Jorge Terra

18 de fevereiro de 2020

“Ser mulher negra em posição de liderança é lembrar que existe um legado a ser construído”, afirma Nina Silva

Nina Silva, reconhecida como uma das 100 afrodescendentes mais influentes do mundo abaixo dos 40 anos e CEO do Movimento Black Money, é uma das vozes que defendem a importância da equidade de gênero e raça no Brasil.

Esse movimento é justificado pelos números. Segundo a ONU Brasil, no país, há 55,6 milhões de mulheres negras que recebem, em média, 40% do salário de um homem branco. Representam 27% da população, mas ocupam menos de 1% dos cargos de alta liderança nas empresas. Elas fazem parte de um dos grupos mais vulneráveis à violência, racismo e outras formas de discriminação.

Eu costumo dizer que ser uma mulher negra em posição de liderança é você carregar um navio negreiro inteiro nas costas. É lembrar a todo momento que existe um legado a ser construído para que outras jovens negras estejam também em todos os espaços”, diz Nina Silva.

Para ela, a falta de representatividade é um indicativo do quanto o mercado corporativo e a sociedade precisam evoluir para garantir, de fato, uma ascensão desse grupo.

Confira na íntegra a entrevista que a executiva concedeu ao Movimento Mulher 360.

MM360 – Quais são os avanços das mulheres, especialmente as negras, ao longo dos anos em relação à equidade de gênero e de raça no mercado corporativo?  

Falar sobre o avanço das mulheres negras na equidade de gênero e raça no mercado corporativo é falar de algo inexistente. Nós não temos avanços. Temos, no momento, ações sociais da sociedade civil para trabalhar a inserção de mulheres negras em algumas áreas como o empreendedorismo e na tecnologia. Quando falo que não avançamos é porque hoje as mulheres negras ainda são 0.4% em conselhos administrativos de grandes empresas no Brasil. Nós temos uma ou duas CEOs que sejam negras em grandes empresas no País e quando se fala do homem negro também temos a mesma condição excludente.

Ainda há uma preocupação em relação a nós, enquanto povo preto, minorizado e marginalizado a equalizar oportunidades. A conta não fecha: mulheres negras são 27% da população brasileira e, em relação ao rendimento mensal, estão na base da pirâmide. Uma mulher negra recebe 40% do valor de um homem branco em relação ao seu salário mensal, enquanto um homem negro recebe 55%.

Precisamos entender que a mulher negra é impactada pelas estatísticas do homem negro. Quem é esse homem, se é o pai, o irmão, o filho que às dez horas da noite não chega em casa. As preocupações de uma mulher negra dentro das corporações também perpassam do ambiente que ela vem e vive. O seu contexto é enegrecido e muitas vezes ditado pela raça e não pelo gênero.

A partir desse entendimento as mulheres brancas e as mulheres negras precisam sim manter o diálogo e estratégias capazes de melhorar a equidade de gênero no País, mas entendendo as peculiaridades de cada grupo.

MM360 – Quais são os principais desafios que elas enfrentam hoje? 

Quando se fala dos desafios das mulheres negras no ambiente corporativo há o estigma do corpo negro enquanto objeto. Por conta do racismo estrutural, as pessoas sempre tiveram a visão de que mulheres negras e homens negros eram objetos a serem utilizados para serviços ou em relação a hipersexualização.

Dentro do ambiente de trabalho as mulheres negras estão sempre associadas a cargos e funções que sejam a serviço de alguém ou de algo. Ocupam cargos operacionais, de serviços gerais ou tarefas que ninguém quer fazer.

Temos aí o desafio de quebrar esse tipo de olhar. Só que para isso a profissional que está em outras funções deve ser 360% a mais que qualquer outro profissional. Você tem que provar o tempo inteiro e isso sempre foi muito explícito na minha carreira. Eu tive que provar a minha competência a todo momento só por ser um rosto preto em uma organização falando sobre tecnologia em um lugar de poder e de liderança. Refletir o coletivo que ali está, mesmo não sendo reflexo desse coletivo, uma vez que a maioria das pessoas nas instituições são brancas é viver, constantemente, o desafio de se provar e ainda ter que resistir. É se blindar sentimental e psicologicamente falando a todos no processo racista e misógino dentro das organizações e também em outras instituições da sociedade.

MM360 – Como as empresas e a sociedade podem contribuir para avançarmos na igualdade de gênero e de raça?

A gente precisa entender que cada um parte de um ponto diferente e que é preciso trabalhar por equidade e não por igualdade. A gente precisa entender que, quando fala da necessidade de incluir mais mulheres nos conselhos administrativos em posição de liderança, as mulheres negras não estão sendo inseridas nessa pauta.

É preciso primeiro entender que a sociedade foi construída a partir da marginalização e centralização de poder a partir de um status de cor branca. O homem branco é o padrão social de poder estabelecido, que está no conselho administrativo ou ocupa o cargo de CEO. Se há algumas mulheres nessas posições de liderança são mulheres brancas.

