Ação direta de inconstitucionalidade. município do rio grande. lei municipal Nº 7.954/2015. conselho municipal do povo do terreiro. COMPOSIÇÃO.
- A atribuição de 12 vagas (art. 3º, II, b e §§ 3º e 4º da Lei Municipal nº 7.954/2015) para representantes diretos de Ylês ou casas de Matriz Africana, dentre as 16 vagas reservadas a representantes da sociedade civil organizada, não configura qualquer ofensa ao princípio da laicidade do Estado.
- Em se tratando de Conselho destinado à formulação e proposição de políticas públicas destinadas aos homens e mulheres identificados com as práticas culturais religiosas de matriz africana, afigura-se inteiramente razoável que seus membros sejam majoritariamente representantes das próprias comunidades de terreiro.
- Embora o Estado seja laico, é responsável pela garantia da igualdade de direitos entre todos os cidadãos, o que certamente inclui a garantia da liberdade de expressão e de culto religioso.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE, POR MAIORIA.
Ação Direta de Inconstitucionalidade
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Órgão Especial |
Nº 70076012830 (Nº CNJ: 0365398-15.2017.8.21.7000)
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PROCURADOR-GERAL DE JUSTICA
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PROPONENTE |
PREFEITO MUNICIPAL DE RIO GRANDE
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REQUERIDO |
CAMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE RIO GRANDE
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REQUERIDO |
PROCURADOR-GERAL DO ESTADO
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INTERESSADO |
DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
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AMICUS CURIAE |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em julgar improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade, vencidos os Desembargadores Marco Aurélio Heinz (Relator), Matilde Chabar Maia, Alexandre Mussoi Moreira, Angela Terezinha de Oliveira Brito, Pedro Luiz Pozza, Carlos Eduardo Zietlow Duro (Presidente), Ivan Leomar Bruxel, Maria Isabel De Azevedo Souza e Irineu Mariani.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além dos signatários, os eminentes Senhores Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro (Presidente), Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa, Des. Marcelo Bandeira Pereira, Des. Jorge Luís Dall’Agnol, Des. Ivan Leomar Bruxel, Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco, Des.ª Maria Isabel de Azevedo Souza, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Des. Irineu Mariani, Des. Manuel José Martinez Lucas, Des. Marco Aurélio Heinz, Des.ª Matilde Chabar Maia, Des. Alexandre Mussoi Moreira, Des. Luís Augusto Coelho Braga, Des. André Luiz Planella Villarinho, Des.ª Angela Terezinha de Oliveira Brito, Des.ª Marilene Bonzanini, Des. Glênio José Wasserstein Hekman, Des. Tasso Caubi Soares Delabary, Des. Túlio de Oliveira Martins, Des. Ney Wiedemann Neto, Des. Ricardo Torres Hermann, Des. Martin Schulze e Des. Pedro Luiz Pozza.
Porto Alegre, 21 de maio de 2018.
DES. MARCO AURÉLIO HEINZ,
Relator, voto vencido.
DES. EDUARDO UHLEIN,
Redator para o acórdão.
RELATÓRIO
Des. Marco Aurélio Heinz (RELATOR)
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA move ação direta de inconstitucionalidade, com a finalidade de retirar do ordenamento jurídica, o art. 3º, inciso II, letra ‘b’ e parágrafos 3º e 4º, e do art. 13, parágrafo único, da Lei n. 7.954/2.015, do Município do Rio Grande, que dispõe sobre a criação, composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Municipal do Povo do Terreiro.
O fundamento da ação é que, a lei impugnada, na parte em que estabelece a composição do Conselho Municipal do Povo do Terreiro, sendo composto por uma determinada crença religiosa específica (12 vagas para representantes diretos de YLÊS, instituídos, considerados ainda por casas de Matriz Africana, Terreiro de Umbanda, Tendas e demais conceituações reconhecidas), extrapola a mera proteção da identidade da comunidade em relevo, para ferir a laicidade do Estado, violando o disposto nos artigos 5º, caput, e 19, incisos I e III, ambos da Constituição Federal, de reprodução obrigatória pelos Estados Federados. Esclarece ainda que os artigos em testilha conferem tratamento não isonômico aos cidadãos, privilegiando expressamente comunidade religiosa ligada ao povo do terreiro em detrimento dos demais cultos, agremiações e organizações de cunho religioso da comunidade de Rio Grande, subvencionando com verbas públicas os integrantes daquela entidade religiosa.
O Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul postula a improcedência do pedido, discorrendo sobre denúncias de intolerância religiosa no Brasil, destacando que o conselho criado pela lei municipal não detém caráter religioso mas voltado a direitos, argumentando que a religiões de matriz africana no Brasil não recebem o mesmo tratamento de outras denominações religiosas, sendo alvo de constantes ataques, propondo a realização de audiências públicas.
O Prefeito Municipal de Rio Grande também bate-se pela constitucionalidade do Conselho instituído pela lei questionada, que não vulnera o princípio da isonomia, nem afronta o princípio da laicidade do Estado.
A Câmara de Vereadores de Rio Grande nega vício de inconstitucionalidade na formação do Conselho Municipal do Povo de Terreiro, invocando para tanto, a faculdade instituída pela Constituição Federal de auto governo, expresso nos artigos 30, I e II. Refere que as políticas públicas é ato discricionário e do plano de governo de cada gestor público, não havendo violação da laicidade do Estado.
O Ministério Público manifesta-se no sentido da procedência do pedido uma vez que a criação do Conselho Municipal, com integrantes especificamente escolhidos entre professos de determinada religião (dos Povos de Terreiro ou dos Povos de Matriz Africana) fere o princípio da laicidade do Estado previsto no art. 19, I e II, da Constituição Federal e da igualdade, trazendo à colação jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e precedente deste Tribunal.
São indeferidos os pedidos para integrarem a relação processual na condição de ‘amicus curiae’ de José Rivair Macedo, do Conselho do Povo do Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul, da Comunidade Tradicional de Matriz Africana e Afrobrasileira ‘Ìlé Àiyé Orishá Yemanjá’ e Secretaria de Desenvolvimento Social, Justiça e Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul.
Indeferida, também, a realização de audiência pública para oitiva de profissionais indicados no petitório formulado pelo Procurador-Geral do Estado já que se trata de processo objetivo de controle abstrato da constitucionalidade, matéria exclusivamente de direito.
É o relatório.
VOTOS
Des. Marco Aurélio Heinz (RELATOR)
É admissível a propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local já que a alegada ofensa diz com dispositivos constitucionais de reprodução obrigatória pelos Estados-membros; matéria especificamente tratada no Tema 484, RE n. 650.898/RS, com a seguinte redação:
“Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de lei municipais, utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados”.
A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz constitucional pois reside no texto da Constituição e nele somente. Os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa vinculada das leis, somente se legitima se houver no texto da própria constituição dispositivo que, de modo expresso a preveja.
No caso, discute-se a constitucionalidade do Conselho Municipal do Povo de Terreiro da Cidade do Rio Grande, vinculado técnica e administrativamente, à Secretaria da Cultura, devendo a mesma aportar os devidos recursos para o funcionamento pleno, que prevê 12 vagas para representantes diretos de Ylês, instituídos, considerados, ainda por casas de Matriz Africana, Terreiro de Umbanda, Tendas e demais conceituações.
O autor sustenta violação do art. 5º (isonomia) e 19, I e III da Constituição Federal (vedação aos Municípios de subvencionar cultos religiosos ou igrejas, mantendo com seus representantes, relações de dependência ou aliança).
O atentado à isonomia consiste em se tratar desigualmente situações iguais, ou em se tratar igualmente situações diferenciadas, de forma arbitrária, e não fundamentada. É na busca da isonomia que se faz necessário tratamento diferenciado, em decorrência de situações que exigem tratamento distinto, como forma de realização da igualdade (RE n. 453.740, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 24-8-2007).
No mesmo sentido:
“O atentado à isonomia consiste em se tratar desigualmente situações iguais ou em se tratar igualmente situações diferenciadas, de forma arbitrária e não fundamentada” (AI-AgR n. 349.477/PR, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28-2-2003).
A propósito, o melhor critério de discriminação é o sugerido por Bandeira de Mello para quem:
“tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para à vista do traço desigualizador adotado atribuir o específico tratamento jurídicio construído em função da desigualdade afirmada.” (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, RT, 1978, pág. 48).
E prossegue o mesmo autor:
“a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”. (op. cit., pág. 49).
