Jorge Terra

21 de maio de 2021

39 mais 40 igual a zero: a estranha frase jurídico-matemática

Anuncia-se a realização da III Conferência Nacional de Igualdade Racial (III CONAPIR) em Novembro de 2.013.

Essa é a ocasião ideal para se enfrentar tardias questões referentes aos artigos 39 e 40 da Lei número 12.288/2010, o Estatuto da Igualdade Racial, que pende de regulamentação. Daí decorre o título desse breve texto.

Acredito que caminho a ser fortemente trilhado, em paralelo com a adoção de cotas relativas aos cargos e empregos públicos, é o do estímulo à responsabilidade social corporativa voltada ao campo da equidade racial. Aliás, penso ser a empresa capaz de mais oferecer vagas no mercado de trabalho e de tornar permanente e natural a inserção do negro em searas de maior poder econômico e social.

Essas ofertas, pelo menos no início, estarão ligadas ao interesse de agregar à marca uma imagem de efetivadora de direitos e de respeitadora da diversidade. Mais adiante, espera-se, perceber-se-á que instituições diversificadas são mais competitivas e mais aptas a se adaptar e a enfrentar adversidades.

O fato é que, enquanto não ocorrer a regulamentação do Estatuto, que prevê incentivos fiscais para as empresas que por convicção de seus dirigentes, por interesse mercadológico ou por identificação de oportunidade auxiliem no enfrentamento do racismo no mercado de trabalho, haveremos de constatar diferenciações e dados entristecedores.

Assim está disposto na Lei:

Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1o A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2o As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.

§ 3o O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

    (…)

Percebe-se que é indispensável estabelecer o que se exigirá da empresa e o que se lhe oferecerá. Diante dessa indefinição, que já conta com cerca de 3 anos, não parece razoável apenas lamentar a inalteração do quadro e apenas voltar atenção para a situação no setor público.

De bom alvitre assinalar que o mesmo artigo desvela preocupação com iniciativa empreendedora e com questão de gênero nos parágrafos abaixo transcritos:

§ 4o As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.

§ 5o Será assegurado o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras.

§ 6o O poder público promoverá campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher negra no trabalho artístico e cultural.

 Sublinhe-se que igual finalidade tem a norma que se obtém da interpretação do artigo 41 que assim está redigido:

Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros.

   Outro artigo que traz-me preocupação é o 40 do mesmo diploma legal. Isso porque, transcorrido prazo mais do que razoável, não se tem notícia, a qual se deveria dar ampla divulgação, de efetivação da norma extraível do artigo já mencionado.

  Assim está entabulado no Estatuto:

Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.

   Importante referir que o Poder Público não é mero inibidor de violações de direitos; ele é indutor por meio de leis, de sistemas de controle e de estímulo, bem como por tomar iniciativas que levem à constituição de ambiente propício para a concretude dos direitos.

 Sabe-se que há projetos efetivamente transformadores, voltados ao mercado de trabalho e ao sistema de Justiça, tal como o Curso Acredite, que padecem pelo fato de não haver linhas de financiamento que os contemple, A situação seria outra se houvesse a maior participação das empresas nesse campo e se o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo do Trabalhador formulasse políticas e programas ou, ao menos, financiasse projetos e ações tendentes a modificar o atual teatro.

    No que concerne ao artigo 40 e sua aplicação, recomendável é a leitura da ata referente à apresentação do programa Brasil Afirmativo ao CODEFAT pelo Senhor Mário Lisboa Theodoro em nome da SEPPIR. Ousa-se dizer, após ler a ata da 117ª reunião ordinária do CODEFAT, que restou flagrante a dificuldade de se convencer o colegiado da cooperação que poderiam dar no processo civilizatório(acesse pelo link http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D3BAA1A77013BFC5A8A894C0B/Ata%20117%C2%AA%20RO-CODEFAT_25.10.2012.pdf).

   Em síntese, espera-se que, na Conferência e fora dela, haja sempre uma preocupação com o resultado, pois já há muito se ultrapassou a fase de se relatar casos e de se identificar problemas. A eficiência na gestão das questões raciais é uma meta que merece ser perseguida sob pena de se mal utilizar recursos públicos e privados sem mudar as realidades.

  Infelizmente, esse texto, escrito em 2013, ainda goza de atualidade e desse atributo gozará por muito mais tempo.

