Jorge Terra

24 de junho de 2023

A superação do racismo e do preconceito no domínio esportivo

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O esporte em geral e o futebol em particular oferecem numerosos exemplos de superação. Essa superação pode ser individual, quando um atleta suplanta as expectativas de quem costuma acompanhar os seus resultados ou, ainda, pode ser coletiva, quando elevados graus de esforço, de mobilização e de coesão conduzem uma determinada equipe a vitórias quase que inesperadas.

A superação aguardada, contudo, parece não estar próxima. Essa diz com o racismo e com os preconceitos diuturnamente identificados, registrados e pouco ou ineficazmente combatidos no âmbito esportivo. Não é novidade que são adotados critérios sensíveis à origem, à sexualidade, ao gênero, à raça e à idade das pessoas que geram tratamentos desfavoráveis e desigualizantes. Essas desigualdades estão fortemente vivas na formação, no desenvolvimento e na contratação de atletas e de gestores, na ocupação dos espaços de comando, na comunicação, nas definições de premiações, nas concessões de patrocínios e nos comportamentos do público-alvo nas arenas esportivas e nas redes sociais.

A superação do racismo, é necessário sublinhar, há muito, também é esperada em outros domínios e não apenas no esporte embora se possa afirmar que a superação nesse domínio teria uma repercussão a curto prazo talvez inimaginável para aqueles que combatem o racismo na educação, nas relações de trabalho, no sistema de justiça ou no sistema de segurança. O esporte é um domínio no qual as discriminações operam com frequência e com amplitude como em outros tantos. Todavia essas características somadas à visibilidade que essa área de atuação humana atinge permitem entender que ações antirracistas nessa seara podem produzir significativos resultados e impactos na sociedade. Importa, entretanto, evidenciar que não é bastante enfrentar o racismo, os preconceitos, as discriminações e os decorrentes vieses em apenas um espaço ou domínio, pois questões complexas, estruturais e pervasivas exigem prevenção, precaução e intervenção com alcance equivalente.

A desigualdade e a discriminação raciais podem ser constatadas sob o exclusivo olhar dos direitos humanos, mas o respectivo enfrentamento deve ser procedido em combinação com os olhares da economia, da psicologia e da neurociência. Sim, é possível aferir os custos sociais e econômicos desses fenômenos raciais, bem como os ganhos com ações antirracistas. Pode-se, também, utilizar as ciências comportamentais como instrumento de avaliação e de mudança. O certo é que apenas levantar dados é insuficiente e que políticas públicas ou privadas, tal como regramentos, devem levar em conta fatores sociológicos, psicológicos, históricos, econômicos, comunicacionais, políticos e jurídicos para saber como as pessoas sentem, agem e comprometem-se com mudanças. Hoje, mundialmente, prevalecem a ineficiência e a ineficácia, mantendo-se a cultura baseada em falsas hierarquias.

Parece não haver consenso de que a questão racial é fundamental para que haja harmonia nas relações entre pessoas e entre nações. Há confusões conceituais tais como entender que a discriminação racial está restrita à situação econômica desfavorável ou à cor da pele. Se assim fosse, talvez não houvesse casos envolvendo atletas negros bem sucedidos financeiramente, tampouco turcos, judeus e árabes. Está-se diante de problema complexo, o que acaba por exigir complexidade na busca e na solução propriamente dita.

Vivenciamos a década internacional dos afrodescendentes, que vai de 2015 a 2024, mas não nos deparamos com ações planejadas, concretas e transformadoras de natureza privada ou pública. O atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, obrigaria a agenda política a se abrir para a questão racial assim como deveria tornar a responsabilidade social corporativa permeável à temática supracitada. Porém, esses importantes ajustes internacionais não foram exitosos na convergência de esforços para a sociedade reafirmasse valores extremamente relevantes e agisse em sintonia com eles. Aliás, inexitosa também tem sido a nossa Constituição embora repudie o racismo e o preconceito por se destinar à construção de uma sociedade democrática, justa e solidária.

Não é ousado dizer que o Observatório da discriminação racial no futebol desempenha papel essencial na desejada mudança de valores, de julgamentos, de decisões e de comportamentos que precisam ocorrer no enfrentamento ao racismo. O Observatório apoia aqueles que estão em situação de sofrimento, divulga e contabiliza atos discriminatórios, persegue a realização de apuração e a tomada de posição por parte de vítimas, de agressores e de gestores esportivos.

Perceba-se que ele não apenas observa, procurando intervir inclusive preventivamente. Nesse sentido, ganha relevo a capilaridade atingida pelo Observatório em decorrência de ter como política sempre estar disponível para pessoas, para instituições e para outros temas de direitos humanos. Assim sendo, o Observatório vai além do que fazem instituições que trazem análises qualitativas ou quantitativas das desigualdades em determinados domínios. Ele assume o encargo de, a partir de seus relatórios, promover ações, articulações e debates que possam ser capazes de levar à reflexão e à mudança no âmbito do futebol.

Jorge Terra.

Coordenador da Rede Afro-gaúcha de Profissionais do Direito

Escrito no início de 2020 para o Observatório contra a discriminação racial no futebol.

28 de abril de 2021

‘Não sou a ré, sou a advogada’: a mulher que combate o racismo e a ignorância na Justiça

  • Eva Ontiveros
  • BBC World Service

8 outubro 2020

Alexandra Wilson usando peruca e toga tradicionais da Justiça no Reino Unido
Legenda da foto,Com uma carreira impressionante, Alexandra Wilson é advogada aos 25 anos

“Não espero ter que justificar constantemente minha existência no trabalho”, diz Alexandra Wilson à BBC.

