Jorge Terra

17 de abril de 2024

Museu e Centro de Referência em Porto Alegre

O município de Porto Alegre tem lei que prevê um equipamento público denominado de Museu da História e da Cultura do Povo Negro. Embora seja lei do ano de 2010, o referido museu não existe.

Em se sabendo que o município, como outros tantos, não cumpre a obrigação de ensinar as histórias e as culturas africanas, afrobrasileiras e indígenas (artigo 26-A da LDBEN), não gera surpresa a inexistência referida.

O que há de surpreendente é a edição de lei, do ano de 2020, que altera o nome do inexistente museu, acrescentando o nome do vereador que propôs a criação do museu. Entende-se que a maior homenagem ao proponente seria dar concretude à lei e não a edição de uma lei sem efeito prático.

Porto Alegre teve um espaço denominado de Centro de Referência do Negro Nilo Feijó. O prédio onde estava sediado esse centro está com sua estrutura comprometida conforme uma das secretarias municipais. Uma vez que não houve nenhum evento climático grave na região onde ele funcionava até o advento da pandemia de covid-19, é razoável presumir que o problema se deve à inocorrência das obrigatórias manutenções prediais.

O fato é que o chamado Centro de Referência do Negro Nilo Feijó era cedido informal e ocasionalmente para algumas entidades sociais e essas lá realizavam atividades culturais. Note-se que, apesar do nome, jamais foi um centro de referência. Centro dessa espécie precisa ter exposições permanentes e temporárias, acervo de peças e de obras, biblioteca, pequeno auditório, teatro, local para cursos, corpo técnico capaz de gerar uma cultura viva, de receber estudantes e pesquisadores, bem como de promover atividades, projetos e programas.

A realidade é que não há movimento por quem deveria tomar a frente na constituição do museu e do verdadeiro centro de referência. Seguramente, a razão não está na falta de prédios municipais ou de qualificados servidores públicos que possam levar adiante tais empreitadas. Faltam o reconhecimento da importância da cultura de parte da população, a percepção da injustiça das decisões tomadas até aqui e a compreensão de que a cultura tem forte vinculação com o desenvolvimento.

Os direitos fundamentais culturais das pessoas negras não são efetivados no município de Porto Alegre e não há perspectiva de que tal situação mude, apenas a esperança. Isso porque a população negra não tem conseguido incidir fortemente na agenda política cultural da capital do Estado.

A Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil, entendendo como de cunho reparatório as constituições dos dois espaços, fez e faz a sua parte. Por tal motivo, a Comissão insta o município para que cumpra seu papel com responsabilidade e com lisura, prestando informações fidedignas e, mais do que tudo, constituindo espaços que respeitem os direitos da população negra de Porto Alegre. Além disso, a Comissão conclama os conselhos de direitos locais, os órgãos de fiscalização e a sociedade para que procurem fazer tudo o que considerem possível por conta de que a cultura é um caminho de efetiva mudança.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

14 de abril de 2024

Escolas cívico-militares atentam contra a Constituição e contra a LDBEN

19 de março de 2024

Da imagem à ação

Ao ler obra do jurista Pontes de Miranda na qual ele comentava o art. 138 da Constituição de 1934 que, dentre outras coisas, previa o estímulo estatal à educação eugênica, chamou a atenção o seu silêncio quanto a esse ponto. Intrigado, li outra obra do mesmo autor. Nela, ele tratou sobre o racismo dirigido aos negros. Curioso é que, embora vivendo aqui já pudesse constatar tal situação, a abordagem referida foi trazida após o jurista morar por dois anos nos EUA.

Similar fenômeno parece acometer outros brancos no Brasil. Impactados pelas notícias relativas às manifestações antirracistas nos EUA, parecem começar a perceber parte do que instituições confiáveis demonstram há anos. Agora, talvez sejam capazes de se dar conta do trato inadequado de questões ligadas à igualdade, à história, à cultura e aos direitos fundamentais no campo da educação. Quem sabe até venham a perceber a injusta distribuição de equipamentos públicos e da estrutura da segurança em nossas cidades? Quem sabe possam enxergar a ocupação assimétrica dos espaços de poder e dos postos de trabalho com maior remuneração?

Fortes imagens oriundas do exterior auxiliaram na diminuição da invisibilidade da situação dos negros no Brasil. Elas chegaram simultaneamente com notícias sobre mortes ocorridas em nosso solo, reforçando as ações dos movimentos negros locais e descortinando um Brasil em desvantagem. Todavia, o despertar é insuficiente. É preciso realizar.

Há numerosas evidências dos danos decorrentes dos fenômenos raciais, mas saber que elas existem não significa vontade de buscar soluções, tampouco que o que aflige a comunidade negra adentrará as agendas políticas. É imprescindível que, nos âmbitos público e privado, haja comprometimento, planejamento, execução, avaliação, atenção à infraestrutura e foco em resultados e em impactos concretos positivos. Do contrário, as imagens referidas não serão convertidas em ação, restando como vagas lembranças ou como notícias impactantes e fugazes.

Jorge Terra

Procurador do Estado/RS

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

  • postado em Junho de 2020 e publicado no Jornal Zero Hora de Porto Alegre/RS na mesma época.

17 de janeiro de 2024

O EVIDENTE RACISMO

Os governos têm se revelado incapazes de criar e de implementar políticas públicas eficientes e eficazes quando se trata da questão racial. Parece faltar leitura da Constituição, pois nela há previsão de objetivos, de obrigatoriedade de planejamento, de eficiência e de eficácia. A opção, contudo, recai no improviso, no resultado insuficiente e na não transformação.

Falar em política baseada em evidências não é novidade e é até lógico quando se sabe que a concepção de uma politica inicia com a identificação de um problema. A questão é saber o que fazer com os dados, não reproduzindo métodos inexitosos e injustos.

Ainda se crê que ter lei que diga o que fazer ou não fazer seja o bastante. Nesse ponto, já há uma demonstração de que não se observam as evidências, pois, sabidamente, há numerosas leis descumpridas por governos, por empresas e por pessoas.

2024 é o último ano da década internacional dos afrodescendentes e não são perceptíveis mudanças significativas no país. Há objetivos de desenvolvimento sustentável que passam pelo enfrentamento do racismo, mas como atingir metas ousadas pouco fazendo ou fazendo o que sempre se fez?

Gestores públicos não percebem que pessoas são mortas, que pessoas não têm empregos descentes, não têm níveis satisfatórios de educação, de saúde e de segurança? Gestores privados não percebem que a excessiva desigualdade pode ser ruim para a sustentabilidade dos negócios?

Há como fazer melhor. Há como conceber e implementar políticas privadas e públicas eficientes e eficazes objetivando a igualação includente e o desenvolvimento. O desafio é grande e exige que cada setor da sociedade assuma suas responsabilidades, tendo o firme propósito de levar adiante ações concretas e articuladas.

O entendimento de que o racismo é antidemocrático, antieconômico e desigualizante deve ser diretriz para tomadas de decisões e não a base de discursos não sustentados pela prática. A concretude aguardada não pode mais ser adiada.

         Jorge Terra,

Diretor de Relações Institucionais do Instituto Acredite

*escrito em 20/12/2023.

29 de novembro de 2023

QUASE FINDANDO O QUE NÃO INICIOU

No final de Dezembro de 2024, encerrar-se-á a “Década internacional dos afrodescendentes”. Essa década, instituída pela Organização das Nações Unidas, tem como pilares o reconhecimento, a justiça e o desenvolvimento. Ela, sobretudo no Brasil, tem conexão com os Objetivos de desenvolvimento sustentável, pois não se há de falar em desenvolvimento sustentável sem enfrentamento da questão racial no território brasileiro.

Desde janeiro de 2015, início da instituída década, numerosos casos de exclusão, de preterição e de preferência em decorrência do pertencimento racial, da cor da pele ou da associação com a cultura ou com a religiosidade negra permanecem ocorrendo em larga escala. As injustiças perpetradas redundaram em doenças, em mortes, em desemprego, em desigualdade salarial, em traumas, em prisões, em condenações, em violência obstétrica e em desastres ambientais.

O fato é que se segue, mesmo diante de casos com repercussão e com reflexos políticos e econômicos, sem atenção à antidiscriminação. Em outros termos, apesar de tudo, os governos, as empresas e a sociedade não se apresentam antirracistas no Brasil. Ser antirracista é trabalhar com prevenção e precaução, é se voltar contra as causas com planejamento, eficiência e eficácia. Se apresentar no espaço público como não racista exige bem menos: basta emprestar solidariedade, lamentar o ocorrido, produzir vídeos, notas de repúdio e esperar o próximo acontecimento.

É evidente que a despreocupação com o racismo nos espaços público e privado revela que as pessoas que são alvos dele não encontram reconhecimento, justiça e tampouco desenvolvimento. Essas pessoas são alvos em todas as áreas de atuação humana: na educação, no mundo do trabalho, na habitação, na saúde, na segurança, no sistema de justiça, no esporte e na tecnologia. Entretanto, somente há reação ao que diariamente sofrem (e reações ineficientes e ineficazes em quase sua totalidade) quando há reflexo econômico ou político para outros grupos específicos. Esses sim com capacidade de influenciar agendas políticas e empresariais.

A Década internacional dos afrodescendentes não é a primeira voltada à questão negra no mundo. Houve outras direcionadas contra o colonialismo e contra o Apartheid no continente africano. Essa, contudo, não foi aproveitada como oportunidade de mudança anticasta e de efetivação de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais da população negra em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e no Brasil.

Jorge Terra.

23 de maio de 2023

1ª Feira de Direitos Humanos da PGE/RS

As instituições não existem para si mesmas! Existem para construir ou auxiliar a construir soluções para a sociedade!
Sob essa diretriz e com a convicção de que a educação em direitos humanos é um caminho a ser percorrido, a Comissão de Direitos Humanos da PGE/RS realizou, em 13.11.2018, a sua primeira feira de Direitos Humanos. Houve a apresentação de trabalhos decorrentes de pesquisas realizadas por estudantes, declamação de sonetos sobre diversos temas de direitos humanos e uma roda de conversa.
Fortes e emocionados agradecimentos ao Teatro da OSPA, à Associação dos Transportadores de Passageiros, à CORSAN, à administração do CAFF, às Escolas Municipais Moradas da Hípica, Professor Anísio Teixeira e Vila Monte Cristo, bem como ao Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire, à escola estadual Matias de Albuquerque, ao Colégio Marista Rosário e à Rede Romano.
Os trabalhos expostos foram:
EMEF Vila Monte Cristo
1) Título: QUADRO SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BAIRRO VILA NOVA EM PORTO ALEGRE
Karolini Vitória Silva, Mariana da Silva Souza, Isabelle Nunes da Rocha e Rayssa Santos Marques.

2) Título: PROFESSORES E FUNCIONÁRIOS AFRODESCENDENTES: HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
Felipe Gonçalves Rodrigues, Gabriel de Almeida Fernandes, Ícaro Moreira Borda, Sophia Diedrich da Silva e Yuri dos Santos Winck.

3) Título: PALMADAS: EDUCAÇÃO OU AGRESSÃO?
Diogo do Nascimento Costa Charão, Jenifer da Rosa Coelho, Nathália de Matos Dias Sito, Raíssa Alves de Fraga, Tainá Ramos Prudência e Vitória Schuch Cestari.

EMEF Prof Anisio Teixeira
4) Título: “QUEM RESPEITA OS DIREITOS HUMANOS? UMA DISCUSSÃO FUNDAMENTAL E NECESSÁRIA”
Hiago Adriano Oliveira Silva, João Vitor Guimarães Alves e José Luiz da Silva

5) Título: “LET ME HELP! O QUE PODEMOS FAZER PARA CONTRIBUIR COM UM MUNDO MELHOR?”
Nathanael de Oliveira Nascimento, Luis Fabiano Amaro Ferreira, Fabricio Adão Machado, Roberta Brum Feitoza da Silva, Giovana dos Santos Lunardi

6) Título: “GALERA CURTIÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS”
Gabriel Verginio Tomazini, Isabel Gimenez de Mello, Letícia Santos da Silveira, Christian Cruz Brito

Rede Romano de Educação
7) Título: ME EMPRESTA O LÁPIS COR DE PELE? – (Destaque XIII Salão UFRGS Jovem 2018)
Anderson Lauenstein da Silva , Bárbara Oliveira Reckziegel, Enzo Gabriel Moura Cordeiro, Lays Roberta Mayela Ferreira Machado, Laura Rodrigues Pires

8) Título: SEMANA DA CONSCIÊNCIA HUMANITÁRIA – (Aula aberta aos alunos do ensino Fundamental II e Médio, que envolve debate sobre temas de interesse dos Direitos Humanos e show de talentos).
Maria Eduarda Carvalho de Souza – 1° ano do Ensino Médio, Laura Ehlers de Souza – 2° ano do Ensino Médio, Davi Kniest da Silva – 1° ano do Ensino Médio, Victoria Zuccarelli Machado – 2° ano do Ensino Médio

E. E. E. F. Matias de Albuquerque
09) Título: Exposição de Abayomis: UMA REFLEXÃO INTERDISCIPLINAR: DIVERSIDADE SOB UM OLHAR LÚDICO NA DESCONSTRUÇÃO DE PRECONCEITOS E NA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

EMEF MORADAS DA HIPICA
10) Título: GÊNERO, CINEMA E HISTÓRIA: AS MULHERES SOB A ÓTICA CINEMATOGRÁFICA
Gabriela Augustin Santos, Mariana Morais Carlotto Rego, Thabatha Fiorin Pires

11) Título: RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER: POR UMA ANÁLISE DO MACHISMO ENTRE MORADORES DO BAIRRO HÍPICA, NA CIDADE DE PORTO ALEGRE (2018)
Sophia Laura Garcia, Thainara Broda Nascimento, Melane Matos dos Santos, Melissa Ribeiro
Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire
12) Título: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Nathalie Correa Bidart, Anna Júlia Garcia, Arthur Carneiro do Prado Biondo

13) Título: DIVERSOS TEMAS SOBRE DIREITOS HUMANOS
Camile Vitória Ulmann de Andrade, Victória Caroline Silva da Silva, André Gustavo Bom Reis Barbosa, Nicolas Matheus Vidal Nunes Alves, Erica Gonçalves Sansona, Gesiel Bernardes Canosa

Colégio Marista Rosário
14) Título: MULHERES NA HISTÓRIA
Bernardo Staudt de Oliveira Peixoto, Lorenzo Bolzan Ciulla, Pedro Alvarenga Piassini

15) Título: COTAS UNIVERSITÁRIAS O BRASIL E A SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES
Alice Jacques Barco, Isabella Generoso, Marina Dalrosso Oliveira, Maria Rita Suñé Marques, Stela Nicolas da Costa Ribeiro

16) Título: A INFLUÊNCIA DO PRECONCEITO E DA REPRESENTATIVIDADE NA FORMAÇÃO DA AUTOESTIMA E DA IDENTIDADE RACIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NEGROS E NEGRAS
Carolina Michel Ferreira, Isabella Prando Madeira, Maria Eduarda Moreira Neves, Victória Pereira Terra Silva

17) Título: A EVOLUÇÃO DO FEMINISMO: UMA ANÁLISE DAS PRINCESAS DA DISNEY
Gabriela Hoff Jacobus, Isabella Poças Rodrigues, Manoela Rehmenklau Feijó, Mariah Oliveira da Silva, Nicolle Costa Rodrigues

18) Título: COMUNICAÇÃO PARA SURDOS E CEGOS: OUTRAS POSSIBILIDADES
Carolina Toledo Carvalho Leite, Giovanna Strapasson Faccin, Rafaela Severo Oliva, Rafaela Silva Schöepping, Roberta Zanette Garcia

19) Título: MULHERES NA POLÍTICA BRASILEIRA
Gabriela Uchôa Silveira , Mariana Gonçalves Carvalho

20) Título: COLORISMO: COMO SE DEFINIR NEGRO NO BRASIL
Luana Tubino, Kira Luize Venzon , Fernanda Cesar

21) Título: A VISÃO DOS REPRESENTANTES DAS PRINCIPAIS RELIGIÕES BRASILEIRAS ACERCA DA LAICIDADE DO ESTADO
Rafael Vasconcellos Tonding, Rodrigo Sandrin Righesso, Yasmin Nassar Cabral

22) Título: VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA SOCIEDADE BRASILEIRA – A LUTA DIÁRIA DE MULHERES VIOLENTADAS
Nathalia Carvalho, Raquel Terra , Sofia Marcon

SONETOS DECLAMADOS
Emef Moradas da Hípica
Título: Direitos Humanos – Estudante: Melissa Melo

Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire
Título: ESTATUTO DO HOMEM – Estudantes: Nathalie Correa Bidart e Brenda Spineli

Colégio Marista Rosário
Título: EU JÁ OUVI DIZER – Estudante: Dandara Rossato da Silva
Título: SONETO REVOLTADO – Estudante: Raquel Battilana Severo
Título: LIVRE-ARBÍTRIO – Estudante: Valentina Prado Filomena

 

 

GT 26-A, o alinhamento de esforços para implantação de uma política pública

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reunião no tce dez 2013 III    reunião no tce dez 2013 II 

GT 26-A, o alinhamento de esforços para implantação de uma política pública

Nunca é assaz asseverar que as crianças e os adolescentes brasileiros estão tendo o direito fundamental a um ensino de qualidade violado. Isso por conta do descumprimento sistemático por Estados e por Municípios da norma extraível do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Aliás, a inserção do artigo supradito, promovida pela Lei número 10.639/2003, posteriormente alterada pela Lei número 11.645/2008, no ver do signatário, decorre da desatenção ao artigo 26 da LDB. Sim, a redação original da LDB, se essa fosse cumprida, já levaria à situação diferente da hoje enfrentada.

