Jorge Terra

18 de abril de 2024

promovendo justiça de transição

Muitos dos profissionais brasileiros da área jurídica realizam pesquisas de Mestrado, de Doutorado ou de Pós-Doutorado na Alemanha. Apesar disso e de muitos dos que estudaram em terras germânicas estarem em postos-chave, não é missão fácil identificar aqueles que, ao retornar ao Brasil, façam a evidente comparação da Shoá ou Holocausto (a discriminação, a violência sistemática e o extermínio de judeus que ocorreu de 1.933 a 1.945) com o chamado genocídio da população negra brasileira. Poder-se-ia realizar trabalho semelhante ao que ocorreu na Alemanha após a Segunda Grande Guerra e promover ações conjuntas para se tratar sobre direitos humanos, que, ao fim e ao cabo, é do que se trata ao abordar questões raciais.

Se o entendimento e o proceder fossem outros, talvez já estivesse firme no pensamento jurídico brasileiro que é inarredável a realização de um grande processo de justiça de transição. Justiça transicional nos dizeres de Paul van Zyl é “o esforço para a construção da paz sustentável após um longo período de conflito, violência em massa ou violação sistemática de direitos humanos”. Consoante Zyl, “o objetivo da justiça transicional implica processar os perpetradores, revelar a verdade sobre os crimes passados, fornecer reparações às vítimas, reformar as instituições perpetuadoras de abuso e promover a reconciliação.” Nesse sentido, perceba-se, os elementos basilares são a justiça, a busca da verdade, a reparação, as reformas institucionais e a reconciliação.

No Brasil, esse esforço tem sido efetuado pelas Comissões da Verdade sobre a Escravidão Negra. A instituída pela Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil situada no Estado do Rio Grande do Sul, por entender que seu trabalho configura um processo de justiça de transição, apura a realidade sem desconhecer as raízes dos problemas. Assim sendo, tem especial atenção e apreço pela História, pelo  Direito, pela Economia, pela Literatura, pela Sociologia, pela Política e pela Pedagogia.

Seguindo seu planejamento, a Comissão iniciou definindo seis grandes áreas nas quais foram realizadas pesquisas por seus membros, que podiam ou não ser Advogados. Depois disso, foram promovidos três seminários com objetivos distintos: o primeiro, denominado de Nilo Feijó, tinha por desiderato conhecer e reunir pesquisas científicas sobre a escravização e sobre seus reflexos nos presentes dias. O segundo e terceiro tiveram perfis diferentes do primeiro e entre si. O segundo, denominado de Luiza Bairros, permitiu discussão de pontos com pessoas não integrantes da Comissão, mas que levam a efeito estudos ou trabalhos concretos em áreas que seriam impactadas pelos efeito da longa escravização, servindo como bases importantes os dados pertinentes à cultura, à educação, à segurança, à economia e à saúde, havendo, ainda, o estabelecimento de comparação com a escravização desenvolvida nos Estados Unidos e com os movimentos internacionais por reparação pelo comércio transatlântico de pessoas e pela consequente escravização. O terceiro, tinha como diretriz estruturante a relação entre os 130 anos da abolição da escravatura no Brasil e os 30 anos da Constituição Federal de 1.988, verificando-se se, transcorrido esse tempo e com o arcabouço jurídico existente, houve o avanço significativo no estado civilizatório pátrio, se há mudanças a serem implementadas, quais as razões de eventual inêxito e de eventuais alterações que se fizessem necessárias. Nesse evento, também a Comissão procurou estreitar laços com processos e movimentos, tais como a Comissão da Verdade sobre o período da ditadura militar e o Movimento Negro Unificado (MNU).

Entre o segundo e o terceiro seminários, foram realizadas, gravadas e decupadas (transcritas) quatro rodas de conversa, cada uma delas versando sobre cultura, educação, mercado de trabalho e justiça. Essas terão sequência e fechamento com reuniões que serão realizadas em dois bairros de Porto Alegre.

Na fase atual de seu trabalho, a Comissão da Verdade está levando a efeito debates virtuais pertinentes a 8 eixos temáticos com o propósito de que aqueles que se cadastrarem em seu site, aprendam a fazer e construam recomendações a entidades públicas e privadas como forma de reparação e de transformação institucional e procedimental. Organizadas em ordem de prioridade pelos debatedores, as recomendações serão avaliadas, posteriormente pela Comissão para que haja inclusão no relatório final da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS. Cumprido o cronograma, em novembro será apresentado o projeto de relatório final e, no dia 25.3.2.019, dia no qual se homenageiam as vítimas do comércio transatlântico de escravos, será apresentado o relatório em forma de publicação.

É um trabalho de fôlego e que se encara como sustentável, ou seja, capaz de produzir efeitos de curto, de médio e de longo prazos, inserindo-se o Brasil e, mais especificamente o Rio Grande do Sul, no cenário dos movimentos internacionais por reparação pela longa, injusta e injustificável escravização de negros e de negras.

Escrito em 18 de Setembro de 2018.

Jorge Terra

Presidente da Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

WWW.CVENOABRS.WIXSITE.COM/PARTICIPE

22 de março de 2022

Homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados em 2021

A Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Sul, realizou evento alusivo às vítimas do transporte transatlântico de escravizados e do processo escravizatório.

Houve a participação e assistência de autoridades, de lideranças e de público em geral e, principalmente, do Escritor Jeferson Tenório e do Professor de História José Rivair de Macedo.

21 de maio de 2021

39 mais 40 igual a zero: a estranha frase jurídico-matemática

Anuncia-se a realização da III Conferência Nacional de Igualdade Racial (III CONAPIR) em Novembro de 2.013.

Essa é a ocasião ideal para se enfrentar tardias questões referentes aos artigos 39 e 40 da Lei número 12.288/2010, o Estatuto da Igualdade Racial, que pende de regulamentação. Daí decorre o título desse breve texto.

Acredito que caminho a ser fortemente trilhado, em paralelo com a adoção de cotas relativas aos cargos e empregos públicos, é o do estímulo à responsabilidade social corporativa voltada ao campo da equidade racial. Aliás, penso ser a empresa capaz de mais oferecer vagas no mercado de trabalho e de tornar permanente e natural a inserção do negro em searas de maior poder econômico e social.

Essas ofertas, pelo menos no início, estarão ligadas ao interesse de agregar à marca uma imagem de efetivadora de direitos e de respeitadora da diversidade. Mais adiante, espera-se, perceber-se-á que instituições diversificadas são mais competitivas e mais aptas a se adaptar e a enfrentar adversidades.

O fato é que, enquanto não ocorrer a regulamentação do Estatuto, que prevê incentivos fiscais para as empresas que por convicção de seus dirigentes, por interesse mercadológico ou por identificação de oportunidade auxiliem no enfrentamento do racismo no mercado de trabalho, haveremos de constatar diferenciações e dados entristecedores.

Assim está disposto na Lei:

Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1o A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2o As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.

§ 3o O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

    (…)

Percebe-se que é indispensável estabelecer o que se exigirá da empresa e o que se lhe oferecerá. Diante dessa indefinição, que já conta com cerca de 3 anos, não parece razoável apenas lamentar a inalteração do quadro e apenas voltar atenção para a situação no setor público.

De bom alvitre assinalar que o mesmo artigo desvela preocupação com iniciativa empreendedora e com questão de gênero nos parágrafos abaixo transcritos:

§ 4o As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.