No entanto, como uma advogada negra de 25 anos trabalhando no sistema jurídico britânico, é exatamente isso que ela tem que fazer — às vezes até quatro vezes por dia.

Quando ela vai a um julgamento, se ela não está usando peruca e toga — como é tradição em alguns tribunais britânicos — ela frequentemente é confundida com os supostos criminosos que ela defende — tudo por causa de sua cor.

O direito inglês pode ser famoso em todo o mundo e ter influenciado sistemas jurídicos de dezenas de países — de Bangladesh às Bahamas — mas a experiência de Alexandra Wilson expõe os problemas que ainda tem em relação ao racismo.PUBLICIDADEhttps://da9aa19dc7778b6f8f2f960b940c1276.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Já chegaram a gritar para eu sair do tribunal”, conta Alexandra. “Isso já aconteceu várias vezes e indica um problema muito maior na sociedade.”

Mas ela recebeu apoio do Conselho da Ordem (Bar Council, em inglês) e de suas “jovens colegas brancas que nunca tiveram essa experiência”. Até o Serviço de Cortes e Tribunais de Sua Majestade (HMCTS, na sigla em inglês) se desculpou pelo “comportamento totalmente inaceitável”.

Parada quatro vezes

Retrato de Alexandra Wilson
Legenda da foto,Nem todos os tribunais exigem que os advogados usem perucas e togas

Da última vez que Alexandra foi ao tribunal para representar um cliente, ela não suspeitou que acabaria no centro de uma polêmica em rede social.

O dia não começou bem: ao chegar, o segurança perguntou o nome dela, “para riscar da lista de réus”.

Quando ela explicou que era advogada, ele se desculpou e Alexandra continuou seu caminho, mas conta que foi impedida novamente por um membro do público “dizendo que eu não poderia ir ao tribunal porque é apenas para advogados”.

Ela entrou mesmo assim, e foi informada por um advogado “para voltar para fora e esperar ser chamada pelo porteiro”. Novamente, alguém presumiu que ela era a ré.

Alexandra explicou mais uma vez que ela era a advogada de defesa e foi para a frente do tribunal.

“Foi aí que o escrivão começou a gritar para que eu saísse do tribunal e me registrasse com o porteiro, perguntando se eu estava representada.”

A essa altura, o papel de Alexandra no tribunal já havia sido questionado quatro vezes.

‘Houve um impacto em mim’

Quando Alexandra finalmente conseguiu falar com o promotor, ela disse: “Eu estava absolutamente exausta, e tudo isso foi antes mesmo de meu caso começar.”

Mas apesar de sentir que tinha sido prejudicada, ela continuou.

“Consegui concluir o caso e obter um bom resultado para o meu cliente. Mas isso torna a situação cada vez mais difícil para mim.”

Embora o que aconteceu não tenha tido um impacto negativo sobre a pessoa que ela estava defendendo, ela diz: “Houve um impacto em mim.”

“Tive de reprimir por dentro o quanto me sentia chateada para poder continuar fazendo um bom trabalho. Não é bom sentir que você tem que justificar por que está no seu trabalho.”

Como é ser negro e estar em um tribunal no Reino Unido

Alexandra Wilson usando sua peruca e toga
Legenda da foto,Alexandra: ‘É assim que se parece uma advogada’

Com exceção do segurança, ninguém se desculpou na época, “o que foi bastante perturbador”.

Desde então, ela recebeu um pedido de desculpas do chefe do serviço judicial.

“É um primeiro passo importante, mas precisamos ver uma mudança real”, diz Alexandra. “Infelizmente, o que aconteceu é um reflexo do nosso sistema de justiça criminal. Há um número desproporcional de réus negros e não há advogados negros suficientes. Portanto, a suposição, quando um membro da equipe vê um jovem negro no tribunal, não é que ele seja o advogado”.

A situação também deu a Alexandra um ponto de vista diferente: “Não é particularmente bom ser réu no Reino Unido. Todos devem ser tratados com respeito.”

‘Oxford não é para você’

Jovem Alexandra sorrindo, segurando os resultados dos exames
Legenda da foto,Alexandra ficou muito feliz quando recebeu os resultados das provas

Alexandra cresceu em Essex, região da Inglaterra muitas vezes menosprezada por ser ligada à classe trabalhadora.

Desde muito jovem, Alexandra sabia que queria “fazer algo que fosse academicamente desafiador”. “Eu estabeleci meu objetivo de ir para Oxford”, conta.

Mas alguns dos funcionários de sua escola tentaram desencorajá-la a se candidatar à universidade de elite: “Muitos professores me disseram que eu estava sendo ambiciosa demais”.

Ela acha que eles estavam preocupados porque “Oxford não é para pessoas como eu. Eu não era chique, não vim de uma origem particularmente privilegiada, não fui para uma escola particular, tenho um sotaque de Essex… Eu não sou branca.”

Oxford foi criticada no passado por não atrair estudantes suficientes que não fossem brancos e não tivessem educação privada, diz Alexandra, “então, quando adolescente, duvidei muito de mim mesma. Eu me perguntei se eles estavam certos”.

Então o que aconteceu?

“Tive muita sorte de meus pais me apoiarem excepcionalmente”, diz Alexandra. “Eles sempre me encorajaram a buscar sucesso, a colocar meu empenho nisso”.

E foi o que ela fez.

Por que bons conselhos são importantes

Alexandra com seus irmãos
Legenda da foto,Alexandra com seus irmãos

Alexandra sabe que tem força de vontade e um ambiente familiar atencioso, mas o que acontece se não for esse o caso?

“É por isso que esse tipo de atitude é tão prejudicial, especialmente para os jovens que podem se sentir inseguros, como todos nós”, diz ela. “Se você vem de um ambiente em que não conhece outras pessoas na universidade ou em certas carreiras ou posições, pode ser muito difícil.”

