Jorge Terra

20 de março de 2024

Governantes, não repetir as ausências já é inovar!

Não repetir as ausências já é inovar!

Participações que não resistem ao fim dos programas eleitorais tem sido a regra. Em outros termos, aqueles que não são brancos, nem homens e que não se apresentam como heterossexuais não costumam compor as equipes governamentais independentemente do matiz ideológico que seja predominante. Essa não escolha se dá mesmo quando os preteridos, filiados ou não a partidos políticos, são dotados de sabida capacidade.

Em época na qual há países, pautados pela eficiência e pela eficácia, que examinam se a coerção e se a influência podem efetivamente ser utilizadas como formas de se atingir resultados positivos, pensar na composição do Ministério ou do Secretariado como um estímulo (nudge) para a sociedade é algo que pode dar certo.  Não é mais admissível que as inconformidades veiculadas com ênfase em campanhas eleitorais, passados poucos meses, tornem-se o repetir de uma cultura que não conduz ao avanço.

O que se transmite para as pessoas quando a equipe governamental tem o perfil de outras tantas que prometeram mudança? O engajamento dos numerosos segmentos sociais é realmente considerado importante? A não escolha revela não apenas eventual preconceito de quem está a escolher, mas reforça preconceitos e atitudes repletas de vieses. A diversidade no seio das instituições além de levar à aptidão de conhecer melhor os anseios do corpo social traz outras vantagens? É possível obter o engajamento das pessoas se elas identificam comportamentos realmente transformadores por parte dos gestores?

Cidadãos engajados são capazes de melhor compreender medidas governamentais duras, bem  como de apresentar  formas de melhoramento ou de aprofundamento. Já os que são tratados como meros eleitores, viram opositores nas primeiras adversidades e não agem como comprometidos com a melhoria da situação.

E é bom ter ciência de que não cumpre o requisito da influência positiva ter, em equipes com mais de vinte integrantes, apenas um que não seja enquadrável no costumeiro padrão. Isso pode ser algo mais negativo, pois demonstra que o chefe da equipe sabia que deveria compor sua equipe de forma diferente, mas, sem coragem, tentou ludibriar a sociedade. Por óbvio, não é bastante a preocupação com a composição das equipes, pois não é raro ver pessoas integrantes de gestões tomarem ou concordarem com medidas que violam direitos dos grupos a que pertencem com o fim de manterem suas posições. A preocupação  com a formação das equipes é um primeiro e valioso passo para a mudança de prioridades e de formas de decidir.

Jorge Terra.

24 de junho de 2023

A superação do racismo e do preconceito no domínio esportivo

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O esporte em geral e o futebol em particular oferecem numerosos exemplos de superação. Essa superação pode ser individual, quando um atleta suplanta as expectativas de quem costuma acompanhar os seus resultados ou, ainda, pode ser coletiva, quando elevados graus de esforço, de mobilização e de coesão conduzem uma determinada equipe a vitórias quase que inesperadas.

A superação aguardada, contudo, parece não estar próxima. Essa diz com o racismo e com os preconceitos diuturnamente identificados, registrados e pouco ou ineficazmente combatidos no âmbito esportivo. Não é novidade que são adotados critérios sensíveis à origem, à sexualidade, ao gênero, à raça e à idade das pessoas que geram tratamentos desfavoráveis e desigualizantes. Essas desigualdades estão fortemente vivas na formação, no desenvolvimento e na contratação de atletas e de gestores, na ocupação dos espaços de comando, na comunicação, nas definições de premiações, nas concessões de patrocínios e nos comportamentos do público-alvo nas arenas esportivas e nas redes sociais.

A superação do racismo, é necessário sublinhar, há muito, também é esperada em outros domínios e não apenas no esporte embora se possa afirmar que a superação nesse domínio teria uma repercussão a curto prazo talvez inimaginável para aqueles que combatem o racismo na educação, nas relações de trabalho, no sistema de justiça ou no sistema de segurança. O esporte é um domínio no qual as discriminações operam com frequência e com amplitude como em outros tantos. Todavia essas características somadas à visibilidade que essa área de atuação humana atinge permitem entender que ações antirracistas nessa seara podem produzir significativos resultados e impactos na sociedade. Importa, entretanto, evidenciar que não é bastante enfrentar o racismo, os preconceitos, as discriminações e os decorrentes vieses em apenas um espaço ou domínio, pois questões complexas, estruturais e pervasivas exigem prevenção, precaução e intervenção com alcance equivalente.