Como não cumprem suas obrigações basilares, Estados e Municípios não estão em posição de cumprirem o dever de fiscalizar os estabelecimentos privados que, atentando contra o inciso I do artigo 7º da LDB, não dão efetividade à norma decorrente do dispositivo citado no início desse texto, que assim prevê:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

É de bom alvitre destacar que, consoante o artigo 27 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, os conteúdos curriculares da educação básica devem ter por norte a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, ao bem comum e à ordem democrática.

No ver do firmatário, o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação é uma forma de combate ao racismo, percebendo os direitos humanos como campo de conhecimento, prática e ética. Dessa arte, procura-se levar formação e informação aos brasileiros mais novos, permitindo que pensem e ajam a partir do conhecimento e não do preconceito. É, pois, um investir nos brasileiros e na sua possibilidade de autoconhecimento com o objetivo claro de constituir uma sociedade justa, democrática e solidária.

Outrossim, tem de se ter em mente que o racismo tem um custo econômico para a sociedade. O racismo gera desperdício de potenciais, perda ou negação de oportunidades, violência, desemprego e investimentos com baixo nível de retorno. Nesse quadro, por exemplo, são direcionadas verbas públicas e privadas para indenizações, internações, tratamentos médicos e psicológicos, sistemas prisionais, gastos administrativos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, pensões e auxílios que poderiam ser canalizados para pesquisas, gerações de oportunidades para empreendedores, capacitação e educação.

Uma vez que há má aplicação de recursos públicos, descumprimento do dever de supervisionar e de fiscalizar (artigos 10, III e IV, 11, I e IV, 17, I, III e IV, bem como 18, I e II, todos da Lei 9.394/96), violação de direitos fundamentais e perpetuação de problemas socioeconômicos, entende-se que os Ministérios Públicos de Contas e outros entes estão legitimados a agir. Primeiramente, deveriam instar os gestores estaduais e municipais para que informassem os esforços empreendidos, os óbices encontrados e os planos para o efetivo cumprimento do artigo 26-A da LDB. Em segundo, estabelecendo um mapa regional, deveriam levantar as motivações apontadas, confrontando-as com os dados auferidos por entidades e pessoas que têm se debruçado sobre o tema como a UFRGS e a UFRJ verbi gratia. Por fim, estabelecer, em conjunto com os gestores e com comissões que podem ser formadas pelos Ministérios Públicos de Contas ou por outros entes fiscalizadores, cronogramas razoáveis de realização, tendo-se presente que as obrigações descumpridas tiveram termo inicial no ano de 2003.

Mais adiante, perceber-se-á que essa foi a via eleita pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público de Contas com maestria e responsabilidade.

É de se sublinhar, embora seja óbvio, que cumprir inicialmente a LDB no ponto ora comentado é inserir as temáticas definidas em lei nos currículos e documentos escolares. Por conseguinte, é ato a ser efetuado por Secretário de Educação com o apoio de sua equipe, sobretudo dos ligados às questões pedagógicas. Dessa arte, são inadmissíveis justificativas ligadas à resistência do quadro de Professores ou outras que representem a transferência da responsabilidade atinente aos gestores. E mais. Os conhecimentos e os valores envolvidos nessa questão não estão jungidos a um grupo étnico em especial, sendo pertinentes a todos os brasileiros.

Nesse teatro, em uma das reuniões da Rede de Direitos Humanos do Sistema de Justiça e de Segurança do Rio Grande do Sul(RDHSJS), o Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito entrou em contato com a representação do Ministério Público de Contas com o fim de discutir sobre o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e sua inaplicação no território gaúcho.

A norma extraível do artigo mencionado e o sistemático descumprimento por Estados-membros e por Municípios brasileiros foram os temas iniciais das conversações, chegando-se à legitimidade da atuação do Ministério Público de Contas e do Tribunal de Contas.

O Ministério Público de Contas criou questionário e o encaminhou a numerosos Municípios com o fito de ter amostragem sobre o patamar de compreensão da lei e sobre sua aplicação.

Decidiu-se, então, criar um grupo de trabalho capaz de analisar tecnicamente as respostas e a situação vivenciada, bem como de construir resposta jurídica eficaz ao contumaz descumprimento. De pronto, pessoas ligadas a programas e projetos de capacitação de Professores dispuseram-se a auxiliar. De igual modo, portaram-se os entes fiscalizadores elencados mais abaixo e os Professores inicialmente convidados.

Desde o princípio, concluiu-se que já fluíra o prazo para o afastamento das intercorrências que poderiam estar impedindo que os gestores da educação conferissem concretude à norma. Aliás, é oportuno sublinhar que, segundo a FACED/UFRGS, no solo gaúcho, há 50 pólos acadêmicos aos quais podem o Estado e os Municípios apresentar demandas concernentes à capacitação dos Professores. Aprovados os correspondentes projetos, utilizar-se-iam recursos federais para que fossem levadas a efeito as capacitações supracitadas. Oportuno frisar que tal notícia foi repassada pelo GT 26-A diretamente a um grupo de cerca de 55 gestores municipais de educação que, em 06.03.2013, estavam a realizar curso na FAMURS.

A linha de atuação do GT 26-A é clara e tem inspiração nas ideias consagradas na obra “A luta pelo Direito” de Rudolf Von Ihering, evidenciadas no trecho a seguir transcrito:

O direito não é uma teoria pura, mas uma força viva.

Por isso a justiça sustenta numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender.

A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito.

Uma não poderá avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com que a justiça aplica a espada seja igual à habilidade com que maneja a balança.

O direito é um trabalho incessante, não somente dos poderes públicos mas ainda de uma nação inteira”.

A premissa básica do GT 26-A é a de que transcorreu tempo suficiente para as entidades públicas e privadas terem ciência, compreensão e sensibilização sobre o direito de os alunos do ensino fundamental e médio terem acesso à história e à cultura afrobrasiliera e indígena, faltando eficaz controle público para que houvesse alteração do atual quadro. Ademais, tem-se evidente que a produção de material didático e de outras ordens, bem como a disponibilização de cursos acessíveis individualmente aos Professores não conduziram ao resultado necessário, esbarrando-se na inação sistemática dos gestores.

Nessa seara, estavam e estão legitimados a agir o Tribunal de Contas, o Ministério Público de Contas, o Ministério Público Estadual e a Defensoria-Pública da União.

De outra banda, a atuação dessas entidades, ao ver do GT 26-A, poderia e poderá ser mais qualificada com o conhecimento prévio sobre questões educacionais, principalmente no que tange à definição do que seria cumprir a lei (alteração do currículo e da proposta pedagógica da escola, capacitação dos Professores e implementação propriamente dita – prática efetiva).

Nessa senda, o grupo de trabalho congregou profissionais das áreas jurídica, sociológica, econômica, contábil e educacional, agregando-se experiências e conhecimentos diversificados, a espada e a balança.

A iniciativa configura o reunir de entidades que, individualmente, podem promover cobrança sobre os gestores do Estado e dos Municípios. Para tanto foram reunidas pessoas que estão dispostas a aprender mais sobre o tema com profissionais e com entidades que há muito vem estudando e capacitando Professores que decidiram, individualmente, acessar programas e cursos abertos a todos. De outra banda, aqueles que não são da área da educação trazem contributos jurídicos, sociológicos e econômicos que evidenciam os problemas a enfrentar e produzem soluções não vislumbradas até agora.

Nesse sentido, ressalta-se que, quando da adesão ao GT 26-A, o Tribunal de Contas, na pessoa de seu Presidente, Cezar Miola, disse que estimularia os gestores a cumprir o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases de Educação e que inseriria o tema nas auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado. O agregar dessa instituição e a postura aduzida já fez com que alguns Municípios procurassem o Grupo de Trabalho querendo saber de seus propósitos.

Atualmente, assim está composto o GT 26-A:

1.Defensoria-Pública da União/RS – Fernanda Hahn, Laura Zacher, Maria Lúcia Nidballa dos Santos e Carolina Montiel;

2.Centro de Apoio Operacional em Direitos Humanos do Ministério Público Estadual/RS – Daniela de Paula

3.Departamento de Educação e Desenvolvimento Social(DEDS/UFRGS) – Rita Camisolão e José Antonio dos Santos;

4.Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul – Fernando Wobeto;

5.Ministério Público de Contas – Fernanda Ismael e Ricardo Angelim;

6.Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul – Jorge Luís Terra da Silva;

7.Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito – Tatiana Martiminiano Rodrigues, Valéria Nascente e Jorge Luís Terra da Silva;

8.Professores Convidados: Gládis Kaercher, Maria Aparecida Bergamaschi, Vera Neusa Lopes, Carla Meinerz e Cláudia Antunes;

9.Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil/RS – Rafaele José Turkienicz Silva.

O GT 26-A, alinhamento de esforços de instituições e de pessoas para a concretização de política pública extremamente relevante, foi reconhecido como prática importante no campo dos Direitos Humanos sendo premiado pela Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul em 20.11.2013.

O Grupo de Trabalho constatara e transmitira para a Comissão Avaliadora do Prêmio AJURIS de Direitos Humanos que, partindo-se de questão educacional, visa-se à ampliação do nível civilizatório brasileiro com a consecução de resultados práticos na educação, no mercado de trabalho, na segurança pública, no sistema de justiça e nas relações interpessoais.

Com o desiderato de atingir ousados resultados, o GT 26-A realizou planejamento criterioso e, constantemente, faz checagens dos caminhos eleitos e das ações implementadas.

Como dito outrora, foram enviados questionários à uma parte dos Municípios gaúchos, divididos por região e por porte, tendo-se significativa amostragem que corresponde a aproximadamente 63% da população do Estado.

As respostas foram separadas em grupos nos quais haveria Municípios de portes e de regiões diferentes, que sofreram um primeiro exame por duplas compostas por membros com formações diferentes. Tal método permitiu que olhares diferenciados começassem a destacar questões e que trocas ricas já fossem realizadas entre os profissionais.

As duplas supraditas produziram relatórios concernentes aos casos examinados, tendo por esteio critérios previamente estabelecidos, havendo, contudo, liberdade para assinalar questões e acontecimentos singulares. Os relatórios foram apresentados ao colegiado e, com apoio neles e nas respostas aos questionários, foi promovida a consolidação quantitativa de dados.

Nesse ponto, o trabalho já estava suficientemente maduro para o atingimento de certas conclusões:

          1. O Ministério da Educação deveria, há muito, ter levado a cabo a mudança dos currículos das graduações. Em lugar disso, persiste com o antieconômico roteiro em desenvolvimento: alunos saem dos estabelecimentos de ensino superior sem conhecimento para cumprir o artigo 26-A da LDB; deparam-se com as demandas quando ingressam nas redes públicas e nas redes privadas de ensino; no que pertine aos integrantes das redes públicas, podem ser apresentados projetos de capacitação que são custeados pelo Ministério da Educação e que, em não raras vezes, tem como executores e responsáveis pelas disciplinas Professores Universitários. Em síntese, embora haja a possibilidade de o ensinamento se dar durante a graduação, essa se dá em período menor, para número menor de profissionais e com custo maior para a sociedade;

          2. Em síntese, implantar o que dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nos ensinos fundamental e médio é alterar as documentações escolares (currículo, plano político-pedagógico e plano de ensino), capacitar Professores e colocar os novos currículos em prática;

          3. O modelo a ser constituído pode e deve ser replicado e pode também ser aplicado aos Defensores Públicos, aos Promotores de Justiça, aos Juízes de Direito e a todos aqueles que, não sendo da área da educação, tenham de exercer alguma forma de fiscalização e de controle relativa à política pública educacional. Por essa razão, é fundamental oportunizar que a AJURIS, o Tribunal de Justiça, a Defensoria Pública do Estado e a FAMURS se incorporem ao GT 26-A;

          4. Com o fim de que a prática seja amplamente divulgada, é imprescindível a produção de publicação na qual sejam expostas as trajetórias, as problemáticas, as soluções, os impasses e os resultados obtidos no desenvolvimento do GT 26-A, nos cursos e nas primeiras auditorias.

Além das primeiras importantes conclusões, o grupo foi ganhando unidade e estabelecendo linguagem entre seus componentes que, como dito, partiam de pontos diferentes. Podia-se, pois, ter certeza de que o objetivo mais importante seria atingido: seria criado modelo de fiscalização da implementação da política pública em liça. Esse, aliás, era e é o diferencial do GT 26-A para as outras iniciativas levadas a cabo em outros locais e momentos.

De posse da análise quantitativa dos dados, passou-se à análise qualitativa.

Superada essa fase, pensando na realização das auditorias, o colegiado criou roteiro de atuação dos Auditores Externos do Tribunal de Contas junto às Secretarias de Educação, sublinhando-se que o GT 26-A também tem membros daquele Tribunal e do Ministério Público de Contas.

Concluída essa etapa, o Grupo recebeu a excelente contribuição do Auditor Público Externo Gonçalino Mesko da Fonseca, que ampliou o nível de efetividade do relatório ao esclarecer o que seria e o que não seria possível realizar durante as auditorias. Com essa inestimável participação, perfectibilizou-se modelo de auditoria calcada na realidade e focada em aspectos documentais, orçamentários e práticos.

Forçoso é consignar a criativa e interessada participação do Diretor da Escola de Gestão e Controle Francisco Juruena, Sandro Bergue, apontando para a constituição de fórum no site do Tribunal de Contas do Estado que permitirá que os Auditores Externos possam ter contato com o GT 26-A inclusive durante as auditorias, que Municípios possam trocar experiências entre si e que gestores possam consultar o Tribunal de Contas e o GT 26-A.

Em 19.12.2013, foi realizada reunião na sede do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul que contou com as presenças Presidente do TCE/RS, Conselheiro Cezar Miola, do Diretor de Controle e Fiscalização, Léo Richter, do Diretor da Escola de Gestão e Controle Francisco Juruena, Sandro Bergue, do Assessor da Presidência Victor Hofmeister, dos Auditores Públicos Externos, Fernando Wobeto, Gilson Hansen e Ricardo Angelim, esse último representando o Ministério Público de Contas, bem como do Procurador do Estado Jorge Terra e da Advogada Tatiana Martiminiano Rodrigues.

Nessa ocasião, foram estabelecidas estrategias e cronogramas referentes ao ano de 2.014 que abrangeram curso de capacitação dos Auditores Externos, envio de correspondências para todos os Municípios do Estado, plano de comunicação social interno e externo, evento destinado aos gestores e planejamento operativo das auditorias.

  Perceba-se que o Grupo de Trabalho em comento foi concebido e é mantido à luz do princípio da eficiência com o firme propósito de colaborar para o alcance do objetivo republicano da erradicação das desigualdades. Aqui, calha reproduzir o dito em ambiente acadêmico:

“A eficiência é um critério de atuação administrativa concernente à utilização adequada dos meios disponíveis para se atingir os fins de interesse público, sejam eles primários ou secundários, da maneira mais abrangente e profunda possível diante das peculiaridades do caso concreto. Essas peculiaridades são o nível de informação que pode ser obtida pelo agente, o tempo disponível para o enfrentamento do problema, a quantidade de recursos disponibilizados e a necessidade de se satisfazer mais de um fim com o mesmo meio.” (SILVA, Jorge Luís Terra. A eficiência como fator transformador – Dissertação de Mestrado, PPGD/UFRGS, 2007).