Independentemente de onde você esteja no mundo, Alexandra acredita que o papel das escolas e dos professores é muito importante: “Se você não tem pessoas ao seu redor dizendo ‘você pode fazer isso’, posso ver facilmente como os jovens podem ficar desanimados ou desista”.

Mas, igualmente importante, as instituições devem estar dispostas a mudar, diz Alexandra.

“A responsabilidade recai sobre essas instituições para incentivar as pessoas com experiências específicas, deixá-las saber que têm uma boa chance de entrar (em uma universidade) se se inscreverem.”

Envolva-se, mude o mundo

Alexandra Wilson
Legenda da foto,Alexandra defende mais diversidade nas instituições

“Ser aceita em Oxford foi muito importante para mim, embora eu não sentisse que me encaixava lá”, diz Alexandra. “Oxford é difícil de qualquer maneira, mas gostei do desafio intelectual. O que achei mais difícil é o aspecto social.”

Houve momentos em que ela se sentiu bastante isolada, como quando durante um jogo de bebida alguém gritou “alguém que só entrou em Oxford porque era negro”.

Havia apenas dois alunos negros em todo o salão, incluindo Alexandra.

Mas ela acrescenta: “É importante participar se queremos transformar essas instituições. Precisamos estar lá, precisamos ter um leque diversificado de pessoas”.

Alexandra reconhece que pode ser difícil quando você entra nesse tipo de ambiente. “Você não vê muitas pessoas que se parecem com você, não consegue ver muitas pessoas com quem pode se relacionar.”

‘Nós não entendemos o que é racismo’

Alexandra com os irmãos, de férias
Legenda da foto,A sociedade pode garantir que todas as crianças terão as mesmas oportunidades?

Algumas pessoas nas redes sociais a questionaram, dizendo que nunca encontraram tal falta de profissionalismo no tribunal.

“Algumas pessoas sugeriram que, porque não aconteceu com elas, não pode ser verdade”, diz Alexandra. “Isso destaca parte do problema: as pessoas não estão dispostas a ouvir a experiência dos outros e levá-los a sério.”

Ela diz que não se trata apenas do que aconteceu com ela: “Isso é um indicativo das atitudes da sociedade.”

Alexandra também destaca os inúmeros comentários de advogados negros e asiáticos relatando experiências semelhantes e que corroboram as dela.

Outros disseram que era mais um caso de ignorância do que de racismo.

Isso é, talvez, o que mais importa para Alexandra: “O maior problema que temos é que não entendemos do que se trata o racismo.”

“Por muito tempo, as pessoas pensavam que você era racista só se você gritasse explicitamente calúnias ou dissesse ‘os negros não podem fazer isso ou aquilo'”, diz Alexandra. “Mas temos um problema muito maior”.

“É sobre o racismo sistêmico que as pessoas precisam ser ensinadas”, diz ela.

Alexandra aponta que é isso que faz as pessoas fazerem grandes suposições sobre os outros apenas com base em sua aparência.

“Uma das razões pelas quais os negros são desproporcionalmente afetados pelo sistema de justiça criminal desde o início é que são maciçamente policiados, têm taxa de revista muito mais altas: 38 em 1.000 homens negros em comparação com quatro em 1.000 homens brancos.”

E continua nos tribunais, diz Alexandra: “Dados do Ministério da Justiça mostram que negros e outros infratores de minorias étnicas são mandados para a prisão em uma taxa muito maior do que infratores brancos.”

Mas não precisa ser assim para sempre, diz Alexandra. “Com uma melhor compreensão de como funciona o racismo sistêmico, temos uma chance muito melhor de enfrentá-lo.”

Línea

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  • Eva Ontiveros
  • BBC World Service

8 outubro 2020

Alexandra Wilson usando peruca e toga tradicionais da Justiça no Reino Unido
Legenda da foto,Com uma carreira impressionante, Alexandra Wilson é advogada aos 25 anos

“Não espero ter que justificar constantemente minha existência no trabalho”, diz Alexandra Wilson à BBC.

No entanto, como uma advogada negra de 25 anos trabalhando no sistema jurídico britânico, é exatamente isso que ela tem que fazer — às vezes até quatro vezes por dia.

Quando ela vai a um julgamento, se ela não está usando peruca e toga — como é tradição em alguns tribunais britânicos — ela frequentemente é confundida com os supostos criminosos que ela defende — tudo por causa de sua cor.

O direito inglês pode ser famoso em todo o mundo e ter influenciado sistemas jurídicos de dezenas de países — de Bangladesh às Bahamas — mas a experiência de Alexandra Wilson expõe os problemas que ainda tem em relação ao racismo.PUBLICIDADEhttps://da9aa19dc7778b6f8f2f960b940c1276.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Já chegaram a gritar para eu sair do tribunal”, conta Alexandra. “Isso já aconteceu várias vezes e indica um problema muito maior na sociedade.”

Mas ela recebeu apoio do Conselho da Ordem (Bar Council, em inglês) e de suas “jovens colegas brancas que nunca tiveram essa experiência”. Até o Serviço de Cortes e Tribunais de Sua Majestade (HMCTS, na sigla em inglês) se desculpou pelo “comportamento totalmente inaceitável”.

Parada quatro vezes

Retrato de Alexandra Wilson
Legenda da foto,Nem todos os tribunais exigem que os advogados usem perucas e togas

Da última vez que Alexandra foi ao tribunal para representar um cliente, ela não suspeitou que acabaria no centro de uma polêmica em rede social.

O dia não começou bem: ao chegar, o segurança perguntou o nome dela, “para riscar da lista de réus”.