§ 5o Será assegurado o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras.

§ 6o O poder público promoverá campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher negra no trabalho artístico e cultural.

 Sublinhe-se que igual finalidade tem a norma que se obtém da interpretação do artigo 41 que assim está redigido:

Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros.

   Outro artigo que traz-me preocupação é o 40 do mesmo diploma legal. Isso porque, transcorrido prazo mais do que razoável, não se tem notícia, a qual se deveria dar ampla divulgação, de efetivação da norma extraível do artigo já mencionado.

  Assim está entabulado no Estatuto:

Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.

   Importante referir que o Poder Público não é mero inibidor de violações de direitos; ele é indutor por meio de leis, de sistemas de controle e de estímulo, bem como por tomar iniciativas que levem à constituição de ambiente propício para a concretude dos direitos.

 Sabe-se que há projetos efetivamente transformadores, voltados ao mercado de trabalho e ao sistema de Justiça, tal como o Curso Acredite, que padecem pelo fato de não haver linhas de financiamento que os contemple, A situação seria outra se houvesse a maior participação das empresas nesse campo e se o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo do Trabalhador formulasse políticas e programas ou, ao menos, financiasse projetos e ações tendentes a modificar o atual teatro.

    No que concerne ao artigo 40 e sua aplicação, recomendável é a leitura da ata referente à apresentação do programa Brasil Afirmativo ao CODEFAT pelo Senhor Mário Lisboa Theodoro em nome da SEPPIR. Ousa-se dizer, após ler a ata da 117ª reunião ordinária do CODEFAT, que restou flagrante a dificuldade de se convencer o colegiado da cooperação que poderiam dar no processo civilizatório(acesse pelo link http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D3BAA1A77013BFC5A8A894C0B/Ata%20117%C2%AA%20RO-CODEFAT_25.10.2012.pdf).

   Em síntese, espera-se que, na Conferência e fora dela, haja sempre uma preocupação com o resultado, pois já há muito se ultrapassou a fase de se relatar casos e de se identificar problemas. A eficiência na gestão das questões raciais é uma meta que merece ser perseguida sob pena de se mal utilizar recursos públicos e privados sem mudar as realidades.

  Infelizmente, esse texto, escrito em 2013, ainda goza de atualidade e desse atributo gozará por muito mais tempo.

  Jorge Terra

 Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

 Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS

15 de maio de 2021

Em 14.05.2030

Em 14.05.2021, possivelmente faria menos sentido falar sobre desigualdade racial se o Imperador não tivesse dissolvido a Assembleia Constituinte de 1823, que receberia a representação na qual José Bonifácio, mesmo externando preconceitos, previa a abolição da escravatura e o alcance de terras para que os ex-escravizados tivessem sustento e para que a economia não mais se baseasse no latifúndio.

O mesmo entendimento se poderia ter se, inclusive em duas Constituições da década de trinta, não ficasse estampado o ideário eugenista. Igualmente se concluiria se, na década de sessenta, o então Ministro das Relações Exteriores não tivesse dito que, embora tenha sido a primeira nação a assinar a convenção contra todas as formas de discriminação racial, o Brasil dela não necessitava já que aqui todas as raças viviam em harmonia. Aliás, a situação seria diferente da atual se o Brasil não informasse, por meio dos relatórios encaminhados para a ONU entre 1965 e 1995, que aqui não havia desigualdade racial?

Em verdade, não é seguro afirmar que teríamos outra nação se tais medidas tivessem sido implementadas ou se os não negros não fossem quase que hegemônicos na condução dos destinos e na composição dos postos de comando de empresas e de governos. Todavia, é razoável afirmar que negar ou minimizar a desvalorização, a discriminação e a desigualização excludente de segmento que supera 16% da população gaúcha é reforçar diariamente os efeitos do comércio transatlântico de escravizados e da longa escravização.

Como sociedade, já ultrapassamos o momento da reflexão, da conscientização e da espera pela retirada de véus dos olhos de quem se nega a enxergar. Vivemos o tempo do planejamento e das ações eficientes e eficazes que sejam capazes de reduzir as desigualdades flagrantes em numerosos domínios. Do contrário, os dias 14 de maio dos próximos anos permanecerão semelhantes ao do corrente ano.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

3 de maio de 2021

DIREITO E NEGRITUDE

Trata-se de um evento cujo objetivo é ampliar o debate em torno da questão etnicorracial e sua interlocução com o campo do Direito, em especial, junto ao público da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia/UFRB,  composta por 83,4% de estudantes autodeclarados negros, e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira/UNILAB, que integra, em sua maioria, docentes e discente do Brasil e dos países africanos de língua portuguesa.

O evento ocorrerá no dia 06 de maio de 2021, às 18:00. O tempo será de 1h30min, sendo 20min para cada palestrante 30min para debate.

Para se inscrever, a comunidade da UFRB ou o público externo, deverá acessar o link abaixo – UFRB (acesso público) – e criar login e senha:https://sistemas.ufrb.edu.br/sigaa/public/home.jsf#Ou acesse:UFRB> Sig>Sigaa>Extensão >Cursos ou EventosAs inscrições serão de 21/04/2021 a 06/05/2021.


O evento também será transmitido pelo canal da TV UFRB no Youtube: 
Link da transmissão (público geral) – https://www.youtube.com/watch?v=V0mexIfBSbA

fonte: CAMTO, CECULT e UFRB.

3 de abril de 2021

SEDER DE PESSACH

Do seder de Pessach da SIBRA, em 2021, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS teve a honra de participar.

Aqueles que perseveram pela paz, pela harmonia e pelo respeito precisam sentar à mesma mesa e aprender uns com os outros.

Assista esse momento importante de reflexão e de aprendizagem.

Acesse pelo seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=s6mHhk2TGMA

Jorge Terra

27 de março de 2021

O legado do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão

Em 25.03.2021, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra realizou evento alusivo ao dia internacional em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão.

A CVEN contou com a presença do Escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo.

O evento é acessível pelo canal da OAB/RS no youtube. Abaixo o link.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

comissoesespeciaissec@oab.org.br

20 de março de 2021

Legado do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão é tema de webinar

A Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra realizará, no dia 25 de março, às 18h, o webinar “O legado do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão”, que homenageará as vítimas e pontuará o direito e a necessidade de reparação de maneira articulada e planejada.

Segundo o presidente da CVEN, Jorge Terra, o evento tem natureza internacional, pois a questão refere-se às situações vivenciadas pelos negros e negras no mundo inteiro. “A nossa comissão configura-se em processo de justiça de transição. Logo, cabe a nós apurar violações ocorridas durante o transporte transatlântico de escravizados durante a escravatura e logo após a abolição, percebendo os efeitos dos danos causados, sob perspectiva intergeracional, desde aquela época até o presente ano”, disse. 

Conforme explicou Terra, atualmente, a população negra ainda é desvalorizada em decorrência da longa escravidão e a comercialização transatlântica de escravizados. “Essa desvalorização gera discriminação e desigualdade na educação, no mercado de trabalho, nos sistemas de justiça e de segurança, na comunicação e na tecnologia”, destacou.