Sobre o tema leciona com propriedade Alexandre de Moraes:
“O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos, de uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciação em razão de sexo, religião, convicção filosóficas ou políticas, raça, classe social” (Direito Constitucional, 24ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 2009, pag. 37).
Por fim, “os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado” (Fábio Konder Comparato, Direito Público, estudos e pareceres, São Paulo, Saraiva, 1996, pag. 59).
No caso dos autos, a lei impugnada descreve no seu artigo 10, as atribuições do Conselho Municipal do Povo de Terreiro do Rio Grande, como sendo: I. Definir diretrizes e metas para a formulação das políticas públicas direcionadas a atender as demandas locais do Povo de Terreiro da Cidade de Rio Grande, e, principalmente as deliberações das conferências. II. Instituir programa estratégico de implantação de políticas públicas para o Povo de Terreiro. II. Acompanhar e fiscalizar a execução das políticas públicas voltadas ao Povo de Terreiro. IV. Ser consultado na elaboração da proposta orçamentária do governo municipal, no que diz respeito aos recursos públicos destinados à políticas públicas para o Povo de Terreiro entre outras.
Verifica-se, assim, que o órgão público tem como finalidade específica definir políticas públicas e metas direcionadas exclusivamente ao Povo de Terreiro, que recebe verbas públicas para implantação de projetos que visam atender unicamente as necessidades do Povo de Terreiro em detrimento de qualquer outra comunidade da Cidade do Rio Grande.
É evidente o tratamento diferenciado a uma determinada parcela da comunidade do Município, que segundo a lei em testilha:
“é o conjunto de Comunidades Tradicionais ou grupos culturalmente diferenciados, com formas próprias de organização social que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, social, ancestral e econômica que se reconhecem como tal, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição e oralidade” (art. 1º, parágrafo único da Lei 7.954/2015).
O critério diferenciador da comunidade que terá tratamento privilegiado com verbas públicas é vago e indeterminado, não estabelecendo o ato normativo impugnado, a motivação suficiente para tal tratamento.
O discrimine adotado em favor do Povo de Terreiro não ostenta justificativa racional para atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada. Ou seja, não há uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. Não aponta a lei questionada superação de desigualdade decorrentes de situações históricas de exclusão social que seja reparada por ação afirmativa.
Ainda:
“…as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se em benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos” (ADPF 186, que tratou de atos que instituíram o sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial (cotas) no processo de seleção para ingresso em instituição pública de ensino superior, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26.04.2012, DJe de 20.10.2014).
No caso, a lei impugnada não se fundamentou em quadro de exclusão social do Povo de Terreiro que justificasse o tratamento não isonômico, em flagrante violação ao princípio da igualdade esculpido no art. 5º da Constituição Federal.
Por outro lado, não se percebe vulnerado o princípio da laicidade ou da neutralidade quanto às religiões porque, como visto, o critério de desigualdade estabelecido em favor do Povo de Terreiro não é em razão de culto religioso ou igreja, mas leva em consideração grupos culturalmente diferenciados, com formas próprias de organização social e ocupação de território.
Sendo assim, julgo procedente a ação, retirando do ordenamento jurídico o art. 3º, inciso II, letra ‘b’ e parágrafos 3º e 4º, e do art. 13, parágrafo único, da Lei n. 7.954/2.015, do Município do Rio Grande, que dispõe sobre a criação, composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Municipal do Povo do Terreiro.
Des. Eduardo Uhlein (REDATOR)
Peço vênia para encaminhar voto divergente.
Inicialmente, destaco o trabalho feito na tribuna pelo Dr. Terra, Procurador do Estado, e quero destacar também o valioso trabalho feito pela Defensoria Pública, que atua como amicus curiae, há um memorial encartado no processo eletrônico, de lavra do Dr. Mário Rheingantz, Defensor Público, que trouxe valiosos subsídios para a formação de meu convencimento.
Não identifico inconstitucionalidade nos dispositivos isolados que são objeto da presente ação direta.
Segundo o próprio autor da ação, a instituição de um Conselho Municipal do Povo de Terreiro é medida legítima e que não fere a Constituição.