Dessa arte, é inegável que o GT 26-A, em pouco tempo, avançou significativamente, configurando-se em estrutura transformadora que merece ser replicada em outros Estados membros, impondo-se efetividade à norma já mencionada, bem como levando a União, os Estados, os Municípios e as redes privadas de ensino ao cumprimento de seus misteres.

  • escrito originariamente no ano de 2014 em Porto Alegre.
  • o GT26-A, com composição alterada, segue trabalhando junto ao TCE/RS.

JORGE TERRA

MEMBRO DO GT 26-A

10 de abril de 2022

O Negro e a Lei Penal – vídeo

Em 09.10.2012, a Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul, em parceria com o Curso de Educação em Direitos Humanos da Faculdade de Educação da UFRGS, realizou o seminário “O Negro e a Lei Penal”.

Nessa ocasião, a abertura foi efetuada pelo Presidente da APERGS, Telmo Lemos Filho e pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Bombassaro da Faculdade de Educação da UFRGS. Contou-se com a conferência da Socióloga norteamericana Martha Huggins que tratou de dados relativos ao Brasil e aos Estados Unidos pertinentes às relações dos negros com a lei penal. Nesse primeiro momento, funcionaram como debatedores a Mestre em Educação Giancarla Brunetto (UFRGS) e o Assessor de Direitos Humanos da Brigada Militar, Tenente Coronel Franquilin. Seguiu-se painel que reuniu o Juiz Federal Roger Raupp Rios, o Advogado Antonio Carlos Côrtes e o Procurador do Estado Jorge Terra.

Além disso, o evento contou com as presenças de representantes dos Movimentos Sociais, Servidores Públicos, Militares, Professores, Estudantes, Operadores do Direito e demais pessoas. atingindo-se o número previsto de inscrições(205 inscrições).

Em decorrência dos limites impostos pelos sites em geral, houve necessidade de se partilhar o vídeo nas cinco partes que seguem abaixo:

parte 1  http://www.youtube.com/watch?v=BbynJui7Zf8

parte 2  http://www.youtube.com/watch?v=BbynJui7Zf8

parte 3  http://www.youtube.com/watch?v=jRGAIWu4Jo4

parte 4  http://www.youtube.com/watch?v=iDyRH45Xs4o

parte 5 http://www.youtube.com/watch?v=7kUR0VFCpWY

Jorge Terra

Diretor de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul (em 2012)

10 de agosto de 2021

Começam as atividades do comitê técnico da Saúde da População Negra

Começam as atividades do comitê técnico da Saúde da População Negra

Publicação: 09/08/2021 às 13h43min

Primeira reunião do comitê  técnico para a saúde da população negra foi online
Primeira reunião do comitê técnico para a saúde da população negra foi online – Foto: Divulgação SES/RS

Foi ativado, nesta segunda-feira (9/8), o Comitê Técnico da Saúde da População Negra do Rio Grande do Sul, com a finalidade de promover a Equidade na Atenção à Saúde da População Negra e o combate ao Racismo Institucional, entre outras ações. As atividades serão realizadas em consonância com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

O comitê é vinculado ao Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde (DAPPS), da Secretaria da Saúde (SES/RS). É composto por 16 membros, entre representantes governamentais, movimentos sociais, gestores de saúde e universidades, como o procurador do Estado Jorge Terra e as pesquisadoras e professoras universitárias Laura Lopez e Fernanda Bairros.

Conforme a coordenadora da Divisão de Políticas de Promoção da Equidade em Saúde, do Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde/SES-RS, Jéssica Rosa, “a pandemia de covid-19 evidenciou a necessidade de olharmos detidamente as necessidades de saúde de grupos vulneráveis”, Segundo ela, “eventos como a vacinação contra a covid-19 da população quilombola no primeiro semestre de 2021 tornaram ainda mais latentes os desafios que ainda temos a superar e os debates que precisam ser realizados com um corpo técnico qualificado e representativo com foco nessa população”.

A coordenadora afirma que “a área técnica já vinha identificando as necessidades de restabelecer e intensificar as ações voltadas para a saúde da população negra e se fez oportuno iniciar as atividades do comitê técnico ainda em 2021”.


Entre as atribuições do comitê estão:

I – Propor, elaborar, acompanhar, fiscalizar, apoiar a implantação da Política Estadual de Atenção Integral à Saúde da População Negra, articulando ações e trabalho das áreas voltadas a este segmento populacional em consonância com o Plano Estadual de Saúde e legislação específica vigente;
II – Sistematizar propostas de Políticas e Planos que visem à promoção da equidade étnico-racial na atenção à saúde;
III – Apresentar subsídios técnicos e voltados para a atenção à saúde da população negra no processo de elaboração, aprovação, implementação e acompanhamento da execução do Plano Estadual de Saúde;
IV. Elaborar proposta para pactuação de intervenção conjunta nas diversas instâncias e órgãos do SUS e demais políticas públicas;
V. Participar de iniciativas intersetoriais e interinstitucionais, relacionadas com a saúde da população negra;
VI. Colaborar no acompanhamento e avaliação das ações programáticas e das políticas emanadas pelo Ministério da Saúde e Secretaria de Estado da Saúde no que se refere à promoção da equidade e no combate ao racismo institucional nos serviços de saúde;
VII. Participar dos fóruns de discussão e deliberação das diversas políticas e programas do Ministério da Saúde e Secretaria de Estado da Saúde.
VIII. Elaborar, estimular, apoiar, participar e promover eventos, estudos, pesquisas, debates e ações que envolvem discussões referentes à saúde da população negra.

A periodicidade das reuniões e as pautas são definidas pelo coletivo que integra o comitê. A SES-RS aguarda a indicação das secretarias municipais de saúde, o que já foi solicitado ao Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems-RS). Após a indicação, será publicada pela SES-RS a portaria de nomeação dos representantes.

Fonte: Secretaria Estadual da Saúde/RS

27 de junho de 2021

Como a diversidade sexual impacta nas instituições ?

A vida não está boa se há pessoas em sofrimento ao teu redor.

Então, que tal saberes mais ( e agires contra) sobre preconceito e discriminação com base no gênero, na sexualidade, na idade, no peso, na origem e na raça das pessoas ?

Venha conversar, virtualmente, sobre os danos causados e sobre o que se pode fazer institucionalmente para que pessoas que integram a comunidade LGBTQIA+ possam ter seus direitos reconhecidos e efetivados.

Contaremos com as valiosas presenças da Professora Adriana Souza , da Procuradora do Trabalho Márcia M. de Farias e do Procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas, além da Procuradora do Estado Amanda Weidlich, do Procurador do Estado Jorge Terra e do Procurador do Estado Lourenço Floriani.

Acesse o canal do YouTube da Procuradoria-Geral do Estado RS no dia 30.06.2021 das 14h30min às 16h20min.

SEM TUA PARTICIPAÇÃO, NADA MUDARÁ !!!

Comissão Permanente de Direitos Humanos da PGE/RS

7 de maio de 2021

Feira de direitos humanos da PGE em fotos (primeira e segunda edições – 2018 e 2019)

fonte: Comunicação Social da PGE/RS

28 de abril de 2021

‘Não sou a ré, sou a advogada’: a mulher que combate o racismo e a ignorância na Justiça

  • Eva Ontiveros
  • BBC World Service

8 outubro 2020

Alexandra Wilson usando peruca e toga tradicionais da Justiça no Reino Unido
Legenda da foto,Com uma carreira impressionante, Alexandra Wilson é advogada aos 25 anos

“Não espero ter que justificar constantemente minha existência no trabalho”, diz Alexandra Wilson à BBC.

No entanto, como uma advogada negra de 25 anos trabalhando no sistema jurídico britânico, é exatamente isso que ela tem que fazer — às vezes até quatro vezes por dia.

Quando ela vai a um julgamento, se ela não está usando peruca e toga — como é tradição em alguns tribunais britânicos — ela frequentemente é confundida com os supostos criminosos que ela defende — tudo por causa de sua cor.

O direito inglês pode ser famoso em todo o mundo e ter influenciado sistemas jurídicos de dezenas de países — de Bangladesh às Bahamas — mas a experiência de Alexandra Wilson expõe os problemas que ainda tem em relação ao racismo.PUBLICIDADEhttps://da9aa19dc7778b6f8f2f960b940c1276.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Já chegaram a gritar para eu sair do tribunal”, conta Alexandra. “Isso já aconteceu várias vezes e indica um problema muito maior na sociedade.”

Mas ela recebeu apoio do Conselho da Ordem (Bar Council, em inglês) e de suas “jovens colegas brancas que nunca tiveram essa experiência”. Até o Serviço de Cortes e Tribunais de Sua Majestade (HMCTS, na sigla em inglês) se desculpou pelo “comportamento totalmente inaceitável”.

Parada quatro vezes

Retrato de Alexandra Wilson
Legenda da foto,Nem todos os tribunais exigem que os advogados usem perucas e togas

Da última vez que Alexandra foi ao tribunal para representar um cliente, ela não suspeitou que acabaria no centro de uma polêmica em rede social.

O dia não começou bem: ao chegar, o segurança perguntou o nome dela, “para riscar da lista de réus”.

Quando ela explicou que era advogada, ele se desculpou e Alexandra continuou seu caminho, mas conta que foi impedida novamente por um membro do público “dizendo que eu não poderia ir ao tribunal porque é apenas para advogados”.

Ela entrou mesmo assim, e foi informada por um advogado “para voltar para fora e esperar ser chamada pelo porteiro”. Novamente, alguém presumiu que ela era a ré.

Alexandra explicou mais uma vez que ela era a advogada de defesa e foi para a frente do tribunal.

“Foi aí que o escrivão começou a gritar para que eu saísse do tribunal e me registrasse com o porteiro, perguntando se eu estava representada.”

A essa altura, o papel de Alexandra no tribunal já havia sido questionado quatro vezes.

‘Houve um impacto em mim’

Quando Alexandra finalmente conseguiu falar com o promotor, ela disse: “Eu estava absolutamente exausta, e tudo isso foi antes mesmo de meu caso começar.”

Mas apesar de sentir que tinha sido prejudicada, ela continuou.

“Consegui concluir o caso e obter um bom resultado para o meu cliente. Mas isso torna a situação cada vez mais difícil para mim.”

Embora o que aconteceu não tenha tido um impacto negativo sobre a pessoa que ela estava defendendo, ela diz: “Houve um impacto em mim.”

“Tive de reprimir por dentro o quanto me sentia chateada para poder continuar fazendo um bom trabalho. Não é bom sentir que você tem que justificar por que está no seu trabalho.”

Como é ser negro e estar em um tribunal no Reino Unido

Alexandra Wilson usando sua peruca e toga
Legenda da foto,Alexandra: ‘É assim que se parece uma advogada’

Com exceção do segurança, ninguém se desculpou na época, “o que foi bastante perturbador”.

Desde então, ela recebeu um pedido de desculpas do chefe do serviço judicial.

“É um primeiro passo importante, mas precisamos ver uma mudança real”, diz Alexandra. “Infelizmente, o que aconteceu é um reflexo do nosso sistema de justiça criminal. Há um número desproporcional de réus negros e não há advogados negros suficientes. Portanto, a suposição, quando um membro da equipe vê um jovem negro no tribunal, não é que ele seja o advogado”.

A situação também deu a Alexandra um ponto de vista diferente: “Não é particularmente bom ser réu no Reino Unido. Todos devem ser tratados com respeito.”

‘Oxford não é para você’

Jovem Alexandra sorrindo, segurando os resultados dos exames
Legenda da foto,Alexandra ficou muito feliz quando recebeu os resultados das provas

Alexandra cresceu em Essex, região da Inglaterra muitas vezes menosprezada por ser ligada à classe trabalhadora.

Desde muito jovem, Alexandra sabia que queria “fazer algo que fosse academicamente desafiador”. “Eu estabeleci meu objetivo de ir para Oxford”, conta.

Mas alguns dos funcionários de sua escola tentaram desencorajá-la a se candidatar à universidade de elite: “Muitos professores me disseram que eu estava sendo ambiciosa demais”.

Ela acha que eles estavam preocupados porque “Oxford não é para pessoas como eu. Eu não era chique, não vim de uma origem particularmente privilegiada, não fui para uma escola particular, tenho um sotaque de Essex… Eu não sou branca.”

Oxford foi criticada no passado por não atrair estudantes suficientes que não fossem brancos e não tivessem educação privada, diz Alexandra, “então, quando adolescente, duvidei muito de mim mesma. Eu me perguntei se eles estavam certos”.

Então o que aconteceu?

“Tive muita sorte de meus pais me apoiarem excepcionalmente”, diz Alexandra. “Eles sempre me encorajaram a buscar sucesso, a colocar meu empenho nisso”.

E foi o que ela fez.

Por que bons conselhos são importantes

Alexandra com seus irmãos
Legenda da foto,Alexandra com seus irmãos

Alexandra sabe que tem força de vontade e um ambiente familiar atencioso, mas o que acontece se não for esse o caso?

“É por isso que esse tipo de atitude é tão prejudicial, especialmente para os jovens que podem se sentir inseguros, como todos nós”, diz ela. “Se você vem de um ambiente em que não conhece outras pessoas na universidade ou em certas carreiras ou posições, pode ser muito difícil.”

Independentemente de onde você esteja no mundo, Alexandra acredita que o papel das escolas e dos professores é muito importante: “Se você não tem pessoas ao seu redor dizendo ‘você pode fazer isso’, posso ver facilmente como os jovens podem ficar desanimados ou desista”.

Mas, igualmente importante, as instituições devem estar dispostas a mudar, diz Alexandra.

“A responsabilidade recai sobre essas instituições para incentivar as pessoas com experiências específicas, deixá-las saber que têm uma boa chance de entrar (em uma universidade) se se inscreverem.”

Envolva-se, mude o mundo

Alexandra Wilson
Legenda da foto,Alexandra defende mais diversidade nas instituições

“Ser aceita em Oxford foi muito importante para mim, embora eu não sentisse que me encaixava lá”, diz Alexandra. “Oxford é difícil de qualquer maneira, mas gostei do desafio intelectual. O que achei mais difícil é o aspecto social.”

Houve momentos em que ela se sentiu bastante isolada, como quando durante um jogo de bebida alguém gritou “alguém que só entrou em Oxford porque era negro”.

Havia apenas dois alunos negros em todo o salão, incluindo Alexandra.

Mas ela acrescenta: “É importante participar se queremos transformar essas instituições. Precisamos estar lá, precisamos ter um leque diversificado de pessoas”.

Alexandra reconhece que pode ser difícil quando você entra nesse tipo de ambiente. “Você não vê muitas pessoas que se parecem com você, não consegue ver muitas pessoas com quem pode se relacionar.”

‘Nós não entendemos o que é racismo’

Alexandra com os irmãos, de férias
Legenda da foto,A sociedade pode garantir que todas as crianças terão as mesmas oportunidades?

Algumas pessoas nas redes sociais a questionaram, dizendo que nunca encontraram tal falta de profissionalismo no tribunal.

“Algumas pessoas sugeriram que, porque não aconteceu com elas, não pode ser verdade”, diz Alexandra. “Isso destaca parte do problema: as pessoas não estão dispostas a ouvir a experiência dos outros e levá-los a sério.”

Ela diz que não se trata apenas do que aconteceu com ela: “Isso é um indicativo das atitudes da sociedade.”

Alexandra também destaca os inúmeros comentários de advogados negros e asiáticos relatando experiências semelhantes e que corroboram as dela.

Outros disseram que era mais um caso de ignorância do que de racismo.

Isso é, talvez, o que mais importa para Alexandra: “O maior problema que temos é que não entendemos do que se trata o racismo.”

“Por muito tempo, as pessoas pensavam que você era racista só se você gritasse explicitamente calúnias ou dissesse ‘os negros não podem fazer isso ou aquilo'”, diz Alexandra. “Mas temos um problema muito maior”.

“É sobre o racismo sistêmico que as pessoas precisam ser ensinadas”, diz ela.

Alexandra aponta que é isso que faz as pessoas fazerem grandes suposições sobre os outros apenas com base em sua aparência.

“Uma das razões pelas quais os negros são desproporcionalmente afetados pelo sistema de justiça criminal desde o início é que são maciçamente policiados, têm taxa de revista muito mais altas: 38 em 1.000 homens negros em comparação com quatro em 1.000 homens brancos.”