Quando ela explicou que era advogada, ele se desculpou e Alexandra continuou seu caminho, mas conta que foi impedida novamente por um membro do público “dizendo que eu não poderia ir ao tribunal porque é apenas para advogados”.

Ela entrou mesmo assim, e foi informada por um advogado “para voltar para fora e esperar ser chamada pelo porteiro”. Novamente, alguém presumiu que ela era a ré.

Alexandra explicou mais uma vez que ela era a advogada de defesa e foi para a frente do tribunal.

“Foi aí que o escrivão começou a gritar para que eu saísse do tribunal e me registrasse com o porteiro, perguntando se eu estava representada.”

A essa altura, o papel de Alexandra no tribunal já havia sido questionado quatro vezes.

‘Houve um impacto em mim’

Quando Alexandra finalmente conseguiu falar com o promotor, ela disse: “Eu estava absolutamente exausta, e tudo isso foi antes mesmo de meu caso começar.”

Mas apesar de sentir que tinha sido prejudicada, ela continuou.

“Consegui concluir o caso e obter um bom resultado para o meu cliente. Mas isso torna a situação cada vez mais difícil para mim.”

Embora o que aconteceu não tenha tido um impacto negativo sobre a pessoa que ela estava defendendo, ela diz: “Houve um impacto em mim.”

“Tive de reprimir por dentro o quanto me sentia chateada para poder continuar fazendo um bom trabalho. Não é bom sentir que você tem que justificar por que está no seu trabalho.”

Como é ser negro e estar em um tribunal no Reino Unido

Alexandra Wilson usando sua peruca e toga
Legenda da foto,Alexandra: ‘É assim que se parece uma advogada’

Com exceção do segurança, ninguém se desculpou na época, “o que foi bastante perturbador”.

Desde então, ela recebeu um pedido de desculpas do chefe do serviço judicial.

“É um primeiro passo importante, mas precisamos ver uma mudança real”, diz Alexandra. “Infelizmente, o que aconteceu é um reflexo do nosso sistema de justiça criminal. Há um número desproporcional de réus negros e não há advogados negros suficientes. Portanto, a suposição, quando um membro da equipe vê um jovem negro no tribunal, não é que ele seja o advogado”.

A situação também deu a Alexandra um ponto de vista diferente: “Não é particularmente bom ser réu no Reino Unido. Todos devem ser tratados com respeito.”

‘Oxford não é para você’

Jovem Alexandra sorrindo, segurando os resultados dos exames
Legenda da foto,Alexandra ficou muito feliz quando recebeu os resultados das provas

Alexandra cresceu em Essex, região da Inglaterra muitas vezes menosprezada por ser ligada à classe trabalhadora.

Desde muito jovem, Alexandra sabia que queria “fazer algo que fosse academicamente desafiador”. “Eu estabeleci meu objetivo de ir para Oxford”, conta.

Mas alguns dos funcionários de sua escola tentaram desencorajá-la a se candidatar à universidade de elite: “Muitos professores me disseram que eu estava sendo ambiciosa demais”.

Ela acha que eles estavam preocupados porque “Oxford não é para pessoas como eu. Eu não era chique, não vim de uma origem particularmente privilegiada, não fui para uma escola particular, tenho um sotaque de Essex… Eu não sou branca.”

Oxford foi criticada no passado por não atrair estudantes suficientes que não fossem brancos e não tivessem educação privada, diz Alexandra, “então, quando adolescente, duvidei muito de mim mesma. Eu me perguntei se eles estavam certos”.

Então o que aconteceu?

“Tive muita sorte de meus pais me apoiarem excepcionalmente”, diz Alexandra. “Eles sempre me encorajaram a buscar sucesso, a colocar meu empenho nisso”.

E foi o que ela fez.

Por que bons conselhos são importantes

Alexandra com seus irmãos
Legenda da foto,Alexandra com seus irmãos

Alexandra sabe que tem força de vontade e um ambiente familiar atencioso, mas o que acontece se não for esse o caso?

“É por isso que esse tipo de atitude é tão prejudicial, especialmente para os jovens que podem se sentir inseguros, como todos nós”, diz ela. “Se você vem de um ambiente em que não conhece outras pessoas na universidade ou em certas carreiras ou posições, pode ser muito difícil.”

Independentemente de onde você esteja no mundo, Alexandra acredita que o papel das escolas e dos professores é muito importante: “Se você não tem pessoas ao seu redor dizendo ‘você pode fazer isso’, posso ver facilmente como os jovens podem ficar desanimados ou desista”.

Mas, igualmente importante, as instituições devem estar dispostas a mudar, diz Alexandra.

“A responsabilidade recai sobre essas instituições para incentivar as pessoas com experiências específicas, deixá-las saber que têm uma boa chance de entrar (em uma universidade) se se inscreverem.”

Envolva-se, mude o mundo

Alexandra Wilson
Legenda da foto,Alexandra defende mais diversidade nas instituições

“Ser aceita em Oxford foi muito importante para mim, embora eu não sentisse que me encaixava lá”, diz Alexandra. “Oxford é difícil de qualquer maneira, mas gostei do desafio intelectual. O que achei mais difícil é o aspecto social.”

Houve momentos em que ela se sentiu bastante isolada, como quando durante um jogo de bebida alguém gritou “alguém que só entrou em Oxford porque era negro”.

Havia apenas dois alunos negros em todo o salão, incluindo Alexandra.

Mas ela acrescenta: “É importante participar se queremos transformar essas instituições. Precisamos estar lá, precisamos ter um leque diversificado de pessoas”.

Alexandra reconhece que pode ser difícil quando você entra nesse tipo de ambiente. “Você não vê muitas pessoas que se parecem com você, não consegue ver muitas pessoas com quem pode se relacionar.”