  Jorge Terra

 Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

 Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS

16 de agosto de 2014

Nós queremos e merecemos ir para a Série A das questões de Estado (e não de Governo) !

Queremos e merecemos ir para a Série A das questões de Estado (e não de Governo) ! No que concerne à equidade racial, faltam-nos líderes, estrutura e método. Em outras palavras, tudo há a construir. A situação é tão entristecedora (esse é o termo) que candidatos em eleições majoritárias são apresentados ou até reeleitos sem ter proposta ou realização concreta que diga diretamente com um segmento que representa cerca de 51% ou cerca de 17% da população, no Brasil ou no RS, respectivamente. Nesse cenário, os militantes pela nomeada causa negra seguem caminhos diversos e sem chances de abarcar as diferentes correntes: há os que procuram partidos de esquerda, há os que procuram partidos de direita, há os que procuram ONGs, há os que procuram ajuizar ações judiciais, há os que procuram as redes sociais, há os procuram estabelecer parceria com instituições  e há os que já não querem mais procurar. A cada dia, percebe-se que, embora seja um objetivo republicano a diminuição das desigualdades (artigo 3º da CF/88), o tema tem servido apenas para captar eleitores e, o que é pior, apresentando-se a mesma frase: “outros não se preocupam com essa questão”. No que se refere à estrutura, não é novidade que a SEPPIR (Federal) não tem recursos pessoais e financeiros para atuar em um país com situações tão diferenciadas e com dimensões continentais. O mesmo se pode dizer de uma COPPIR (no RS). Agora, vem a notícia do surgimento de um movimento para a criação de um fundo nacional para o combate ao racismo, por meio de um projeto de lei de iniciativa popular, para que, até 2.030, sejam obtidos 3 bilhões de reais. Ora, sabe-se da necessidade de força para obter 1.400.000 assinaturas e de estrutura para se trabalhar pela aprovação junto ao Congresso. Ademais, passados mais de 4 anos, ainda não houve alcance de nenhum centavo pelo CODEFAT para programas, projetos e ações relativos à igualdade racial apesar de haver determinação legal para isso (artigo 40 do Estatuto da Igualdade Racial). Portanto, respeitosamente, vaticina-se que não parece ser uma iniciativa com perspectiva de eficácia. Vem também notícia de que o MEC lançou editais para que estabelecimentos de ensino nos termos informados em seu site da seguinte forma: “A promoção da igualdade racial, o combate ao racismo, a valorização da cultura e das línguas indígenas, a acessibilidade e a inclusão, a difusão da história e cultura afro-brasileira e indígena estão entre os temas de dois editais do Ministério da Educação dirigidos a instituições de educação superior, públicas e comunitárias. O primeiro vai selecionar 20 propostas de cursos preparatórios de estudantes para acesso à pós-graduação; o segundo apoiará 50 projetos conjuntos de pesquisa entre instituições brasileiras e estrangeiras, nos níveis de graduação-sanduíche e doutorado-sanduíche.” Então, sem ter alterado os currículos das graduações EM ONZE ANOS (NO QUE TANGE À LEI 10.639/2003 – que criou o artigo 26-A da LDB) ou, ao menos, HÁ SEIS ANOS, com o advento da LEI 10645/2008 – que inseriu a cultura indígena no artigo 26-A da LDB), o Ministério parte para outra frente com menor abrangência e com maior custo econômico. Não há time que avance sem um bom meio de campo, ou seja, sem quem estabeleça ritmo, preveja fragilidades e caminhos. Todavia, passam-se os anos e o segmento não consegue criar pautas únicas com chances de serem agregadoras e estimuladoras de outras. As notícias que se sucedem demonstram, à toda evidência, que ainda seguiremos na Série B.

Jorge Terra

Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

11 de julho de 2013

VAMOS FALAR SOBRE FUTEBOL?

