Jorge Terra

18 de abril de 2024

promovendo justiça de transição

Muitos dos profissionais brasileiros da área jurídica realizam pesquisas de Mestrado, de Doutorado ou de Pós-Doutorado na Alemanha. Apesar disso e de muitos dos que estudaram em terras germânicas estarem em postos-chave, não é missão fácil identificar aqueles que, ao retornar ao Brasil, façam a evidente comparação da Shoá ou Holocausto (a discriminação, a violência sistemática e o extermínio de judeus que ocorreu de 1.933 a 1.945) com o chamado genocídio da população negra brasileira. Poder-se-ia realizar trabalho semelhante ao que ocorreu na Alemanha após a Segunda Grande Guerra e promover ações conjuntas para se tratar sobre direitos humanos, que, ao fim e ao cabo, é do que se trata ao abordar questões raciais.

Se o entendimento e o proceder fossem outros, talvez já estivesse firme no pensamento jurídico brasileiro que é inarredável a realização de um grande processo de justiça de transição. Justiça transicional nos dizeres de Paul van Zyl é “o esforço para a construção da paz sustentável após um longo período de conflito, violência em massa ou violação sistemática de direitos humanos”. Consoante Zyl, “o objetivo da justiça transicional implica processar os perpetradores, revelar a verdade sobre os crimes passados, fornecer reparações às vítimas, reformar as instituições perpetuadoras de abuso e promover a reconciliação.” Nesse sentido, perceba-se, os elementos basilares são a justiça, a busca da verdade, a reparação, as reformas institucionais e a reconciliação.

No Brasil, esse esforço tem sido efetuado pelas Comissões da Verdade sobre a Escravidão Negra. A instituída pela Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil situada no Estado do Rio Grande do Sul, por entender que seu trabalho configura um processo de justiça de transição, apura a realidade sem desconhecer as raízes dos problemas. Assim sendo, tem especial atenção e apreço pela História, pelo  Direito, pela Economia, pela Literatura, pela Sociologia, pela Política e pela Pedagogia.

Seguindo seu planejamento, a Comissão iniciou definindo seis grandes áreas nas quais foram realizadas pesquisas por seus membros, que podiam ou não ser Advogados. Depois disso, foram promovidos três seminários com objetivos distintos: o primeiro, denominado de Nilo Feijó, tinha por desiderato conhecer e reunir pesquisas científicas sobre a escravização e sobre seus reflexos nos presentes dias. O segundo e terceiro tiveram perfis diferentes do primeiro e entre si. O segundo, denominado de Luiza Bairros, permitiu discussão de pontos com pessoas não integrantes da Comissão, mas que levam a efeito estudos ou trabalhos concretos em áreas que seriam impactadas pelos efeito da longa escravização, servindo como bases importantes os dados pertinentes à cultura, à educação, à segurança, à economia e à saúde, havendo, ainda, o estabelecimento de comparação com a escravização desenvolvida nos Estados Unidos e com os movimentos internacionais por reparação pelo comércio transatlântico de pessoas e pela consequente escravização. O terceiro, tinha como diretriz estruturante a relação entre os 130 anos da abolição da escravatura no Brasil e os 30 anos da Constituição Federal de 1.988, verificando-se se, transcorrido esse tempo e com o arcabouço jurídico existente, houve o avanço significativo no estado civilizatório pátrio, se há mudanças a serem implementadas, quais as razões de eventual inêxito e de eventuais alterações que se fizessem necessárias. Nesse evento, também a Comissão procurou estreitar laços com processos e movimentos, tais como a Comissão da Verdade sobre o período da ditadura militar e o Movimento Negro Unificado (MNU).

Entre o segundo e o terceiro seminários, foram realizadas, gravadas e decupadas (transcritas) quatro rodas de conversa, cada uma delas versando sobre cultura, educação, mercado de trabalho e justiça. Essas terão sequência e fechamento com reuniões que serão realizadas em dois bairros de Porto Alegre.

Na fase atual de seu trabalho, a Comissão da Verdade está levando a efeito debates virtuais pertinentes a 8 eixos temáticos com o propósito de que aqueles que se cadastrarem em seu site, aprendam a fazer e construam recomendações a entidades públicas e privadas como forma de reparação e de transformação institucional e procedimental. Organizadas em ordem de prioridade pelos debatedores, as recomendações serão avaliadas, posteriormente pela Comissão para que haja inclusão no relatório final da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS. Cumprido o cronograma, em novembro será apresentado o projeto de relatório final e, no dia 25.3.2.019, dia no qual se homenageiam as vítimas do comércio transatlântico de escravos, será apresentado o relatório em forma de publicação.

É um trabalho de fôlego e que se encara como sustentável, ou seja, capaz de produzir efeitos de curto, de médio e de longo prazos, inserindo-se o Brasil e, mais especificamente o Rio Grande do Sul, no cenário dos movimentos internacionais por reparação pela longa, injusta e injustificável escravização de negros e de negras.

Escrito em 18 de Setembro de 2018.

Jorge Terra

Presidente da Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

WWW.CVENOABRS.WIXSITE.COM/PARTICIPE

24 de junho de 2023

A superação do racismo e do preconceito no domínio esportivo

Filed under: Uncategorized — jorgeterra @ 14:00
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O esporte em geral e o futebol em particular oferecem numerosos exemplos de superação. Essa superação pode ser individual, quando um atleta suplanta as expectativas de quem costuma acompanhar os seus resultados ou, ainda, pode ser coletiva, quando elevados graus de esforço, de mobilização e de coesão conduzem uma determinada equipe a vitórias quase que inesperadas.

A superação aguardada, contudo, parece não estar próxima. Essa diz com o racismo e com os preconceitos diuturnamente identificados, registrados e pouco ou ineficazmente combatidos no âmbito esportivo. Não é novidade que são adotados critérios sensíveis à origem, à sexualidade, ao gênero, à raça e à idade das pessoas que geram tratamentos desfavoráveis e desigualizantes. Essas desigualdades estão fortemente vivas na formação, no desenvolvimento e na contratação de atletas e de gestores, na ocupação dos espaços de comando, na comunicação, nas definições de premiações, nas concessões de patrocínios e nos comportamentos do público-alvo nas arenas esportivas e nas redes sociais.

A superação do racismo, é necessário sublinhar, há muito, também é esperada em outros domínios e não apenas no esporte embora se possa afirmar que a superação nesse domínio teria uma repercussão a curto prazo talvez inimaginável para aqueles que combatem o racismo na educação, nas relações de trabalho, no sistema de justiça ou no sistema de segurança. O esporte é um domínio no qual as discriminações operam com frequência e com amplitude como em outros tantos. Todavia essas características somadas à visibilidade que essa área de atuação humana atinge permitem entender que ações antirracistas nessa seara podem produzir significativos resultados e impactos na sociedade. Importa, entretanto, evidenciar que não é bastante enfrentar o racismo, os preconceitos, as discriminações e os decorrentes vieses em apenas um espaço ou domínio, pois questões complexas, estruturais e pervasivas exigem prevenção, precaução e intervenção com alcance equivalente.

A desigualdade e a discriminação raciais podem ser constatadas sob o exclusivo olhar dos direitos humanos, mas o respectivo enfrentamento deve ser procedido em combinação com os olhares da economia, da psicologia e da neurociência. Sim, é possível aferir os custos sociais e econômicos desses fenômenos raciais, bem como os ganhos com ações antirracistas. Pode-se, também, utilizar as ciências comportamentais como instrumento de avaliação e de mudança. O certo é que apenas levantar dados é insuficiente e que políticas públicas ou privadas, tal como regramentos, devem levar em conta fatores sociológicos, psicológicos, históricos, econômicos, comunicacionais, políticos e jurídicos para saber como as pessoas sentem, agem e comprometem-se com mudanças. Hoje, mundialmente, prevalecem a ineficiência e a ineficácia, mantendo-se a cultura baseada em falsas hierarquias.

Parece não haver consenso de que a questão racial é fundamental para que haja harmonia nas relações entre pessoas e entre nações. Há confusões conceituais tais como entender que a discriminação racial está restrita à situação econômica desfavorável ou à cor da pele. Se assim fosse, talvez não houvesse casos envolvendo atletas negros bem sucedidos financeiramente, tampouco turcos, judeus e árabes. Está-se diante de problema complexo, o que acaba por exigir complexidade na busca e na solução propriamente dita.

Vivenciamos a década internacional dos afrodescendentes, que vai de 2015 a 2024, mas não nos deparamos com ações planejadas, concretas e transformadoras de natureza privada ou pública. O atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, obrigaria a agenda política a se abrir para a questão racial assim como deveria tornar a responsabilidade social corporativa permeável à temática supracitada. Porém, esses importantes ajustes internacionais não foram exitosos na convergência de esforços para a sociedade reafirmasse valores extremamente relevantes e agisse em sintonia com eles. Aliás, inexitosa também tem sido a nossa Constituição embora repudie o racismo e o preconceito por se destinar à construção de uma sociedade democrática, justa e solidária.

Não é ousado dizer que o Observatório da discriminação racial no futebol desempenha papel essencial na desejada mudança de valores, de julgamentos, de decisões e de comportamentos que precisam ocorrer no enfrentamento ao racismo. O Observatório apoia aqueles que estão em situação de sofrimento, divulga e contabiliza atos discriminatórios, persegue a realização de apuração e a tomada de posição por parte de vítimas, de agressores e de gestores esportivos.

Perceba-se que ele não apenas observa, procurando intervir inclusive preventivamente. Nesse sentido, ganha relevo a capilaridade atingida pelo Observatório em decorrência de ter como política sempre estar disponível para pessoas, para instituições e para outros temas de direitos humanos. Assim sendo, o Observatório vai além do que fazem instituições que trazem análises qualitativas ou quantitativas das desigualdades em determinados domínios. Ele assume o encargo de, a partir de seus relatórios, promover ações, articulações e debates que possam ser capazes de levar à reflexão e à mudança no âmbito do futebol.