Durante o evento, a CVEN fará recomendações debatidas e estudadas em seminários, rodas de conversa e fóruns realizados, que permitiram conhecer realidades e entender necessidades e propostas da sociedade civil. As recomendações serão encaminhadas para as instituições privadas e públicas. “O diferencial do nosso trabalho enquanto comissão é este: fazer as recomendações, afinal, não basta saber que há desigualdades, é fundamental transformar estruturas e comportamentos”, finalizou Terra. 

O evento será transmitido pela plataforma zoom e também pelo canal da OAB/RS no YouTube.

As inscrições podem ser feitas aqui!

A programação do webinar contará com abertura pelo presidente da OAB/RS, Ricardo Breier e o presidente da CVEN, Jorge Terra. Os palestrantes serão: 

  • Jeferson Tenório – Escritor e professor de literatura. 
  • José Rivair Macedo – Historiador, professor e escritor.
  • Juliana de Azevedo – Assistente social e membro convidada da CVEN.

fonte: Comunicação social da OAB/RS

17 de março de 2021

Conversaremos no dia 25 de março de 2021

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Estava cortando a grama de minha casa no intervalo do almoço. O sol estava bem forte.

Passei a pensar como seria se estivesse na condição de escravo, ou seja, trabalhando para outra pessoa ganhar, sem intervalo, sem remuneração e sem esperança.

Sabe-se que foram milhões de vidas levadas inteiramente sob essa condição e o que resultou disso? Aquele que trabalhou sob o sol e sob a chuva foi rotulado como inapto para o trabalho assalariado sendo substituído por povos de outros lugares. E hoje ainda percebe os piores salários, não alcança postos de liderança e tenta provar que são falsas as crenças e os estereótipos de que é preguiçoso e pouco capaz.

Somente no mercado de trabalho, são perceptíveis o triste legado da escravidão e da forma da abolição da escravatura? Será?

Há consumidores que são perseguidos por seguranças desde que entram nas lojas? Há consumidores para os quais os vendedores alertam que os produtos podem ser adquiridos em até 6 parcelas ? Há consumidores que entram e saem das lojas sem ser atendidos? Essas situações seriam resquícios do comércio transatlântico de escravizados, da longa escravização e da inocorrência de um processo de justiça de transição?

No dia 25.3, às 18h, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS, com as presenças do escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo, quer virtualmente se encontrar contigo no evento que será alusivo ao dia em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão e falar sobre suas recomendações para as instituições públicas e privadas em um esforço de mudança ainda pendente. É fundamental que pessoas antirracistas se engagem nesse processo obstinadamente.

VENHAM! Sem tua presença, nada será possível !

INSCRIÇÕES PELO SEGUINTE LINK:

https://www.sympla.com.br/homenagem-as-vitimas-do-comercio-transatlantico-de-escravizados-e-da-escravidao__1157809?fbclid=IwAR3bOPFLG3LA0Rqri5BYNUDZzrNwIQVYxLVk3NxEY4dY0JPlqOhycypXM_8

TRANSMISSÃO PELO CANAL DA OAB/RS NO YOUTUBE.

JORGE TERRA

PRESIDENTE DA COMISSÃO DA VERDADE SOBRE A ESCRAVIDÃO NEGRA DA OAB/RS

28 de outubro de 2019

Ação o ano inteiro

Não há dúvida de que a possibilidade de obter e de transmitir informação está ampliada. Sabe-se que o belo casaco comprado em viagem pela Europa por um preço extremamente acessível foi produzido em um país que não fica na Europa. Sabe-se também que, na Suíça e na Alemanha, não há cultivo de cacau, mas há chocolates suíços e tortas alemãs muito gostosas (mas não ao ponto de fazer esquecer que as distribuidoras, as fábricas e os governos fingem não saber que na base dessa cadeia produtiva está o trabalho infantil em países africanos). Aliás, parece-nos tão moderno ter a comida entregue em casa com um clique no celular, mesmo sabendo o quanto aufere por mês o ciclista que entrega a iguaria.

Em síntese, não basta deter a informação. A questão que se evidencia é o que fazer com ela.

Está por iniciar o mês da Consciência Negra e já estás recebendo convites para atividades que serão realizadas do primeiro ao último dia do mês de novembro. Em quantos desses eventos acreditas que serão divulgadas informações que desconheces?

Qual a razão de, normalmente sem recursos financeiros, tantas pessoas, movimentos e instituições quererem dizer o que talvez já saibas? Se a intenção fosse meramente alcançar informação, não haveria meio mais eficaz de cumprir tal tarefa?

Em verdade, nesse mês de visibilidade, aqueles que já adquiriram a consciência da gravidade dos problemas relacionados à falta de igualdade racial, buscam ação.

O que era para se falar ou para se escrever já foi falado ou escrito. Está na hora do engajamento, do planejamento e do afastamento da preocupação com o fato de que este ou aquele terá ou não mais destaque (afinal se resultados positivos concretos forem atingidos, todos ganharão em alguma medida).

E que resultados positivos seriam esses? Um deles seria o fato de haver grandes e silenciosos públicos? Outro seria a construção de consensos sobre a força dos grupos contrários à igualdade racial? Ou, ainda, seriam falas que emocionassem a todos os presentes aos eventos?

Já é sabido que até aqueles que se dizem preocupados com a temática, mas que não fizeram tudo o que era necessário e possível não foram e não serão verdadeiros parceiros. Sabido também é que há outros que renovam seus argumentos, mas sempre mantendo intactas as bases segregacionistas ou assimilacionistas.

Resultados concretos positivos serão aqueles decorrentes das modificações dos dados sobre numerosos domínios (educação, mercado de trabalho, segurança, etc) que podem ser atingidos diante da construção de propostas, articulações, pressões e negociações. Por exemplo, se não é novidade que os negros morrem mais por conta da violência, positivo será o resultado que levar à alteração significativa dos dados em decorrência de ações que conduzam à diminuição da letalidade policial, à ampliação de oportunidades no mercado de trabalho, à diminuição da evasão escolar e à constituição de novas intervenções pedagógicas.

Em síntese, a disponibilização do conhecimento e das redes de contato de cada um e de todos é indispensável o ano todo, pois se o racismo é estrutural, a ação contrária não pode ser pontual e temporária.

Porto Alegre, 18 de Outubro de 2019.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

9 de setembro de 2019

NOSSA LUTA

 

OAB/RS, a partir da Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra (CVEN), está atuando como apoiadora da exposição itinerante: “Nossa Luta: a perseguição aos negros durante o Holocausto”. A iniciativa é promovida pelo Museu do Holocausto de Curitiba e estará no Centro Municipal de Cultura Henrique Ordovás Filho, em Caxias do Sul, a partir do dia 12 até o dia 22 deste mês. Em Porto Alegre, a partir do dia 27 de agosto até 17 de setembro na Câmara Municipal da capital gaúcha. A entrada é gratuita em ambas cidades.

O presidente da CVEN, Jorge Terra, destaca: “a exposição traz mais do que conhecimento. Ela traz a oportunidade de se compreender que a luta contra o racismo, contra o antissemitismo, contra a LGBTfobia, contra a islamofobia e outras lutas de relevo são de todos e não de um segmento específico. Estamos extremamente felizes por trabalhar com a comunidade judaica nesse processo de crescimento civilizatório e outras iniciativas se seguirão a essa”, chamou a atenção.