Nós podemos trabalhar a equidade de oportunidades a partir de processos seletivos intencionais para projetar a empregabilidade de mulheres, pessoas pretas e outros grupos de minoria em contraponto ao recrutamento às cegas, por exemplo. Afinal, como as pessoas pretas vão chegar a esse recrutamento às cegas? Ou em qual velocidade? Precisamos ser intencionais.

Temos que buscar consultoria de diversidade ou profissionais que saibam trabalhar inclusão e como projetar o crescimento dessas pessoas dentro das organizações. As empresas não podem pensar apenas em incluir mulheres negras na base em relação aos processos de estágio, trainee ou jovem aprendiz. Elas precisam também absorver e inserir essa população em níveis de liderança.

Nós, enquanto sociedade, precisamos aliar as pessoas negras e brancas que queiram mudar essa situação e apoiar instituições que estejam trabalhando para a educação dessas mulheres negras. Empresas que estejam trabalhando para inclusão com envolvimento, porque não adianta incluir sem acompanhar. O desenvolvimento tem que ser da cadeia produtiva inteira. Tem que ser da empresa inteira.

MM360 – Como é ser uma mulher negra em posição de liderança? De que maneira você contribui para o empoderamento de outras mulheres sendo líder?

Eu costumo dizer que ser uma mulher negra em posição de liderança é você carregar um navio negreiro inteiro nas costas. É lembrar a todo momento que existe um legado a ser construído para que outras jovens negras estejam também em todos os espaços.

Como são pouquíssimas as lideranças e pessoas influentes que têm visibilidade e que são negras, principalmente mulheres, é preciso sempre trabalhar com exemplo. Todo e qualquer movimento da sua pessoa é o movimento de um povo. É lidar não só com a pressão para que você não erre, mas principalmente para que você seja muito melhor do que todos esperam. Infelizmente nunca é o suficiente, porque você sempre é a única no ambiente. Você é a única citada em uma reportagem. Você é a única homenageada no universo de 20 mulheres, apesar da quantidade de mulheres negras no Brasil ser maior do que a de mulheres brancas.

Ser e estar enquanto uma liderança é entender que o processo não é único. Ele é coletivo. E se não houver uma aceleração para que lideranças sejam construídas em seus próprios espaços, empreendimentos ou iniciativas, nós não teremos uma mudança de quadro de número de mulheres e pessoas negras em cargos de chefia, em posições de poder ou estratégicas.

MM360 – Qual dica você oferece para as mulheres que estão entrando no mercado de trabalho ou que desejam um cargo de liderança?

Minha dica é para que as mulheres saibam quais são os seus propósitos e objetivos e os perfis a serem desenvolvidos para alcançá-los. Não almejem lugares que não sejam dignos de serem preenchidos ou posições em ambientes que não sejam realmente agregadores.. Muitas vezes almejamos um cargo em ambientes destrutivos, o que demanda uma mudança muito maior.

Tenham objetivo, um target. Saibam o que é necessário para o desenvolvimento durante o caminho e que a jornada nunca vai terminar. Porque a cada momento nós estamos em aprendizado, adquirindo conhecimento e essa é a única coisa que não se perde. Só conseguiremos chegar em posições dignas sem esquecer que somos continuidades umas das outras e que não há sucesso e carreira se não houverem espaços coletivos de constituição e de fala, principalmente de visibilidade e reconhecimento para todas as pessoas.

fonte: movimento empresarial pelo desenvolvimento econômico da mulher

8 de fevereiro de 2020

Já percebeste?

Sugiro que realizes um teste: compare o número de curtidas ou de comentários relativos às postagens que fazes ou venhas a fazer em seu perfil de facebook (se a maior parte de seus virtuais amigos aparentam ser preocupados com os direitos humanos).

O que tenho constatado é que quando posto questões de direitos humanos relativas à Comunidade LGBTI+ a participação é mínima e limita-se a curtidas não importando se envolve discriminação no mercado de trabalho, na educação ou na segurança pública (morte). Quando posto crítica a ato governamental violador de direitos humanos, fato ou pesquisa reveladora de discriminação racial ou social, há numerosas curtidas, comentários, debates e compartilhamentos. O mesmo vale para questões relativas às mulheres mais especificamente.

É de se inferir que não se está tendo(ou nunca se teve) empatia? É de se inferir que as pessoas somente se preocupam com violações que lhes atinjam pessoalmente ou que atinjam o grupo ao qual pertençam? É de se inferir que a comunidade referida não pode contar com a solidariedade e com o apoio de outros segmentos?

Infelizmente, parece que convivemos bem com o sofrimento desde que não seja o nosso. Parece que não compreendemos o óbvio: unidos somos mais fortes.

Talvez por isso, em 2015, o Banco Mundial tenha tentado utilizar uma linguagem baseada na economia para tocar e mover as pessoas e as instituições. O breve vídeo se chama o “O preço da exclusão” e mostra uma realidade de várias pessoas, inclusive brasileiras.

Acesse, caso queiras, o vídeo pelo seguinte link:

Boa reflexão !

Jorge Terra

Presidente da Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

Coordenador da Comissão Permanente de Direitos Humanos da PGE/RS

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