‘Nós não entendemos o que é racismo’

Alexandra com os irmãos, de férias
Legenda da foto,A sociedade pode garantir que todas as crianças terão as mesmas oportunidades?

Algumas pessoas nas redes sociais a questionaram, dizendo que nunca encontraram tal falta de profissionalismo no tribunal.

“Algumas pessoas sugeriram que, porque não aconteceu com elas, não pode ser verdade”, diz Alexandra. “Isso destaca parte do problema: as pessoas não estão dispostas a ouvir a experiência dos outros e levá-los a sério.”

Ela diz que não se trata apenas do que aconteceu com ela: “Isso é um indicativo das atitudes da sociedade.”

Alexandra também destaca os inúmeros comentários de advogados negros e asiáticos relatando experiências semelhantes e que corroboram as dela.

Outros disseram que era mais um caso de ignorância do que de racismo.

Isso é, talvez, o que mais importa para Alexandra: “O maior problema que temos é que não entendemos do que se trata o racismo.”

“Por muito tempo, as pessoas pensavam que você era racista só se você gritasse explicitamente calúnias ou dissesse ‘os negros não podem fazer isso ou aquilo'”, diz Alexandra. “Mas temos um problema muito maior”.

“É sobre o racismo sistêmico que as pessoas precisam ser ensinadas”, diz ela.

Alexandra aponta que é isso que faz as pessoas fazerem grandes suposições sobre os outros apenas com base em sua aparência.

“Uma das razões pelas quais os negros são desproporcionalmente afetados pelo sistema de justiça criminal desde o início é que são maciçamente policiados, têm taxa de revista muito mais altas: 38 em 1.000 homens negros em comparação com quatro em 1.000 homens brancos.”

E continua nos tribunais, diz Alexandra: “Dados do Ministério da Justiça mostram que negros e outros infratores de minorias étnicas são mandados para a prisão em uma taxa muito maior do que infratores brancos.”

Mas não precisa ser assim para sempre, diz Alexandra. “Com uma melhor compreensão de como funciona o racismo sistêmico, temos uma chance muito melhor de enfrentá-lo.”

fonte: BBC Brasil

9 de março de 2021

5 ways parents can help their children avoid gender stereotypes

image of a child playing with toys

Avoiding gender stereotypes includes being aware of gendered marketing and disrupting stereotypes at home.Image: Ran Zheng/ NPR

Kyl Myers – Adjunct Assistant Professor of Sociology, University of Utah

In the last century, significant progress has been made in advancing gender equity in the United States. Women gained the right to vote, fathers have become more involved parents and more people and institutions recognize gender identities beyond the binary categories of male and female.

However, persistent gaps remain. Women hold only a quarter of U.S. congressional seats, only a handful of states mandate paid paternity leave and state legislatures are introducing bills that discriminate against transgender people.

The majority of Americans believe there is more work to do on gender equality. As a genderqueer sociologist, a parent of a kindergartner and the author of a book on gender creative parenting, I study the importance of disrupting sexism in childhood. Here are five ways I’ve found that parents and caregivers can fight gender stereotypes in kids’ lives.

1. Acknowledge that a child may be LGBTQI+

Gender identity and sexuality are diverse and personal experiences. However, medical institutions and parents commonly assign a sex to newborns based on physical characteristics and socialize children as one of two binary genders. For example, children with vulvas are assigned female and raised as girls and children with penises are assigned male and raised as boys.

Most children are cisgender – meaning their gender identity aligns with the sex and gender they were assigned at birth. However, the percentage of young people in the U.S. who identify as transgender – meaning their gender does not align with the sex they were assigned at birth, or who are nonbinary – meaning their gender is neither strictly male or female – is growing. And an estimated one in every 1,500 to 2,000 babies born in the U.S. are intersex, meaning their sex chromosomes or reproductive anatomy may be different than what is typically categorized as male or female.

Additionally, nationwide, more than 11% of high school students say they are lesbian, gay, bisexual or questioning their sexuality. Young LGBTQ people are coming out to their families earlier than older generations did. Research shows that family acceptance of young LGBTQ people is associated with greater mental and physical health and protection against depression, substance abuse and suicide.

2. Be aware of gendered marketing

Children’s toys and clothes are increasingly divided by gender, and many people blame the profit-driven exploitation of gender-stereotyped marketing.

For example, building toys and small vehicles are marketed to boys, and dolls and makeup to girls. In children’s clothing stores, primary colors, transportation and sport graphics are often on one side, and pastels, flowers and sparkles on the other.

Children learn important social, emotional and physical life skills through play. Playing with a variety of toys provides opportunities to develop and build upon well-rounded skills, including spatial awareness and empathy. Gender-stereotyped marketing can limit the kinds of toys and experiences children are exposed to.

Parents and caregivers can shop all the aisles of a toy or clothing store to show children that gendered marketing boundaries are arbitrary and can be crossed. They can let kids explore what is available and choose for themselves.

Counterstereotyping – explicitly reversing a stereotype – is also a powerful way to disrupt gender stereotypes in play. For example, a caregiver can look at dolls with a boy and say things like, “Boys like dolls” and “Daddies are really good at caring for babies.”

3. Disrupt gender stereotypes at home

Parents and caregivers are children’s first models for how gender is performed. Adults can model language and behavior that challenge binary and harmful sexist stereotypes, such as the belief that women should do more housework – even when they have full-time employment. For example, in households with more than one parent, and especially in different-gender couples, parents can share parenting responsibilities and household tasks.

Actions speak louder than words, and children are more likely to reject the idea of traditional gender norms when their parents exhibit fairness and divide domestic labor equitably, not just mention it as something they value.