E continua nos tribunais, diz Alexandra: “Dados do Ministério da Justiça mostram que negros e outros infratores de minorias étnicas são mandados para a prisão em uma taxa muito maior do que infratores brancos.”

Mas não precisa ser assim para sempre, diz Alexandra. “Com uma melhor compreensão de como funciona o racismo sistêmico, temos uma chance muito melhor de enfrentá-lo.”

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Legenda da foto,Com uma carreira impressionante, Alexandra Wilson é advogada aos 25 anos

“Não espero ter que justificar constantemente minha existência no trabalho”, diz Alexandra Wilson à BBC.

No entanto, como uma advogada negra de 25 anos trabalhando no sistema jurídico britânico, é exatamente isso que ela tem que fazer — às vezes até quatro vezes por dia.

Quando ela vai a um julgamento, se ela não está usando peruca e toga — como é tradição em alguns tribunais britânicos — ela frequentemente é confundida com os supostos criminosos que ela defende — tudo por causa de sua cor.

O direito inglês pode ser famoso em todo o mundo e ter influenciado sistemas jurídicos de dezenas de países — de Bangladesh às Bahamas — mas a experiência de Alexandra Wilson expõe os problemas que ainda tem em relação ao racismo.PUBLICIDADEhttps://da9aa19dc7778b6f8f2f960b940c1276.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Já chegaram a gritar para eu sair do tribunal”, conta Alexandra. “Isso já aconteceu várias vezes e indica um problema muito maior na sociedade.”

Mas ela recebeu apoio do Conselho da Ordem (Bar Council, em inglês) e de suas “jovens colegas brancas que nunca tiveram essa experiência”. Até o Serviço de Cortes e Tribunais de Sua Majestade (HMCTS, na sigla em inglês) se desculpou pelo “comportamento totalmente inaceitável”.

Parada quatro vezes

Retrato de Alexandra Wilson
Legenda da foto,Nem todos os tribunais exigem que os advogados usem perucas e togas

Da última vez que Alexandra foi ao tribunal para representar um cliente, ela não suspeitou que acabaria no centro de uma polêmica em rede social.

O dia não começou bem: ao chegar, o segurança perguntou o nome dela, “para riscar da lista de réus”.

Quando ela explicou que era advogada, ele se desculpou e Alexandra continuou seu caminho, mas conta que foi impedida novamente por um membro do público “dizendo que eu não poderia ir ao tribunal porque é apenas para advogados”.

Ela entrou mesmo assim, e foi informada por um advogado “para voltar para fora e esperar ser chamada pelo porteiro”. Novamente, alguém presumiu que ela era a ré.

Alexandra explicou mais uma vez que ela era a advogada de defesa e foi para a frente do tribunal.

“Foi aí que o escrivão começou a gritar para que eu saísse do tribunal e me registrasse com o porteiro, perguntando se eu estava representada.”

A essa altura, o papel de Alexandra no tribunal já havia sido questionado quatro vezes.

‘Houve um impacto em mim’

Quando Alexandra finalmente conseguiu falar com o promotor, ela disse: “Eu estava absolutamente exausta, e tudo isso foi antes mesmo de meu caso começar.”

Mas apesar de sentir que tinha sido prejudicada, ela continuou.

“Consegui concluir o caso e obter um bom resultado para o meu cliente. Mas isso torna a situação cada vez mais difícil para mim.”

Embora o que aconteceu não tenha tido um impacto negativo sobre a pessoa que ela estava defendendo, ela diz: “Houve um impacto em mim.”

“Tive de reprimir por dentro o quanto me sentia chateada para poder continuar fazendo um bom trabalho. Não é bom sentir que você tem que justificar por que está no seu trabalho.”

Como é ser negro e estar em um tribunal no Reino Unido

Alexandra Wilson usando sua peruca e toga
Legenda da foto,Alexandra: ‘É assim que se parece uma advogada’

Com exceção do segurança, ninguém se desculpou na época, “o que foi bastante perturbador”.

Desde então, ela recebeu um pedido de desculpas do chefe do serviço judicial.

“É um primeiro passo importante, mas precisamos ver uma mudança real”, diz Alexandra. “Infelizmente, o que aconteceu é um reflexo do nosso sistema de justiça criminal. Há um número desproporcional de réus negros e não há advogados negros suficientes. Portanto, a suposição, quando um membro da equipe vê um jovem negro no tribunal, não é que ele seja o advogado”.

A situação também deu a Alexandra um ponto de vista diferente: “Não é particularmente bom ser réu no Reino Unido. Todos devem ser tratados com respeito.”

‘Oxford não é para você’

Jovem Alexandra sorrindo, segurando os resultados dos exames
Legenda da foto,Alexandra ficou muito feliz quando recebeu os resultados das provas

Alexandra cresceu em Essex, região da Inglaterra muitas vezes menosprezada por ser ligada à classe trabalhadora.

Desde muito jovem, Alexandra sabia que queria “fazer algo que fosse academicamente desafiador”. “Eu estabeleci meu objetivo de ir para Oxford”, conta.

Mas alguns dos funcionários de sua escola tentaram desencorajá-la a se candidatar à universidade de elite: “Muitos professores me disseram que eu estava sendo ambiciosa demais”.

Ela acha que eles estavam preocupados porque “Oxford não é para pessoas como eu. Eu não era chique, não vim de uma origem particularmente privilegiada, não fui para uma escola particular, tenho um sotaque de Essex… Eu não sou branca.”

Oxford foi criticada no passado por não atrair estudantes suficientes que não fossem brancos e não tivessem educação privada, diz Alexandra, “então, quando adolescente, duvidei muito de mim mesma. Eu me perguntei se eles estavam certos”.

Então o que aconteceu?

“Tive muita sorte de meus pais me apoiarem excepcionalmente”, diz Alexandra. “Eles sempre me encorajaram a buscar sucesso, a colocar meu empenho nisso”.

E foi o que ela fez.

Por que bons conselhos são importantes

Alexandra com seus irmãos
Legenda da foto,Alexandra com seus irmãos

Alexandra sabe que tem força de vontade e um ambiente familiar atencioso, mas o que acontece se não for esse o caso?

“É por isso que esse tipo de atitude é tão prejudicial, especialmente para os jovens que podem se sentir inseguros, como todos nós”, diz ela. “Se você vem de um ambiente em que não conhece outras pessoas na universidade ou em certas carreiras ou posições, pode ser muito difícil.”

Independentemente de onde você esteja no mundo, Alexandra acredita que o papel das escolas e dos professores é muito importante: “Se você não tem pessoas ao seu redor dizendo ‘você pode fazer isso’, posso ver facilmente como os jovens podem ficar desanimados ou desista”.

Mas, igualmente importante, as instituições devem estar dispostas a mudar, diz Alexandra.

“A responsabilidade recai sobre essas instituições para incentivar as pessoas com experiências específicas, deixá-las saber que têm uma boa chance de entrar (em uma universidade) se se inscreverem.”

Envolva-se, mude o mundo

Alexandra Wilson
Legenda da foto,Alexandra defende mais diversidade nas instituições

“Ser aceita em Oxford foi muito importante para mim, embora eu não sentisse que me encaixava lá”, diz Alexandra. “Oxford é difícil de qualquer maneira, mas gostei do desafio intelectual. O que achei mais difícil é o aspecto social.”

Houve momentos em que ela se sentiu bastante isolada, como quando durante um jogo de bebida alguém gritou “alguém que só entrou em Oxford porque era negro”.

Havia apenas dois alunos negros em todo o salão, incluindo Alexandra.

Mas ela acrescenta: “É importante participar se queremos transformar essas instituições. Precisamos estar lá, precisamos ter um leque diversificado de pessoas”.

Alexandra reconhece que pode ser difícil quando você entra nesse tipo de ambiente. “Você não vê muitas pessoas que se parecem com você, não consegue ver muitas pessoas com quem pode se relacionar.”

‘Nós não entendemos o que é racismo’

Alexandra com os irmãos, de férias
Legenda da foto,A sociedade pode garantir que todas as crianças terão as mesmas oportunidades?

Algumas pessoas nas redes sociais a questionaram, dizendo que nunca encontraram tal falta de profissionalismo no tribunal.

“Algumas pessoas sugeriram que, porque não aconteceu com elas, não pode ser verdade”, diz Alexandra. “Isso destaca parte do problema: as pessoas não estão dispostas a ouvir a experiência dos outros e levá-los a sério.”

Ela diz que não se trata apenas do que aconteceu com ela: “Isso é um indicativo das atitudes da sociedade.”

Alexandra também destaca os inúmeros comentários de advogados negros e asiáticos relatando experiências semelhantes e que corroboram as dela.

Outros disseram que era mais um caso de ignorância do que de racismo.

Isso é, talvez, o que mais importa para Alexandra: “O maior problema que temos é que não entendemos do que se trata o racismo.”

“Por muito tempo, as pessoas pensavam que você era racista só se você gritasse explicitamente calúnias ou dissesse ‘os negros não podem fazer isso ou aquilo'”, diz Alexandra. “Mas temos um problema muito maior”.

“É sobre o racismo sistêmico que as pessoas precisam ser ensinadas”, diz ela.

Alexandra aponta que é isso que faz as pessoas fazerem grandes suposições sobre os outros apenas com base em sua aparência.

“Uma das razões pelas quais os negros são desproporcionalmente afetados pelo sistema de justiça criminal desde o início é que são maciçamente policiados, têm taxa de revista muito mais altas: 38 em 1.000 homens negros em comparação com quatro em 1.000 homens brancos.”

E continua nos tribunais, diz Alexandra: “Dados do Ministério da Justiça mostram que negros e outros infratores de minorias étnicas são mandados para a prisão em uma taxa muito maior do que infratores brancos.”

Mas não precisa ser assim para sempre, diz Alexandra. “Com uma melhor compreensão de como funciona o racismo sistêmico, temos uma chance muito melhor de enfrentá-lo.”

fonte: BBC Brasil

19 de abril de 2021

E POR FALAR EM DIREITOS HUMANOS – 2º VÍDEO – JORGE TERRA

O segundo vídeo da campanha da APERGS intitulada ” E por falar em direitos humanos…” apresenta o tema direitos humanos: o que são. Nele procura-se abordar sobre a necessidade de se tratar de novas questões e de se ter novos enfoques no campo dos direitos humanos.

Acesse o vídeo pelo seguinte link https://www.youtube.com/watch?v=Ms2J7psQw7I

Jorge Terra

8 de abril de 2021

PAVIMENTAÇÃO E DIREITOS HUMANOS

Mesmo no campo institucional, deparamo-nos com o senso comum no que tange aos direitos humanos. Esse senso traduz-se na recorrente frase “O pessoal dos direitos humanos só defende os bandidos!”.
Talvez os que militam, estudam ou pratiquem nesse teatro devam encontrar novos temas e novos argumentos.
Creio que a pavimentação asfáltica seja um bom tema para estudo e para debate.
Dito isso, avancemos.
Em Porto Alegre, ainda temos vias pavimentadas com paralelepípedos e vias não pavimentadas.
Em um cenário de recursos públicos extremamente limitados, o gestor precisa estabelecer critérios de utilização dos meios disponíveis. Em se tratando de pavimentação, tecnicamente, poderá levar em conta o fluxo e o escoamento de veículos, a segurança dos pedestres e dos motoristas, os custos, a localização da via e sua importância no sistema viário, bem como as repercussões econômicas e ambientais (como o nível de infiltração no solo das águas das chuvas) de sua decisão.
Poderia o gestor acrescer ou substituir critérios se também considerasse os direitos humanos dos cidadãos mediata ou imediatamente envolvidos?
Digamos que o gestor esteja diante de duas fortes demandas: uma configurada na colocação de pavimentação asfáltica em alguns cruzamentos de uma determinada via já pavimentada com paralelepípedos(o que ocorre em Porto Alegre); a outra perfectibilizada na pavimentação asfáltica de uma via despavimentada.
Se optar por realizar a tarefa na via já pavimentada, poderá melhorar a qualidade de vida em uma zona que talvez seja economicamente valorizada e conferir maior segurança ao trânsito em um Município no qual há grande umidade do ar e períodos prolongados de chuvas intensas.
Se optar por priorizar a via sem pavimentação quais seriam as possíveis consequências?
Morando em via pavimentada, o cidadão, em época de chuvas constantes, desnecessita sair de casa carregando outro sapato e também não sai embarrado de sua comunidade. Além disso, as casas e as roupas serão mantidas limpas por mais tempo. Se isso não bastasse, em vias pavimentadas, podem circular ônibus, ambulâncias e caminhões utilizados para a coleta de lixo.
Tudo o que até agora se disse pode parecer pouco, mas, em verdade, significa dignidade.
Na medida em que as pessoas passam a desembarcar dos ônibus no seio de sua comunidade, esse ponto se valoriza, sendo o ideal para o estabelecimento de pequenos negócios tais como fruteiras, minimercados, lojas de materiais de construção, bares, padarias e salões de beleza. Deve-se considerar a hipótese de a valorização das pessoas e imobiliária produzir o interesse em melhorar as construções já existentes e a sensação de pertencimento à comunidade e à cidade.
Em síntese, a utilização do meio pavimentação asfáltica, dependendo dos critérios adotados, poderá conduzir ao atingimento dos fins desenvolvimento social, desenvolvimento econômico, ampliação do espírito cidadão e concretude do princípio da dignidade da pessoa humana.
Conclui-se, com esse singelo exemplo, que os direitos humanos não são de interesse exclusivo de determinados grupos ou de ciências específicas, constituindo-se em critério de atuação político-administrativa.

Jorge Terra
Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito
Membro do GT 26-A

3 de abril de 2021

SEDER DE PESSACH

Do seder de Pessach da SIBRA, em 2021, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS teve a honra de participar.

Aqueles que perseveram pela paz, pela harmonia e pelo respeito precisam sentar à mesma mesa e aprender uns com os outros.

Assista esse momento importante de reflexão e de aprendizagem.

Acesse pelo seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=s6mHhk2TGMA

Jorge Terra

27 de março de 2021

O legado do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão

Em 25.03.2021, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra realizou evento alusivo ao dia internacional em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão.

A CVEN contou com a presença do Escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo.

O evento é acessível pelo canal da OAB/RS no youtube. Abaixo o link.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

comissoesespeciaissec@oab.org.br

4 de março de 2021

Leitura e prática

Se acreditas que o racismo e que o sexismo são fenômenos do passado, leia mais sobre tecnologia.

Se acreditas que sexismo e racismo são fenômenos do passado, leia mais sobre comunicação.

Se acreditas que racismo e sexismo são fenômenos do passado, leia mais sobre esportes.

Se acreditas que sexismo e racismo são fenômenos do passado, leia mais sobre política.

Se acreditas que racismo e sexismo são fenômenos do passado, leia mais sobre cidadania.

Se acreditas que sexismo e racismo não existem, leia mais sobre mercado de trabalho.

Se acreditas que sexismo e racismo existem e estão presentes na vida diária, também leia sobre homofobia, gordofobia, xenofobia, discriminação etária (ageism), capacitismo…

Jorge Terra

27 de abril de 2020

A população negra brasileira e a proteção deficiente de direitos fundamentais.

A população negra brasileira e a proteção deficiente de direitos fundamentais.

The Brazilian black population and the deficient protection of fundamental rights.

JORGE LUÍS TERRA DA SILVA

SUMÁRIO: Introdução; 1. Da proteção e da proteção deficiente ou insuficiente de direitos fundamentais; 2. “Para inglês ver”?; 3. “Para brasileiro ver?”; Conclusão.