Jorge Terra.

Coordenador da Rede Afro-gaúcha de Profissionais do Direito

Escrito no início de 2020 para o Observatório contra a discriminação racial no futebol.

4 de junho de 2023

Se , no Brasil, tu não compreenderes…

Se não compreenderes que um grupo racial atravessou o Oceano Atlântico, escravizou os povos originários no Brasil por cerca de 40 anos e quase os aniquilou, todo movimento reparatório te parecerá antidemocrático.

Se não compreenderes que um grupo racial, tomando outro grupo como um mero insumo de uma cadeia produtiva, comercializou-o e escravizou-o por cerca de 300 anos no Brasil, todo movimento reparatório te parecerá antidemocrático.

Se não entenderes que interpretar dados socioeconômicos, educacionais ou políticos sem considerar a intergeracionalidade é fazer um trabalho mal feito, não saberás porque leis e políticas têm sido ineficientes e ineficazes.

Se não entenderes que os fenômenos raciais impactam em todos os domínios e cumprem papel relevante na hegemonia racial, tal como o governo brasileiro, pensarás que dará resultado combater isoladamente o racismo no esporte.

Se não entenderes que ações valorizativas são tão relevantes quanto as ações afirmativas e que ambas devem ser síncronas, não compreenderás a relevância de o Ministério dos Povos Indígenas ter competência para realizar demarcações de terras indígenas.

Se não compreenderes a desvalorização como o primeiro passo para a desigualdade, não entenderás que, no momento presente, sem leis de incentivo fiscal, as empresas brasileiras não terão políticas antirracistas de contratação, de permanência e de ascensão.

Se não compreenderes que há uma disputa em curso, aceitarás como razoável que Municípios e Estados tenham coordenadorias e não secretarias para tratar da questão racial.

Se não compreenderes que sistemas financeiros foram erguidos com base no ouro extraído por pessoas escravizadas e que famílias e países enriqueceram à custa de vida, de liberdade e de saúde de indígenas e de negros, não te parecerá razoável debater sobre reparação material ou imaterial.

Se não compreendes que os legados de dor e de desvalorização estão vívidos na memória coletiva, parecerá estranho para ti que pessoas critiquem nomes de rua, hinos e feriados.

Se não compreenderes o efeito da hegemonia de um grupo racial sobre os outros, não exigirás que as escolas púbicas e privadas modifiquem seus projetos político-pedagógicos, seus planos de ensino e seus planos de aula.

Se não compreendes os danos causados pelo racismo, considerarás normal fotos de empresas apenas com pessoas brancas e candidatas (os) à vaga pelo quinto constitucional serem em quase sua totalidade pessoas brancas.

Jorge Terra.

25 de maio de 2023

Injustiça intergeracional

Mediante caso de racismo que gere repercussão, governo, empresa ou pessoa que tenha relação com o caso dedica algumas semanas de atenção à temática, sempre com o propósito de mostrar que não é racista. Essa visão limitada impede perceber que o antirracismo deve ser empreendido como um megaprojeto, produzindo enfrentamento estrutural e estruturante. Quando se trata de estradas, de energia ou de tecnologia, governos facilmente identificam a necessidade de infraestrutura para construir soluções adequadas. Todavia, diante de injustiça intergeracional praticada há séculos contra determinados grupos raciais, não buscam técnicas pautadas pela eficiência e pela eficácia. Empresas, embora não seja novidade que a diversidade interna gera competitividade, engajamento e ganhos financeiros, persistem nos mesmos caminhos e buscando os mesmos perfis para seus quadros de gestores, além de não se comprometerem com o avanço.

Há, ainda, aqueles que acreditam que cotas e leis sejam os instrumentos suficientes para gerar mudança. Bom destacar que as cotas são reservas de vagas e, isoladamente, não envolvem nenhum investimento público ou privado. Leis de cunho racial como a que obriga a ensinar as histórias e as culturas africanas, afrobrasileiras e indígenas nas escolas, bem como o estatuto da igualdade racial são descumpridas sem remorso algum. Evidentemente, as populações negra e indígena são as que mais sofrem em decorrência do racismo no Estado e no país. Porém as consequências econômicas e políticas do racismo podem atingir a sociedade como um todo.

Atos meramente simbólicos e “lives” não mudam o mundo. A sociedade perde talentos diariamente e se afasta do desenvolvimento sustentável a passos largos. Problemas complexos demandam soluções complexas. A questão racial não pode ficar em um canto das instituições. Ela deve ser um critério de tomada de decisão. É crucial promover planejamento, monitoramento, avaliações e estrutura. A vida não pode esperar.

Jorge Terra – Diretor de relações institucionais do Instituto Acredite.

acrediteinstituto@gmail.com

20 de dezembro de 2022

As Holandas diferentes entre si.

A Holanda, em 19.12.2022, por intermédio de seu Primeiro Ministro, pediu perdão pelo período de 250 anos durante os quais se beneficiou da escravização de pessoas negras.

Pedir perdão pode ser uma fase de um processo de justiça de transição. Esse pedido não é essencial no referido processo, mas é demonstração do interesse em constituir uma sociedade sobre outras bases valorizativas. No caso em comento, não se trata de um processo de justiça de transição e o pedido é objeto de críticas de pessoas e de hoje países que ainda sofrem os efeitos de período de mensuráveis ganhos econômicos auferidos por países colonizadores, por financiadores de viagens transatlânticas, de plantações nas colônias e de compras de pessoas escravizadas, bem como por traficantes e por proprietários de terras e de manufaturas. A falsa hierarquia de raças e de culturas instituída no passado continua a gerar efeitos danosos para os mesmos grupos. A crítica, portanto, está sustentada no fato de o pedido de perdão estar desacompanhado de reparação.

Há países que, diferentemente, parecem fingir que, em seu território, não ocorreu escravização, tampouco ganhos econômicos com o tráfico de pessoas, com a exploração de pessoas e de produtos como a madeira, o algodão, o açúcar ou o ouro. Há países, ainda, que fingem ter constituído um sólido e harmônico tecido social que somente seria rompido se descendentes de escravizados insistissem em invocar direitos reparatórios ou pontuar discriminações.

Há países com sólido sistema bancário que desde a origem lastreavam-se em ouro sem terem quantidade expressiva de minas desse metal. Há, ainda hoje, países sem plantações de cacau que são famosos por vender chocolates a despeito de saberem que crianças e adolescentes são escravizados em países africanos para que sejam maiores os lucros dessa cadeia produtiva.

É quase finda a década iniciada em janeiro de 2015 para gerar mudança na gestão de problemas raciais no mundo. Essa década, a dos afrodescendentes segundo a ONU, não suportaria avaliação sob qualquer aspecto, sendo perceptível que reconhecimento, justiça e desenvolvimento são promessas diariamente reprisadas. Aliás, falando-se em reprise, há ex-colônias que reprisam comportamentos das ex-metrópoles ao constituir sucessivos governos sem considerar suas demografias. Não é acidente que, na obra na qual pela vez primeira se falou em racismo institucional, a comparação foi entre o agir da metrópole em relação à colõnia quando se abordou sobre a relação entre grupos raciais dominantes e subordinados dentro de um mesmo país.

Nesse quadro, adianta haver leis ou constituição que sejam contrárias à prática vista em larga escala no mundo? Isso depende do que se considera como sendo o sentido de “adiantar” e sobre o que são ações. Sim, disposições legais ou constitucionais são relevantes, mas isoladamente podem redundar em insuficiente resultado concreto. É possível fazer melhor. É possível não lembrar de determinadas questões apenas em períodos eleitorais ou de protestos mais severos. É possível agir de forma planejada e com atenção à intergeracionalidade.

Basta de governantes se dizerem preocupados e de pouco se fazer! A eficiência e a eficácia declamadas quando se debate sobre infraestrutura, energia ou tecnologia desaparecem quando específicos temas e pessoas estão no centro do debate.

Ativistas, pesquisadores e sociedade em geral, gritem: – Peça desculpas em um genuíno processo de justiça de transição e não esqueça da importância da reparação e da possível contribuição de pessoas nunca vistas em posições de comando!

Não há tempo para retroceder, tampouco para esmorecer. Todavia, ouvir diferentes Holandas, nos dois lados do Atlântico, a se eximir e a se organizar para nada mudar, já não pode mais ser tolerado.

Jorge Terra JT

13 de fevereiro de 2022

A serviço de quem nos quer mortos

   

A serviço de quem nos quer mortos

Tenho pautado meu comportamento pela busca de resultados concretos positivos. Por isso, não costumo me dedicar a falar sobre o que ou sobre quem desmerece minha atenção.

Todavia, essa minha visão caiu por terra ao saber das manifestações do Presidente da Fundação Palmares sobre a pessoa de Moise e sobre sua brutal morte.

Tudo, inclusive isso, tem limite.

Pode-se compreender que alguém integre um governo de extrema direita e que se filie ao seu ideário. Porém, ser cruel, mesmo que a pretexto de agradar chefia, eleitores e pessoas desalmadas, é inadmissível.

Chega!

Chegou a hora de olhos se abrirem e de, novamente, ser questionada judicialmente a atuação despida de valores humanitários de presidente que atenta contra as competências da instituição pública que preside.

Levantemo-nos e não permitamos que aqueles que traem o grupo que integram continuem a dizer e a fazer o que agrada aos que não veem as negras e os negros como pessoas e como cidadãs e cidadãos !!!!

Jorge Terra

Jorge Terra é Procurador do Estado do Rio Grande do Sul.

fonte: Afropress.com edição de 12 de fevereiro de 2022.

https://www.afropress.com/a-servico-de-quem-nos-quer-mortos/

26 de maio de 2021

O que é reconhecimento ?

