Jorge Terra

24 de junho de 2023

A superação do racismo e do preconceito no domínio esportivo

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O esporte em geral e o futebol em particular oferecem numerosos exemplos de superação. Essa superação pode ser individual, quando um atleta suplanta as expectativas de quem costuma acompanhar os seus resultados ou, ainda, pode ser coletiva, quando elevados graus de esforço, de mobilização e de coesão conduzem uma determinada equipe a vitórias quase que inesperadas.

A superação aguardada, contudo, parece não estar próxima. Essa diz com o racismo e com os preconceitos diuturnamente identificados, registrados e pouco ou ineficazmente combatidos no âmbito esportivo. Não é novidade que são adotados critérios sensíveis à origem, à sexualidade, ao gênero, à raça e à idade das pessoas que geram tratamentos desfavoráveis e desigualizantes. Essas desigualdades estão fortemente vivas na formação, no desenvolvimento e na contratação de atletas e de gestores, na ocupação dos espaços de comando, na comunicação, nas definições de premiações, nas concessões de patrocínios e nos comportamentos do público-alvo nas arenas esportivas e nas redes sociais.

A superação do racismo, é necessário sublinhar, há muito, também é esperada em outros domínios e não apenas no esporte embora se possa afirmar que a superação nesse domínio teria uma repercussão a curto prazo talvez inimaginável para aqueles que combatem o racismo na educação, nas relações de trabalho, no sistema de justiça ou no sistema de segurança. O esporte é um domínio no qual as discriminações operam com frequência e com amplitude como em outros tantos. Todavia essas características somadas à visibilidade que essa área de atuação humana atinge permitem entender que ações antirracistas nessa seara podem produzir significativos resultados e impactos na sociedade. Importa, entretanto, evidenciar que não é bastante enfrentar o racismo, os preconceitos, as discriminações e os decorrentes vieses em apenas um espaço ou domínio, pois questões complexas, estruturais e pervasivas exigem prevenção, precaução e intervenção com alcance equivalente.

A desigualdade e a discriminação raciais podem ser constatadas sob o exclusivo olhar dos direitos humanos, mas o respectivo enfrentamento deve ser procedido em combinação com os olhares da economia, da psicologia e da neurociência. Sim, é possível aferir os custos sociais e econômicos desses fenômenos raciais, bem como os ganhos com ações antirracistas. Pode-se, também, utilizar as ciências comportamentais como instrumento de avaliação e de mudança. O certo é que apenas levantar dados é insuficiente e que políticas públicas ou privadas, tal como regramentos, devem levar em conta fatores sociológicos, psicológicos, históricos, econômicos, comunicacionais, políticos e jurídicos para saber como as pessoas sentem, agem e comprometem-se com mudanças. Hoje, mundialmente, prevalecem a ineficiência e a ineficácia, mantendo-se a cultura baseada em falsas hierarquias.

Parece não haver consenso de que a questão racial é fundamental para que haja harmonia nas relações entre pessoas e entre nações. Há confusões conceituais tais como entender que a discriminação racial está restrita à situação econômica desfavorável ou à cor da pele. Se assim fosse, talvez não houvesse casos envolvendo atletas negros bem sucedidos financeiramente, tampouco turcos, judeus e árabes. Está-se diante de problema complexo, o que acaba por exigir complexidade na busca e na solução propriamente dita.

Vivenciamos a década internacional dos afrodescendentes, que vai de 2015 a 2024, mas não nos deparamos com ações planejadas, concretas e transformadoras de natureza privada ou pública. O atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, obrigaria a agenda política a se abrir para a questão racial assim como deveria tornar a responsabilidade social corporativa permeável à temática supracitada. Porém, esses importantes ajustes internacionais não foram exitosos na convergência de esforços para a sociedade reafirmasse valores extremamente relevantes e agisse em sintonia com eles. Aliás, inexitosa também tem sido a nossa Constituição embora repudie o racismo e o preconceito por se destinar à construção de uma sociedade democrática, justa e solidária.

Não é ousado dizer que o Observatório da discriminação racial no futebol desempenha papel essencial na desejada mudança de valores, de julgamentos, de decisões e de comportamentos que precisam ocorrer no enfrentamento ao racismo. O Observatório apoia aqueles que estão em situação de sofrimento, divulga e contabiliza atos discriminatórios, persegue a realização de apuração e a tomada de posição por parte de vítimas, de agressores e de gestores esportivos.

Perceba-se que ele não apenas observa, procurando intervir inclusive preventivamente. Nesse sentido, ganha relevo a capilaridade atingida pelo Observatório em decorrência de ter como política sempre estar disponível para pessoas, para instituições e para outros temas de direitos humanos. Assim sendo, o Observatório vai além do que fazem instituições que trazem análises qualitativas ou quantitativas das desigualdades em determinados domínios. Ele assume o encargo de, a partir de seus relatórios, promover ações, articulações e debates que possam ser capazes de levar à reflexão e à mudança no âmbito do futebol.