A proposta da exposição é a de levar novas narrativas aos educadores, apresentando o contexto e a crescente privação dos negros desde o período colonial alemão (incluindo o genocídio de hereros e namaquas, na atual Namíbia), passando pela República de Weimar até o Nazismo consolidado. O conteúdo foi desenvolvido em 2017 e lançado na internet como um material educativo, que deu origem à mostra.

A iniciativa é promovida e conta também com o apoio: da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, da Câmara Municipal de Porto Alegre, da Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Porto Alegre, da B’nai B’rith Loja Barão Hirsch e do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall.

Serviço:

Exposição “Nossa Luta – Nossa Luta: a perseguição aos negros durante o Holocausto”

Caxias do Sul

Data: 12 a 22/08/2019.

Abertura: 12/08, às 18h.

Entrada gratuita

Endereço: Rua Luiz Antunes, 312 – Panazzolo. Centro Municipal de Cultura Henrique Ordovás Filho.

Porto Alegre

Data: 27/08 a 17/09/2019

Entrada gratuita

Endereço:  Av. Loureiro da Silva, 255 – Centro Histórico. Câmara Municipal de Vereadores.

INFORMAÇÕES E AGENDAMENTOS: ilana@firs.org.br fone : 30194600 com ILANA

FONTE: COMUNICAÇÃO SOCIAL DA OAB/RS

20 de maio de 2019

O outro lado da história

Educação | Lei que prevê ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, em vigor há mais de 15 anos, segue enfrentando desafios para sua implementação

“Todos aqui têm bunda?” A curiosa provocação desperta surpresa e algumas risadas nos educadores que participam da formação oferecida pela Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Porto Alegre. Depois de alguns segundos, a coordenadora de Igualdade Racial e Diversidade da instituição, Patrícia Pereira, completa seu raciocínio: “Claro que todos aqui têm bunda. E essa é mais uma contribuição africana para a língua portuguesa. A origem da palavra é uma referência ao povo Mbunda, um dos tantos explorados e escravizados pelos portugueses”. 

O exemplo foi usado por Patrícia durante evento que tem como objetivo adequar as políticas pedagógicas das 99 escolas mantidas pelo município e das 216 instituições particulares conveniadas para que cumpram o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que determina o ensino de cultura e história afro-brasileira, africana e indígena. Estabelecido em 2003 e reformulado pela Lei n.º 11.645, de 2008, o artigo ainda encontra obstáculos na prática. “Há muitos professores que não tiveram esse estudo na formação inicial e não foram atrás. Existe muita resistência, principalmente nos professores mais antigos e em pessoas ligadas a religiões. Tem pessoas que questionam até a escravidão e o holocausto. Se a terra é plana, tudo é possível”, pondera.

A coordenadora lembra que o conhecimento produzido historicamente no continente africano pode ser usado em todas as áreas: “Às vezes algum professor me pergunta: ‘Mas como vou usar história da África para ensinar matemática?’. Essa desinformação se combate com conhecimento, porque nesses casos eu pergunto: ‘Onde surgiu a matemática? E a geometria? Qual o primeiro estudo aritmético que tem no mundo? Já ouviu falar no osso de Lebombo? [Descoberto na Suazilândia, o osso de Lebombo é considerado o mais antigo artefato matemático de que se tem conhecimento. Acredita-se que o osso de babuíno com entalhes fosse usado para registrar a passagem do tempo e cálculos. Sua idade é estimada em 35 mil anos.] Está tudo na África, que é o berço da humanidade. Às vezes o professor cobra conhecimento científico, mas o que considera ciência? Pede para tratarmos de civilizações, mas qual o conceito de civilização? Hoje em dia há dados disponíveis, muito difícil não achar material, só se não quiser. Mas aí é porque o preconceito é maior que a vontade de conhecimento”. 

Perspectiva

Professor da rede pública desde 1998, Paulo Sérgio Silva confirma a falha na formação dos educadores. “Na faculdade não tive nenhuma cadeira sobre história da África. Fui aprender em cursos de fora, assim como com a militância do movimento negro. E boa parte da reflexão sobre o ensino da cultura e história africanas e afro-brasileiras não surge da academia, mas desses movimentos sociais. A primeira versão da lei é de 2003; já estamos em 2019 e ano passado a Universidade colocou uma disciplina obrigatória sobre história da África na licenciatura.”

Essas lacunas se refletem não só no ensino, mas no interesse despertado nos alunos. “É importante resgatar a história da África com um viés positivo, e não só a partir da escravidão, como é usual nas escolas. Um aluno olha pra trás e vai dizer: ‘O meu tataravô apanhava, eu não quero ver isso, é só desgraça e sofrimento’. E não vai querer refletir sobre isso”, observa. Para Paulo, é essencial mostrar as grandes potencialidades desenvolvidas no continente ao longo do tempo, lembrar que antes da Grécia antiga, antes do Império romano havia o império da Núbia, o reino de Kush e o Egito, que muitas vezes é tratado como se não fosse na África. “A perspectiva histórica ensinada na universidade é eurocêntrica, então acaba se relegando a um plano inferior toda a contribuição de outros lugares, como da África, da Ásia e dos povos originários das Américas”, aponta o professor, que leciona na Escola Municipal Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha.

Localizada no bairro Sarandi, zona norte da capital, a instituição abriga muitos alunos que vivem na pele a ligação que une passado e presente de comunidades desfavorecidas historicamente. “É importante aprender a história, porque a gente vive um sistema de exploração do capital que tem uma estrutura político-econômica que coloca o continente africano em situação de desvantagem. Boa parte dos nossos alunos de escola pública tem condição política e socioeconômica semelhante a dessas pessoas.”

Fiscalização

Os indícios de resistência na implementação da lei levaram à necessidade de fiscalização da prática cotidiana das escolas. Em 2012, um grupo de educadores e agentes da Procuradoria do estado constituiu o Grupo de Trabalho (GT) 26-A.

A primeira ação do grupo foi enviar um questionário aos órgãos municipais de educação para aferir o cumprimento da regra. Segundo o procurador do estado Jorge Terra, integrante do GT, a ação é importante para demarcar a obrigatoriedade do ensino das questões históricas e culturais africanas e indígenas. “O fato é que algumas pessoas da educação já tratavam com a legislação e sabíamos que havia iniciativas pontuais. O que é confundido com cumprir a lei. É bom que se diga que ela não é direcionada ao professor, mas aos gestores da Educação, porque tem que estar no currículo, no plano político-pedagógico, e aí, sim, chegar ao plano de aula do professor. Então envolve secretários de educação, prefeitos e coordenadores. Nós não capacitamos professores para trabalhar estas temáticas, mas auditores”, destaca.

O procurador lembra um caso que considera emblemático para ilustrar a falta de compreensão do tema por alguns gestores de escolas. “Um município nos respondeu que estava cumprindo a determinação porque trabalhava com a obra Menina bonita do laço de fita, um livro infantil em que um coelho quer ser preto porque se apaixonou por uma menina negra”, relembra atônito. 