       Reconhecimento é consideração. É valorização por contribuição aduzida ou por esforço empregado em área de atuação humana tida como relevante. Nesse sentido, ao lado do desenvolvimento e da justiça, o reconhecimento foi estabelecido como um dos pilares da década internacional dos afrodescendentes instituída pela Organização das Nações Unidas.

    Ocorre que, transcorridos em torno de seis anos e meio do início dessa década, o nível de reconhecimento da contribuição social, econômica e cultural da população negra no Brasil não parece ter se elevado. Não se pode dizer que houve por parte de governos, empresas e sociedade, planejamento, ação ou esforço transformador.

    Nesse quadro, constatável é a ineficácia de ser signatário de atos internacionais, de editar disposições constitucionais e legais sem atenção à concretude e sem legítimo interesse em ser efetivo.

    Aliás, oportuno registrar que reconhecimento é um problema que aflige a população negra em outra dimensão. Sim, há numerosos casos nos quais pessoas negras inocentes são reconhecidas como autoras de crimes, impondo-se-lhes as dores da injustiça, da responsabilização por atos não cometidos e da privação de liberdade.

    Não há a ilusão de que, nos três anos e meio restantes da década, ter-se-á a efetividade não observada em pouco mais de 60% dela. Pode-se dizer que deveria ter sido instituído comitê de monitoramento pela ONU; pode-se dizer que se deveria ter instituído sistema de avaliação; pode-se dizer que a ONU não foi tão incisiva quanto deveria ter sido. O que certamente deve-se dizer é que, no Brasil, não houve vontade alguma de se promover alterações institucionais, comportamentais, educacionais, culturais, sociais, políticas e jurídicas, pois a manutenção da situação vivenciada desde o final da escravatura, ou seja, a falsa hierarquia de raças e de culturas, interessa ao grupo que quase aniquilou os indígenas e comercializou os negros por longo período.

A conclusão inarredável é que, sem reconhecimento, não há reparação, desenvolvimento e justiça.

Jorge Terra.

11 de maio de 2021

A desconhecida ação judicial com que advogado negro libertou 217 escravizados no século 19

  • Leandro Machado
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

8 maio 2021

Luiz Gama
Legenda da foto,Luiz Gama foi figura-chave no movimento abolicionista brasileiro

Em um dia do mês junho de 1869, uma nota no jornal chamou a atenção de Luiz Gama, advogado considerado um herói nacional por seu ativismo abolicionista no século 19. A notícia relatava que a família do comendador português Manoel Joaquim Ferreira Netto, um dos homens mais ricos do Império, estava brigando na Justiça pelo espólio do patriarca, morto repentinamente em Portugal.

Ferreira Netto tinha uma grande fortuna: 3 mil contos de réis (cerca de R$ 400 milhões em valores atuais), distribuídos em inúmeras fazendas, armazéns comerciais, sociedade em empresas lucrativas, e centenas de pessoas negras escravizadas em suas propriedades.

Em uma linha de seu testamento, publicado em um jornal um ano antes, o comendador fez um pedido comum entre grandes proprietários de escravos da época: depois de sua morte, ele gostaria que todos fossem libertados. A “alforria post mortem” era vista como uma espécie de “redenção moral e de consciência”, pois, ao final da vida, os escravocratas também queriam garantir um espacinho no céu.

Ao ler a notícia, Luiz Gama procurou saber se a vontade do morto havia sido cumprida: as 217 pessoas escravizadas pelo comendador tinham sido libertadas como determinava o testamento? Logo descobriu que não, como ocorria com frequência em documentos do tipo. A família e alguns sócios brigavam pelos bens, mas os cativos continuaram na mesma situação.

O advogado, em início de carreira, decidiu acionar a Justiça para que a liberdade e a vontade do empresário fossem respeitadas. O processo judicial que se seguiu, conhecido nos jornais da época como “Questão Netto”, é apontado por historiadores consultados pela BBC News Brasil como a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas. Por ora, não há registro de processo que envolva mais pessoas, segundo eles.Pule Talvez também te interesse e continue lendoTalvez também te interesse

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Páginas do processo, escritos a mão
Legenda da foto,O historiador Bruno Rodrigues de Lima precisou decifrar as várias caligrafias do processo

Essa ação de Luiz Gama foi encontrada recentemente pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em História e Teoria do Direito pelo Max Planck Institute, em Frankfurt, na Alemanha.

A peça de mais de mil páginas – toda escrita à mão – estava armazenada no Arquivo Nacional e não há registros de que ela tenha sido analisada em profundidade. “Não há grandes registros desse processo na historiografia sobre Luiz Gama. Encontrei citações nas décadas seguintes ao processo e uma uma nota de rodapé num livro dos anos 1990”, diz Lima, que há mais de uma década pesquisa a vida e a obra do abolicionista.

Lima fez uma cópia do processo e a levou para a Alemanha, onde passou meses decifrando as várias caligrafias presentes no calhamaço. “Logo identifiquei a letra de Gama, que era de mais fácil leitura. Mas havia várias outras, como a de escrivães, promotores e juízes”, explica.

A análise do processo agora fará parte da tese de doutorado que o historiador vai apresentar ao final deste ano sobre a obra jurídica do abolicionista. Além desse, a tese contará com dezenas de outros processos ainda desconhecidos, diz.

A ‘Questão Netto’

Lima conta que o processo passou a correr em Santos, litoral sul de São Paulo, por causa de uma pendenga judicial do comendador Ferreira Netto com um sócio da cidade. Inicialmente, Luiz Gama se apresentou ao juiz da comarca apenas como um interessado no caso.

“Ele fez uma petição ao juiz de maneira bastante escorregadia, porque ele não era parte naquela briga judicial pela herança. Ele entra no processo como um cidadão que queria saber o que aconteceu com os escravizados. O juiz respondeu que eles precisavam de um representante”, diz.

A princípio, Gama não foi nomeado “curador” dos interesses do grupo, mas, depois de outros cidadãos se recusarem a participar da ação, ele foi indicado pelo próprio juiz para assumir a tarefa.

O abolicionista não sabia quem estava representando de fato, mas mandou emissários para descobrir os nomes, idades e há quanto tempo pertenciam ao comendador.

Bruno Rodrigues de Lima
Legenda da foto,O historiador Bruno Rodrigues de Lima estuda a vida e a obra de Luiz Gama há mais de uma década

No total, havia 217 escravizados nas propriedades do fidalgo – gente de Angola, Moçambique, Congo, entre outras nações africanas. “Gama recebe informações com nome, idade, naturalidade, histórias de vida. Havia famílias inteiras nas fazendas”, diz Lima.

Mas como garantir que o direito à liberdade, recém-conquistado com a morte do comendador, fosse garantido? Lima acredita que a “Questão Netto” tenha sido o primeiro grande processo de liberdade de Luiz Gama, que, na época, havia sido demitido de um cargo na polícia.

Quem era Luiz Gama?

Nascido em 1830 em Salvador, Luiz Gama teve de lidar com a escravidão desde cedo. Sua mãe era uma mulher negra e seu pai, um fidalgo de origem portuguesa.

Praça da Sé, final do século 19
Legenda da foto,Luiz Gama atuou como advogado em São Paulo, onde trabalhou na polícia. A imagem mostra a praça da Sé

“A vida dele foi singular em todos os aspectos. Muitos historiadores acreditam que ele era filho de Luiza Mahin, uma guerreira que participou de várias revoltas negras na Bahia”, diz Zulu Araújo, presidente da Fundação Pedro Calmon e ex-presidente da Fundação Palmares durante o governo Lula.

“Mas não há certeza de que Mahin era sua mãe mesmo ou se foi uma história inventada por Gama. O fato é que a mãe dele desapareceu, e ele foi criado pelo pai.”

Aos 10 anos, Gama foi vendido pelo próprio pai a um contrabandista do Rio de Janeiro, que logo o repassou a um fazendeiro paulista. O dinheiro da venda serviria para o pai saldar uma dívida de jogo. Na adolescência, ele foi escravizado, mas, com 18 anos, conseguiu provas de sua liberdade e fugiu do cativeiro.

Aprendeu a ler e escrever, foi poeta e trabalhou como jornalista, tipógrafo e escrivão de polícia, onde passou a lidar diariamente com a legislação. Autodidata, o jovem tentou cursar Direito na tradicional Faculdade do Largo São Francisco, mas foi rejeitado pela elite que comandava a instituição. Ele só ganharia o título oficial de advogado, dado pela OAB, em 2015, quando sua morte completou 133 anos.

“Gama era uma pessoa ‘improvável’ para a época, porque era negro e pobre. Ele aprende o Direito na prática, trabalhando na polícia e frequentando a biblioteca particular de Furtado de Mendonça, chefe da polícia e amigo que o protegia”, explica Tâmis Parron, professor de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Commun (Núcleo de Estudos de História Comparada Mundial).

“A grande sacada dele foi perceber a centralidade do Direito na luta abolicionista e como estratégia para destruir a escravidão. O ativismo jurídico tinha sido muito importante para o abolicionismo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Ele o trouxe para o Brasil. Gama percebeu que a própria legislação podia ser usada contra os senhores”, diz Parron.

Estima-se que o advogado tenha conseguido libertar centenas de escravizados com ações na Justiça – há centenas de processos de liberdade com seu nome no arquivo do Tribunal de Justiça de São Paulo, material em boa parte desconhecido da historiografia. Muitas vezes, ele trabalhava de graça.

Mas como ele conseguia libertar tantas pessoas?

Primeiro, é preciso voltar um pouco no tempo. Em 7 de novembro de 1831, pressionado pela Inglaterra, o Império brasileiro assinou uma lei que proibia o tráfico de africanos ao Brasil. Ou seja, a partir daquele momento, qualquer africano trazido ao país deveria ser libertado imediatamente.