RESUMO: A ONU instituiu a década compreendida entre 2015 a 2024 como sendo a década internacional do afrodescendente. Ela objetiva intervir no atual quadro, fazendo com que, por meio do acesso à justiça, do reconhecimento de direitos e do desenvolvimento em todas as suas formas, os afrodescendentes espalhados pelo mundo possam ter efetiva inserção nas sociedades onde vivem. Em linha semelhante, surgem os objetivos de desenvolvimento sustentável, pois é inegável que os negros e negras estão em situação de vulnerabilidade em várias partes do globo terrestre. No Brasil, para que sejam cumpridos os compromissos assumidos, devemos analisar se os direitos fundamentais dessa população estão efetivamente protegidos e são efetivamente exercidos. Para tanto, devemos retornar no tempo e compreender os efeitos da longa escravização para toda a sociedade brasileira e, a partir desse ponto, verificar como leis atuais que interessam a esse segmento não são implementadas e respeitadas ou são criadas sem se considerar as possibilidades de modificarem a realidade. É importante eleger questões como educação inclusiva, mercado de trabalho e prática de crimes raciais, verificando se os negros e negras tem seus direitos fundamentais efetivados ou se estamos diante de direitos fundamentais protegidos de forma deficiente. Para tanto, adequado saber como a proporcionalidade pode servir como critério de implementação e de controle desses direitos e se há espaço para que aqueles que militam e estudam sobre os direitos humanos e sobre os direitos fundamentais realizem recorte racial em suas análises e pesquisas. Além disso, é indispensável apontar as mudanças que devem ser feitas no campo do Direito, da Política e da Gestão.

Palavras chaves: direitos humanos – direitos fundamentais – racismo – proteção – Direito – Educação

ABSTRACT: The UN has established the 2015-2024 decade as the international decade of the afrodescendant. It aims to intervene in the current framework, in order that, through access to justice, the recognition of rights and development in all its forms, afrodescendants around the world can have effective insertion in the societies where they live. Similarly, the goals of sustainable development emerge, since it is undeniable that black men and women are vulnerable in various parts of the globe. In Brazil, in order to fulfill the commitments assumed, we must analyze whether the fundamental rights of this population are effectively protected and effectively reinforced. To do so, we must look in hindsight and understand the effects of long enslavement to the whole Brazilian society and, from that point on, verify how current laws, which are of interest to this segment, are not implemented or are not reinforced or else are created without considering the possibilities of changing reality. It is important to elect issues such as inclusive education, labor market and practice of racial crimes verifying if, in fact, black men and women have their fundamental rights guaranteed or if we are facing protected fundamental rights in a deficient form. In order to do so, it is appropriate to know how proportionality can serve as a criterion for the implementation and control of these rights and whether there is room for those who advocate for and study human rights and fundamental rights to include a racial cut in their analysis and research. In addition, it is indispensable to point out the changes that must be made in Law, Politics and Management.

Key words: human rights – fundamental rights – racism – protection – Law – Education

Introdução

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, por meio da resolução número 68/237[1], proclamou a década internacional dos afrodescendentes, compreendida entre 1º/01/2015 a 31/12/2024.

O foco estaria e está na ampliação da cooperação internacional, regional e nacional para que os milhões de afrodescendentes participem de forma igualitária e plena nas sociedades nas quais se encontram, sendo reconhecidos e efetivados os seus direitos sociais, econômicos, culturais, civis e políticos.

Para atingir esse audacioso desiderato, a Assembleia estabeleceu e apresentou um plano de implementação que, até o momento, não gerou sequer debate pelos órgãos estatais vinculados ao combate ao racismo no Brasil.

Cumpre destacar que a Organização das Nações Unidas estabeleceu, em 2.015, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável[2], havendo questões que tocam diretamente com a questão racial brasileira.

Sublinhando que há uma agenda e 169 metas apontando para uma sociedade mundial diferente da atual já para o ano de 2.030 e exigindo mudanças graves nas instituições e na sociedade brasileira, é pertinente reproduzir o que segue[3]:

10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra

10.3 Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito

16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos

16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais

Nesse sentido, é pertinente examinar se, no Brasil, há proteção efetiva ou deficiente dos direitos fundamentais da população negra. Urge, por via de consequência, examinar e atuar nos mais variados campos com o fito de impedir ou minimizar os efeitos do racismo. Para tanto, como não se pode enfrentar doença sem a premissa de se admitir doente, não se há de enfrentar essa questão sem admitir que não vivemos em uma “democracia racial” e que há parte significativa de nossa população que não tem seus direitos fundamentais plenamente efetivados por conta de sua raça.

No presente texto, não se discutirá sobre os conceitos de direitos humanos, de direitos fundamentais ou de direitos naturais, adotando-se aqueles que seriam os mais aceitos, mas apontando para o fato de que na Constituição brasileira são utilizadas as expressões direitos humanos e direitos fundamentais. Aqui é bom asseverar que os direitos humanos e os direitos fundamentais, em linhas gerais, seriam os direitos naturais positivados em legislação externa ou em legislação interna, respectivamente. Diz-se “em linhas gerais” porque há direitos fundamentais que, consabidamente, não configurariam direitos naturais, tais como o direito às férias.

Os limites de um artigo científico não permitem, sem se cair em infrutífera superficialidade, abarcar a gama de questões sensíveis à raça, sobretudo quando esse marcador social é agregado a outros como o gênero, a orientação sexual, a deficiência física, mental ou intelectual ou a situação socioeconômica.

Em sendo assim, sem se desconhecer a importância de se tratar da mortalidade de negros no Brasil, já que a cada 100 pessoas que sofrem homicídio, 71 delas são negras[4], o escopo desse artigo será tratar da proteção deficiente dos direitos fundamentais da população negra no que concerne ao mercado de trabalho, à educação racialmente inclusiva e aos crimes raciais em decorrência de um combate ineficiente ao racismo no Brasil.

  1. Da proteção e da proteção deficiente ou insuficiente de direitos fundamentais.

Direitos à proteção ensina SARLET (2.011)[5], com apoio na formulação de Alexy, seriam as posições jurídicas fundamentais que outorgariam o direito de o indivíduo exigir do Estado a proteção contra a ingerência de terceiros.

Em decorrência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, o Estado tem o dever de dar efetividade a esses direitos, protegendo o patrimônio jurídico dos indivíduos de indevidas ingerências dos poderes públicos e de agressões promovidas por particulares ou por outros Estados. Nesse teatro, esse dever gera a obrigação de adotar medidas positivas que garantam e protejam de forma efetiva a fruição dos direitos fundamentais.

Importa consignar que o objeto da proteção é extremante amplo, abarcando precaução e prevenção. Seriam objeto de proteção “tudo que se encontra no âmbito de proteção dos direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana  em geral, a liberdade, a propriedade”. Ainda segundo o magistério de SARLET (2.011)[6], os direitos de proteção e os deveres de proteção abrangem os riscos de lesão aos bens e direitos tutelados constitucionalmente e os modos de realização da proteção supradita podem se perfectibilizar por meio de normas penais, de normas procedimentais, de atos administrativos ou, ainda, por uma atuação concreta dos poderes públicos.

Elucidativa é a lição de CANOTILHO (2.008)[7] a seguir transcrita:

Em primeiro lugar, deve distinguir-se entre direito à protecção jurídica e direito de defesa (Abwehrrecht) perante o Estado. O direito à protecção jurídica é uma pretensão que qualquer titular de um direito fundamental pode exigir do Estado que o proteja perante agressões de outros cidadãos; um direito fundamental de defesa é um direito cujo conteúdo se traduz fundamentalmente em exigir que o próprio Estado (poderes públicos) se abstenha de intervenções coactivas na esfera jurídica do particular. Quer dizer: nos direitos à protecção, estamos perante direitos constitucionais que apontam para a necessidade de o Estado conformar a ordem jurídica (exemplo: tipificando como crime as ofensas à vida, ou protegendo os cidadãos contra indústrias poluidoras), de modo a evitar a violação dos direitos dos particulares por parte de outros sujeitos privados. Nos direitos fundamentais de defesa, o cidadão pretende uma abstenção dos poderes públicos.

Cumpre sublinhar que a exigência sempre é dirigida ao Estado, destinatário do dever de proteção contra particulares e, obviamente, no caso do direito de defesa, de não agredir a esfera jurídica dos cidadãos.

É razoável admitir que não se pode previamente definir o modo como o Estado realizará o direito de proteção, pois poderia haver uma série de alternativas a serem consideradas, uma limitação de meios disponíveis e a existência de outros interesses a serem satisfeitos que poderiam, inclusive, estar em rota de colisão, bem como a necessidade de constituir uma escala de prioridades. De outra banda, considerando o caráter normativo do princípio da eficiência, não se pode sequer pensar em ação que não se paute pelo alcance de resultados positivos concretos em decorrência da otimização dos meios disponíveis. Embora seja possível não ser encontrada e efetivada solução ótima, às vezes inviabilizadora da satisfação de outro direito, não se pode empregar esforços e recursos de diferentes naturezas em alternativas incapazes de conduzir ao atingimento de fins de forma satisfatória.

Tal entendimento não inviabiliza o cotejo de interesses e de direitos, sobretudo em uma sociedade extremamente complexa que apresenta a uma estrutura estatal também complexa uma gama crescente de demandas. Ao contrário, o desafio posto aos poderes públicos está em estabelecer critérios justos de atuação nesse cenário.

Socorre o magistério de SARLET (2.011), valendo-se de lição de Canaris, pontuando que haveria três critérios que confeririam legitimidade ao dever de proteção. Esses seriam os seguintes:

a) A lesão, ameaça ou o risco de lesão ao direito fundamental deve ser capaz de afetar o seu âmbito de proteção;

b) A intervenção deve ser necessária, ou seja, o âmbito de proteção do direito fundamental deve ter sido efetiva ou potencialmente atingido por intervenção relevante e, em não raras vezes, ilícita sem se configurar em hipótese que possa ser evitada ou rechaçada pelo lesado;

c) O funcionamento conjunto dos diversos critérios, que devem interagir, impõe que, além dos requisitos mencionados, considere-se a relevância do bem juridicamente tutelado, o peso da intervenção e a intensidade da própria intervenção ou ameaça de violação do direito protegido.

Passível de exame é o nível de satisfatoriedade do cumprimento do dever de proteção, podendo esse ser tido como excessivo ou deficiente. Em síntese, pode a atuação estatal gerar desproporções e essas conformarem antijuridicidade.

Ao cumprir o dever de proteção, o Estado pode afetar desproporcionalmente direito fundamental. O princípio da proporcionalidade, que para alguns doutrinadores seria postulado, isto é, regra de aplicação de outras regras, seria um critério de limitação ou, ainda, um critério de controle da constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que é aplicável também, diga-se de passagem, no caso daquele que eventualmente esteja a lesar direito fundamental de outrem.

 Assim como a proporcionalidade pode funcionar na perspectiva da proibição de excesso, ou seja, direito de defesa, pode, por outro lado, servir de critério de verificação se o agir estatal foi deficiente ou insuficiente na proteção de direito fundamental violado ou ameaçado.

A proporcionalidade na atuação estatal de caráter protetivo de direitos fundamentais é bem esclarecida por SARLET (2.011)[8] com esteio em lições de Cristian Calliess:

Com efeito, valendo-nos aqui das lições de Cristian Callies (que sustenta uma distinção dogmática e funcional entre proibição de excesso e insuficiência), uma vez determinada a existência de um dever de proteção e seu respectivo objeto, o que constitui um pressuposto de toda a análise posterior, é possível descrever as três etapas da seguinte maneira: a) no que diz com o exame da adequação ou idoneidade, é necessário verificar se a(s) medida(s) – e a própria concepção de proteção – adotada(s) ou mesmo prevista(s) para a tutela do direito fundamental é (são) apta(s) a proteger de modo eficaz o bem protegido; b) em sendo afirmativa a primeira resposta,, cuida-se de averiguar se existe uma concepção de segurança (proteção) mais eficaz, sem que com isso se esteja a intervir de modo mais rigoroso em bens fundamentais de terceiros ou interesses da coletividade? Em outras palavras, existem meios de proteção mais eficientes, mas pelo menos tão pouco interventivos em bens de terceiros? Ainda neste contexto, anota o autor referido, que se torna possível controlar medidas isoladas no âmbito de uma concepção mais abrangente de proteção, por exemplo, quando esta evolve uma política pública ou um conjunto de políticas públicas; c) no âmbito da terceira etapa (que corresponde ao exame da proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade, como preferem alguns), é preciso investigar se o impacto das ameaças e riscos remanescentes após a efetivação das medidas de proteção é de ser tolerado em face de uma ponderação com a necessidade de preservar outros direitos e bens fundamentais pessoais ou coletivos.

Em decorrência de disposições constitucionais universalistas, os negros brasileiros são titulares dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, ao desenvolvimento, à liberdade de expressão, à honra, à segurança, à educação, à saúde e a outros direitos fundamentais pertinentes ao Estado brasileiro.

Além disso, há disposições constitucionais que, por razões históricas, econômicas e sociais, podem ser consideradas como mais direcionadas a essa parcela da população brasileira. Essas disposições dizem com a liberdade religiosa, com o combate ao racismo, com a redução das desigualdades, com o ensino da história tendo por esteio as contribuições dos povos formadores da pátria brasileira.

De bom alvitre sublinhar que as violações aos direitos elencados acima não configuram exclusividades atinentes aos pretos e aos pardos, ou seja, aos integrantes da comunidade negra. Todavia, é inegável que esses vivenciam situação de proteção deficiente.

Cumpre consignar que não se está a discorrer sobre mitigações à universalidade dos direitos fundamentais, perfectibilizada no alargamento ou na restrição em sintonia com o entendimento do legislador constituinte. Trata-se de imperativos de realidade que devem ser considerados pelo legislador, pelo jurista e pelos cidadãos brasileiros.

Se não há discussão doutrinária sobre a impossibilidade de a proteção dos direitos fundamentais ser ilimitada ou absoluta, não se aceita que essa possa ser estabelecida de qualquer forma, ou seja, sem um padrão qualitativo mínimo. Nesse sentido, serve a proporcionalidade como critério de avaliação da eficácia protetiva dos direitos fundamentais.

2.“Para inglês ver”?

Em certa medida, as regras, sejam estabelecidas por políticas, por contratos ou por leis, podem configurar expectativas e não certezas de cumprimento.

Em se tratando de leis ou de políticas públicas, sobretudo, ou de ajustes como contratos, termos ou convênios, é obrigação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, informados pelo princípio constitucional da eficiência, ter foco nos resultados e nos impactos das decisões proferidas. Em outros termos, sob pena de não serem gerados efeitos positivos concretos ou de haver perpetuação ou até mesmo ampliação dos efeitos negativos de decisões proferidas, devem eles ter controle efetivo dos processos decisórios próprios e uns dos outros, bem como estarem abertos ao controle social. Frisa-se aqui que ações administrativas, decisões judiciais, ações legislativas, políticas públicas e leis enquadram-se no gênero decisões.

Assim sendo, uma vez que o norte está no emprego adequado dos meios e no atingimento de resultados e de impactos concretos planejados e positivos, ganham relevo as atividades de identificar os stakeholders de cada segmento, de planejar e de estimular a participação no seio dos Poderes, pois são meios de diminuição do grau de incerteza das decisões e de ampliação do de possibilidade de êxito.

Mister que superemos a visão de que bastante é a produção legislativa, independentemente de serem elas em nível constitucional ou infraconstitucional. Elas são em número expressivo no solo pátrio, mas não atingimos eficiência e eficácia em especial no campo da administração pública. Certamente, o Direito e não apenas a Política contribuiu para a constituição desse cenário.

As leis, assim como os planos e as políticas públicas, podem ter e normalmente tem um caráter indutor, ou seja, procuram estimular, induzir ou até impor que as pessoas ou as instituições tenham um comportamento necessário para um sistema ou para uma estrutura cooperativa. Porém, nesse processo, não podem desconhecer imperativos de realidade, características pessoais ou regionais, existência de outros interesses e outros estímulos e, sobretudo, dados e informações. Em síntese, não basta apenas editar lei ou conceber política sem pensar e repensar nos mecanismos que possam gerar a eficácia pretendida ou a ineficácia temida.

Nesse cenário, o cerne aqui é pensar se o combate ao racismo no Brasil tem sido efetivo e se estampar na Carta Política que esse fenômeno é repudiado e que sua prática configura um crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão surtiu efeito nos campos político, educacional, judicial e social.

No que concerne à população negra brasileira, para que haja um avanço, mister que se retroceda um pouco na história, apreendendo contexto relevante para que, como sociedade que se pretende justa e solidária, bem como direcionada ao desenvolvimento econômico, social e ambiental, possamos bem decidir sobre os fins a serem perseguidos e sobre os meios a serem empregados. Para tal exercício será de extrema valia repisar que consoante o conjunto de concepções constituído por PERELMAN (2.005)[9], atuação justa seria aquela que atribui, em síntese, o que segue:

“1. a cada qual a mesma coisa.

2. a cada qual segundo seus méritos.

3. a cada qual segundo suas obras.

4. a cada qual segundo suas necessidades.

5. a cada qual segundo sua posição.