A não inclusão de temáticas étnico-raciais é descumprimento da lei e pode inclusive impedir o funcionamento das instituições, como lembra Patrícia. Para avaliar o cumprimento da norma, foi feito um levantamento dos documentos legais das escolas de Porto Alegre. “Se a escola não tiver nos seus documentos legais essas previsões, não renova a autorização de abertura, o que é necessário a cada 5 ou 8 anos, dependendo da modalidade da instituição.” Isso para garantir que se concretize o que está previsto na Constituição, a formação do cidadão a partir da educação básica. “Este é o nível de responsabilidade que temos. O produto da escola e do trabalho do educador tem que ser um cidadão. Que cidadão está saindo da escola?”, questiona-se.

fonte: Jornal da Universidade – UFRGS – Emerson Trindade Acosta 20 de maio de 2019

19 de maio de 2019

Can truth and reconciliation commissions heal divided nations?

Bonny IbhawohProfessor of History and Global Human Rights, , McMaster University – 2019

As long as unresolved historic injustices continue to fester in the world, there will be a demand for truth commissions.

Unfortunately, there is no end to the need.

The goal of a truth commission — in some forms also called a truth and reconciliation commission, as it is in Canada — is to hold public hearings to establish the scale and impact of a past injustice, typically involving wide-scale human rights abuses, and make it part of the permanent, unassailable public record. Truth commissions also officially recognize victims and perpetrators in an effort to move beyond the painful past.

Over the past three decades, more than 40 countries have, like Canada,established truth commissions, including Chile, Ecuador, Ghana, Guatemala, Kenya, Liberia, Morocco, Philippines, Rwanda, Sierra Leone, South Africa and South Korea. The hope has been that restorative justice would provide greater healing than the retributive justice modelled most memorably by the Nuremberg Trials after the Second World War.

There has been a range in the effectiveness of commissions designed to resolve injustices in African and Latin American countries, typically held as those countries made transitions from civil war, colonialism or authoritarian rule.

Most recently, Canada’s Truth and Reconciliation Commission addressed historic injustices perpetrated against Canada’s Indigenous peoples through forced assimilation and other abuses.

Its effectiveness is still being measured, with a list of 94 calls to action waiting to be fully implemented. But Canada’s experience appears to have been at least productive enough to inspire Australia and New Zealand to come to terms with their own treatment of Indigenous peoples by exploring similar processes.

Although both countries have a long history to trying to reconcile with native peoples, recent discussions have leaned toward a Canadian-style TRC model.

South Africa set the standard

There had been other truth commissions in the 1980s and early 1990s, including Chilé’s post-Pinochet reckoning.

But the most recognizable standard became South Africa’s, when President Nelson Mandela mandated a painful and necessary Truth and Reconciliation Commission to resolve the scornful legacy of apartheid, the racist and repressive policy that had driven the African National Congress, including Mandela, to fight for reform. Their efforts resulted in widespread violence and Mandela’s own 27-year imprisonment.

Through South Africa’s publicly televised TRC proceedings, white perpetrators were required to come face-to-face with the Black families they had victimized physically, socially and economically.

There were critics, to be sure, on both sides. Some called it the “Kleenex Commission” for the emotional hearings they saw as going easy on some perpetrators who were granted amnesty after demonstrating public contrition.

Others felt it fell short of its promise — benefiting the new government by legitimizing Mandela’s ANC and letting perpetrators off the hook by allowing so many go without punishment, and failing victims who never saw adequate compensation or true justice.

These criticisms were valid, yet the process did succeed in its most fundamental responsibility — it pulled the country safely into a modern, democratic era.

Saving humanity from ‘hell’

Dag Hammarskjöld, the secretary general of the United Nations through most of the 1950s who faced criticism about the limitations of the UN, once said the UN was “not created to take mankind to heaven, but to save humanity from hell.”

Similarly, South Africa’s Truth and Reconciliation Commission was not designed to take South Africa to some idyllic utopia. After a century of colonialism and apartheid, that would not have been realistic. It was designed to save South Africa, then a nuclear power, from an implosion — one that many feared would trigger a wider international war.

To the extent that the commission saved South Africa from hell, I think it was successful. Is it a low benchmark? Perhaps, but it did its work.

Since then, other truth commissions, whether they have included reconciliation or reparation mandates, have generated varying results.

Some have been used cynically as tools for governments to legitimize themselves by pretending they have dealt with painful history when they have only kicked the can down the road.

In Liberia, where I worked with a team of researchers last summer, the records of that country’s truth and reconciliation commission are not even readily available to the public. That secrecy robs Liberia of what should be the most essential benefit of confronting past injustices: permanent, public memorialization that inoculates the future against the mistakes of the past.

U.S. needs truth commission

On balance, the truth commission stands as an important tool that can and should be used around the world.

It’s painfully apparent that the United States needs a national truth commission of some kind to address hundreds of years of injustice suffered by Black Americans. There, centuries of enslavement, state-sponsored racism, denial of civil rights and ongoing economic and social disparity have yet to be addressed.

Like many, I don’t hold out hope that a U.S. commission will be established any time soon – especially not under the current administration. But I do think one is inevitable at some point, better sooner than later.

Wherever there is an ugly, unresolved injustice pulling at the fabric of a society, there is an opportunity to haul it out in public and deal with it through a truth commission.

Still, there is not yet any central body or facility that researchers, political leaders or other advocates can turn to for guidance, information and evidence. Such an entity would help them understand and compare how past commissions have worked — or failed to work — and create better outcomes for future commissions.

As the movement to expose, understand and resolve historical injustices grows, it would seem that Canada, a stable democracy with its own sorrowed history and its interest in global human rights, would make an excellent place to establish such a centre.

fonte: site do Forum Econômico Mundial – 21/2/2019

13 de janeiro de 2019

Seminário Luiza Bairros: Escravidão, Memória e Verdade no Brasil e nos Estados Unidos tem apoio da OAB/RS

Seminário Luiza Bairros: Escravidão, Memória e Verdade no Brasil e nos Estados Unidos tem apoio da OAB/RS

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Seminário Luiza Bairros: Escravidão, Memória e Verdade no Brasil e nos Estados Unidos, que ocorre nos dias 18 e 19 de maio, irá ocorrer no Arquivo Público do Rio Grande do Sul. O evento é uma iniciativa da Subcomissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/RS e outras entidades, e terá como objetivo refletir sobre a escravidão, ainda presente, ou não, na sociedade.

Durante o encontro, serão realizadas diversas palestras que focarão em temas como escravidão e liberdade, desigualdades étnico-raciais, racismo no Rio Grande do Sul e impasses e dilemas da luta antirracista. O presidente da subcomissão, Jorge Terra, comenta como o evento pode ser positivo para a sociedade. “Nós temos como objetivo a constituição de um relatório que demonstre a situação hoje vivenciada, a influência da escravização nesse quadro, bem como conjunto de medidas reparatórias. Por isso, é fundamental mesclar pesquisadores e militantes, permitindo que o trabalho seja correspondente à responsabilidade que assumimos”, disse.

Para a integrante da subcomissão, Laura Zacher, a iniciativa é fundamental para discutir temas ligados a escravidão.“É importante para que se possa refletir sobre o momento atual. Consequências da escravidão ainda seguem presentes no Brasil e precisamos falar sobre esse tema que passa largamente invisibilizado em nossa sociedade, para que busquemos completar a abolição de 1888 de fato.”, comentou.