Processo
Legenda da foto,O processo tem mais de mil página e está armazenado no Arquivo Nacional

Mas isso não aconteceu na prática. Embora embarcações inglesas patrulhassem a costa brasileira em busca de navios negreiros, o contrabando era bastante comum no país – essa discrepância entre o que estava na lei e a vida real fez com que a norma ganhasse o apelido de “lei para inglês ver”.

Estima-se que mais de 700 mil africanos foram trazidos ilegalmente para o Brasil entre 1831 e 13 de maio de 1888, quando a escravidão foi finalmente abolida pela Lei Áurea. Em todo o período de escravidão, foram cerca cinco milhões de pessoas.

Luiz Gama passou a atuar em casos de pessoas contrabandeadas ao país depois dessa legislação. “Ele reunia provas para demonstrar que, se a pessoa tinha nascido na África e foi trazida ao Brasil depois de 1831, ela fatalmente foi traficada e sua condição de escravizada era ilegal. Esse foi um dos argumentos que ele utilizou para conseguir libertar centenas de pessoas”, conta Bruno Lima.

Segundo Tâmis Parron, o tráfico negreiro ocorria com o consentimento e a participação do Império, que dependia da economia escravista. “Para existir e atuar, o crime organizado precisa da participação ou da anuência de alguma esfera da burocracia estatal”, diz.

“O que Gama fez com seu ativismo foi escancarar que o Estado e o escravismo brasileiros, além de roubarem os direitos naturais e inalienáveis do homem, eram literalmente ladrões e criminosos, pois burlavam a lei que eles próprios criaram”, completa Parron.

Escravos urbanos coletando água no Brasil da década de 1830
Legenda da foto,Escravizados urbanos coletando água no Brasil da década de 1830

Liberdade, vidas perdidas

Luiz Gama apresentou uma tese jurídica bastante simples, porém inédita, para tentar ganhar a ação contra a família e os sócios do comendador Ferreira Netto, que queriam manter a propriedade de seus 217 cativos.

“Ele teve a sacada de usar a voz do senhor de escravos como argumento jurídico contra ele próprio. O testamento havia sido publicado em vida na imprensa. Então, a estratégia dele foi a seguinte: se o próprio comendador escreveu que gostaria que os escravizados fossem libertados, por que eles ainda não estavam livres?”, conta Bruno Lima.

Ou seja, o advogado argumentou que, quando Ferreira Netto morreu, os cativos ficaram livres imediatamente, pois o testamento assim o pregava. Para Gama, o papel da Justiça no caso não seria conceder a liberdade aos escravizados, mas devolvê-la a eles.

“Ele para de usar a palavra ‘escravo’ no processo, chama-os de libertandos. Na época, havia o crime de redução de uma pessoa livre à condição de escravizado. Isso não era permitido pela lei. Então, Gama inverte o jogo, mostrando ao juiz que a família do comendador estava cometendo um crime ao escravizar pessoas que já eram declaradas livres. É um argumento meticuloso e muito bem pensado”, explica Lima.

Os herdeiros da herança, temendo perder um bem tão valioso, contrataram um advogado renomado para representá-los no tribunal: José Bonifácio, poeta romântico, professor de Direito no Largo São Francisco, conhecido como “o Moço”.

Segundo o historiador, a ideia da família era ter como defensor um advogado que não fosse identificado com a escravidão. Bonifácio era um político liberal e abolicionista. De fato, anos depois do caso, ele participaria como senador da campanha pelo fim do regime. No processo do comendador, porém, defendeu os escravocratas.

Curiosamente, o argumento jurídico de Bonifácio, que contestou o trecho do testamento que libertava os cativos, começava de maneira um pouco culpada: “Sem opor-me à liberdade, mas…”.

Gravura de 1881 de um 'navio negreiro'
Legenda da foto,O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculos

Para Lima, ao longo do processo, Bonifácio “jogou sua imagem de abolicionista no lixo”. “Se ele começou escrevendo que não se opunha à liberdade, no restante da ação agiu como um escravocrata confesso, defendendo de maneira ensandecida a família do comendador”, aponta o historiador.

No auge do processo, quando a causa ganhou repercussão em jornais da corte, Luiz Gama contou estar sofrendo ameaças de morte. Mencionou o fato em dois textos escritos em uma mesma semana de setembro de 1870, quando houve uma audiência importante do caso:

Ao jornal Correio Paulistano, revelou uma trama da chefia da polícia para matá-lo. Já em uma carta ao filho, que tinha apenas 11 anos na época, escreveu o seguinte: “Lembra-te de escrevi essas linhas em momento supremo, sob ameaça de assassinato.”

Porém, apesar da pressão da elite escravocrata, o juiz de Santos deu ganho de causa ao argumento de Gama, em tese libertando os 217 cativos. Mas Bonifácio apelou a outras instâncias no interior de São Paulo, numa chicana jurídica que prolongou o processo e adiou a libertação das vítimas.

Em 1872, o julgamento do mérito finalmente chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, a última instância, no Rio de Janeiro. No tribunal, Gama foi representado por um amigo, o advogado Saldanha Marinho, pois a corte não aceitava sua atuação fora de São Paulo. O abolicionista escreveu a sustentação final, apresentada por Marinho, e acompanhou o julgamento no palácio da Justiça.

Os ministros concordaram com a tese de Gama, mas a vitória não foi completa. Eles determinaram um prazo de 12 anos para a libertação dos 217 escravizados a partir da feitura do testamento, de 1866. Ou seja, os cativos tiveram que prestar serviços forçados para os herdeiros do comendador até 1878, quando finalmente foram libertados.

Pintura do porão de um navio negreiro
Legenda da foto,O tráfico de africanos foi proibido no Brasil em 1831, mas o contrabando continuou por várias décadas

“Essa liberdade condicional foi uma derrota para Gama, mas a vitória dele no mérito da causa, uma alforria coletiva, foi uma coisa escandalosa para a época. Isso nunca tinha acontecido no Brasil. São raríssimas as libertações coletivas no sistema escravocrata das Américas, o que dirá de uma alforria de 217 pessoas”, explica Lima.

A vitória histórica de Gama na maior corte do país não foi noticiada com destaque na imprensa paulista, bastante ligada a fazendeiros escravocratas. Temia-se que a repercussão da história pudesse gerar novos processos. “Saiu apenas uma pequena nota em um jornal, e ela só informava o final da causa”, diz o historiador.

Ao final do prazo, em 1878, um jornal paulista noticiou uma grande festa em comemoração pela libertação dos cativos do comendador Ferreira Netto. No entanto, das 217 pessoas representadas por Gama, apenas 130 ainda estavam vivas para gozar a liberdade finalmente conquistada, segundo a publicação.

“No fim das contas, Gama não se sentiu vitorioso, talvez por isso ele pouco tenha falado dela depois. Mesmo tendo ganho o mérito, 80 vidas foram perdidas”, diz Lima.

Maior ação coletiva

A “Questão Netto” foi a maior causa de libertação defendida por Luiz Gama. Segundo Bruno Lima, ela chegou a ser citada brevemente por historiadores nas décadas seguintes, mas caiu no esquecimento.

A segunda maior ação de Gama, por exemplo, tinha 18 pessoas, e correu em Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Portanto, dado que o advogado foi o maior ativista do abolicionismo jurídico do país, o caso dos 217 cativos pode ser o maior processo do tipo na história do Brasil.

O historiador Tâmis Parron, da UFF, vai mais longe: o catatau encontrado e analisado por Bruno Lima pode ser a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas até hoje.

“Nos Estados Unidos e no restante da América, os processos de alforria eram bem distintos. Nos EUA, por exemplo, a alforria não dependia apenas da vontade do senhor, como no Brasil, mas sim da autorização de várias instâncias da burocracia estatal. Era difícil ter ações coletivas. Nunca li nada na historiografia do abolicionismo sobre um processo que envolvesse tantas pessoas”, diz.

Para Lima, a descoberta abre brechas importantes nas pesquisas sobre o abolicionismo brasileiro e sobre a trajetória de um de seus maiores expoentes. Em seu doutorado, ele analisa principalmente os argumentos jurídicos das partes, mas outros aspectos da ação ainda podem ser pesquisados.

“Há muito a se estudar ainda sobre esse processo: quem eram esses escravizados? O que aconteceu com eles depois? Outro ponto é que ele joga luz sobre a figura de José Bonifácio, visto historicamente como um grande abolicionista, mas que na ação defendeu escravocratas de maneira bastante enfática”, aponta o historiador.

Apagamento

Existem algumas biografias sobre Luiz Gama, mas sua obra completa e sua atuação como advogado ainda não são de todo conhecidas. Há diversas razões para explicar os motivos desse esquecimento.

“Primeiro, existe um problema estrutural da pesquisa acadêmica no Brasil que é o subfinanciamento. É uma vergonha que a obra de Luiz Gama não esteja toda publicada. Se ele fosse americano, dada a sua importância histórica, tudo o que ele escreveu já estaria na vigésima edição. Qualquer assunto da história do Brasil ainda é um terreno a se desbravar”, diz Tâmis Parron.

Para ele, outro problema afeta os estudos sobre o abolicionismo. “Com o racismo estrutural e o negacionismo em relação à escravidão e às desigualdades sociorraciais, não é difícil entender por que esse grande abolicionista da história mundial não tem sua obra estudada no país”, completa.

Já Zulu Araújo, ex-presidente da Fundação Palmares e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia, acredita que a elite brasileira tentou “branquear” a história ao associar o fim da escravidão apenas à Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea em 1888, e não ao trabalho incessante dos abolicionistas.

“Tentou-se apagar a escravidão da história do país com a assinatura de uma senhora da elite. Esse tipo de narrativa apaga a participação popular no processo abolicionista e as lideranças que tinham origem popular, como Luiz Gama”, diz. “Ele era um negro que viveu todas as instâncias da escravidão: nasceu livre, foi vendido pelo próprio pai, tornou-se escravo e depois se libertou para defender outros escravizados.”