Parents can switch up children’s chores so they learn about housekeeping in a nongendered way. Boys can do dishes, and girls can take out the garbage. Parents can also ensure allowance is equitable, as the gender pay gap can start at home. Research suggests girls earn less allowance even when they do more chores.

4. Use gender-neutral language

Using gender-neutral pronouns and other words can reduce gender bias and increase positive regard for women and LGBT people. For example, using anatomical language instead of gendered words, like “vulva” instead of “girl parts,” teaches children that not all people who have vulvas identify as girls. This doesn’t erase cisgender girls, but is inclusive of many transgender boys and nonbinary kids. Similarly, replacing “moms and dads” with “parents and caregivers” is not only inclusive of same-sex and nonbinary parents but also acknowledges single parents and the millions of grandparents and nonrelative guardians.

Parents and caregivers can replace the all-too-common he/him pronouns in children’s books to she/her or they/them.
Parents and caregivers play a pivotal role in addressing gender stereotypes.Image: Irfan Khan/Los Angeles Times

In children’s books, where boy characters far outnumber girls and other genders, caregivers can change he/him pronouns to she/her and they/them. Adults can also choose books and media that represent kids in diverse and inclusive ways, and call out stereotypes when they come up in stories.

5. Encourage mixed-gender play

Gender segregation is deeply embedded in social structures and can have negative implications, such as sexist attitudes toward people of other genders. Children are often categorized in gendered groups, sometimes casually (“boys line up here, girls line up there”) and other times explicitly, like in single-sex schools.

Research shows that children who have close friendships with children of other genders hold more positive and less sexist attitudes toward their friend’s gender.

Parents and educators can create opportunities for kids to interact with children of different genders. They can stop segregating children by gender, choose sports teams and other organized extracurricular activities that are open to all genders and host mixed-gender birthday parties, for example. All-gender activities help children recognize their similarities and celebrate their differences and are inclusive of children who don’t identify as a girl or boy.

fonte: forum econômico mundial em 1º.3.2021.

5 de março de 2021

O RACISMO INSTITUCIONAL NO COMBATE AO RACISMO

 

                                 O RACISMO INSTITUCIONAL NO COMBATE AO RACISMO

           O racismo pode ser combatido por meio de processos educacionais, por meio de ações afirmativas, por meio da aplicação de sanções, por meio de atos civilizados e civilizatórios vinculados aos exemplos pessoais ou institucionais, bem como pela constituição de estruturas voltadas ao trato dessa questão.

           É perceptível que, em solo pátrio, não estamos sendo eficazes no combate ao racismo, pois ele ainda é bem presente e, em certos momentos, afigura-se revigorado. Também não temos sido eficientes porque não utilizamos de forma sistêmica todos os meios dos quais dispomos.

           Nesse teatro, não é desarrazoado falar em um quadro de ineficiência e de ineficácia no combate ao racismo. Esse quadro está sustentado em dados atinentes à educação, ao mercado de trabalho, à inserção em espaços de poder, às condenações relativas aos crimes raciais e à segurança.

           Diante do que se tem visto, sem temer a pecha de ser considerado alarmista, pode-se consignar que se está vivenciando um cenário de racismo institucional no combate ao racismo.

            De bom alvitre destacar que se toma o racismo institucional como o desinteresse ou a desatenção com questão ou com necessidade que interessa a determinado grupo étnico ou racial, levando à ocorrência e à permanência da discriminação. Parte-se, por conseguinte, da superação da intencionalidade, tendo-se, como bem ensina Roger Raupp Rios1, como a gênese da discriminação a dinâmica social, o ambiente institucional e as organizações nas quais os indivíduos vivem. Sob essa ótica, o exame do preconceito e da discriminação racial não se calca no sentir e no agir individual, sobretudo em uma sociedade que não se admite racista e que ainda sustenta conformar uma democracia racial, mas nos padrões de conduta, nos posicionamentos e nas composições institucionais e nos resultados práticos para o grupo lesado.

           O racismo institucional é inimigo de mais difícil identificação, que necessita de assunção de compromissos institucionais e de afastamento de supostas e danosas neutralidades que são estigmatizadoras e impeditivas do avanço civilizatório.

           Nesse cenário, é tido como normal e não preocupante não se ter aplicado as normas extraíveis do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional embora seu texto originário date de 2.003 e sua alteração de 2.008. Segundo esse dispositivo legal, que tomo como a lei antirracista com maior possibilidade de gerar efeitos sociais concretos por atuar no campo da educação das crianças, as escolas públicas e privadas brasileiras, de ensino fundamental e médio, “em todas as disciplinas”, devem inserir as histórias e as culturas africana, afrobrasileira e indígena. Desconsiderando o caráter transformador da norma, pois ela visa à formação de uma sociedade baseada no conhecimento e não no preconceito, ultrapassando a questão educacional e configurando meio de prevenção e de combate às práticas racistas no corpo social, os Estados-membros e os Municípios não deram efetividade sistemática ao que determina a lei. A União, por sua vez, permite, ao não promover a alteração dos currículos das graduações, que profissionais saiam das Universidades sem o conhecimento necessário para ministrar disciplinas de forma adequada ao que determina a LDBEN. Falha, por conseguinte, do ponto de vista educacional, político e econômico, sobretudo porque, além disso, acaba repassando recursos com bem menor possibilidade de êxito, para que os já professores individualmente ou os demais entes federados em períodos de tempo inferiores ao da graduação, compareçam ou promovam eventos e cursos.

           Vê-se aí um importante meio de combate ao racismo, a educação, utilizado de forma ineficiente e gerando efeitos inferiores aos que legitimamente se poderia esperar.