O evento contará com pesquisadores e a comunidade acadêmica em geral, militantes e ativistas do movimento negro e membros da OAB. O evento é promovido pela OAB/RS, Defensoria Pública da União, Unisinos e Ufrgs. Para fazer a sua inscrição acesse o site https://www.seminarioluizabairros2017.com.br/

Quem foi Luiza Bairros:

Luiza Bairros nasceu em Porto Alegre e tem formação em administração pública e de empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ela também possui mestrado em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e tem doutorado em sociologia (Universidade de Michigan – EUA). Mudou-se para Salvador em 1979, onde atuou em diversos movimentos sociais, com destaque para o Movimento Negro Unificado (MNU). Participou de forma ativa das principais iniciativas dos movimentos negros em todo Brasil, sendo eleita, em 1991, como primeira Coordenadora Nacional do MNU, onde permaneceu até 1994. Trabalhou também em programas das Nações Unidas contra o racismo em 2001 e em 2005.

Ela também teve uma participação de destaque na Conferência de Durban, um evento que reuniu, em 2001, representantes de 173 países na África do Sul para discutir medidas contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e intolerâncias correlatas – e seus desdobramentos. Luiza teve papel fundamental na fundação do Grupo Temático da ONU sobre Gênero, Raça e Etnia. Ela foi titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Social da Bahia (Sepromi) e ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, de 2011 a 2014. Dentre os prêmios recebidos na vida pública estão a medalha Zumbi dos Palmares (2011), emitido pela Câmara Municipal de Salvador, o título de Cidadã Baiana (2013), concedido pela Assembleia Legislativa da Bahia, além do diploma Bertha Lutz (2016), entregue pelo Senado Federal a pessoas que tenham oferecido contribuição relevante à defesa dos direitos da mulher e a questões de gênero no Brasil. Luiza faleceu no ano de 2016 em virtude de um câncer pulmonar.

25 de novembro de 2018

“Não cometa inconstitucionalidade, Santa Cruz do Sul!” ou “Atenção OAB, MP, DPE e demais legitimados!”

No dia 26.11.2018, ao final da tarde, a Câmara de Vereadores do Município de Santa Cruz do Sul, no interior gaúcho, apreciará e votará projeto de lei que versa sobre a adoção do sistema de cotas em seus concursos públicos.

Bom aqui lembrar que C. Perelman (2.008) separou os conceitos conhecidos de justiça em grupos com base nos seguintes seis critérios:

1. dar a cada um a mesma coisa (igualdade formal);

2. dar a cada um segundo seus méritos (mérito entendido como esforço e como capacidade);

3. dar a cada um segundo suas obras (ou seja, de acordo com sua nota, com as horas trabalhadas, com o material produzido). Veja que os defensores da meritocracia, falam dela, mas a justificam, equivocadamente;

4. dar a cada um de acordo com suas necessidades (base das ações afirmativas);

5. dar a cada um de acordo com sua posição (critério defendido por quem está em posição de vantagem);

6. dar a cada um de acordo com o que a lei lhe atribui.

Com esteio naquele grupo que tem como  critério a necessidade, é justa a aplicação do sistema de cotas raciais nos concursos públicos pela administração pública direta e indireta do Município de Santa Cruz do Sul e por qualquer Poder ou ente federativo no Brasil, bem como por empresas ou qualquer ente privado. A constitucionalidade de tal proceder está assegurada não somente pela leitura da Constituição Federal, sobretudo pelo fato de ser um objetivo republicano a diminuição das desigualdades, mas também pela interpretação dada à Lei Maior pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade número 41.

A ação supracitada teve por base  a Constituição Federal e a lei concernente à administração pública federal, mas antes que se diga que se restrinja à União, bom afirmar que conceitos e entendimentos foram firmados com caráter geral, ou seja, o Supremo Tribunal Federal definiu qual o padrão legislativo e de comportamento (execução da lei) que respeita e torna efetiva a Constituição Federal de 1.988.

A ADC 41 foi ajuizada pela OAB em decorrência de numerosas tentativas de burla, que o STF denominou de fraudes no texto do acórdão. Elas perpassam por concursos regionalizados, por oferta de vagas inferior ao número de três, falta de verificação das condições necessárias para ser cotistas, sempre com a intenção de não aplicar o sistema de cotas raciais ou de diminuir o número de vagas.

Como é consabido, a população negra e a sociedade brasileira ainda sofrem com os efeitos da longa escravização e do entendimento de que o Brasil conformava uma denominada “democracia racial”. A Constituição não apenas obriga a impedir ou vedar a discriminação; ela obriga os Poderes Públicos a combatê-la.

Ao apresentar substitutivo que também será apreciado pela Câmara, um grupo de seis Vereadores (do PTB, do PP, do PSDB e do MDB) desconsideram toda a situação descrita acima. No instrumento referido, acrescentam o critério da hipossuficiência, ou seja, o candidato cotista deveria ser negro e hipossuficiente. Mas negros que não são pobres não sofrem racismo? Há de se confundir questão racial com questão racial pelo fato de o racismo ter como um de seus produtos a discriminação no campo social?

É flagrante a tentativa de limitar a aplicação do sistema de cotas. Já se pode antever a vedação para dele participar no Município de Santa Cruz do Sul quando o candidato for advogado ou médico. Em síntese, a intenção é evidente de se restringir o acesso aos cargos com maior remuneração que, normalmente. Tal iniciativa e consequente substitutivo são inconstitucionais e, se houver aprovação, macularam a imagem do Município. Espera-se que o plenário, meio de controle prévio da constitucionalidade, evite tal ocorrência.

É importante que, sem desrespeitar a independência do Poder Legislativo municipal, a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público estadual, a Defensoria Pública estadual e todos os legitimados para o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal perante a Constituição do Estado estejam prontos para agir. Frisa-se, aqui, que dois artigos da Constituição estadual são relevantes, sem prejuízo de outros, para o caso:

“Art. 1.º O Estado do Rio Grande do Sul, integrante com seus Municípios, de forma
indissolúvel, da República Federativa do Brasil, proclama e adota, nos limites de sua autonomia e competência, os princípios fundamentais e os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos universalmente consagrados e reconhecidos pela Constituição Federal a todas as pessoas no âmbito de seu território.”

e “Art. 8.º O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

É necessário encerrar dizendo o que parece não ser de conhecimento universal: dos candidatos cotistas também é  exigido um desempenho condizente com as exigências do cargo em disputa; o sistema constitucional brasileiro veda a discriminação (de qualquer espécie) e obriga os Poderes Públicos a reduzir ou a eliminar as discriminações e as suas danosas consequências.

Portanto, não há margem ou espaço para que, por preconceito ou por ideologias insustentáveis, seja tomada decisão não respeitadora de direitos constitucionalmente assegurados.

 

Jorge Terra.

 

 

 

 

 

 

21 de novembro de 2018

Novidade no campo das leis?

Não é novidade que leis que interessam à comunidade negra brasileira, por sua baixíssima representação nos Poderes Executivo e Legislativo têm dificuldade de trânsito nos dois Poderes citados. Também pela baixa representatividade acrescida de questões atinentes a falhas no ensino jurídico, no Poder Judiciário, a situação se repete.

Além de um bom tema para abordagens procedimentalistas, tem-se um problema político real.

Antes da Abolição da Escravatura, havia lei que impedia o tráfico de escravos, sabidamente descumprida, bem como lei que previa a liberdade de filhos de escravizados condicionada à decisão do senhor de escravos. Havia também lei que previa a concessão da liberdade para escravizado que atingisse 60 anos desde que trabalhasse por mais três anos ou até os 65 anos para indenizar o senhor de escravos. Tudo isso quando nenhuma pessoa ou poucas pessoas atingiam vida tão longa. Além disso, a lei que determinou a Abolição alcançou a liberdade divorciada de condições de pleno exercício dela.