Transcrevo passagem da iniciai, verbis;
“impende consignar que não se pretende aqui desconsiderar o denominado “Povo de Terreiro” – enquanto conjunto das populações de ascendência africana – “tendo-se por legítima a instituição do Conselho Municipal do Povo de Terreiro, em prol da discussão, análise, elaboração e aprovação de políticas públicas tendentes a garantir a participação da comunidade do povo de terreiro no processo cultural, social, ancestral e econômico do Município de Rio Grande.
Ou seja, não está em jogo, nesta ação constitucional, a legitimidade da instituição do Conselho Municipal dirigido ao desenvolvimento de ações, estudos e propostas de políticas públicas voltadas especificamente para o conjunto de homens e mulheres identificados com os costumes e práticas das comunidades tradicionais de matriz africana.
Essa mesma iniciativa já foi tomada pelo próprio Estado do Rio Grande do Sul, que instituiu Conselho do Povo de Terreiro do Estado (através de Decreto Estadual nº 51.587/2014), assim como por diversos outros Municípios (São Leopoldo, pela Lei Municipal nº 8.693/2017; Capão do Leão, pela Lei Municipal nº 1.681/2014, entre outros).
Esses órgãos de participação cidadã estão inseridos na política pública de promoção da igualdade racial, instituída nacionalmente pela Lei Federal nº 12.288/2010, o Estatuto da Igualdade Racial, e que, ao criar o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), estabeleceu o seguinte, verbis
Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no País, prestados pelo poder público federal.
- 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão participar do Sinapir mediante adesão.
- 2º O poder público federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do Sinapir.
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS
Art. 48. São objetivos do Sinapir:
I – promover a igualdade étnica e o combate às desigualdades sociais resultantes do racismo, inclusive mediante adoção de ações afirmativas;
II – formular políticas destinadas a combater os fatores de marginalização e a promover a integração social da população negra;
III – descentralizar a implementação de ações afirmativas pelos governos estaduais, distrital e municipais;
IV – articular planos, ações e mecanismos voltados à promoção da igualdade étnica;
V – garantir a eficácia dos meios e dos instrumentos criados para a implementação das ações afirmativas e o cumprimento das metas a serem estabelecidas.
CAPÍTULO III
DA ORGANIZAÇÃO E COMPETÊNCIA
Art. 49. O Poder Executivo federal elaborará plano nacional de promoção da igualdade racial contendo as metas, princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR).
- 1º A elaboração, implementação, coordenação, avaliação e acompanhamento da PNPIR, bem como a organização, articulação e coordenação do Sinapir, serão efetivados pelo órgão responsável pela política de promoção da igualdade étnica em âmbito nacional.
- 2º É o Poder Executivo federal autorizado a instituir fórum intergovernamental de promoção da igualdade étnica, a ser coordenado pelo órgão responsável pelas políticas de promoção da igualdade étnica, com o objetivo de implementar estratégias que visem à incorporação da política nacional de promoção da igualdade étnica nas ações governamentais de Estados e Municípios.
- 3º As diretrizes das políticas nacional e regional de promoção da igualdade étnica serão elaboradas por órgão colegiado que assegure a participação da sociedade civil.
Art. 50. Os Poderes Executivos estaduais, distrital e municipais, no âmbito das respectivas esferas de competência, poderão instituir conselhos de promoção da igualdade étnica, de caráter permanente e consultivo, compostos por igual número de representantes de órgãos e entidades públicas e de organizações da sociedade civil representativas da população negra.
Parágrafo único. O Poder Executivo priorizará o repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos nesta Lei aos Estados, Distrito Federal e Municípios que tenham criado conselhos de promoção da igualdade étnica.
O art. 50 do Estatuto da Igualdade Racial, acima reproduzido, expressamente alude à instituição, pelos Estados e Municípios, de conselhos de promoção da igualdade étnica, de caráter permanente e consultivo, a serem compostos por representantes das entidades públicas e organizações da sociedade civil representativas da população negra, o que confere, no âmbito infraconstitucional, a devida legitimidade para a criação dos Conselhos Estadual e Municipais do Povo de Terreiro.
Esta ação direta, contudo, não se volta à instituição do Conselho, mas unicamente contra a sua composição.