6. a cada qual segundo o que a lei lhe atribui.”

A primeira concepção abrigaria a ideia de tratar todos de forma igual, ou seja, sem considerar nenhuma particularidade que tornasse alguém diferente. Seria, com efeito, a única noção “puramente igualitária” e não exigente de proporcionalidade como as demais.

Seria tida como a irrealizável, no que pertine à justiça concreta, servindo apenas como ideal do qual se pode tentar aproximação na medida do possível. Poderia essa noção, por outra mão, conduzir à conceituação de uma justiça formal.

A justiça formal tem como cerne a igualdade como forma de evitar privilégios dentro de uma mesma categoria essencial. Ela se contrapõe, portanto, à justiça distributiva, que, com base na igualdade, “leva em conta capacidades e esforços individuais na atribuição das vantagens”. Essa, por seu turno, afasta-se da justiça comutativa que não se ocupa com a vida individual tomada em conjunto, mas, sim, com o estabelecimento da igualdade em cada ato jurídico.

No esforço de definir a justiça material, PERELMAN (2.005)[10] destaca um elemento comum em todas as fórmulas de justiça material. A sua construção perpassa por questionamentos sobre a necessidade ou obrigatoriedade de tratar todos igualmente e, em caso de haver distinções, quais os critérios para definir as que seriam relevantes e suas consequências.

Nesse trilho, o doutrinador chega à ideia de característica essencial e essa seria aquela que “permite agrupar os seres numa classe ou numa categoria, definida pelo fato de seus membros possuírem a característica em questão”. Dessa arte, esses indivíduos comporiam a mesma categoria essencial.

Justiça formal ou abstrata seria “um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma”. Já o dissenso das fórmulas de justiça concreta está no fato de que cada uma dela considera uma característica diferente como a única que se deve levar em conta na aplicação da justiça.

A segunda concepção de justiça material, destaca características pessoais e esforço também pessoal, denominadas de mérito. PERELMAN (2.005)[11] sublinha que não basta que as pessoas tenham mérito, sendo necessário que tenham mérito no mesmo grau para serem integradas na mesma categoria essencial. Aqui já não se fala em justiça igualitária, mas sim proporcional a esse mérito.

Aqui é bom frisar que mérito seria o “valor moral intrínseco do indivíduo” e “esse será o critério do juiz, cego a todas as outras considerações”.

Importante não confundir, como normalmente ocorre quando se está a discutir sobre sistema diferenciado de ingresso em estabelecimentos de ensino ou no serviço público, a segunda concepção com a que virá a seguir.

A terceira noção de justiça concreta também exige um tratamento proporcional, mas “o critério já não é moral, pois não se leva em conta a intenção, nem os sacrifícios realizados, mas unicamente o resultado da ação”.

Essa concepção afasta-se do irrealizável “por levar em conta, o mais das vezes, elementos sujeitos ao cálculo, ao peso, à medida”. Nessa concepção, inspiram-se o pagamento de salário dos operários por hora trabalhada ou por peça produzida, bem como “os exames e os concursos em que, sem se preocupar com o esforço fornecido levam-se em conta apenas o resultado, a resposta do candidato, o trabalho que apresentou”.

 A quarta concepção é a que toma como essencial “os sofrimentos que resultam na impossibilidade” de a pessoa “satisfazer suas necessidades essenciais”. Por isso, configura uma tentativa de diminuir esse sofrer.

Essa concepção exige a definição de critérios formais relativos a essas necessidades. O autor assevera que se deve levar em conta um mínimo vital que envolva necessidades básicas individuais e familiares.

Essa concepção, “impondo-se cada vez mais na legislação social contemporânea, pôs em xeque a economia liberal em que o trabalho, assimilado a uma mercadoria, estava sujeito às flutuações resultantes da lei da oferta e da procura”. Por via de consequência, dela decorrem a proteção ao trabalho e ao trabalhador, a definição de um salário mínimo, as legislações referentes à pessoa idosa, à criança e à pessoa enferma, ou desempregada, etc.

A quinta concepção diz com o tratamento diferenciado às pessoas em razão de pertencimento a uma ou a outra categoria determinada. Essa concepção é constantemente defendida pelos beneficiários, que fazem prevalecer a força política ou institucional que possuem.

No exército, por exemplo, há tratamento diferenciado entre oficiais e praças, regrado em razão da posição dentro na instituição.

Por fim, a sexta concepção é tida como de justiça estática porque baseada na ordem estabelecida. As anteriores são tidas como de justiça dinâmica pelo fato de poderem, ao menos potencialmente, modificar a ordem e as regras que a determinam.

Por essa concepção, a pessoa encarregada de a aplicar não está livre para eleger a concepção de sua preferência. Portanto, “a classificação, a distribuição em categorias essenciais, é-lhe imposta e ele deve obrigatoriamente levá-la em conta. É essa a distinção fundamental entre a concepção moral e a concepção jurídica de justiça”.

 PERELMAN (2.005)[12] impôs-se o desafio de pesquisar o que há em comum entre as diferentes concepções da justiça. Aqui, nesse breve texto, suficiente é identificar concepções de justiça que permitiriam examinar as escolhas tomadas quando da edição da denominada de Lei dos Sexagenários.

Não é necessário descrever detidamente o momento vivenciado em nossa pátria, pois bastante é trazer detalhes que permitam demonstrar a desproteção dos direitos naturais da quase totalidade dos homens negros e das mulheres negras há pouco mais de 130 anos em solo brasileiro.

Em verdade, o conjunto de leis produzidas visava à manutenção do escravagismo. Daí decorre a alcunha histórica de leis “para inglês ver”, pois a Inglaterra, após longo e lucrativo comércio transatlântico de escravizados, passou a proibir tal atividade tendo em vista seus outros interesses comerciais.

As deliberadas tergiversações, configuradas em forma de leis, geraram diplomas legais que tinham como objetivo principal falsamente demonstrar intenção e esforço no combate progressivo à escravização humana, bem como abertura para os novos tempos econômicos.

A lei em comento, portanto, decorre de uma discussão acirrada ligada à transformação de uma economia calcada no trabalho do escravizado para a baseada no trabalho livre. O ponto nodal do debate versava sobre a indenização para os proprietários de escravizados e sobre a concessão de liberdade para esses últimos.

Havia uma conjugação de interesses que conduziu à prevalência do legislativo no processo decisório sobre a abolição. Aos abolicionistas, aos escravagistas, em especial aos grandes produtores de café e aos próprios membros da Assembleia Nacional, esses últimos sob a alegação de que o debate poderia levar à subversão da ordem pública, por razões diferentes, interessava que esse poder capitaneasse o processo.

Perceba-se que, no momento histórico identificável, não se estava diante de leis descumpridoras do inerente caráter indutor das legislações, mas sim de leis que continham o firme propósito de retardar mudanças que já tinham ocorrido em numerosos pontos do globo terrestre. Sim, o Brasil foi o último país que aboliu a escravatura.

A celebração de atos internacionais entre Brasil e Inglaterra seria, pois, o marco da ilegalidade da escravidão no Brasil, que foi reforçada por leis nacionais também descumpridas. Em outros termos, muitos dos seres humanos trazidos forçadamente para o Brasil o foram em descumprimento de normas vigentes à época.

Antes de tudo, reproduz-se trecho de obra premiada e aprovada pela Resolução Imperial de 9 de Fevereiro de 1.861 para uso das Faculdades de Recife e São Paulo, intitulada Direito Administrativo Brasileiro[13]:

Pela Conv. de 23 de Novembro de 1826 obrigou-se o Brasil para com a Inglaterra a não consentir que os seus súditos exercessem o tráfico de africanos 3 anos depois de trocadas as ratificações da mesma convenção, sendo este tráfico declarado pirataria.

Para tornar efetivas estas estipulações, promulgou-se a lei de 7 de novembro de 1831, que declarou livres todos os escravos que entrarem no território ou nos portos do Brasil, vindos de fora, com exceção dos matriculados nas equipagens das embarcações, e dos que fugirem do território ou embarcação estrangeira; impôs aos importadores a pena do art. 179 do Cód. Criminal (prisão por 3 a 9 anos e multa correspondente à 3ª parte do tempo), a multa de 200$ por cabeça de escravo importado, além da obrigação de pagar a despesa de reexportação para a África; definiu quais são os importadores africanos; e ofereceu o prêmio de 30$000 por cabeça a quem der notícia ou apreender, ainda sem mandado judicial, os ditos africanos ilicitamente importados. 

Dito isso, retorna-se ao trilho original, ou seja, às considerações sobre a lei dos sexagenários sobre a qual, de modo extremante sintético, pode-se dizer que acabou por promover o seguinte:

a) os escravizados que atingissem 60 anos ou mais anos de idade seriam libertos;

b) a libertação também ocorreria se houvesse inexistência ou omissão na matrícula dos escravizados(registro a ser procedido pelo proprietário de escravizado), por fundo de emancipação (fundo com recursos provenientes de taxas e rendas específicas, adicionais acrescidos aos impostos gerais, excetuando-se o de exportação, e títulos da dívida pública emitidos para tanto, que deveria custear a gradual emancipação de escravizados, a colonização e a conversão do trabalho escravo em atividades econômicas definidas pela lei)[14] ou por transgressão de domicílio (quando o escravizado era levado de uma província a outra sem autorização);

c) a indenização para o proprietário, que deveria ser feita pelo próprio liberto de 60 anos ou mais, obrigado a prestar serviços aos seus ex-senhores por três anos ou até completar 65 anos.

A olhos desavisados pode parecer que, em se concedendo a liberdade aos escravizados naquele cenário do não tão longínquo ano de 1.885, não haveria crítica severa a fazer pelo prisma da justiça do ato. A questão pouco abordada é que os brasileiros somente começaram a ter esperança de vida próxima aos 60 anos quase 100 anos depois. Melhor dizendo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o homem brasileiro, sob outras condições sanitárias, ao nascer, esperava viver 59,6 e a mulher brasileira, também nesse quadro mais favorável, 66,0 no ano de 1.980. Tendo em conta que a média para ambos os sexos de esperança de vida em 1980 era, por conseguinte, de 62,7, destaca-se que os escravizados que tivessem 60 anos ou mais deveriam trabalhar por três anos ou até os 65 anos de idade para indenizar os proprietários de escravos[15].

Assim, travestida de justiça segundo as necessidades de uma categoria essencial, no caso, os escravizados, em verdade, aplicou-se a concepção de justiça baseada na posição, atendendo-se aos interesses de uma categoria essencial que tinha posição de supremacia, a elite vinculada à cafeicultura.

A liberdade é um direito natural, vinculado ao contexto moral, que, no que tangia aos negros escravizados nascidos no Brasil, não estava positivado na Constituição de 1.824. Pelo alinhamento teórico já aduzido, para essa população não seria, em 1.885, um direito fundamental. Porém, havia legislação, no caso, a referida convenção celebrada com a Inglaterra e a lei que lhe dava aplicabilidade no Brasil, que reconheciam, ao o positivar, o direito à liberdade nas hipóteses outrora externadas. Para os escravizados abrangidos por essas legislações e para seus descendentes, poder-se-ia falar em violação ao direito humano à liberdade. 

Por via de consequência, no ver dos escravizados, a justiça concreta haveria na medida em que se lhes reconhecesse o direito à liberdade. Dessarte, uma vez que a expectativa que esse reconhecimento fosse para toda a categoria restou frustrada com a imposição de um critério etário e de previsão legal vinculada à existência de recursos financeiros em um fundo ou ao cometimento de ilegalidades por parte dos proprietários de escravizados, seria inevitável que percebessem essa situação como injusta.

Escravizados eram pessoas às quais se negava também o exercício do direito à liberdade, compelindo-se-os a executar trabalho sem remuneração. A idade do escravo adulto não seria fato relevante no exame de suas situações política e jurídica até o advento da lei em comento já que não seria hipótese de aplicação da Lei do Ventre Livre. O atingimento da idade de 60 anos configurou-se como critério arbitrário dificilmente atingível pelo beneficiário. Portanto, houve uma escolha causadora de injustiça e impeditiva da satisfatoriedade da necessidade de liberdade por intermédio de lei.

Por outra mão, a estipulação da idade para a emancipação também poderia ser vista, dentro na categoria essencial, como um critério reconhecedor do mérito, ou seja, do nível de sacrifício imposto. Em outros termos, a idade poderia ser tida como uma presunção de imposição de maior sacrifício individual em decorrência do maior tempo de exposição à violação de direitos. Mesmo sob esse prisma, por haver condições diferentes de submissão ao período escravagista, estariam os escravizados em graus diferentes de sofrimento que, em verdade, seria inavaliável.

Importante consignar que o ser humano persegue, e já perseguia naquela época, não apenas a liberdade, mas também a igualdade e as condições mínimas de existência digna correspondentes ao seu tempo. Nesse sentido, a falta de previsão de pagamento de indenização aos libertos, cumulada com a obrigação de eles, por meio de disponibilização por mais três anos de sua força de trabalho, indenizarem os senhores, sob a ótica da justiça à luz das necessidades, configurariam estado de injustiça.

Oportuno sublinhar que parte do fundo de emancipação destinava-se, em porções iguais, a estimular a colonização, a emancipar escravizados e a libertar escravizados de lavoura e mineração cujos senhores quisessem converter em livres os estabelecimentos mantidos com escravizados. Perceba-se, pela mesma noção de justiça, a ocorrência de injustiça, pois um terço dos valores do fundo serviriam para transportar os substitutos remunerados dos escravizados não indenizados e despreparados para os então novos tempos.

Os senhores de escravizados viam que as mudanças até poderiam trazer vantagens para o país ou, ao menos, seriam atos necessários diante de pressão interna e externa. Todavia, certamente, não queriam e não custearam a transformação. Nesse quadro, tendo-se por norte a concepção de justiça concreta de alcançar a cada um em sintonia com a sua posição, a postergação da abolição, o custeio da transformação do trabalho escravo para o trabalho livre por parte do fundo de emancipação, bem como a indenização paga pelos libertos, é crível que os senhores de escravizados considerem que tenha havido justiça.

Dentre as leis integrantes do período identificado, tomamos como exemplo a Lei número 3.270, de 28 de Setembro de 1.885, conhecida como Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe[16]. Poder-se-ia ter utilizado a lei número 2.040 de 28 de setembro de 1.871[17] – a “Lei do Ventre Livre” – com o mesmo propósito de demonstrar o conjunto de injustiças promovidas durante e após a escravização no Brasil.

O retroceder histórico e a escolha de uma lei para tratar de forma mais detalhada é estrategia para sublinhar como o nosso passado foi gerador de um persistente racismo que teve como instrumento inclusive a lei.

No ponto seguinte, mostrar-se-á como leis atuais e vinculadas ao campo da igualdade racial continuam sendo ineficazes, gerando-se desproteção aos agora existentes direitos fundamentais das mulheres e dos homens negros.

3. “Para brasileiro ver?”

O sistema escravocrata era e é inerentemente injusto, pois elege critérios arbitrários para conceder direitos a um grupo de pessoas e, simultaneamente, negar a outro. Esses critérios podem ser a raça, o fato de ter havido prévia perda em uma guerra ou outro imposto por aquele que esteja em posição de impor a sua vontade ou sua visão de sociedade.

A escravização negra no Brasil produziu e sustenta marcas graves de difícil superação para o seu corpo social. Tanto que as transformações gradativas e de cunho legislativo parecem não surtir os efeitos necessários em diversos ambientes e aspectos.

O fato é que as leis que compõem o período prévio à abolição da escravatura e a situação sócio-política gerada por uma política estatal de violação extremada de direitos para os negros escravizados, constituiu injustiça intertemporal, ou seja, produziu reflexos em numerosos campos e contextos ainda não enfrentados de maneira eficiente e eficaz pela sociedade brasileira. Diante disso, os cidadãos negros brasileiros vivenciam quadro de proteção deficiente de seus direitos fundamentais.

O entusiasmadamente anunciado estatuto da igualdade racial, instituído pela lei número 12.288/2.010, parecendo remontar as leis do período mencionado acima, não gerou efeito positivo concreto apesar do tempo transcorrido.

Aliás, bom destacar dois de seus artigos.

O parágrafo 3º do artigo 39 estaria vocacionado a intervir no mercado de trabalho estimulando a responsabilidade social corporativa, pois assim dispõe:

Art. 39.  O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1o  A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2o  As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.