            Outro meio de combate ao racismo seria a criação e o fortalecimento de estruturas governamentais de combate ao racismo. Todavia, temos como natural que, em um país com dimensões continentais, haja uma Secretaria sem estrutura de Ministério e com poucos recursos orçamentários e humanos para tratar da igualdade racial no Brasil. O mesmo se repete nos Estados e nos Municípios brasileiros, indicando não haver vontade férrea de combater as consequências para negros e não negros de uma longa escravização. Aliás, tal vontade estatal poderia e deveria ser externada na composição das equipes governamentais, mas não é raro vê-las compostas exclusiva ou quase que exclusivamente por não negros.

           Discute-se de maneira intensa quando ocorrem práticas individuais de racismo, a necessidade de tais atos serem considerados como crime de racismo e não como o de injúria racial, de serem mais severas as penas e de trabalharmos essa questão no campo da educação. E não é incomum o agente não se admitir racista, considerar hipócritas os cidadãos que o criticam e dizer ter amigos ou até parentes pretos ou pardos. No que interessa nesse breve texto, é bom destacar que não trabalhamos adequadamente a questão educacional previamente ou depois de fatos que comovem parte significativa da sociedade. E mais. Há estudos do respeitado Laboratório de Análises Econômicas, Histórias, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais dando conta de que quase 70% das pessoas que respondem por crimes raciais restam absolvidas. Creio que ainda se há de considerar que sendo os crimes de racismo e de injúria previstos com pena mínima de um ano, está o Ministério Público obrigado a ofertar a possibilidade de suspensão condicional do processo, o que ampliaria o número de pessoas supostamente praticantes de tais atos e sem recebimento de sanção.

           A questão é que, tendo-se a lei penal como um instrumento de combate ao racismo e vendo-a como incapaz de gerar os efeitos aguardados, sabe-se que está a tramitar no Congresso Nacional projeto de lei, sob o silêncio do chamado Movimento Negro, que reproduz o ineficaz texto legal, pois mescla o atual Código Penal com a Lei Federal 7.716/89. O mencionado projeto é fruto de uma comissão de notáveis convocada pelo Congresso. Sem se examinar competências e qualificações individuais, mister anotar que ou não se teve acesso ao estudo do LAESER, demonstrador da ineficácia legislativa, ou com ele se chegou à interpretação que, respeitosamente é forçoso dizer, não levará à transformação que a Constituição e os atos internacionais impõem à nossa Pátria. Dessa arte, a questão, divorciada dos dados, parece ter sido considerada de somenos importância diante das outras que deveriam ser tratadas na novel legislação. Aliás, apesar de no anteprojeto haver cominação (previsão) de pena (menor do que a atual, pois retirou-se a multa), o projeto de lei foi apresentado pelo Senador Sarney sem pena alguma para o crime de racismo.

           No que concerne às ações afirmativas, oportuno consignar que as cotas raciais no meio acadêmico nasceram nas próprias Universidades, não decorrendo, com efeito, de iniciativa governamental. Ainda no campo da ação afirmativa, impositivo asseverar que convivemos bem com o fato de o Estatuto da Igualdade Racial, que é um marco regulatório, ser descumprido. Restrinjo-me, aqui, a dois pontos relevantes: a não regulamentação do artigo 39 e a violação do artigo 40 do diploma mencionado acima. Foi constituída comissão para apresentar à SEPPIR/PR sugestão de regulamentação no ano de 2012. Desse grupo, embora o parágrafo terceiro do artigo supradito preveja a concessão de incentivos fiscais às entidades privadas que tenham programas, projetos e ações de igualdade racial no campo do trabalho, não constava nenhum membro do Ministério da Fazenda ou do Ministério do Planejamento. Como decorrência lógica, transcorrido prazo mais do que razoável, pois o Estatuto é de Julho de 2010, não há entidade privada que financie projetos de cunho eminente racial, salvo o Fundo Baobá, e somados os salários de homens brancos e mulheres brancas e somados os salários de homens negros e mulheres negras em seis regiões metropolitanas brasileiras, o segundo grupo de pessoas, com as mesmas qualificações e funções, percebe a metade do que percebe o primeiro como demonstra trimestralmente o LAESER.

          À toda evidência, desperdiçamos um forte meio transformador: a lei. Essa, no caso específico, estimularia o emprego de outro meio de igual valor: a responsabilidade social corporativa.

           Outro ponto do Estatuto que se quer aqui abordar é o descumprimento solene do que determina o artigo 40. Está o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo do Trabalhador obrigado a promover programas e ações, a financiar projetos e iniciativas pertinentes à igualdade racial no mercado de trabalho. Até o momento, nenhum centavo sequer foi endereçado ao que determina a lei e o que é pior, a leitura da ata da 117ª reunião ordinária do CODEFAT evidencia a intenção de não se dar efetividade à norma jurídica. O ápice é atingido quando o representante do BNDES sustenta que o Banco não tem a cor/raça como um critério para a concessão de financiamento. Ora, nada mais fez do que comprovar o descumprimento do Estatuto.

          O estatuto supradito instituiu ou Sistema Nacional de Promoção de Igualdade Racial no ano de 2010. Transcorrido longo período, pouco mais de 1% dos 5570 Municípios aderiu ao sistema e os que o fizeram, adotaram o padrão mais baixo dos três possíveis.

           Quanto à baixa inserção do negro nos espaços de poder, bastante seria ler o Censo do Poder Judiciário brasileiro, realizado com coragem e espírito republicano pelo Conselho Nacional de Justiça. Dos cerca de 10796 que responderam ao questionário que fora apresentado aos 16812 Juízes brasileiros, 1% (107) se autodeclararam pretos e 14%(1511) se autodeclararam pardos. Sabe-se que a diversidade interna torna a instituição mais competitiva e mais apta a compreender os desafios da sociedade e a construir soluções. Por conseguinte, alterar a composição do Judiciário pátrio é mais do que dar maior acesso do que o atual a um grupo de pessoas, é conferir-lhe mais condições de atuar com justiça numa sociedade contaminada pelas desigualdades de diversas ordens.