Em 2.010, julgava-se que isso não mais ocorreria, mas o estatuto da igualdade racial não tem nenhum artigo efetivamente cumprido, faltando regulamentação para algumas previsões. Pouco antes, em 2.003, exsurgira lei descumprida que obriga os secretários estaduais gaúchos a garantir assento ao Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (CODENE) quando da discussão de temas relevantes para a comunidade negra gaúcha. Aliás, na mesma lei, há previsão de um fundo de combate ao racismo que, sabidamente, nunca foi alvo de regulamentação e que nunca gerou o aporte financeiro aguardado e necessário. No mesmo ano, por meio da lei número 10.639, depois alterada pela número 11.645/2.008, criou-se o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) com o fim de que nas escolas privadas e públicas fossem ensinadas as histórias e as culturas africana, afrobrasileira e indígena, já que já eram descumpridos os artigos 16 da referida lei e o 242, §1º da Constituição Federal de 1.988.

Acrescente-se que há projetos de lei que se converteram em lei e foram objeto de ações judiciais como as pertinentes ao feriado do dia da Consciência Negra, a lei que permite o sacrifício de animais praticado em cultos de alguma das religiões de matriz africana e a lei que criou o Conselho do Povo de Terreiro no Município de Rio Grande/RS .

Agora, contudo, chegou-se ao clímax: o então Presidente do Senado, José Sarney, em 2,012, após o trabalho de uma comissão de juristas por ele convidados, apresentou projeto de lei referente ao novo código penal brasileiro.

Fica-se a imaginar por quantos olhos passaram cada artigo antes da apresentação mencionada acima. O fato é que o projeto de lei, justamente no artigo que trata de crime racial, o artigo 472, fui apresentado com texto que sabidamente tem conduzido a um grande número de absolvições e, o que é pior, sem a previsão de pena.

É consabido que não há crime sem a previsão de pena e isso é tão elementar que não se acredita que essa omissão não foi acidental. Todavia, ela é reveladora de desatenção com a temática.

Em decorrência disso, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS, apresentará sugestão de texto legal e de pena para a Presidência da Seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil com o fito de que haja a condução de articulação que enfrente a situação descrita acima.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

Comissão sobre a Escravidão Negra da OAB/RS apresenta relatório sobre o legado pós-abolição nos dias atuais

 

No dia da Consciência Negra, o presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, recebeu das mãos do presidente da Comissão de Verdade Sobre a Escravidão Negra, Jorge Terra, o relatório com as recomendações sobre meios de reparação à população negra pela escravização e seu legado na pós-abolição ainda nos dias atuais.

O dirigente da seccional, Ricardo Breier, destacou a importância do trabalho da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra: “É importante estar aqui, neste dia simbólico e efetivo, pois precisamos estar a par e compreender as demandas que o movimento negro faz. Apenas assim, poderemos garantir instância democrática de diálogo e de atuação para todos”, pontuou Breier.

“Esse grupo tem a chancela da presidência e a força da OAB para falar com as instituições públicas e privadas. Inclusive, dentro do seio da própria Ordem, pois há mudanças que não podem mais esperar, e estamos dispostos a levá-las adiante”, afirmou o presidente da CVEN, Jorge Terra.

“Precisamos reforçar que esse é um momento histórico, estamos apresentando as recomendações que construímos com os membros da comissão e com a sociedade civil, bem como com a consulta à academia, com os movimentos sociais e com a outras instituições. Construímos 130 recomendações. Precisamos ir adiante. A CVEN precisa, agora, fazer um acompanhamento, para saber se as recomendações foram acatadas e cumpridas e como foram cumpridas. O trabalho de acompanhamento é tão importante quanto o de formulação.

“Assumir o passado, compreender o presente e construir o futuro juntos: um compromisso com a reconciliação”

A frase acima está no sumário do relatório de recomendações. A meta do documento é alcançar no mínimo 80% de efetividade na implementação das recomendações até o término da Década Internacional de Afrodescendentes das Nações Unidas, em 2024.

O fórum virtual, que balizou a construção do relatório, tinha a expectativa de alcançar 150 inscrições na plataforma virtual, realizar quatro rodas de conversa e reunir 130 propostas de recomendação, em alusão aos 130 anos da Lei Áurea. Os resultados superaram todas as expectativas.  Entre os eixos principais do documento estão: cultura, comunidades tradicionais, justiça, mundo do trabalho, mídia, segurança pública, etc.

Também participaram da ocasião os membros da CVEN: Heleno Garay Rodrigues, Leticia Padilha, César de Oliveira Gomes, Major Dagoberto Albuquerque, Mário Rheingantz, Luiz Felipe Teixeira, Mariê Rocha, Sergio Nunes, Tatiana Xavier, Felipe Leiria e Daiane Carvalho.

FONTE: COMUNICAÇÃO SOCIAL DA OAB/RS

 

 

14 de outubro de 2018

Programa Frente a Frente

Participação no Programa Frente a Frente da TVE/RS sobre racismo e sobre Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra.

Acesse pelo seguinte link:

24 de setembro de 2018

De Porto Alegre à Lagoa Vermelha

A cada dia mais se reforça a obrigação da União, dos Estados, dos Municípios, dos estabelecimentos educacionais privados e da sociedade implementarem e fiscalizarem o cumprimento do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Precisamos entender, com brevidade, o que já está no texto original dessa basilar legislação (veja os artigos 26 e 27): todas as histórias e culturas são importantes para nosso desenvolvimento civilizatório.

O predomínio de uma visão eurocêntrica, a desvalorização e o rebaixamento de outras culturas tem efeitos concretos graves. Nesse cenário, o nível de mortalidade de jovens negros, o nível de desempregabilidade, as diferenças salariais em razão da raça das pessoas (veja dados da extinta FEE, do DIEESE e do IPEA), o descumprimento de todos os artigos do estatuto de igualdade racial (olhe o artigo 40 e o parágrafo 3º do 39), a ineficácia das leis referentes aos crimes raciais e o fato de o projeto de lei que trata do novo código penal ter sido apresentado pela Presidência do Senado sem previsão de pena para o crime de racismo não parecem gerar aflição sequer nos órgãos governamentais responsáveis pelas políticas de igualdade racial no Brasil. Se assim é ou parece, menor seguramente é a pressão sobre a estrutura dos entes federativos, constituídos por pessoas, na quase totalidade das vezes, despreocupadas com o combate aos efeitos de uma longa escravização e de uma abolição realizada sem planejamento e sem ações reparatórias.

Também estão nesse quadro, o revigorado e já longínquo desacreditar da cultura nativa, a indígena, como se tivesse que assim  fazer para lhes tomar as terras no passado e no futuro. Antes, o discurso era racial com apoio de uma visão religiosa, hoje sobressai o aspecto econômico. Por um ou por outro caminho, chega-se à exclusão e ao ataque às condições de sobrevivência física e cultural dos indígenas brasileiros.