Os dispositivos questionados na demanda são unicamente o art. 3º, II, b e §§ 3º e 4º e o art. 13, par. único, da Lei Municipal 7.954/2015:
Art. 3º O Conselho será composto de 23 (vinte e três) conselheiros(as) titulares e seus respectivos suplentes, sendo estes, representantes governamentais e da sociedade civil organizada, que ocuparão vagas mediante as seguintes proporções:
I – 30% de representantes de órgãos governamentais; ocupando 07 vagas;
II – 70% de representantes da sociedade civil organizada, na seguinte proporção:
- a) 04 vagas para representantes de organizações e instituições representativas de direitos coletivos do Povo de Terreiro e de trabalho reconhecido;
- b) 12 vagas para representantes diretos de Ylês instituídos, considerados ainda por casas de Matriz Africana, Terreiro de Umbanda, Tendas e demais conceituações reconhecidas;
- 1º Os representantes de órgãos governamentais serão nomeados pelo Executivo Municipal.
- 2º Os representantes das organizações e instituições representativas de direitos coletivos do Povo de Terreiro, serão eleitos para mandato de 2 (dois) anos, cuja eleição ocorrerá nas Conferencias Municipais de Povo de Terreiro, podendo haver uma reeleição;
- 3º Os representantes diretos de Ylês instituídos, considerados ainda por casas de Matriz Africana, Terreiros de Umbanda, Tendas e demais conceituações reconhecidas, serão eleitos para mandato de 2 (dois) anos, cuja eleição ocorrerá nas Conferencias Municipais de Povo de Terreiro, podendo haver uma reeleição;
- 4º As representações eleitas nas Conferências Municipais, sendo das Instituições e organizações bem como os vindos diretos de Ylês, centros ou ainda de casas de Matriz Africana, Terreiros de Umbanda, Tendas e demais conceituações reconhecidas, quando não forem membros da direção executiva de suas instituições e ou Babalorixas, Yalorixás e Caciques de seus Ylês e centros de umbanda, deverão, enquanto representantes destes, apresentar documentação autorizando sua representatividade;
(…)
Art. 13 Os representantes da sociedade civil da primeira composição do Conselho Municipal do Povo de Terreiro serão indicados em plenária específica convocada para este fim.
Parágrafo único. O Ylê que atualmente representa o município no Conselho Estadual do Povo de Terreiro, juntamente com seu suplente, é membro nato da primeira composição do Conselho Municipal do Povo de Terreiro referido no caput.
Justifica assim o Procurador-Geral de Justiça a afirmada inconstitucionalidade de tais dispositivos, verbis,
“(…) a lei em testilha, na parte em que estabelece que o Conselho Municipal do Povo de Terreiro será composto por uma crença religiosa específica, mediante o aporte de recursos financeiros públicos, acrescentando que a entidade está vinculada, técnica e administrativamente, à Secretaria Municipal de
Cultura, extrapola a mera proteção da identidade da comunidade em relevo, ferindo a laicidade do Estado, comando constitucionalmente posto, notadamente nos artigos 5º, caput, e 19, incisos I e III, ambos da Constituição Federal(…)
Data venia, vejo diversamente.
Na simples definição e atribuição de 12 vagas, dentre as 16 vagas reservadas a representantes da sociedade civil organizada, para representantes diretos de Ylês ou casas de Matriz Africana, não extraio qualquer ofensa ao princípio da laicidade do Estado.
Em se tratando de Conselho destinado à formulação de políticas públicas destinadas aos homens e mulheres identificados com as práticas culturais religiosas de matriz africana, afigura-se inteiramente razoável que seus membros sejam, em maioria, representantes das próprias comunidades de terreiro. No caso do Conselho Estadual (Decreto nº 51.587/2014), das 64 cadeiras, 40% foram atribuídas a representantes diretos das “comunidades tradicionais de Matriz Africana e Afro-Umbandista”, e as restantes divididas entre representantes de órgãos governamentais (30%) e representantes de organizações e de instituição representativas de direitos coletivos do Povo do Terreiro, sem que se cogite de quaisquer representantes de outras religiões ou grupos étnico-culturais, exatamente como na lei em discussão nesta ação.
Ademais, em nenhum dos dispositivos inquinados, antes reproduzidos, há previsão de qualquer repasse ou subvenção de recursos públicos para o Conselho do Povo de Terreiro.