           Numerosas vezes, parece que olvidamos de que o combate às desigualdades é um Objetivo Republicano estampado na Constituição. Ademais, já passou da hora de darmos efetividade ao princípio e postulado da eficiência no campo da igualdade racial no Brasil, afastando-nos de atos simbólicos, de ritmos ditados por questões político-partidárias ou individuais, gerando-se um sistema capaz da consecução de resultados e impactos transformadores há muito aguardados por cidadãos negros e não negros.

Jorge Terra

Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito.

1RIOS, Roger Raupp, Direito da Antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2008

PS: artigo republicado sem levar em conta eventuais censos do Poder Judiciário realizados após o período da presidência do Ministro Joaquim Barbosa.

 

1 de junho de 2020

É possível falar sobre cotas com estudantes do 5º ano do ensino fundamental?

 

A convite de uma tradicional escola privada do Município de Porto Alegre, gravei um vídeo para ser apresentado a estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental.

Senti-me desafiado e feliz.

Espero ter contribuído e, em breve, saber como foi o debate na escola.

Abaixo segue o link que permite acessar o vídeo mencionado acima (alerto que vai demorar um pouco).

 

https://drive.google.com/file/d/1ff63qckUx6W3W53F7BtvFV69TVzr4Hs4/view

 

Jorge Terra.

Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da PGE/RS

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

24 de novembro de 2019

Tese aborda desigualdades raciais na estrutura jurídica e pública

No Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito, da Escola de DireitoJorge Terra defendeu a tese sobre O Desafio da Superação das Desigualdades Raciais e da Discriminação: Uma Análise da Estrutura Jurídica e das Políticas Públicas no Brasil, a qual foi aprovada com louvor. A principal motivação para o recém-doutor mergulhar na questão foi a preocupação com os critérios de tomada de decisão em diversos âmbitos da sociedade. Terra conta que, hoje em dia, as pessoas têm mais acesso às informações, mas que não é suficiente. O questionamento sobre “que tipo de comportamento, enquanto sociedade, nós deveríamos tomar perante esses dados?” foi uma das suas inspirações para a tese.

Tese aborda desigualdades raciais e discriminação na estrutura jurídica e pública no país

Jorge Terra e banca avaliadora da tese de doutorado sobre a temática racial

O professor Carlos Alberto Molinaro, orientador do trabalho, afirma que o aluno merece grande mérito e destaque pela qualidade da pesquisa, que deve se tornar um livro muito relevante socialmente e academicamente. A publicação está nos planos de Terra: “Entendo que é um compromisso meu, como é um assunto que interessa à sociedade de forma geral. De alguma maneira, é meu dever fazer com que isso chegue a todos os cantos”, afirma.

Molinaro enfatiza que tudo o que pode contribuir para reduzir as desigualdades sociais é importante e que essa foi a primeira vez que orientou uma tese sobre o tema específico: “É um fator fundamental enquanto agentes de promoção de desenvolvimento social”, afirma. Ele lembra da importância do meio acadêmico nesse processo, citando eventos já realizados sobre o tema.

Ações antirracistas na prática

Na tese, Terra afirma que que é necessário combater os estereótipos raciais que possam comprometer o julgamento e as tomadas de decisão, independente do contexto político e da legislação. Ele conclui: “É possível tornar mais eficazes a estrutura jurídica, as políticas públicas e a infraestrutura institucional, dando-se concretude aos objetivos fundamentais previstos na Constituição vigente”.

Entre as propostas de políticas públicas comportamentais elaboradas pelo autor, estão as voltadas para educação, segurança, mercado de trabalho, saúde, infraestrutura institucional, esporte, cultura, mídia, recursos tecnológicos e internet. “Recomenda-se que instituições públicas em geral e, em especial as que implementem políticas públicas pertinentes aos domínios da educação, da segurança e da justiça, bem como as que realizem controle ou fiscalização dessas políticas públicas, promovam atividades que reúnam seus profissionais com a sociedade civil com o fim de capacitar os primeiros a julgar, a decidir e a avaliar questões sensíveis à raça”, conclui Terra.

Atuação na área de direitos humanos

Jorge Terra, 52 anos, também é coordenador da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Presidente da Comissão Especial da Verdade da Escravidão Negra no RS (OAB), Procurador do Estado, entre outros cargos. Apesar de ocupar posições de destaque, ele conta que, geralmente, é um dos únicos negros nos ambientes em que frequenta: “Existem três procuradores negros no Rio Grande do Sul, entre os 400. Além de nós, houve apenas outra procuradora negra nos anos 80”, acrescenta.

Agora, Terra almeja realizar o pós-doutorado, mas tem um objetivo mais urgente. Ele planeja lecionar: “Quero colaborar na formação dos futuros profissionais do Direito”. Ao falar sobre os aprendizados do processo durante o doutorado, destaca que “é possível fazer” e conta que, muitas vezes, as pessoas perdem a esperança por não verem um caminho. “Acredito que meu trabalho traz esse caminho, essa possibilidade”, comenta o novo doutor.

Ele destaca que, quando cursou a graduação, não havia debate em sala de aula sobre direitos humanos, racismo e outras pautas relacionadas. Por isso, fica feliz em trazer o tema para dentro desse ambiente: “Quis buscar formas práticas e executáveis que o Direito possa implementar. O que nós não vemos são políticas públicas e estruturas políticas que sejam eficazes no enfrentamento desse problema”.


Fonte : Daniel Quadros – Comunicação Social da PUCRS

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