Nesse sentido, misturando desconhecimento histórico, inabilidade artística, preconceito e desrespeito cultural, aportam dois fatos a não esquecer: um no Município de Porto Alegre e outro no Município de Lagos Vermelha. Em Porto Alegre, dos cerca de 370 piquetes instalados no acampamento farroupilha montado em zona central do município, dois (2) fizeram referência aos Lanceiros Negros: um piquete vinculado aos Lanceiros Negros Contemporâneos e o vinculado à organização Mocambo. Além desses, dentre os numerosos existentes, somente outro fez referência à história dos negros no Rio Grande do Sul ao tratar do tema tropeirismo (tema central da edição do ano de 2.018 do acampamento farroupilha).

Esse piquete optou por abordar o tema constituindo um espaço no qual reproduzia uma senzala, tendo duas bonecas negras representando mulheres acorrentadas e em posição de serem açoitadas. Deixa-se aqui de exemplificar quadros que muito provavelmente gerariam ofensas a outros segmentos da população atual do Rio Grande do Sul e do Brasil, confiando que, ao menos por empatia, pode-se vislumbrar o que sentiu parte da comunidade negra ao acessar as imagens da instalação. O fato é que, assim agindo, os gestores do piquete estariam, ao seu ver, rendendo homenagem aos Lanceiros Negros, que eram homens, colocando as imagens de mulheres negras em pelourinhos. Não é crível tal versão.

Uma vez que, indevidamente, o piquete violador afixou placa referente a programa do Município voltado ao turismo, entrou-se em contato com a Municipalidade que, prontamente, retirou a placa e gestionou aos dirigentes do Movimento Tradicionalista Gaúcho que o espaço fosse fechado.

Posteriormente (cerca de dois dias), houve a reabertura do espaço já não mais com a inadequada senzala, mas com instalação decorrente de consulta ao conselho de direitos do Município de Porto Alegre relacionado à causa negra.

Agora, exsurge a informação de um desfile temático com a presença de crianças no Município de Lagoa Vermelha. O vídeo assistido tinha apenas 31 segundos. Nesse período de tempo, viram-se crianças e adultos brancos com indumentárias tradicionais e uma criança negra sem camisa e acompanhada por outra pessoa branca que estava a empunhar um chicote. Essa criança negra, inclusive, tinha riscos de tinta vermelha às costas como se houvesse sido açoitada.

A entidade desfilante e os organizadores do evento não foram sensíveis a ponto de pensar naquela criança moradora de uma cidade pequena e em sua convivência comunitária, tampouco nas outras, negras ou brancas, que veriam o desfile ou as respectivas filmagens. Sabe-se que pessoas tem preconceitos de diferentes naturezas. Todavia, essas preconcepções, geradoras de vieses, devem ser controladas pelas próprias pessoas, em especial quando se está na posição que os responsáveis pela escola e pelo evento estavam e estão. Se esse autocontrole inexistir ou inocorrer, cabem as buscas pelas atuações do Conselho de Educação, do Conselho da Criança e do Adolescente, do CODENE, do Conselho Tutelar, da OAB, da Defensoria Pública, da Subseção da OAB e da Comissão de Direitos Humanos da PGE .

Essa noticiada violação é mais grave do que a primeira, pois envolve diretamente crianças e afronta diretamente o artigo 227 da CF/88 que assim dispõe:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Agora, há dois caminhos a seguir: 1) a apuração das responsabilidades pelos dois fatos ocorridos. No que diz com o que aconteceu em Porto Alegre, há quem diga que a responsabilidade seria exclusivamente do piquete e há quem diga que também seria da secretaria municipal da cultura e do MTG, uma por ter recebido projeto previamente e ambos por não terem fiscalizado, já que, até o fechamento temporário do espaço no qual estava a instalação, a exposição esteve aberta ao público por cerca de 9 dias.  No que pertine ao ocorrido em Lagoa Vermelha, ao que se sabe, no dia de hoje será acionado o Ministério Público por meio do Promotor de Justiça lá lotado. 2) a apuração mencionada não é o bastante: o Movimento Tradicionalista Gaúcho deve pensar e anunciar forma de reparação imaterial à população negra gaúcha e brasileira.

Ideias  há, sendo suficiente pedir sugestões, gerar processos de pesquisa e método de verificação prévia sobre o trabalho a ser apresentado à sociedade.

 

Jorge Terra

Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

Comissão de Direitos Humanos da PGE/RS

 

 

5 de maio de 2018

Já que o ônibus não vem

“R. I.” é um homem que trabalha muito. Normalmente, além de nove horas por dia.

Ele fuma muito, não cuida de sua alimentação, tem uma vida sedentária e tem histórico familiar de algumas doenças cardíacas.

“R. I.” eventualmente sente tontura, palpitação e falta de ar. Mas, considera-se saudável e aponta o stress diário como causa exclusiva desses problemas eventuais.

“R. I”, até por força de seu trabalho, é muito bem informado. Portanto, sabe da importância dos cuidados preventivos para se ter uma vida saudável e longa. Apesar de ter filhos adolescentes, não realiza nenhuma atividade preventiva ou curativa.

“R, I”,  sabemos nós, é hipertenso, tem problemas decorrentes da falta de controle do colesterol e tem, em fase inicial, doença decorrente do tabagismo. Porém, ao não se admitir doente, não se trata.

Em uma tarde, por ter deixado seu veículo na concessionária, “R. I”, decidiu retornar para casa de ônibus. Passava das 18 horas e o ônibus que poderia pegar na frente da empresa e que o deixaria a 40 metros de sua casa, não aparecia. Aliás, nenhum ônibus aparecera nos últimos 10 minutos, o que era estranho naquela região da cidade.

Passados mais 5 minutos e ao saber que ocorrera um grave acidente ocasionador de um congestionamento, resolveu enfrentar caminhando os 2 quilômetros até sua casa.

A caminhada começou segura. “R. I.” foi vendo fachadas e árvores que nunca percebia do interior de seu carro. Na metade do trajeto, o cansaço começou a se apresentar. Todavia, confiante de que a tarefa não seria tão árdua e de que seria bom fazer uma atividade física, ele perseverou.

Quase sem ar, “R. I.”, já avistava sua rua a 200 metros.

Orgulhoso de si e certo de que estava cuidando de sua saúde, “R. I” chegou em casa.

No dia seguinte e nos que o sucederam, “R. I”, já de posse de seu carro, percorreu os trajetos de ida e de volta sem sequer pensar em caminhar.

“R. I”, finge desconhecer que está doente. Ele verdadeiramente não se preocupa se sua presença será importante para seus filhos no futuro. Ele nada faz para mudar uma situação danosa. Ele sabe que é possível tomar medidas para, ao menos, mitigar os danos. Tanto sabe que faz promessas para si e para outros que aquela caminhada será numerosas vezes repetida mesmo quando houver veículo próprio ou ônibus à disposição. Sabe também que só caminhar após o trabalho não basta e promete cuidar da alimentação, parar de fumar, ir regularmente ao médico e outras tantas coisas benéficas para si mesmo.

“R. I” é o Brasil.

O Brasil sabe que o racismo institucional (“R. I.”) é danoso. Ele sabe que é necessário e possível agir. Sabe que são indispensáveis medidas sistêmicas e coordenadas e não atos isolados e sem desencadeamento lógico. Porém, como o doente que não se admite doente, não se trata, faz promessas e revela despreocupação com o presente e com o futuro.

 

Jorge Terra

Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

Presidente da Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da PGE/RS

 

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