A única menção a recursos, na impugnada Lei, está no artigo 2º – que não é objeto do pedido – e que simplesmente menciona que o Conselho fica vinculado, técnica e administrativamente, à Secretaria da Cultura, “devendo a mesma aportar os devidos recursos para o seu funcionamento pleno” – o que, portanto, limita-se a prever o óbvio: que o financiamento das atividades do próprio Conselho Municipal sairá do orçamento da Secretaria de Cultura, o que não tem, em absoluto, o significado de possibilitar a interpretação de que o Poder Público Municipal estaria a destinar recursos para as comunidades culturais e religiosas que compõem o chamado Povo de Terreiro.
Ora, todos os Conselhos instituídos pelo Poder Público são mantidos financeiramente pelo erário, o que longe fica da idéia de financiamento público de seus integrantes ou das instituições nele representadas.
Assim, não vejo, nos dispositivos questionados na ação, qualquer hipótese que caracterize estabelecimento de preferência ou, menos ainda, subvenção ou patrocínio de parte do Poder Público Municipal do Rio Grande para com as comunidades afro-religiosas que compõem o Povo de Terreiro.
Embora o Estado seja laico, é responsável pela garantia da igualdade de direitos entre todos os cidadãos, o que certamente inclui a garantia da liberdade de expressão e de culto religioso.
Assim é que no Relatório da I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir-2005), destacou-se “a necessidade de ações que proporcionem a estruturação, politização e maior organização e afirmação, tais como a ampliação da sustentabilidade das comunidades, o seu reconhecimento como um centro irradiador de promoção de políticas públicas, a sua participação nos projetos sociais, a criação de uma rede de apoio, a promoção de intercâmbios entre as comunidades de terreiro e o incentivo às oficinas, seminários, cursos de formação nos terreiros”, no que encontro justificativa para a edição da lei municipal ora questionada.
De outra banda, o precedente invocado na inicial desta ADIn, relativo ao Município de Marau (nº 70073223984) não se revela eficiente paradigma para o que aqui se está a discutir, renovada vênia.
Ali, a Lei Municipal nº 5.216 do Município de Marau instituíra Conselho de Pastores Evangélicos destinado a auxiliar a administração municipal, inclusive definindo políticas públicas; ali, toda a lei fora objeto da ação, e toda ela restou invalidada com a procedência da ação. Aqui, entretanto, o próprio Ministério Público autor reconhece a legitimidade da iniciativa de instituição de um Conselho voltado às ações e políticas públicas especificas das comunidades do povo de terreiro, e os dispositivos impugnados, restritos à composição do Conselho, não se mostram, a meu sentir, conflitantes com as disposições constitucionais que estabelecem a laicidade do Estado.
Isto posto, voto pela improcedência da ação.
DES.ª MATILDE CHABAR MAIA – Estou acompanhando o Relator, Senhor Presidente.
DES. ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA – Com o Relator.
DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA – Com a divergência.
DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO – Pedindo vênia ao eminente Relator, eu acompanho a divergência inaugurada pelo eminente Des. Eduardo Uhlein.
DES.ª ÂNGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO – Com o Relator.
DES.ª MARILENE BONZANINI – Com a vênia do em. Relator, acompanho a divergência inaugurada pelo Des. Eduardo Uhlein.
DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN – Também estou acompanhando a divergência, com a vênia do eminente Relator.
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY – Senhor Presidente, eminentes colegas, eu estava inclinado, inicialmente, a acompanhar o eminente Relator, mas agora, detendo-me às manifestações que ocorreram tanto da tribuna quanto do próprio Relator e do voto divergente, destacando aqui que o art. 2º, onde parece estar mais clara a questão constitucional, que era relativamente a repasse de recursos, e essa não está incluída nas disposições impugnadas, eu entendo que o voto divergente deve prevalecer. Estou acompanhando divergência.
DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS – Senhor Presidente, com a vênia também do eminente Desembargador Relator, mas acompanho o consistente e irretocável voto do Des. Eduardo Uhlein.
DES. NEY WIEDEMANN NETO – Acompanho a divergência, com a devida vênia ao culto relator. A questão posta a decidir nesta ação tem escopo muito específico sobre o critério de composição do conselho municipal, tão-somente. Nada mais que isso é aqui objeto de análise e reflexão. E, por isso, não me parece que o critério fixado pelo legislador para permitir que parte do conselho seja composto por membros oriundos de determinado segmento possa ser discriminatório, uma vez que esses membros, presumivelmente, detém o conhecimento e a experiência específica que será relevante para a criação das políticas públicas às quais este órgão se propõe.