Imagine que seu time está por entrar em campo e necessita vencer o jogo.
Imagine que, à beira do gramado, está um atacante habilidoso, forte, alto e destemido. Ele está aquecendo confiante de que poderá fazer os gols dos quais tanto carece a sua equipe.
Vendo-o tão motivado, a torcida, sabedora de seu potencial, grita seu apelido:
– Trinta e nove ! Trinta e nove! Trinta e nove!
O apelido decorre do fato de, em sua primeira temporada, o atacante ter feito 39 gols.
Os gritos da torcida dominam a moderna arena.
A equipe adversária entra em campo.
A sua também entra em campo. A torcida explode.
Depois de um tempo, ainda vibrando entusiasmadamente, percebes que teu atacante ainda está ao lado do gramado, esperando para entrar.
O atacante, em plena forma física, está vestindo uma camiseta que lhe permite transpirar e um calção que lhe permite desenvolver todos os movimentos necessários na zona de ataque.
Os gritos de “trinta e nove”, “trinta e nove” vão escasseando e se tornando mais raros.
Olhando mais atentamente, entendes porque o grande jogador não entra em campo apesar de o jogo já ter iniciado: o jogador está sem chuteiras.
Esse jogo é apenas uma figura de linguagem para mostrar a situação do artigo 39 do Estatuto da Igualdade Racial, que, sendo do ano de 2010, ainda aguarda a regulamentação que poderá lhe conferir importante eficácia.
Assim está disposto no Estatuto(Lei Federal n.12.288, de 20 de Julho de 2.010):

Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1o A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2o As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.
§ 3o O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

§ 4o (…)

§ 5o (…)

§ 6o (…)

§ 7o (…)

Perceba-se que o §3º do artigo 39 exige regulamentação, pois não é possível conceder incentivo sem definir o que se exigirá do beneficiário, bem como qual será o limite da renúncia fiscal. Em outras palavras, a empresa receberá incentivo fiscal relativo ao imposto de renda ou a outro imposto? E em que porcentagem? Deverá aplicar que espécie de ação afirmativa e quantos deverão ser atingidos por ela?
Em síntese, sem a regulamentação do artigo já referido, continuaremos a esperar que as empresas cumpram sua responsabilidade social corporativa espontaneamente ou cientes das vantagens mercadológicas decorrentes, mas jamais por força do estatuto da igualdade racial.

Jorge Terra
Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito
Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS
Membro do GT 26-A

25 de março de 2012

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL E SUA REGULAMENTAÇÃO

 Com satisfação, recebi a notícia de que a SEPPIR, por intermédio da Portaria nº79, instituiu Grupo de Trabalho que apresentará proposta de regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial nos pontos que entenderem imprescindível. Conveniente relembrar que a diminuição das desigualdades é um objetivo republicano estampado no artigo 3º da Constituição Federal de 1.988.

 No que pertine à adoção de sistema de cotas raciais em concurso público, penso não ser necessária regulamentação. Tanto é assim que iniciei breve debate junto aos demais membros da Comissão de Direitos Humanos da PGE/RS para que, ao fim, seja encaminhado ofício à já instalada Comissão de Concurso pertinente ao próximo concurso para o Cargo de Procurador do Estado. Nesse passo, pretendo que, na primeira semana de agosto de 2011, seja a Comissão de Concurso instada a se manifestar sobre o tema.

  De bom alvitre sublinhar que, com base em lei estadual, o Ministério Público do Paraná instituiu, em concurso para o  Cargo de Promotor de Justiça, o sistema de cotas raciais em mais de uma edição. Sublinha-se, também, que o Estado do Rio Grande do Sul conta com o Estatuto da Igualdade Racial em vigor(Lei 13.694/2011). Logo, não seria jurídico o impedimento para a adoção referida.

  O Grupo de Trabalho noticiado acima, certamente, estará aberto a propostas e a contribuições, pois todos visamos à construção de uma sociedade mais justa. 

  Lendo o artigo 3º da Portaria, nota-se que não há representação do Ministério da Fazenda compondo o GT, mas que poderá sua colaboração ser solicitada. Mantendo minha visão de que o campo mais profícuo para a efetivação de programas, de ações e de projetos está na responsabilidade corporativa, penso que, já no início dos trabalhos, deveria ser solicitada a colaboração supradita. Acrescente-se que há referências no Estatuto a incentivos fiscais para empresas, à alocação de recursos, a planos plurianuais e à execução de orçamentos públicos.

 A missão do grupo de trabalho, além de nobre, será exigente no plano técnico. Dessa arte, espera-se que todos estejamos disponíveis para com ele colaborar e que sua composição seja a melhor possível.

Jorge Terra.

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