§ 3o  O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

Sem dúvida, a responsabilidade social corporativa é caminho a ser fortemente estimulado e trilhado, em paralelo com a adoção de cotas relativas aos cargos públicos, empregos públicos e funções delegadas. Aliás, a empresa é capaz oferecer mais vagas no mercado de trabalho e de tornar permanente e natural a inserção e do negro em searas de maior poder econômico e social. Essas ofertas, pelo menos no início, estariam ligadas ao interesse de agregar à marca uma imagem de efetivadora de direitos e de respeitadora da diversidade. Mais adiante, poder-se-ia perceber que instituições diversificadas são mais competitivas e mais aptas a se adaptar às diferentes realidades, a enfrentar adversidades e a encontrar soluções para os problemas enfrentados pela sociedade.

Evidentemente, o dispositivo legal está a exigir regulamentação, pois não há definição quanto à espécie de incentivo, ao número de beneficiários da iniciativa da empresa ou ao seu período mínimo de duração. O fato é que, enquanto não ocorrer a regulamentação do Estatuto, que prevê incentivos fiscais para as empresas que por convicção de seus dirigentes, por interesse mercadológico ou por identificação de oportunidade auxiliem no enfrentamento do racismo no mercado de trabalho, haveremos de constatar diferenciações acentuadas no que pertine à empregabilidade e aos níveis salariais.

Ressalta-se que os certames nos quais foram instituídos sistemas de reserva de vagas sensíveis à raça no Brasil o foram e o são com base em outras leis e não no estatuto supradito. Sublinhe-se que foi necessário, com o fito de evitar incessantes e desgastes discussões, ajuizar ação declaratória de constitucionalidade (tombada sob o número 41 e que foi julgada em 08.06.2017) relativa à lei 12990/2014 que reserva 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta do Executivo e que é aplicável também aos outros Poderes.

Nessa quadra, não surpreendem os dados reveladores de baixos níveis de empregabilidade, de diferenças salariais e de baixa inserção nas posições de gestão e de comando nas 500 maiores empresas brasileiras.

Pesquisa realizada pelo Instituto Ethos com a cooperação do Banco Interamericano de Desenvolvimento de 9 de Dezembro de 2.014 a 28 de Maio de 2.105 traz o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil[18]. Informa a instituição que foram consultadas 500 empresas, sendo que 117 enviaram respostas. Afirma, ainda, que já foram realizados trabalhos semelhantes, sendo o anterior do ano de 2.010 e que a escolha das empresas não foi aleatória, identificando que as eleitas exercem papel de liderança e de referência para o mercado.

Consoante a pesquisa, 88% das empresas que responderam ao questionário não tem política afirmativa de cunho racial. Daí decorre que os negros estariam em 35% das vagas do quadro funcional, em 25,9% das vagas de supervisão, em 6,3 das vagas de gerência, em 4,7 dos quadros executivos e 4,9% dos conselhos de administração.

O DIEESE faz consolidação de dados pertinentes a cinco regiões metropolitanas brasileiras, pesquisando sobre ocupação, desemprego, qualidade das relações de emprego e níveis salariais. No que concerne ao desemprego, oportuno reproduzir o que consta no trabalho denominado “Inserção produtiva dos negros nos mercados de trabalho metropolitanos” de novembro de 2.016:

“Historicamente, os negros convivem com patamares de desemprego mais elevados, mesmo nas regiões onde sua presença é expressiva, como Salvador, Fortaleza e Distrito Federal.

A taxa de desemprego dos negros apresenta diferença expressiva principalmente em Porto Alegre, onde a taxa desse segmento é superior a dos não negros em 4,5 pontos percentuais, seguida de Salvador (3,4 p.p), São Paulo (2,9 p.p), Distrito Federal (2,0 p.p) e, com menor distância, em Fortaleza (0,6 p.p).

Entre 2014 e 2015, as taxas de desemprego cresceram expressivamente em Porto Alegre e São Paulo e, de modo menos intenso, em Fortaleza e Salvador, atingindo os diferentes segmentos da força de trabalho. A desagregação dos dados pelos grupos de cor/raça mostra que o aumento do desemprego ocorreu em percentual maior para os negros em Fortaleza, São Paulo e, em menor medida, em Porto Alegre. Apenas em Salvador a taxa de desemprego aumentou mais para não negros. Considerando o sexo, a taxa de desemprego elevou-se mais para os homens que para as mulheres, em todas as regiões analisadas. Entre elas, exceto na região de Salvador, as taxas aumentaram mais para as mulheres negras, no período em análise.”

A Fundação de Economia e Estatística (FEE) gaúcha faz levantamento semelhante ao referido acima e, integrante do mesmo sistema, o repassa ao DIEESE. Importante assinalar que, referindo-se à região metropolitana de Porto Alegre e à queda do rendimento médio dos trabalhadores, uma vez mais, evidencia-se a existência de diferenças salariais entre negros e não negros:

“Entre 2014 e 2015, constatou-se redução dos rendimentos médios reais tanto para negros (4,5%) quanto para não negros (7,8%). Em termos absolutos, o rendimento médio dos negros reduziu de R$ 1.697 para R$ 1.620; para os não negros, a retração nos rendimentos foi mais intensa, de R$ 2.343 para R$ 2.160, no mesmo período.”

Definitiva e elucidativa é a apresentação do trabalho do DIEESE identificado acima:

“A análise das informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego – Sistema PED, realizada por meio do Convênio entre o DIEESE, a Fundação Seade, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE/FAT) e parceiros regionais no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e São Paulo – mostra que a redução das desigualdades raciais vivenciadas ao longo das últimas décadas, em um contexto de relativa melhora do mercado de trabalho, não foi suficiente para promover a equidade de valoração do trabalho exercido pelos negros em relação aos não negros. O recente processo de estruturação do mercado de trabalho brasileiro trouxe melhoria nas condições de inserção produtiva promovendo redução da diferença dos níveis de desemprego por raça/cor. Entretanto, entre 2014 e 2015, a situação mudou significativamente e restrições ao crescimento econômico trouxeram a recessão e o desemprego para a vida dos trabalhadores e trabalhadoras. As taxas de desemprego cresceram nas regiões metropolitanas pesquisadas pela PED, na maioria delas, com impacto maior sobre a população negra.

A dinâmica do mercado de trabalho expressa os padrões vigentes nas relações raciais e de gênero na sociedade brasileira. As diferenças salarial e ocupacional entre negros e não negros estruturam as oportunidades de vida desses diferentes grupos populacionais na sociedade brasileira.”

Restam evidentes as dessimetrias com as quais se deparam negras e negros no mercado de trabalho e com a insuficiência da proteção nesse campo.

Os reflexos do racismo também se traduzem na forma de proteção alcançada aos integrantes da comunidade negra que sofrem violações na forma de crimes raciais.

Sabe-se que ao Estado moderno não cabe apenas impedir a violação de direitos, cabendo-lhe promovê-los e criar ambiente propício para que pessoas e entidades públicas e privadas também os promovam. Nesse cenário, é que devem ser compreendidos os crimes raciais, sublinhando-se que, tecnicamente, a consideração de condutas como criminosas é a última alternativa.

Dessa arte, tem-se que são insuficientes, nos planos prático e jurídico, à luz da Constituição Federal, as disposições do parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal e da Lei Federal número 7.716/89. Em verdade, elas geram situação que não tem permitido a diminuição de práticas odiosas com motivação étnico-racial, pois criam atmosfera de que não há sanção para esses agires.

Normalmente, a crítica recai sobre os integrantes do sistema de justiça e de segurança. Todavia, é de se reconhecer que os instrumentos que se lhes alcançam não são de boa qualidade.

Numerosas vezes, discute-se, revelando-se frustração, o motivo de certas condutas serem tidas como injúria racial e não como crime de racismo. Ora, ao fazer a crítica, evidencia-se que o crime de racismo seria mais grave aos olhos de todos. Se assim é, não deveriam os dois ter idêntica cominação de pena, ou seja, reclusão de 1 a 3 anos e multa.

De bom alvitre sublinhar que gera-se aparente conflito entre o artigo 20 da Lei 7716/89 e o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal. Em síntese, pode-se dizer que, com esteio em decisões judiciais, que ofensa que se limite à pessoa da vítima, é tida como injúria racial e aquela que atinja um grupo étnico, mesmo que dita a uma pessoa, seria tipificada como racismo. Portanto, no primeiro grupo, enquadram-se as ofensas “macaco” ou negro safado”. Se a ofensa, dirigida a uma pessoa, fosse “aqui não é lugar de negro” ou “é bem coisa de negro”, estar-se-ia diante do segundo grupo.

Na medida em que se torna mais relevante o xingamento dito e não a intenção do agente, permite-se subjetividade geradora de insatisfação e de sensação de impunidade, pois, em não raras vezes, faz-se incidir a norma extraível do Código Penal. Com isso, não se estaria na presença de crime inafiançável e imprescritível, mas sim de crime que permite a fiança e que prescreve, em tese, em oito anos. Acrescente-se que há estudos técnicos que dão conta de que as absolvições superam o patamar de 69% (Relatório Anual das desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010 – LAESER).

Em verdade, o ânimo de injuriar não se coaduna com o da prática de racismo por meio de expressões racistas. Em verdade, na medida que se utiliza expressão de cunho racista, não se está diante de injúria. Está-se diante de atitude mais grave consoante o texto constitucional do que o ataque à honra, impondo resposta mais severa. Em outros termos, quem chama outro ser humano de “macaco”, “carvão”, “negro safado” ou negro sujo”, não está a injuriar, está a tratar a vítima com desigualdade, pretendo colocá-la em patamar inferior ao seu em decorrência de serem de cores ou de etnias diferentes. O agressor está a regredir no tempo e no estado civilizatório. Nesse teatro, o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal está em dessintonia com a Carta Magna, é gerador de conflito aparente e, desnecessário, conduz à sensação de impunidade, que é maximizadora de problemas. Além disso, apesar de a reprovabilidade ser maior no caso em comento, utilizam-se práticas jurídicas atinentes à injúria comum como a retorsão e a injusta provocação da vítima.

A solução para condutas que tenham como móvel o racismo, isto é, que tenham como intenção criar desvantagem, gerar ou ampliar desigualdade, negar oportunidade, impedir ou dificultar o exercício de direito ou o cumprimento de dever em decorrência da cor ou da etnia da vítima está na radical reforma da lei 7.716/89 ou na inclusão dos novos tipos que nela constariam no corpo do Código Penal. Aliás, é de se ter atenção às lições dos estudos sobre discriminação indireta, pois, talvez sejam mais frequentes e mais dificilmente enfrentadas numa pátria que ainda vive sob o mito da “democracia racial”.

Sem desdouro aos esforços empreendidos na confecção e na articulação para aprovação da Lei 7.716/89, é forçoso mencionar atecnicidades, à guisa de exemplo, que devem ser afastadas.

Na mencionada lei, referem-se os locais nos quais as condutas deveriam ser tipificadas como crime de racismo. Tal proceder é desnecessário e gerador de omissões graves. E se, por exemplo, um médico negasse atendimento à pessoa enferma por questão racial? A norma de qual artigo incidiria nesse caso, pois não há referência expressa a hospital na lei? Se se dissesse que, aplicar-se-ia a norma extraível do artigo 20, exsurgiria uma pergunta: tendo o direito à vida e à saúde status diferenciado, pode o inacesso a salão de cabeleireiro ter a mesma cominação de pena? A inadequada referência aos locais de cometimento de racismo só serve para criação de discussões periféricas em princípio e hábeis a levar à absolvição no final.

O artigo 20 dá a impressão de que os artigos que o antecedem não preveem atos que configurariam prática de racismo, necessitando de sua existência. Aliás, o verbo empregado “praticar” é impreciso, merecendo alteração. No que tange à pena, além de ela ser idêntica para o caso de ofensa a uma pessoa ou a um grupo étnico, perceba-se que se Presidente de entidade que reúna empresários e empresas disser, “incitando-os”, que não devem ser contratadas pessoas de determinada etnia, em tese, teria pena menor do que aquele que, no fundo de seu quintal, resolvesse manufaturar suásticas.

Em verdade, a pena mínima não poderia ser inferior a dois anos com o fim de se evitar a possibilidade corriqueira da suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95. Já a pena máxima deveria ser de 5 anos, evitando-se a possibilidade de fiança. Poderia ocorrer, com esteio no princípio da presunção de inocência, o alcance da liberdade provisória, mas, ao menos, quando da constatação da ocorrência delituosa, haveria plena e pronta resposta do sistema de segurança.

Seja na alterada lei de combate ao racismo ou no Código Penal, mister que se preveja que a retorsão ou o fato de a ofensa ter ocorrido durante ou após discussão, não gerarão afastamento da punibilidade. Ora, é justamente nessas ocasiões que aflora o preconceito, convertendo-se em ação danosa concreta.

Importante destacar que disposição que visa ao combate ao racismo não pode ser prevista apenas levando em conta que a maior parte das vítimas é negra no país, sob pena de se gerar antinomias. Por esse motivo, havendo praticantes de religiões de matriz africana que não são negros, não se deveria inserir a questão da religião no que ora se discute, mas em ambiente próprio, pois também há preconceito religioso a ser frontalmente combatido em nossa Pátria.

Em síntese, as sugestões que se apresenta são a) a revogação parcial do parágrafo terceiro do artigo 140 do CP, excluindo o que diga respeito ao que se denomina de injúria racial; b) a reforma da lei 7.716, restringindo-a a questões atinentes à cor e à etnia, reduzindo-se os tipos penais e se os redigindo de maneira que tenham como conteúdo a intenção de criar desvantagem, de gerar ou de ampliar desigualdade, de negar oportunidade, de impedir ou de dificultar o exercício de direito ou o cumprimento de dever em decorrência da cor ou da etnia da vítima ou, ainda, a revogação da lei 7.716/89, criando-se disposições novas no Código Penal; c) previsão expressa de que, em caso de racismo, em qualquer de suas formas, não caberia o perdão judicial com esteio na ocorrência de retorsão, de embate ou de provocação da vítima; d) cominação de pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa e previsão de cláusula de aumento de pena se o crime atentar contra grupo étnico.

A interpretação concernente ao texto sugerido, por óbvio, advirá das decisões judiciais, da realidade a ser examinada, da experiência do intérprete e dos fatos relativos a cada caso. Todavia, impõe anotar que se adotou linha que se entende pertinente ao que mais ocorre no momento e que, na visão do subscritor, merece ser tipificado criminalmente.

Sublinha-se que há fatos, infelizmente repetidos na vida diária, que podem, ainda, ser combatidos por intermédio de ações civis, em especial ações civis públicas com a destinação de valores para ações concretas de combate ao racismo, bem como por ações criminais com esteio na legislação vigente(como a lei federal 9.455/97) ou, ainda, de forma preventiva, com a aguardada regulamentação do estatuto da igualdade racial (v.g., prevenção à violência policial, diminuição das desigualdades no campo da saúde, da pesquisa, do mercado de trabalho e da educação) e com a implantação do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

No que tange ao aspecto religioso, na medida em que há praticantes de religião de matriz africana que não são negros, a lei atual gera confusão em determinados casos concretos. Logo, prudente é que ofensas diretamente vinculadas a questões religiosas sejam mantidas como móvel para a aplicação do §3º do artigo 140 do Código Penal ou de artigo que vier a lhe substituir com o mesmo teor. Pode-se, ainda, criar artigo ou lei atinente à intolerância religiosa, abordando-se a questão mencionada.

Por se fazer menção ao impedimento ou à dificuldade de exercício de direito juridicamente tutelado, compreende-se a salvo direitos como à saúde, à educação, ao trabalho descente, à cultura, à ascensão socioeconômica, à liberdade de culto e de religião, à livre locomoção, ao acesso aos cargos públicos, sendo despiciendo citar esses ou outros de natureza diversa. Quando se aborda a criação de desvantagem, a geração ou a ampliação de desigualdade, visa-se ao ataque à discriminação indireta, não se inviabilizando a efetivação de ações afirmativas no presente ou no futuro, o que é óbvio pelo contexto constitucional e infraconstitucional pátrio. E quando, quando se estampa a vedação à negativa de oportunidade, abarca-se ataque ao inacesso a possibilidades no mercado e a processos seletivos privados, bem como a vedação de escolhas pessoais serem pautadas por critérios menos nobres.