DES. RICARDO TORRES HERMANN – Rogando vênia ao e. Relator, acompanho a divergência inaugurada pelo e. Desembargador Eduardo Uhlein.
Em consequência, julgo improcedente a ação direta de inconstitucionalidade.
É como voto.
DES. MARTIN SCHULZE – Com a devida vênia do ilustre Relator, acompanho a divergência lançada pelo Desembargador Eduardo Uhlein.
DES. PEDRO LUIZ POZZA – Com o Relator.
DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO (PRESIDENTE) – Eu também acompanho o Relator.
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA – Senhor Presidente, a presente ação direta tem objeto limitado, como bem destacou o Des. Uhlein, e essencialmente o que ela ataca diz com a composição do Conselho. Nós sabemos que a causa de pedir é livre no processo objetivo, mas, quanto ao pedido, ainda não se tem admitido essa liberdade. Então há que se considerar estritamente, em termos de pedido, aquilo que é objeto da ação direta e diz com a composição do Conselho, que seria o item 2, alínea b, do art. 3º – as 12 vagas para representantes diretos de ilês –, os §§ 3º e 4º, e o parágrafo único do art. 13. Todos a ver com a composição do Conselho. Então, com relação a dispositivos que se poderia discutir a constitucionalidade, não são objeto da ação direta. Relativamente à composição do Conselho, não vejo nenhuma ofensa quer seja ao princípio da isonomia, quer seja à definição da laicidade do Estado brasileiro, até considerando a razão de ser desse Conselho. No Decreto Estadual nº 51.587/14, exatamente se destinou vagas em predomínio expressivo quanto àqueles que fossem vivenciadores de matrizes africanas e afro-umbandistas, ou seja, é o lógico, é o natural que haja esse tipo de definição na composição de um conselho destinado a cuidar dos interesses do povo de terreiro.
Tal está bem explicitado no voto do Des. Uhlein: o pedido é limitado a essas disposições da Lei Municipal que tratam da composição do Conselho, e quanto a isso eu não vejo alguma inconstitucionalidade.
Estou acompanhando a divergência, Senhor Presidente.
DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA – Senhor Presidente, eminentes Colegas, eminente Procurador de Justiça, senhores advogados, demais presentes e, de modo especial, Des.ª Vera Deboni, Presidente da Ajuris.
Eu também, Senhor Presidente, meditando sobre tudo o que foi dito em sessão, sustentação oral muito bem produzida, os votos díspares e o bem lançado parecer do Ministério Público, que foi o autor da ação, parece-me que, com a vênia dos entendimentos em contrário, que tem razão o Des. Uhlein. Os fundamentos do seu voto me convenceram, e mais ainda quando a eles se agregue as ponderações desfiadas pelo Des. Armínio.
Acompanho a dissidência.
DES. JORGE LUÍS DALL’AGNOL – Com a vênia do eminente Relator, estou acompanhando a divergência.
DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Acompanho o Relator, Senhor Presidente.
DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – Inicialmente eu tinha a posição de acompanhar o Relator, mas ouvindo agora o debate que se travou, especialmente a observação do Des. Arminio reforçando o que já tinha dito o Des. Uhlein, da limitação dos pedidos postos na inicial, que dizem especificamente sobre a composição do Conselho, e vendo a legislação Estadual que foi editada regulamentando já a Lei Estadual, que permitiu a existência de conselhos semelhantes, eu também não vejo a inconstitucionalidade proclamada pelo Relator, então estou acompanhando a divergência.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Acompanho a divergência.
DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA – Senhor Presidente, eu vou acompanhar o eminente Relator, apenas aduziria que posso estender aos demais dispositivos, por arrastamento, a inconstitucionalidade apontada pelo eminente Relator.
DES. IRINEU MARIANI – Com o Relator.
DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS – Com a vênia do eminente Relator, acompanho a divergência, pelos jurídicos fundamentos do douto voto do Des. Eduardo Uhlein.
DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO – Presidente – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70076012830: “POR MAIORIA, JULGARAM IMPROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES MARCO AURÉLIO HEINZ (RELATOR), MATILDE CHABAR MAIA, ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA, ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO, PEDRO LUIZ POZZA, CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO (PRESIDENTE), IVAN LEOMAR BRUXEL, MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA E IRINEU MARIANI.”