Jorge Terra.

Coordenador da Rede Afro-gaúcha de Profissionais do Direito

Escrito no início de 2020 para o Observatório contra a discriminação racial no futebol.

26 de março de 2021

A xenofobia é um vírus

A XENOFOBIA É UM VÍRUS

A população imigrante contribui para “contrabalançar as contas públicas da Segurança Social” e não para aumentar a “subsidiodependência”.

Amílcar Correia

23 de Janeiro de 2021, 19:30

A xenofobia é um vírus repugnante que se propaga com base na mentira. O último relatório do Observatório das Migrações desfaz algumas delas como, por exemplo, o encargo do Estado com os imigrantes residentes em Portugal. As contribuições dos imigrantes para o sistema da Segurança Social cresceram 35% de 2018 para 2019. Ou seja, o Estado recebe mais em contribuições (955,5 milhões de euros) do que aquilo que gasta em apoios.

O que os dados demonstram é que a população imigrante, que tem vindo a crescer de forma constante nos últimos anos, e que em 2019 ultrapassou os 7% em relação ao total de residentes no país, contribui para “contrabalançar as contas públicas da Segurança Social” e não para aumentar a “subsidiodependência”. O contributo positivo dos imigrantes para o sistema não é de agora, como já tinha ficado patente nos relatórios elaborados por Roberto Carneiro a este propósito na década de 90. O Observatório das Migrações desfaz outro mito: em cada 100 contribuintes estrangeiros, há 28 que recebem prestações sociais, quando, em cada 100 contribuintes portugueses, há 50 a usufruir de apoio do Estado. Conclusão: o valor do saldo positivo de 2019 triplica o de 2013.

A economia precisa da demografia. Se o país depender apenas das suas taxas de fecundidade e de mortalidade, não teremos nem uma nem outra, como prevêem estudos que apontam para uma redução da população dos actuais 10,4 milhões para 7,8 milhões até 2060, com as inevitáveis consequências na sustentabilidade da Segurança Social, devido à descida irreversível da população activa e do aumento do número de idosos.

Mas a boa notícia do aumento do número de imigrantes no país, com um papel activo e contributivo, tem sempre um lado negativo: há muitos candidatos a uma autorização de residência no calvário da burocracia do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que são arrastados para uma penosa clandestinidade, e os que são oriundos de países exteriores à União Europeia são socialmente mais vulneráveis. Não só por auferirem salários mais baixos, mas também por existir entre estes uma maior incidência da taxa de desemprego e um maior risco de pobreza.

Nestes últimos anos, durante os quais o trumpismo inspirou réplicas por todo o lado, o imigrante voltou a transformar-se, como escrevia Donatella Di Cesare, no “intruso por excelência”. O que está bem longe de ser verdadeiro.

fonte: https://www.publico.pt/2021/01/23/sociedade/noticia/xenofobia-virus-1947646

1 de novembro de 2020

Código negro francês

CÓDIGO NEGRO FRANCÊS

Marcas da infâmia europeia

  Colbert foi ministro de Luís XIV. Ainda tem sala na Assembleia Nacional, a Câmara dos Deputados, em homenagem a ele. O todo-poderoso Colbert redigiu o primeiro Código Negro da França. Alguns elementos:

        “Art. 1 – reitera o princípio da expulsão dos judeus das colônias envolvidas, arts. 2 e segs. Organiza a primazia da religião católica, tornando-a obrigatória para os escravos (art. 2 e 3), proibindo os senhores protestantes de lhes impor sua religião ou feitores pertencentes à sua religião (art. 4 e 5). O domingo é dia de folga (art. 6), o casamento (art.10) e o enterro de escravos batizados (art.14) devem ser realizados de acordo com o rito católico e a lei francesa. É proibido o concubinato entre o amo e o escravo, sob pena de multa e confisco, mas o amo pode se casar com sua concubina e libertá-la por este meio (art. 9). O senhor deve consentir no casamento de seus escravos, mas não pode impô-lo a eles (art.11)”. Letra fria da lei.

        “Sem personalidade jurídica, o escravo é legalmente propriedade do seu dono e sujeito à sua vontade. Ele não pode possuir nada próprio e é legado como herança pelo seu dono (art.28). Como objeto de propriedade, o escravo é herdado, em princípio, como propriedade móvel (art. 44 e segs.). O senhor pode não apenas obrigá-lo a trabalhar de graça e puni-lo por desobediência (art. 42), mas também vendê-lo, alugá-lo ou emprestá-lo. O preço do escravo morto por decisão judicial deve ser reembolsado ao seu senhor, que não é cúmplice do crime cometido (art. 40), que deve, por outro lado, reparar os danos causados ​​por seu escravo a outros (art. 37), mas também representá-lo em juízo e defender seus interesses, tanto em matéria civil quanto criminal”.

