulheres dispostas a votar e a conquistar votos para quem já demonstrou que as considera com menor capacidade e sem o direito a serem tratadas com igualdade. Há, também, quem prega que a corrupção afasta ou reduz a capacidade de desenvolvimento da nação, mas faz campanha para quem teria ou tem envolvimento com atos ilegais na vida privada e na vida pública.

Como disse, não se tem um posicionamento rígido sobre os critérios pessoais de escolha e sabe-se que, tal como leis e contratos, o conferir um mandato não é certeza de que atos condizentes e adequados ocorrerão. Nessa linha, o candidato, por vontade própria ou por circunstâncias que não consiga controlar, pode não cumprir o que prometeu. Estranho é que, se o eleito cumprir o que disse que faria ou o que deu demonstração de que poderia fazer, haverá prejuízo anunciado ao seu eleitor. É uma relação que traz semelhanças com a chamada “Síndrome de Estocolmo”: capaz é o outro; belo é o outro; merecedor é o outro, que domina o meu presente e se terei ou não futuro.

Ainda e sempre é de se trabalhar com o norte em uma visão de desenvolvimento de um espírito cidadão nos lares e nas escolas, não se tendo a ilusão de que isso possa ocorrer nos espaços de poder político ou até mesmo associativo (pessoas trabalham para alcançar e manter poder e hegemonia em espaços que lhes permitam maior poder econômico, político ou social). Um bom início é discutir, respeitosamente e sem adjetivações, sobre política, tentando evidenciar para o grupo e para si mesmos os critérios individuais de escolha e não de eliminação de alternativas.

 

JORGE TERRA

set/2.018

Próxima Página »

Blog no WordPress.com.