A desigualdade e a discriminação raciais podem ser constatadas sob o exclusivo olhar dos direitos humanos, mas o respectivo enfrentamento deve ser procedido em combinação com os olhares da economia, da psicologia e da neurociência. Sim, é possível aferir os custos sociais e econômicos desses fenômenos raciais, bem como os ganhos com ações antirracistas. Pode-se, também, utilizar as ciências comportamentais como instrumento de avaliação e de mudança. O certo é que apenas levantar dados é insuficiente e que políticas públicas ou privadas, tal como regramentos, devem levar em conta fatores sociológicos, psicológicos, históricos, econômicos, comunicacionais, políticos e jurídicos para saber como as pessoas sentem, agem e comprometem-se com mudanças. Hoje, mundialmente, prevalecem a ineficiência e a ineficácia, mantendo-se a cultura baseada em falsas hierarquias.

Parece não haver consenso de que a questão racial é fundamental para que haja harmonia nas relações entre pessoas e entre nações. Há confusões conceituais tais como entender que a discriminação racial está restrita à situação econômica desfavorável ou à cor da pele. Se assim fosse, talvez não houvesse casos envolvendo atletas negros bem sucedidos financeiramente, tampouco turcos, judeus e árabes. Está-se diante de problema complexo, o que acaba por exigir complexidade na busca e na solução propriamente dita.

Vivenciamos a década internacional dos afrodescendentes, que vai de 2015 a 2024, mas não nos deparamos com ações planejadas, concretas e transformadoras de natureza privada ou pública. O atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, obrigaria a agenda política a se abrir para a questão racial assim como deveria tornar a responsabilidade social corporativa permeável à temática supracitada. Porém, esses importantes ajustes internacionais não foram exitosos na convergência de esforços para a sociedade reafirmasse valores extremamente relevantes e agisse em sintonia com eles. Aliás, inexitosa também tem sido a nossa Constituição embora repudie o racismo e o preconceito por se destinar à construção de uma sociedade democrática, justa e solidária.

Não é ousado dizer que o Observatório da discriminação racial no futebol desempenha papel essencial na desejada mudança de valores, de julgamentos, de decisões e de comportamentos que precisam ocorrer no enfrentamento ao racismo. O Observatório apoia aqueles que estão em situação de sofrimento, divulga e contabiliza atos discriminatórios, persegue a realização de apuração e a tomada de posição por parte de vítimas, de agressores e de gestores esportivos.

Perceba-se que ele não apenas observa, procurando intervir inclusive preventivamente. Nesse sentido, ganha relevo a capilaridade atingida pelo Observatório em decorrência de ter como política sempre estar disponível para pessoas, para instituições e para outros temas de direitos humanos. Assim sendo, o Observatório vai além do que fazem instituições que trazem análises qualitativas ou quantitativas das desigualdades em determinados domínios. Ele assume o encargo de, a partir de seus relatórios, promover ações, articulações e debates que possam ser capazes de levar à reflexão e à mudança no âmbito do futebol.

Jorge Terra.

Coordenador da Rede Afro-gaúcha de Profissionais do Direito

Escrito no início de 2020 para o Observatório contra a discriminação racial no futebol.

23 de maio de 2023

GT 26-A, o alinhamento de esforços para implantação de uma política pública

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reunião no tce dez 2013 III    reunião no tce dez 2013 II 

GT 26-A, o alinhamento de esforços para implantação de uma política pública

Nunca é assaz asseverar que as crianças e os adolescentes brasileiros estão tendo o direito fundamental a um ensino de qualidade violado. Isso por conta do descumprimento sistemático por Estados e por Municípios da norma extraível do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Aliás, a inserção do artigo supradito, promovida pela Lei número 10.639/2003, posteriormente alterada pela Lei número 11.645/2008, no ver do signatário, decorre da desatenção ao artigo 26 da LDB. Sim, a redação original da LDB, se essa fosse cumprida, já levaria à situação diferente da hoje enfrentada.