Segundo Zulu, o movimento negro, depois dos anos 1970, escolheu Zumbi dos Palmares como seu maior símbolo na luta contra o racismo. “Para se contrapor à Princesa Isabel, escolheu-se uma figura guerreira como referência. Foi uma escolha histórica. Acredito que hoje, com o maior acesso da população negra às universidades, outras pessoas importantes voltarão a ser estudadas. Acredito que uma das saídas para o movimento é resgatar outros símbolos da nossa história, como Luiz Gama”, diz.

fonte: BBC BRASIL

16 de abril de 2021

Debate on Black Lives Matter

Debate entre Marçal de Menezes Paredes (PUCRS) e Danilo Contreras sobre o Movimento Black Lives Matter na América Latina.

Esse debate, promovido pela Universidade de Groningen, em 24 de março de 2021, está acessível pelo seguinte link:

https://www.youtube.com/results?search_query=debate+on+BLM+in+LA+Danilo+Contreras

Debate bettwen Marçal de Menezes Paredes and Danilo Contreras on BLM in Latin America

8 de abril de 2021

Slavery: What are reparations and should they be paid?

21 Aug 20 2021 August 2020 Last updated at 03:56Slaves-on-boats.GETTY IMAGES

On 23 August every year, people around mark the United Nations’ International Day for Remembrance of the Slave Trade and its Abolition.

The slave trade was when people were bought and sold as slaves across routes around the Atlantic Ocean.

Slavery used to be completely legal but it was abolished in the UK in 1807 – although it wasn’t until a quarter of a century later that slavery ended throughout the British Empire by the passing of a law called the Slavery Abolition Act in 1833.

This act said that freedom should be granted to slaves in most British territories the following year, although in reality slaves gained their freedom more gradually over the next few years.

Learn more about slavery

The world remembers the abolition of the slave trade

Black History Month: Why it’s important to me

What is Juneteenth and how important is the US holiday?

When this happened, slave owners were given money by the British government to compensate them for the loss of their slaves, which in those days were considered “property”. These payments were known as reparations.

But the former slaves didn’t get any money for all the work they had done under slave labour, their lack of freedom, or the horrible conditions they’d suffered.What are reparations?

Reparation is a word most frequently used in relation to money – given as an apology or acknowledgement that something was wrong or unfair.

The Slavery Abolition Act set out the amount of money that the UK treasury should pay to the 3,000 families that had owned slaves, which ended up being roughly £20 million.

Where else in history have reparations been paid?

After World War One: Germany and the other countries were to be made to pay for the damage suffered by Britain and France during the war. In 1922 the amount to be paid was set at £6.6 billion.

After World War Two: West Germany agreed to pay $7 billion to the newly created state of Israel where many persecuted Jews were going to live, and in total around $89 billion was paid individual survivors of the Holocaust.

2003: South Africa’s post-apartheid Truth and Reconciliation Commission recommended reparations for human rights abuses by the apartheid government, although only small amounts were paid.

2013: The UK government agreed to pay out £19.9 million in costs and compensation to more than 5,000 elderly Kenyans tortured by British colonial forces following the Mau Mau uprising in the 1950s.

When this happened, slave owners were given money by the British government to compensate them for the loss of their slaves, which in those days were considered “property”. These payments were known as reparations.

But the former slaves didn’t get any money for all the work they had done under slave labour, their lack of freedom, or the horrible conditions they’d suffered.What are reparations?

Reparation is a word most frequently used in relation to money – given as an apology or acknowledgement that something was wrong or unfair.

The Slavery Abolition Act set out the amount of money that the UK treasury should pay to the 3,000 families that had owned slaves, which ended up being roughly £20 million.

Where else in history have reparations been paid?

After World War One: Germany and the other countries were to be made to pay for the damage suffered by Britain and France during the war. In 1922 the amount to be paid was set at £6.6 billion.

After World War Two: West Germany agreed to pay $7 billion to the newly created state of Israel where many persecuted Jews were going to live, and in total around $89 billion was paid individual survivors of the Holocaust.

2003: South Africa’s post-apartheid Truth and Reconciliation Commission recommended reparations for human rights abuses by the apartheid government, although only small amounts were paid.

2013: The UK government agreed to pay out £19.9 million in costs and compensation to more than 5,000 elderly Kenyans tortured by British colonial forces following the Mau Mau uprising in the 1950s.

This was a very large sum, around 40% of the government’s budget at that time. It had to take out huge loans to be able to raise the funds, which it only finished paying off in 2015.

Nowadays it might seem very strange that people were given money to compensate them for not being allowed to own slaves – something now universally agreed to be wrong and an abuse of human rights.

But, in the past, a large part of the population, including people in very important positions, saw things differently.

For many, their biggest concern was about money and the loss in profits to their businesses after slavery came to an end.To enjoy the CBBC Newsround website at its best you will need to have JavaScript turned on.https://emp.bbc.co.uk/emp/SMPj/2.40.2/iframe.htmlBlack History Month: ‘My ancestor was a slave’

There were also fears that, without compensation to win over slave owners, could have led to violence or even war between those who supported slavery and those who didn’t – something that actually happened in the United States of America.

But as the agreement to pay reparations was made almost 200 years ago, many people living in the UK today didn’t even know that slave owners had received reparations and that the debts were still being paid until 2015.

It was only in 2018 that the public became aware, after the government shared a post on social media highlighting the fact, and many people were angry to learn that that their taxes had been used to help compensate slave owners.What about reparations for former slaves?A statue commemorating the abolition of slavery stands in front of the House of Slaves museum, before being relocated to the "Freedom and Human Dignity" Square, on Goree island, off the coast of Dakar, Senegal July 3, 2020REUTERS – More than 12 million Africans were forcibly transported across the Atlantic to work as slaves. This statue commemorating the abolition of slavery stands in front of the House of Slaves museum in Dakar, Senegal, before being relocated to the “Freedom and Human Dignity” Square, on Goree island, off the coast of Senegal on July 3, 2020

There have been campaigns calling for reparations to be paid to those who suffered as result of slavery.

But as the former slaves are no longer, there is debate as to who the money would go to – their descendants, their communities or countries that slaves were originally taken from?

There are a lot of different views on the idea, as well as much disagreement about how it would work, who should pay reparations, and who should receive money.Campaigns for reparations

In 2002, campaigners called on governments of the European countries involved in the slave trade to pay off African debt.

Campaigners in the UK argued this would go some way to apologising for its part in the slave trade.

When we talk about reparations, people think that it’s about money. But it’s about making repairs, be they economic or social, to Africa and for African descendents in Europe.Esther Stanford, From the Society of Black Lawyers and member of the reparations campaign

In 2013 and 2014 several Caribbean countries called on the UK and other European countries, including France, the Netherlands, Portugal, Spain, Norway, and Sweden, to pay reparations to their governments.

At the time the UK foreign secretary, William Hague said he “did not see reparations as the answer”.

Many countries including the UK have apologised for their role in the slave trade, while others, have expressed regret that it ever happened.William Hague.GETTY IMAGES William Hague was the UK Foreign Secretary from 2010 to 2014

Since then. the UK has increased investment in many Caribbean countries, helping to improve infrastructure like roads and buildings, and healthcare, but it hasn’t directly addressed the question of reparations.

Other big organisations, like the Church of England and the Bank of England, have also apologised for their historic links to slavery.

Some businesses, who received reparations payments as former slave owners, have promised to pay “large sums” to black, Asian and minority ethnic (BAME) communities to try and say sorry.

In July 2020, Lambeth Council in London became the first council to show support for slavery reparations, while each year in Brixton protestors take part in a ‘reparations march’ on Afrikan Emancipation Day.What are the arguments for and against reparations for the descendants of former slaves?Extinction rebellion protest in London.GETTY IMAGES Some people held banners calling for reparations during marches on Afrikan Emancipation Day in London earlier this month

UN human rights chief Michelle Bachelet has called for rich nations to make amends for “centuries of violence and discrimination” by paying reparations.

She said: “Behind today’s racial violence, systemic racism and discriminatory policing lies the failure to acknowledge and confront the legacy of the slave trade and colonialism.”

It’s also been argued that, as slavery helped the UK become a world power, some of this wealth should be given back to the descendants or countries where the slaves came from originally.

People have also said that views and attitudes from the time of slavery still have an impact on the present, holding back the descendants of slaves, and so money should be given to address this problem.Students in US protestingGETTY IMAGES In the United States, reparations for slavery has also become a big talking point

Payments would cost governments trillions and as government money comes from taxation and it’s been argued that it is unfair and unnecessary to ask people living today to pay for something that happened long before they were born.

Others have said that giving money in the form of reparations doesn’t really address the problem of racial inequality, and that the funds that would be spent on reparations could be put to better uses.

Some people whose ancestors were slaves have also said they see the idea of reparations as insulting.

That’s because they say no amount of money can make up for the wrongs done during the period of slavery, and it reinforces the view of black people as victims.

fonte: newsround – bbc ago/2020.

3 de abril de 2021

SEDER DE PESSACH

Do seder de Pessach da SIBRA, em 2021, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS teve a honra de participar.

Aqueles que perseveram pela paz, pela harmonia e pelo respeito precisam sentar à mesma mesa e aprender uns com os outros.

Assista esse momento importante de reflexão e de aprendizagem.

Acesse pelo seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=s6mHhk2TGMA

Jorge Terra

27 de março de 2021

O legado do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão

Em 25.03.2021, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra realizou evento alusivo ao dia internacional em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão.

A CVEN contou com a presença do Escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo.

O evento é acessível pelo canal da OAB/RS no youtube. Abaixo o link.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

comissoesespeciaissec@oab.org.br

20 de março de 2021

Legado do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão é tema de webinar

A Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra realizará, no dia 25 de março, às 18h, o webinar “O legado do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão”, que homenageará as vítimas e pontuará o direito e a necessidade de reparação de maneira articulada e planejada.