        “Finalmente, os escravos estão sujeitos a um status social hereditário (por meios matrilineares – art.13), discriminatórios e humilhantes na sociedade colonial, com o objetivo de garantir sua submissão. O Código Negro os proíbe de portar armas (art. 15), de aglomeração (art. 16), de negociar sem a permissão de seu senhor (art. 18, 19 e 30), bem como de agir e testemunhar em tribunal (arts. 30 e 31). Pune severamente o roubo (art. 35 e 36), a agressão contra pessoas livres (art. 34) – e ainda mais severamente atos contra os senhores e suas famílias (art. 33) -, bem como a fuga de escravos (art. 38)”.

O Brasil não ficou atrás. A lei nº 4, de 10 de junho de 1835, estabelecia: “Serão punidos com a pena de morte os escravos ou escravas que matarem, por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem qualquer outra grave ofensa física a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes, que em sua companhia morarem, a administrador, feitor e as suas mulheres, que com eles viverem. Se o ferimento ou ofensa física forem leves, a pena será de açoites à proporção das circunstâncias mais ou menos agravantes”. Artigo quarto: “Em tais delitos a imposição da pena de morte será vencida por dois terços do numero de votos; e para as outras pela maioria; e a sentença, se for condenatória, se executará sem recurso algum”. Voltando à França: Colbert merece homenagem? Ou cancelamento?

Juremir Machado

Fonte: Correio do Povo – edição de 18.06.2020

1 de junho de 2020

É possível falar sobre cotas com estudantes do 5º ano do ensino fundamental?

 

A convite de uma tradicional escola privada do Município de Porto Alegre, gravei um vídeo para ser apresentado a estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental.

Senti-me desafiado e feliz.

Espero ter contribuído e, em breve, saber como foi o debate na escola.

Abaixo segue o link que permite acessar o vídeo mencionado acima (alerto que vai demorar um pouco).

 

https://drive.google.com/file/d/1ff63qckUx6W3W53F7BtvFV69TVzr4Hs4/view

 

Jorge Terra.

Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da PGE/RS

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

30 de abril de 2014

Cautela ao se analisar o agir das vítimas de racismo

          Quem sofre racismo, numerosas vezes, está ou se sente sozinho. Diante da força que tenta esmagar sua autoestima, abalada, a vítima tem que se estabilizar e decidir entre relevar, enfrentar de frente ou enfrentar a situação de maneira sutil. Por essa razão, penso que se deve ser cauteloso na análise das reações de Daniel Alves e de Neymar Júnior ao serem agredidos por torcedores do Villareal e do Barcelona, respectivamente, ainda nesse mês de Abril de 2.014.
Há aqueles que sustentam que a educação é o melhor caminho para enfrentar o racismo. Para esse caminho, há a alternativa daquela que considero a lei antirracista com maior chance de gerar efeitos positivos concretos: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, mais precisamente seu artigo 26-A.
Por outro lado, forçoso dizer que o Ministério da Educação permite, há mais de 10 anos, que nossos Professores saiam de nossas Universidades sem conhecimento para dar aplicabilidade ao determinado pela Lei. E, utilizando mal os recursos financeiros de que dispõe, custeia cursos para Professores, quando esses já estão nas redes públicas. Deveria, em verdade, alterar os currículos e, simultaneamente, capacitar aqueles que ingressaram nas redes há mais de 10 anos e não permitir que se multiplique o público-alvo a cada semestre. Os Estados e grande parte dos Municípios também descumprem a Lei e, por essa razão, acabam por não cumprir a obrigação de supervisionar as redes privadas.
Há os que apontam para a sanção como o instrumento que pode resolver a questão. Ora, cerca de 70% dos que respondem por crimes raciais no Brasil restam absolvidos e as sanções aplicadas ao clube peruano cujos torcedores insultaram o jogador Tinga e ao clube Esportivo não foram as de exclusão ou de rebaixamento. O primeiro pagou cerca de 12.000 dólares e o segundo somente foi rebaixado pelo fato de, estando mal classificado, ter sido ferido de morte ao perder 9 pontos.
Há, ainda, aqueles que dizem que as referências positivas podem ser bons instrumentos de transformação. Bom, o número de Ministros de Estado negros para um país que tem população negra expressiva e se quer apresentar como respeitador da diversidade é ínfimo, ou seja, só há a Ministra da Secretaria de Política de Igualdade Racial. Além disso, o Estatuto da Igualdade Racial, que completará 4 anos em julho de 2014, espera “deitado” a regulamentação sobretudo de dispositivos qie poderiam gerar alteração onde podem mais surgir ofertas de emprego: na iniciativa privada.
Diante desse quadro, acostumadas a não ver soluções para os casos de racismo no Brasil e também na Europa, é bem possível que as vítimas tomem iniciativas que podem gerar incompreensões e discordâncias. É preciso “calçar os calçados das vítimas” antes de se chegar às conclusões.

 

Jorge Terra

Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

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