Como não cumprem suas obrigações basilares, Estados e Municípios não estão em posição de cumprirem o dever de fiscalizar os estabelecimentos privados que, atentando contra o inciso I do artigo 7º da LDB, não dão efetividade à norma decorrente do dispositivo citado no início desse texto, que assim prevê:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

É de bom alvitre destacar que, consoante o artigo 27 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, os conteúdos curriculares da educação básica devem ter por norte a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, ao bem comum e à ordem democrática.

No ver do firmatário, o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação é uma forma de combate ao racismo, percebendo os direitos humanos como campo de conhecimento, prática e ética. Dessa arte, procura-se levar formação e informação aos brasileiros mais novos, permitindo que pensem e ajam a partir do conhecimento e não do preconceito. É, pois, um investir nos brasileiros e na sua possibilidade de autoconhecimento com o objetivo claro de constituir uma sociedade justa, democrática e solidária.

Outrossim, tem de se ter em mente que o racismo tem um custo econômico para a sociedade. O racismo gera desperdício de potenciais, perda ou negação de oportunidades, violência, desemprego e investimentos com baixo nível de retorno. Nesse quadro, por exemplo, são direcionadas verbas públicas e privadas para indenizações, internações, tratamentos médicos e psicológicos, sistemas prisionais, gastos administrativos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, pensões e auxílios que poderiam ser canalizados para pesquisas, gerações de oportunidades para empreendedores, capacitação e educação.

Uma vez que há má aplicação de recursos públicos, descumprimento do dever de supervisionar e de fiscalizar (artigos 10, III e IV, 11, I e IV, 17, I, III e IV, bem como 18, I e II, todos da Lei 9.394/96), violação de direitos fundamentais e perpetuação de problemas socioeconômicos, entende-se que os Ministérios Públicos de Contas e outros entes estão legitimados a agir. Primeiramente, deveriam instar os gestores estaduais e municipais para que informassem os esforços empreendidos, os óbices encontrados e os planos para o efetivo cumprimento do artigo 26-A da LDB. Em segundo, estabelecendo um mapa regional, deveriam levantar as motivações apontadas, confrontando-as com os dados auferidos por entidades e pessoas que têm se debruçado sobre o tema como a UFRGS e a UFRJ verbi gratia. Por fim, estabelecer, em conjunto com os gestores e com comissões que podem ser formadas pelos Ministérios Públicos de Contas ou por outros entes fiscalizadores, cronogramas razoáveis de realização, tendo-se presente que as obrigações descumpridas tiveram termo inicial no ano de 2003.

Mais adiante, perceber-se-á que essa foi a via eleita pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público de Contas com maestria e responsabilidade.

É de se sublinhar, embora seja óbvio, que cumprir inicialmente a LDB no ponto ora comentado é inserir as temáticas definidas em lei nos currículos e documentos escolares. Por conseguinte, é ato a ser efetuado por Secretário de Educação com o apoio de sua equipe, sobretudo dos ligados às questões pedagógicas. Dessa arte, são inadmissíveis justificativas ligadas à resistência do quadro de Professores ou outras que representem a transferência da responsabilidade atinente aos gestores. E mais. Os conhecimentos e os valores envolvidos nessa questão não estão jungidos a um grupo étnico em especial, sendo pertinentes a todos os brasileiros.

Nesse teatro, em uma das reuniões da Rede de Direitos Humanos do Sistema de Justiça e de Segurança do Rio Grande do Sul(RDHSJS), o Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito entrou em contato com a representação do Ministério Público de Contas com o fim de discutir sobre o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e sua inaplicação no território gaúcho.

A norma extraível do artigo mencionado e o sistemático descumprimento por Estados-membros e por Municípios brasileiros foram os temas iniciais das conversações, chegando-se à legitimidade da atuação do Ministério Público de Contas e do Tribunal de Contas.

O Ministério Público de Contas criou questionário e o encaminhou a numerosos Municípios com o fito de ter amostragem sobre o patamar de compreensão da lei e sobre sua aplicação.

Decidiu-se, então, criar um grupo de trabalho capaz de analisar tecnicamente as respostas e a situação vivenciada, bem como de construir resposta jurídica eficaz ao contumaz descumprimento. De pronto, pessoas ligadas a programas e projetos de capacitação de Professores dispuseram-se a auxiliar. De igual modo, portaram-se os entes fiscalizadores elencados mais abaixo e os Professores inicialmente convidados.