Segundo o presidente da CVEN, Jorge Terra, o evento tem natureza internacional, pois a questão refere-se às situações vivenciadas pelos negros e negras no mundo inteiro. “A nossa comissão configura-se em processo de justiça de transição. Logo, cabe a nós apurar violações ocorridas durante o transporte transatlântico de escravizados durante a escravatura e logo após a abolição, percebendo os efeitos dos danos causados, sob perspectiva intergeracional, desde aquela época até o presente ano”, disse. 

Conforme explicou Terra, atualmente, a população negra ainda é desvalorizada em decorrência da longa escravidão e a comercialização transatlântica de escravizados. “Essa desvalorização gera discriminação e desigualdade na educação, no mercado de trabalho, nos sistemas de justiça e de segurança, na comunicação e na tecnologia”, destacou.

Durante o evento, a CVEN fará recomendações debatidas e estudadas em seminários, rodas de conversa e fóruns realizados, que permitiram conhecer realidades e entender necessidades e propostas da sociedade civil. As recomendações serão encaminhadas para as instituições privadas e públicas. “O diferencial do nosso trabalho enquanto comissão é este: fazer as recomendações, afinal, não basta saber que há desigualdades, é fundamental transformar estruturas e comportamentos”, finalizou Terra. 

O evento será transmitido pela plataforma zoom e também pelo canal da OAB/RS no YouTube.

As inscrições podem ser feitas aqui!

A programação do webinar contará com abertura pelo presidente da OAB/RS, Ricardo Breier e o presidente da CVEN, Jorge Terra. Os palestrantes serão: 

  • Jeferson Tenório – Escritor e professor de literatura. 
  • José Rivair Macedo – Historiador, professor e escritor.
  • Juliana de Azevedo – Assistente social e membro convidada da CVEN.

fonte: Comunicação social da OAB/RS

17 de março de 2021

Conversaremos no dia 25 de março de 2021

Filed under: Uncategorized — jorgeterra @ 9:20
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Estava cortando a grama de minha casa no intervalo do almoço. O sol estava bem forte.

Passei a pensar como seria se estivesse na condição de escravo, ou seja, trabalhando para outra pessoa ganhar, sem intervalo, sem remuneração e sem esperança.

Sabe-se que foram milhões de vidas levadas inteiramente sob essa condição e o que resultou disso? Aquele que trabalhou sob o sol e sob a chuva foi rotulado como inapto para o trabalho assalariado sendo substituído por povos de outros lugares. E hoje ainda percebe os piores salários, não alcança postos de liderança e tenta provar que são falsas as crenças e os estereótipos de que é preguiçoso e pouco capaz.

Somente no mercado de trabalho, são perceptíveis o triste legado da escravidão e da forma da abolição da escravatura? Será?

Há consumidores que são perseguidos por seguranças desde que entram nas lojas? Há consumidores para os quais os vendedores alertam que os produtos podem ser adquiridos em até 6 parcelas ? Há consumidores que entram e saem das lojas sem ser atendidos? Essas situações seriam resquícios do comércio transatlântico de escravizados, da longa escravização e da inocorrência de um processo de justiça de transição?

No dia 25.3, às 18h, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS, com as presenças do escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo, quer virtualmente se encontrar contigo no evento que será alusivo ao dia em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão e falar sobre suas recomendações para as instituições públicas e privadas em um esforço de mudança ainda pendente. É fundamental que pessoas antirracistas se engagem nesse processo obstinadamente.

VENHAM! Sem tua presença, nada será possível !

INSCRIÇÕES PELO SEGUINTE LINK:

https://www.sympla.com.br/homenagem-as-vitimas-do-comercio-transatlantico-de-escravizados-e-da-escravidao__1157809?fbclid=IwAR3bOPFLG3LA0Rqri5BYNUDZzrNwIQVYxLVk3NxEY4dY0JPlqOhycypXM_8

TRANSMISSÃO PELO CANAL DA OAB/RS NO YOUTUBE.

JORGE TERRA

PRESIDENTE DA COMISSÃO DA VERDADE SOBRE A ESCRAVIDÃO NEGRA DA OAB/RS

1 de novembro de 2020

legado em três linhas

Uma pessoa com 52 anos que fumou dos 15 aos 50 anos muito provavelmente tem sequelas desse longo período de tabagismo. E um país que escravizou parte de sua população por longo período e quase aniquilou outra parte dessa mesma população teria resquícios dessa falsa hierarquização de vidas e de culturas?

Jorge Terra.

Código negro francês

CÓDIGO NEGRO FRANCÊS

Marcas da infâmia europeia

  Colbert foi ministro de Luís XIV. Ainda tem sala na Assembleia Nacional, a Câmara dos Deputados, em homenagem a ele. O todo-poderoso Colbert redigiu o primeiro Código Negro da França. Alguns elementos:

        “Art. 1 – reitera o princípio da expulsão dos judeus das colônias envolvidas, arts. 2 e segs. Organiza a primazia da religião católica, tornando-a obrigatória para os escravos (art. 2 e 3), proibindo os senhores protestantes de lhes impor sua religião ou feitores pertencentes à sua religião (art. 4 e 5). O domingo é dia de folga (art. 6), o casamento (art.10) e o enterro de escravos batizados (art.14) devem ser realizados de acordo com o rito católico e a lei francesa. É proibido o concubinato entre o amo e o escravo, sob pena de multa e confisco, mas o amo pode se casar com sua concubina e libertá-la por este meio (art. 9). O senhor deve consentir no casamento de seus escravos, mas não pode impô-lo a eles (art.11)”. Letra fria da lei.

        “Sem personalidade jurídica, o escravo é legalmente propriedade do seu dono e sujeito à sua vontade. Ele não pode possuir nada próprio e é legado como herança pelo seu dono (art.28). Como objeto de propriedade, o escravo é herdado, em princípio, como propriedade móvel (art. 44 e segs.). O senhor pode não apenas obrigá-lo a trabalhar de graça e puni-lo por desobediência (art. 42), mas também vendê-lo, alugá-lo ou emprestá-lo. O preço do escravo morto por decisão judicial deve ser reembolsado ao seu senhor, que não é cúmplice do crime cometido (art. 40), que deve, por outro lado, reparar os danos causados ​​por seu escravo a outros (art. 37), mas também representá-lo em juízo e defender seus interesses, tanto em matéria civil quanto criminal”.

        “Finalmente, os escravos estão sujeitos a um status social hereditário (por meios matrilineares – art.13), discriminatórios e humilhantes na sociedade colonial, com o objetivo de garantir sua submissão. O Código Negro os proíbe de portar armas (art. 15), de aglomeração (art. 16), de negociar sem a permissão de seu senhor (art. 18, 19 e 30), bem como de agir e testemunhar em tribunal (arts. 30 e 31). Pune severamente o roubo (art. 35 e 36), a agressão contra pessoas livres (art. 34) – e ainda mais severamente atos contra os senhores e suas famílias (art. 33) -, bem como a fuga de escravos (art. 38)”.

O Brasil não ficou atrás. A lei nº 4, de 10 de junho de 1835, estabelecia: “Serão punidos com a pena de morte os escravos ou escravas que matarem, por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem qualquer outra grave ofensa física a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes, que em sua companhia morarem, a administrador, feitor e as suas mulheres, que com eles viverem. Se o ferimento ou ofensa física forem leves, a pena será de açoites à proporção das circunstâncias mais ou menos agravantes”. Artigo quarto: “Em tais delitos a imposição da pena de morte será vencida por dois terços do numero de votos; e para as outras pela maioria; e a sentença, se for condenatória, se executará sem recurso algum”. Voltando à França: Colbert merece homenagem? Ou cancelamento?

Juremir Machado

Fonte: Correio do Povo – edição de 18.06.2020

23 de outubro de 2020

Colonial abuses haunt France’s racism debate

By Lucy Williamson
BBC Paris correspondentPublished18 JuneRelated Topics

Protesters with a Justice for Adama banner
image captionAdama Traoré’s death in 2016 sparked protests across France

Two dead men have become the faces of France’s current racism debate.

Adama Traoré, a young black man from the Paris suburbs who died in police custody four years ago; and Jean-Baptiste Colbert, a white aristocrat from the 17th Century who managed the country’s finances under King Louis XIV.

One is remembered today in demonstrations against police brutality; the other with a marble statue outside the National Assembly.

“We’ve been fighting here in France for four years,” Adama’s sister, Assa Traoré, told us. “My brother’s case is [well] known, but it’s George Floyd’s death that will really expose what’s going on here in France.”

Adama Traoré was 24 years old when he was arrested by police after running away from an ID check outside Paris. He died at a police station hours later. The cause of his death has been fiercely disputed, and several inquiries produced conflicting results.

Tens of thousands of people have turned out this month at protests in his memory, boosted by the impact of events in the US.

Assa Traoré
image captionAssa Traoré, the sister of Adama Traoré, is an active anti-racism campaigner

“We are importing ideas from the US,” says historian Sandrine Le Maire, an expert on French colonialism.

“The deaths of Adama Traoré and George Floyd happened in similar circumstances, but our historical baggage is not the same. There was no lynching here, or racial laws.

“There are stereotypes, inherited from colonisation, but racism has never entered our legislation.”

In the US, where official national data is not available, the Washington Post has counted more than 1,000 deaths from police shootings alone in the past year. It says a disproportionate number of the victims were black.

The French police say they don’t have figures for all deaths in police custody. They say 19 people died last year during police interventions, but there is no data on their ethnic origin because it is illegal to collect this information in France.

Equality for all?

France’s concept of national identity is based around the unity and equality of its citizens. State policies that single out one particular group – based on ethnicity, for example – are seen as damaging.

But many from France’s ethnic minorities say this ideal of equality is being maintained in theory at the expense of reality, and that racism – in policing, schools or the job market – is impossible to tackle if it cannot be quantified.https://emp.bbc.com/emp/SMPj/2.35.13/iframe.htmlmedia captionThere were clashes in Paris as police threw tear gas at protesters who hit them with stones

Last weekend, President Emmanuel Macron’s own spokeswoman, Sibeth Ndiaye, added her voice to those calling for a new debate about ethnic data.