Entendendo-se que são mais reprováveis os atos promovidos por agente público ou por agente político, nas redes sociais ou nos meios de comunicação, com o intuito de atingir um número maior de pessoas, deveria se prever pena maior nessas hipóteses. Mais graves também são as discriminações que se expressam por meio de violência ou de grave ameaça ou que se configuram em orquestração para não permitir o exercício de direitos ou para negar oportunidade. Nesse teatro, se pessoa não contrata outra pessoa por ser ela negra, a situação é uma. Todavia, se gestor de agência de empregos nega-se a encaminhar negros para contratação, a situação afigura-se bem mais grave.

Crendo que está assazmente demonstrado como a legislação penal atual não cumpre o dever de proteção, aduz-se sugestão de texto legal:

       Crime de racismo

Art. Impedir ou dificultar o exercício de direito, criar desvantagem, gerar ou ampliar desigualdade, negar oportunidade ou ofender em decorrência da cor ou da etnia da vítima.

Pena – reclusão, de 2 a 5 anos e multa

§1º Aumenta-se em um terço a pena nas seguintes situações:

I- quando a prática atentar contra determinado grupo de pessoas ou contra determinada etnia em toda a sua extensão;

II- quando o crime for cometido por meio ou em local que gere maior conhecimento sobre a sua ocorrência;

III- quando o criminoso for agente político ou agente público, ou, ainda, quando o crime for levado a efeito em relações de trabalho.

§2º Aumenta-se a metade da pena:

I – quando a discriminação for efetuada mediante violência ou grave ameaça;

II – quando houver associação para a prática de racismo em qualquer das suas formas.

§3º Incide nas mesmas penas quem pratica incitação ou apologia referente ao crime ou ao criminoso.

§4º Não gerarão extinção da punibilidade a ocorrência de retorsão e o fato de o crime ter sido praticado durante discussão ou por provocação da vítima.

§5º A ação penal será pública incondicionada em qualquer hipótese.

A educação racialmente inclusiva talvez seja o caminho mais eficaz para ensejar as transformações faltantes na sociedade. Ela, potencialmente, pode ampliar nossos níveis de coesão social e civilizatórios com base no conhecimento das raízes dos povos formadores do povo brasileiro e do afastamento de uma cultura eurocêntrica e refratária à diversidade.

Esse entendimento já chegou aos profissionais e militantes do campo da educação, como também chegaram as desvantagens no sistema atual que são impostas aos negros e indígenas. Tanto é assim que foi alterada, em 2.003, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos termos da Lei Federal número 10.639/2003 (criando-se o artigo 26-A), posteriormente alterada pela Lei Federal número 11.645/2008.

Desta forma está entabulado no dispositivo legal referido acima:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.        (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.           (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.         (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).”

Cumprida a lei, a escola seria local de construção de outras relações, permitindo-se um melhor desempenho dos alunos, bem como uma diminuição da evasão escolar. Aliás, ao saber mais sobre sua história e sobre sua cultura, negros e indígenas teriam efetiva e ampla integração e os não negros ou indígenas veriam esses outros grupos a partir do conhecimento, ou seja, do conceito e não do preconceito.

Lamentável é constatar que as gestões dos entes federativos não direcionam atenção à possibilidade de com um determinado meio atingir satisfatoriamente mais de um fim. Diverso fosse o processo decisório e de compreensão, realizando análise intertemporal das questões e das soluções possíveis, bem como avaliações de impacto das políticas públicas, poderiam já ter implementado o comando que se extrai da lei.

Esses entes também não demonstram foco na qualidade do gasto público com o fito de atingimento de resultados concretos positivos. Portanto, ao agir no campo da educação de maneira dissociada dos interesses, dos direitos e das necessidades de grupos étnicos que superam a metade de seu contingente populacional, bem como de interesses, de direitos e de necessidades de toda a sociedade, em especial das crianças e dos adolescentes, o Brasil escancara carecer melhor trato da eficiência, da sustentabilidade e da eficácia.

O preconceito e a discriminação racial impedem que potenciais sejam de forma plena explorados individual e coletivamente. Dessa arte, é de interesse das sociedades, sobretudo as dos países em desenvolvimento, combater essas chagas ferrenhamente, já que uma sociedade harmônica, indubitavelmente, tem maior chance de atingir o desenvolvimento e que uma sociedade violadora acaba por desperdiçar talentos. Importa anotar que o ser humano não se limita a objetivos ou a ganhos economicamente mensuráveis, abarcando sentimentos e expectativas coletivas e individuais ligadas à solidariedade, à compaixão e à autoestima. Logo, a persistência do racismo e das desigualdades que produz são nocivas para o indivíduo discriminado, para o não discriminado e para o corpo social.

O racismo pode ser combatido por meio de processos educacionais, por meio de ações afirmativas, por meio da aplicação de sanções, por meio de atos civilizados e civilizatórios vinculados aos exemplos pessoais ou institucionais, bem como pela constituição de estruturas voltadas ao trato dessa questão.

É perceptível que, em solo pátrio, não estamos sendo eficazes no combate ao racismo, pois ele ainda é bem presente e, em certos momentos, afigura-se revigorado. Também não temos sido eficientes porque não utilizamos de forma sistêmica todos os meios dos quais dispomos.

A educação seria o remédio mais forte no combate ao racismo institucional. De bom alvitre destacar que se toma o racismo institucional como o desinteresse ou a desatenção com questão ou com necessidade que interessa a determinado grupo étnico, levando à ocorrência e à permanência da discriminação. Parte-se, por conseguinte, da superação da intencionalidade, tendo-se, como bem ensina RIOS (2.008), como a gênese da discriminação a dinâmica social, o ambiente institucional e as organizações nas quais os indivíduos vivem. Sob essa ótica, o exame do preconceito e da discriminação racial não se calca no sentir e no agir individual, sobretudo em uma sociedade que não se admite racista e que ainda sustenta conformar uma democracia racial, mas nos padrões de conduta, nos posicionamentos e nas composições institucionais e nos resultados práticos para o grupo lesado.

O racismo institucional é inimigo de mais difícil identificação, que necessita de assunção de compromissos institucionais e de afastamento de supostas e danosas neutralidades que são estigmatizadoras e impeditivas do avanço civilizatório.

Desconsiderando o caráter transformador da norma, pois ela visa à formação de uma sociedade baseada no conhecimento e não no preconceito, reafirma-se, ultrapassando a questão educacional e configurando meio de prevenção e de combate às práticas racistas no corpo social, os Estados-membros e os Municípios não deram efetividade sistemática ao que determina a lei. A União, por sua vez, permite, ao não promover a alteração dos currículos das graduações, que profissionais saiam das Universidades sem o conhecimento necessário para ministrar disciplinas de forma adequada ao que determina a LDBEN. Falha, por conseguinte, do ponto de vista educacional, político e econômico, sobretudo porque, além disso, acaba repassando recursos com bem menor possibilidade de êxito, para que os já professores individualmente ou os demais entes federados em períodos de tempo inferiores ao da graduação, compareçam ou promovam eventos e cursos.

Vê-se aí um importante meio de combate ao racismo, a educação, utilizado de forma ineficiente e gerando efeitos inferiores aos quais legitimamente se poderia esperar.

 Se não bastasse o descumprimento da lei por parte dos gestores da educação, conta a sociedade com a falta de fiscalização por parte da quase totalidade dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos e Defensorias.

 Justo é anotar que o Tribunal de Contas gaúcho e a Defensoria-Pública da União, no Rio Grande do Sul, desde 2012, integram grupo de trabalho que fiscaliza a implementação dessa política pública por parte dos Municípios do Estado. Essa iniciativa, que gerou a criação de uma metodologia de fiscalização específica, é única no país, o que torna seus resultados elogiáveis, mas pequenos diante do desafio enfrentado.

4. Conclusão:

No Brasil, os negros e negras não tem seus direitos fundamentais efetivamente protegidos em campos extremamente relevantes. Tal afirmação está sustentada nos dados pertinentes às questões eleitas acima. A razão dessa proteção deficiente ou insuficiente deita raiz no longo período de escravização seguido da adoção de políticas públicas de baixa eficiência e de insatisfatória eficácia.

Nesse cenário, não é crível que possam ser atingidos os Objetivos Republicanos, tampouco os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as metas da Década Internacional dos Afrodescendentes.

No campo das ciências, em especial, no Direito, é inafastável agregar cortes raciais nos estudos, nas pesquisas e nas análises sobretudo nas que digam respeito ao desenvolvimento, à igualdade, à tomada de decisão, à justiça, às políticas públicas e a questões econômicas.

No campo político e no da gestão, é inarredável a alteração dos processos e dos critérios decisórios, conferindo-se a ações plenamente planejadas uma maior possibilidade de êxito, ou seja, eficiência e eficácia devem ser agregadas. Mister que sejam bem definidos os fins a serem atingidos, bem como os meios de se lhes dar concretude. No caso concreto, a eficiência das políticas ligadas à igualdade racial estará diretamente vinculada ao afastamento de simbologias e ao agregar de preocupação com o atingimento de resultados e de impactos positivos concretos.

Nesse teatro, a educação racialmente inclusiva, em decorrência das transformações que pode ensejar em negros e em não negros é o instrumento a ser amplamente utilizado, pois representa a possibilidade da construção de uma sociedade baseada no conceito, ou seja, no conhecimento e não no preconceito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1]              Resolução número 68/237, Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, https://nacoesunidas.org/img/2014/10/N1362881_pt-br.pdf (acesso em 28/07/2017).

[2]              https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ (acesso em 28/07/2017).

[3]              https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ (acesso em 28/07/2017)

[4]        Atlas da Violência 2017 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

[5]              SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria geral dos Direitos Fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª edição. Porto Alegre/RS. Livraria do Advogado Editora, 2011. p.         

[6]              Ibid., p. .

[7]              CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 1ª edição brasileira. São Paulo – SP. Editora Revista dos Tribunais, 2008. 2ª Edição portuguesa. Coimbra – Portugal. Coimbra Editora, 2008. p. 75.

[8]                     SARLET, op. cit., p. 399

[9]                     PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, Martins Fontes, 2.005, p. 9.

[10]                   PERELMAN, op. cit., p. 10

[11]                   Ibid., p. 11.

[12]                   PERELMAN, op. cit., p. 12

[13]                   RIBAS, Antonio Joaquim, Direito Administrativo Brasileiro, Ministério da Justiça, 1.968, p. 223.

[14]                   SANTOS, Lucimar Felisberto, Os bastidores da Lei: as estratégias escravas e o Fundos de Emancipação      http://www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a02.pdf

[15]                   Tábua de vida 2001 – IBGEhttp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/evolucao_da_mortalidade_2001.shtm

[16]                   http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66550

[17]                   Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Imperio desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. § 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mãis, os quaes terão obrigação de crial-os e tratal-os até a idade de oito annos completos.  Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãi terá opção, ou de receber do Estado a indemnização de 600$000, ou de utilisar-se dos serviços do menor até a idade de 21 annos completos.  No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.  A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de renda com o juro annual de 6%, os quaes se considerarão extinctos no fim de 30 annos.  A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias, a contar daquelle em que o menor chegar à idade de oito annos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.

[18]           Perfil, social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, Instituto Ethos, 2016, São Paulo.

fonte: REVISTA DA AGU, VOLUME 18, N. 02, ABR./JUN., 2019

https://www.academia.edu/39735032/A_POPULA%C3%87%C3%83O_NEGRA_BRASILEIRA_E_A_PROTE%C3%87%C3%83O_DEFICIENTE_DE_DIREITOS_FUNDAMENTAIS_THE_BRAZILIAN_BLACK_POPULATION_AND_THE_DEFICIENT_PROTECTION_OF_FUNDAMENTAL_RIGHTS

28 de maio de 2019

PGE, ACADEPOL e COGEPOL trabalhando juntas

Fonte : comunicação social da PGE/RS

19 de maio de 2019

Can truth and reconciliation commissions heal divided nations?

Bonny IbhawohProfessor of History and Global Human Rights, , McMaster University – 2019

As long as unresolved historic injustices continue to fester in the world, there will be a demand for truth commissions.

Unfortunately, there is no end to the need.

The goal of a truth commission — in some forms also called a truth and reconciliation commission, as it is in Canada — is to hold public hearings to establish the scale and impact of a past injustice, typically involving wide-scale human rights abuses, and make it part of the permanent, unassailable public record. Truth commissions also officially recognize victims and perpetrators in an effort to move beyond the painful past.

Over the past three decades, more than 40 countries have, like Canada,established truth commissions, including Chile, Ecuador, Ghana, Guatemala, Kenya, Liberia, Morocco, Philippines, Rwanda, Sierra Leone, South Africa and South Korea. The hope has been that restorative justice would provide greater healing than the retributive justice modelled most memorably by the Nuremberg Trials after the Second World War.

There has been a range in the effectiveness of commissions designed to resolve injustices in African and Latin American countries, typically held as those countries made transitions from civil war, colonialism or authoritarian rule.

Most recently, Canada’s Truth and Reconciliation Commission addressed historic injustices perpetrated against Canada’s Indigenous peoples through forced assimilation and other abuses.

Its effectiveness is still being measured, with a list of 94 calls to action waiting to be fully implemented. But Canada’s experience appears to have been at least productive enough to inspire Australia and New Zealand to come to terms with their own treatment of Indigenous peoples by exploring similar processes.

Although both countries have a long history to trying to reconcile with native peoples, recent discussions have leaned toward a Canadian-style TRC model.

South Africa set the standard

There had been other truth commissions in the 1980s and early 1990s, including Chilé’s post-Pinochet reckoning.

But the most recognizable standard became South Africa’s, when President Nelson Mandela mandated a painful and necessary Truth and Reconciliation Commission to resolve the scornful legacy of apartheid, the racist and repressive policy that had driven the African National Congress, including Mandela, to fight for reform. Their efforts resulted in widespread violence and Mandela’s own 27-year imprisonment.

Through South Africa’s publicly televised TRC proceedings, white perpetrators were required to come face-to-face with the Black families they had victimized physically, socially and economically.

There were critics, to be sure, on both sides. Some called it the “Kleenex Commission” for the emotional hearings they saw as going easy on some perpetrators who were granted amnesty after demonstrating public contrition.

Others felt it fell short of its promise — benefiting the new government by legitimizing Mandela’s ANC and letting perpetrators off the hook by allowing so many go without punishment, and failing victims who never saw adequate compensation or true justice.

These criticisms were valid, yet the process did succeed in its most fundamental responsibility — it pulled the country safely into a modern, democratic era.

Saving humanity from ‘hell’

Dag Hammarskjöld, the secretary general of the United Nations through most of the 1950s who faced criticism about the limitations of the UN, once said the UN was “not created to take mankind to heaven, but to save humanity from hell.”

Similarly, South Africa’s Truth and Reconciliation Commission was not designed to take South Africa to some idyllic utopia. After a century of colonialism and apartheid, that would not have been realistic. It was designed to save South Africa, then a nuclear power, from an implosion — one that many feared would trigger a wider international war.

To the extent that the commission saved South Africa from hell, I think it was successful. Is it a low benchmark? Perhaps, but it did its work.

Since then, other truth commissions, whether they have included reconciliation or reparation mandates, have generated varying results.

Some have been used cynically as tools for governments to legitimize themselves by pretending they have dealt with painful history when they have only kicked the can down the road.

In Liberia, where I worked with a team of researchers last summer, the records of that country’s truth and reconciliation commission are not even readily available to the public. That secrecy robs Liberia of what should be the most essential benefit of confronting past injustices: permanent, public memorialization that inoculates the future against the mistakes of the past.

U.S. needs truth commission

On balance, the truth commission stands as an important tool that can and should be used around the world.

It’s painfully apparent that the United States needs a national truth commission of some kind to address hundreds of years of injustice suffered by Black Americans. There, centuries of enslavement, state-sponsored racism, denial of civil rights and ongoing economic and social disparity have yet to be addressed.

Like many, I don’t hold out hope that a U.S. commission will be established any time soon – especially not under the current administration. But I do think one is inevitable at some point, better sooner than later.

Wherever there is an ugly, unresolved injustice pulling at the fabric of a society, there is an opportunity to haul it out in public and deal with it through a truth commission.

Still, there is not yet any central body or facility that researchers, political leaders or other advocates can turn to for guidance, information and evidence. Such an entity would help them understand and compare how past commissions have worked — or failed to work — and create better outcomes for future commissions.

As the movement to expose, understand and resolve historical injustices grows, it would seem that Canada, a stable democracy with its own sorrowed history and its interest in global human rights, would make an excellent place to establish such a centre.

fonte: site do Forum Econômico Mundial – 21/2/2019

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