Senegalese-born Ms Ndiaye said in an open letter that, for France’s national vision to prosper in the face of extremist narratives from both sides, it was necessary to “measure and look at reality as it is”.

“Let us dare to publicly debate subjects that have become taboo,” she urged. Her suggestion was immediately shot down by senior – white – ministers in the government.

France requires its immigrant citizens to adopt the history, culture and story of the République. “Multiculturalism”, one historian told me, “is a dirty word here”.

But whose story is it?

And so to Jean-Baptiste Colbert, who sits with his long marble curls and finery outside the National Assembly.

‘Black Code’

Barely noticed by most of the drivers honking their horns as they crawl past him along the Left Bank of the Seine, but a target for those who say it’s time to re-examine this kind of public history in France.

Because Colbert, famous for running France’s finances under its Sun-King, Louis XIV, was also the brains behind its notorious ‘Black Code’, a set of rules for how black slaves would be treated in its colonies.

Inspired by scenes of demonstrators across the Channel in Bristol throwing the statue of Edward Colston into the city’s river, some here are now calling for Colbert to be unseated from his prominent position. He also has a room named after him inside the assembly building.

France’s former prime minister Jean-Marc Ayrault, now president of the Foundation for the Remembrance of Slavery, says the Colbert room should be renamed, but he draws the line at abolishing statues or street names.

“We are in a new stage with the death of George Floyd and youth movements across France,” he said.

He has suggested that France revisit its monuments and street names, to give greater explanation and context, as an alternative to simply removing them. “We need to do the work of remembrance,” he says.

“You can’t erase history,” Sandrine Le Maire explained. “Or we’ll start erasing everything and anything: castles, palaces, monarchies. We need symbols, even if they shock us. Historical figures are multifaceted: [Marshal] Pétain was a First World War hero for 20 years before being rejected as a collaborator [during the Second World War].”

President Macron, speaking to the nation last week, agreed: “The Republic will not erase any trace or name from its history,” he said. “It won’t remove any statue.”

The challenge of remembrance

So, no review of France’s statues or street names – at least, not yet. Mr Macron is not one who likes being forced into decisions by events.

Statue of Jean-Baptiste Colbert in front of France's National Assembly
image captionJean-Baptiste Colbert devised rules for how black slaves would be treated in French colonies

But he has been more outspoken than most French leaders about the country’s past, courting outrage before his election by saying that France had committed “crimes against humanity” against its former colony, Algeria.

And it’s France’s history – not its statues – that holds the answer, says Jean-Francois Mbaye, a black French MP who was born in Senegal.

“Are we ready to teach the history of French slavery, French colonisation?” he asks. “France’s former colonies know their history, but I don’t think our people, our youth, know it.”

“It can be gratifying to remove a statue and throw it in the river,” he told me. “But then what?”

Assa Traoré believes that, if Colbert’s statue is to remain in front of the National Assembly, his deeds “should be written on the statue’s plaque by a black man. Let a black man tell us who Colbert was and what the Black Code meant, not a white man.”

Other names, reflecting the stories of France’s non-white citizens, should be added to the country’s streets, she says, and other statues erected outside its buildings.

Black Lives Matter is a slogan that resonates here, but black lives – whether in data or in monuments – are sometimes hard to see in the official story of France.

fonte: BBC News – 18 junho 2020

3 de agosto de 2020

DeepMind and Oxford University researchers on how to ‘decolonize’ AI

A new lens for thinking about race and artificial intelligence.

Chris Ip@chrisiptwJuly 28, 2020

Sometimes it’s tempting to think of every technological advancement as the brave first step on new shores, a fresh chance to shape the future rationally. In reality, every new tool enters the same old world with its same unresolved issues.

In a moment where society is collectively reckoning with just how deep the roots of racism reach, a new paper from researchers at DeepMind — the AI lab and sister company to Google — and the University of Oxford presents a vision to “decolonize” artificial intelligence. The aim is to keep society’s ugly prejudices from being reproduced and amplified by today’s powerful machine learning systems.

The paper, published this month in the journal Philosophy & Technology, has at heart the idea that you have to understand historical context to understand why technology can be biased.

“Everyone’s talking about racial bias and technology, gender bias and technology, and wanting to mitigate these risks, but how can you if you don’t understand a lot of these systems of oppression are grounded in very long histories of colonialism?” Marie-Therese Png, a co-author, PhD candidate at the Oxford Internet Institute and former technology advisor to the UN, told Engadget. The paper’s other authors were DeepMind senior research scientists Shakir Mohamed and William Isaac.

“How can you contextualize, say, the disproportionate impact of predictive policing on African Americans without understanding the history of slavery and how each policy has built on, essentially, a differential value of life that came from colonialism?” Png said.

Almost every country in the world was at some point controlled by European nations. Decoloniality is about understanding these historic exploitative dynamics, and how their residual values are still alive in contemporary society — and then escaping them.

As an example, the paper points to algorithmic discrimination in law enforcement disproportionately affecting people of color in the US, which recently has been under the spotlight. It also connects “ghost workers”, who perform the low-paid data annotation work that fuels tech companies as a kind of “labor extraction” from developing to developed countries which mimics colonial dynamics.

Similarly, the authors see beta testing of potentially harmful technologies in non-Western countries — Cambridge Analytica tried its tools on Nigerian elections before the U.S. — as redolent of the medical experiments by the British empire on its colonial subjects or the American government’s infamous Tuskegee syphilis study in which African-American men with the disease were told to come for treatment and instead were observed until they died.

As Png says, one of coloniality’s core principles is that some lives are worth more than others. The fundamental issue for AI — which can literally quantify the value of humans — was put by co-author Mohamed in a blog post two years ago: “How do we make global AI truly global?” In other words: How can AI serve both the haves and have-nots equally in a world which does not?

The paper ultimately spells out guidance for a “critical technical practice” in the AI community — essentially for technologists to evaluate the underlying cultural assumptions in their products and how it will affect society with “ethical foresight.”

The “tactics” the paper lists to do this span algorithmic fairness techniques to hiring practices to AI policymaking. It speaks of technologists learning from oppressed communities — giving examples of grassroots organizations like Data for Black Lives — to reverse the colonial mentality of “technological benevolence and paternalism.”

Implicitly, the authors are calling for a shift away from a longstanding tech culture of supposed neutrality: the idea that the computer scientist just makes tools and is not responsible for their use. The paper was being written before the filmed death of George Floyd at the hands of the Minneapolis police, but the event — and a subsequent national reckoning with race — has brought into focus the question of what role tech should play in social inequity. Major AI institutions like OpenAI and the conference NeurIPS have made public statements supporting Black Lives Matter, which at least ostensibly signals a willingness to change.

“This discourse has now been legitimized and you can now talk about race in these spaces without people completely dismissing you, or you putting your whole career on the line or your whole authority as a technologist,” said Png.

“My hope is that this renewal of interest and reception to understanding how to advance racial equity both within the industry and in broader society will be sustained for the long run,” said co-author Isaac.

“You can now talk about race in these spaces without people completely dismissing you, or you putting your whole career on the line or your whole authority as a technologist.”

What this paper provides is a roadmap, a conceptual “way out” of the sometimes-shallow discussions around race among technologists. It’s the connective tissue from today’s advanced machine learning to centuries of global history.

But Png says that decoloniality is not a purely intellectual exercise. To decolonize would mean actively dismantling the technology that furthers the inequality of marginalized communities. “We’re trying to argue a proper ceding of power,” she said.

AI supercharges the idea that those who can’t remember the past are condemned to repeat it: if AI doesn’t remember the past, it will reify, amplify, and normalize inequalities. Artificial intelligence provides the veneer of objectivity — you cannot debate with an algorithm and often you cannot understand how it’s reached a decision about you. The further AI pervades our lives, the harder it becomes to undo its harms. 

“That’s why this moment is really important to put into words and identify what these systems are,” said Png. “And they are systems of coloniality, they are systems of white supremacy, they are systems of racial capitalism, which are based and were born from a colonial project.”

This research also raises the question of what new types of AI could be developed that are decolonial. Isaac pointed to organizations working towards similar visions, like Deep Learning Indaba or Mechanism Design for Social Good. But this area has little precedent. Would decolonial AI mean embedding a non-Western philosophy of fairness in a decision-making algorithm? Where do we categorize projects that involve writing code in Arabic and other languages?

On these points, Png is unsure. The pressing issue right now, she said, is the process of decolonizing the world we’re already living in. What AI would look like when truly divested of any colonial baggage — when the mission isn’t merely to fight back, but to build a legitimately fresh and fair start — is still speculative. The same could be said about society at large.

fonte: https://www.engadget.com/deepmind-oxford-decolonial-ai-paper-161535009.html

20 de julho de 2020

Como bancos ingleses lucraram com escravidão no Brasil

Apesar de a prática ter sido abolida pelo Reino Unido em suas próprias colônias no início do século 19, no Brasil indivíduos e instituições britânicas continuaram por muito tempo envolvidos com a escravidão.

Letícia Mori – Da BBC News Brasil

O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculos
O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculosFoto: Getty Images / BBC News Brasil

No auge do tráfico de escravos da África para o Brasil, entre 1800 e 1850, mais de 2 milhões de pessoas foram trazidas à força para o país para serem escravizadas, segundo o Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos (Transatlantic Slave Trade Database). No total, ao longo de quatro séculos, mais de 4,8 milhões de pessoas escravizadas foram obrigadas a desembarcar em solo brasileiro.

O tráfico era um negócio lucrativo, mas não foram só os traficantes e fazendeiros que se aproveitaram da exploração brutal de seres humanos. Banqueiros ingleses se envolveram com a escravidão no Brasil mesmo depois de ela ter sido abolida nas colônias britânicas, em 1833.

É isso que mostra uma pesquisa do historiador Joe Mulhern, especializado no envolvimento britânico com a escravidão no Brasil, pela Universidade de Durham, na Inglaterra.

“Apesar de o Império Britânico na era vitoriana pensar em si mesmo como um modelo moral quanto à escravidão e fazer pressão para que outros países, inclusive o Brasil, abolissem a prática, os legisladores tiveram dificuldade para cortar os laços econômicos com a escravidão em países estrangeiros”, explica Mulhern em entrevista à BBC News Brasil.

Havia duas formas principais de envolvimento dos britânicos, explica o historiador. Uma mais ampla, por meio de empréstimos e a compra de títulos do Tesouro, entre outras relações indiretas com a economia escravocrata. E outra mais direta, em que instituições e indivíduos deram apoio financeiro, na forma de empréstimos e garantias, por exemplo, para o tráfico de escravos ou para fazendas que usavam esse tipo de mão de obra.

Alguns britânicos chegaram a ser diretamente proprietários de escravos — segundo o trabalho de Mulhern, um censo de 1848-1849 mostra que havia, naquele ano, cerca de 3.400 pessoas escravizadas por mestres britânicos.

Entre os envolvidos nessa relação mais direta, havia indivíduos ligados a bancos que foram predecessores de grandes instituições financeiras atuais do Reino Unido.

Lobby no parlamento

Em 1833 o Reino Unido havia extinguido a escravidão em suas colônias, dando compensações para os senhores mas não para os escravizados. O império começou também a fazer pressão diplomática para que a escravidão fosse abolida no Brasil. Essa pressão é apontada por historiadores brasileiros como um dos múltiplos fatores que levaram ao fim da prática no país.

A lei que proibiu o tráfico como parte de um acordo com o Reino Unido, inclusive, deu origem à expressão “para inglês ver”, porque durante muito tempo não havia fiscalização e o tráfico continuou.

No entanto, apesar dessa pressão do governo do país europeu, muitos do britânicos envolvidos na prática conseguiam impedir que a legislação britânica fosse mais restritiva em relação às suas atividades no exterior.

“Essa ambivalência no envolvimento do Reino Unido na escravidão (tanto pressionando para o seu fim quanto deixando de cortar laços econômicos existentes) pode ser encontrada na legislação da época”, diz o historiador.

Africanos escravizados tiveram roubadas sua liberdade, identidade e cultura
Africanos escravizados tiveram roubadas sua liberdade, identidade e culturaFoto: Getty Images / BBC News Brasil

Isso porque os envolvidos faziam lobby no Parlamento.

“Eles pressionavam para que seus negócios fossem protegidos, com os mesmos argumentos para defender a escravidão usados no Reino Unido antes de 1833”, explica Mulhern.

Os três principais, aponta, eram a defesa da propriedade (porque as pessoas tinham sido vendidas como propriedades); a necessidade de o Reino Unido prosperar nesses mercados que ainda eram escravocratas; e o mito de que os britânicos que exploravam escravos eram “benevolentes”.

“Já existia o mito de que os senhores de escravos no Brasil eram benevolentes. Os ingleses diziam que eles eram ainda mais”, conta Mulhern. “Mas não há nenhuma evidência de que a escravização, uma prática baseada na violência ou na ameaça dela, era menos cruel quando praticada pelos britânicos”.

Seres humanos como garantia

Muitas vezes os escravizados eram parte das propriedades usadas em garantias de empréstimos de um banco. Na dissertação de Mulhern, ele resgatou casos em que bancos ingleses tinham um devedor insolvente e acabavam leiloando os escravizados para cobrar a dívida.

Um desses bancos, mostra Mulhern em sua pesquisa, era o London and Brazilian Bank, criado em 1862 (e comprado em 1923 pelo Lloyd’s Banking Group, que existe até hoje).

O banco continuou envolvido com a escravidão até a praticamente a abolição da prática no Brasil, em 1888 — ou seja, mais de 50 anos depois da abolição da escravatura nas colônias britânicas, como Jamaica e África do Sul.

Um dos executivos do London and Brazilian Bank, Edward Johnston, chegou a ser dono de escravos no Brasil e a casar com uma família que era dona de uma fazenda de café no Rio de Janeiro. “A riqueza gerada com a escravidão no Brasil ajudou a estabelecer um banco que investiria na exploração de pessoas”, diz Mulhern.

A presença de negros no Cone Sul é um fenômeno que pode ser traçado desde os tempos da conquista, no século 16, quando já havia registros da presença de pessoas que escravizados
A presença de negros no Cone Sul é um fenômeno que pode ser traçado desde os tempos da conquista, no século 16, quando já havia registros da presença de pessoas que escravizadosFoto: Getty Images / BBC News Brasil

Esses laços, no entanto, eram escondidos de investidores no Reino Unido, onde a opinião pública já não era favorável à escravidão.

Para evitar afugentar investidores no país de origem, a maior parte dos bancos envolvidos com operações relacionadas à escravidão não o fazia diretamente, mas por meio de comissários intermediários, explica Mulhern à BBC News Brasil.

Um desses intermediários era a casa bancária Gavião Ribeiro Gavião, que financiava a economia agrícola de São Paulo e atuava no comércio interno de escravos.

A casa bancária atuou como intermediária para o London and Brazilian Bank. O banco britânico declarava que seu propósito no Brasil era comercial, mas tinha uma carteira de hipotecas cujas garantias eram fazendas de café em São Paulo e mais de 800 pessoas que trabalhavam nelas como escravos.

Terceirização

O historiador também cita o caso da Fazenda Angélica, em Rio Claro, no interior de São Paulo, que acabou se tornando um dos ativos de um banco e sendo administrada por ele. Depois de uma tentativa fracassada de usar mão de obra de imigrantes, o banco resolveu “terceirizar” o uso de mão de obra escrava.

Isso porque, sendo uma empresa inglesa, o banco não poderia ser dono direto de escravizados. Mas uma brecha na legislação permitia que ele “alugasse” a mão de obra escrava de outros senhores de escravo — e foi o que fez.

Um escravo sendo torturado em uma fazenda brasileira na visão do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que viajou o país retratando cenas da vida no século 19
Um escravo sendo torturado em uma fazenda brasileira na visão do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que viajou o país retratando cenas da vida no século 19Foto: Domínio Público / BBC News Brasil

Quando vendeu a fazenda, o banco afirmou que “não empregava um único escravo” — sem citar que pagou senhores de escravos para usarem as pessoas escravizadas por eles na plantação e que ainda tinha 80 escravos como garantia do financiamento que possibilitou a venda da fazenda.

Empréstimo não pago

“Nem sempre esse envolvimento era bem-sucedido, e agentes britânicos que fizeram as negociações do tipo no Brasil chegaram a ser repreendidos no Reino Unido”, conta Mulhern.

Mas a repreensão, diz ele, não foi por questões morais, mas porque muitos dos empréstimos não foram recuperados e algumas instituições acabaram tendo dificuldades financeiras por causa disso.

“Muitos investidores buscavam investir em infraestrutura, em criação de linhas de trem por exemplo, mas os fazendeiros queriam um investimento direto na produção agrícola, que era um negócio muito arriscado”, diz Mulhern. “Apesar disso, alguns agentes se envolveram, até contraindo orientações da sede, e depois foram repreendidos porque os negócios não deram certo”.

Empréstimos que tinham seres humanos como garantia e não eram pagos tinham impactos diretos na vida dessas pessoas.

Em 1869, o Barão do Turvo, fazendeiro carioca que tinha uma dívida com o London and Brazilian Bank, não pagou um empréstimo que devia.

“O banco então entrou com um processo para recuperar o dinheiro, e como havia pessoas escravizadas como garantia, elas sofreram a consequência”, diz Mulhern. Advogados do banco então realizam um leilão de 103 escravizados, incluindo famílias com crianças e bebês. Documentos da época compilados por Mulhern mostram como o banco vendeu pelo menos 30 dessas pessoas no leilão — entre elas a pequena Ancieta, uma bebê escravizada de apenas um ano de idade; e as pequenas Adelina e Marcellina, vendidas com 2 e 6 anos.

Lidando com o passado

O movimento americano Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português), de protesto contra o racismo e contra o assassinato de negros pela polícia, fez com que muitas instituições viessem a público falar sobre seu histórico racista e mostrar que mudaram de postura, inclusive doando dinheiro para instituições de combate ao racismo.

“Historiadores já sabiam dessas ligações, mas o movimento Black Lives Matter trouxe um novo escrutínio sobre esse passado”, diz Mulhern.

Após a publicação de um artigo de Joe Mulhern sobre sua pesquisa, o banco Lloyds Banking Group atualizou seu site para incluir um reconhecimento de que pelo menos seis dos 200 bancos que foram incorporados pelo grupo se envolveram com a escravidão, incluindo o London and Brazilian Bank.

“Embora tenhamos muito do nosso passado para nos orgulharmos, não podemos nos orgulhar de tudo”, diz o banco.

“Mas se esse debate vai ir além do reconhecimento e levar de fato a algum tipo de reparação ou doação financeira é algo que eu não sei”, afirma o pesquisador.

fonte: BBC News Brasil – 19 jul 2020.

1 de junho de 2020

É possível falar sobre cotas com estudantes do 5º ano do ensino fundamental?

 

A convite de uma tradicional escola privada do Município de Porto Alegre, gravei um vídeo para ser apresentado a estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental.

Senti-me desafiado e feliz.

Espero ter contribuído e, em breve, saber como foi o debate na escola.

Abaixo segue o link que permite acessar o vídeo mencionado acima (alerto que vai demorar um pouco).

 

https://drive.google.com/file/d/1ff63qckUx6W3W53F7BtvFV69TVzr4Hs4/view

 

Jorge Terra.

Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da PGE/RS

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

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