Desde o princípio, concluiu-se que já fluíra o prazo para o afastamento das intercorrências que poderiam estar impedindo que os gestores da educação conferissem concretude à norma. Aliás, é oportuno sublinhar que, segundo a FACED/UFRGS, no solo gaúcho, há 50 pólos acadêmicos aos quais podem o Estado e os Municípios apresentar demandas concernentes à capacitação dos Professores. Aprovados os correspondentes projetos, utilizar-se-iam recursos federais para que fossem levadas a efeito as capacitações supracitadas. Oportuno frisar que tal notícia foi repassada pelo GT 26-A diretamente a um grupo de cerca de 55 gestores municipais de educação que, em 06.03.2013, estavam a realizar curso na FAMURS.

A linha de atuação do GT 26-A é clara e tem inspiração nas ideias consagradas na obra “A luta pelo Direito” de Rudolf Von Ihering, evidenciadas no trecho a seguir transcrito:

O direito não é uma teoria pura, mas uma força viva.

Por isso a justiça sustenta numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender.

A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito.

Uma não poderá avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com que a justiça aplica a espada seja igual à habilidade com que maneja a balança.

O direito é um trabalho incessante, não somente dos poderes públicos mas ainda de uma nação inteira”.

A premissa básica do GT 26-A é a de que transcorreu tempo suficiente para as entidades públicas e privadas terem ciência, compreensão e sensibilização sobre o direito de os alunos do ensino fundamental e médio terem acesso à história e à cultura afrobrasiliera e indígena, faltando eficaz controle público para que houvesse alteração do atual quadro. Ademais, tem-se evidente que a produção de material didático e de outras ordens, bem como a disponibilização de cursos acessíveis individualmente aos Professores não conduziram ao resultado necessário, esbarrando-se na inação sistemática dos gestores.

Nessa seara, estavam e estão legitimados a agir o Tribunal de Contas, o Ministério Público de Contas, o Ministério Público Estadual e a Defensoria-Pública da União.

De outra banda, a atuação dessas entidades, ao ver do GT 26-A, poderia e poderá ser mais qualificada com o conhecimento prévio sobre questões educacionais, principalmente no que tange à definição do que seria cumprir a lei (alteração do currículo e da proposta pedagógica da escola, capacitação dos Professores e implementação propriamente dita – prática efetiva).

Nessa senda, o grupo de trabalho congregou profissionais das áreas jurídica, sociológica, econômica, contábil e educacional, agregando-se experiências e conhecimentos diversificados, a espada e a balança.

A iniciativa configura o reunir de entidades que, individualmente, podem promover cobrança sobre os gestores do Estado e dos Municípios. Para tanto foram reunidas pessoas que estão dispostas a aprender mais sobre o tema com profissionais e com entidades que há muito vem estudando e capacitando Professores que decidiram, individualmente, acessar programas e cursos abertos a todos. De outra banda, aqueles que não são da área da educação trazem contributos jurídicos, sociológicos e econômicos que evidenciam os problemas a enfrentar e produzem soluções não vislumbradas até agora.

Nesse sentido, ressalta-se que, quando da adesão ao GT 26-A, o Tribunal de Contas, na pessoa de seu Presidente, Cezar Miola, disse que estimularia os gestores a cumprir o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases de Educação e que inseriria o tema nas auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado. O agregar dessa instituição e a postura aduzida já fez com que alguns Municípios procurassem o Grupo de Trabalho querendo saber de seus propósitos.

Atualmente, assim está composto o GT 26-A:

1.Defensoria-Pública da União/RS – Fernanda Hahn, Laura Zacher, Maria Lúcia Nidballa dos Santos e Carolina Montiel;

2.Centro de Apoio Operacional em Direitos Humanos do Ministério Público Estadual/RS – Daniela de Paula

3.Departamento de Educação e Desenvolvimento Social(DEDS/UFRGS) – Rita Camisolão e José Antonio dos Santos;

4.Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul – Fernando Wobeto;

5.Ministério Público de Contas – Fernanda Ismael e Ricardo Angelim;

6.Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul – Jorge Luís Terra da Silva;

7.Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito – Tatiana Martiminiano Rodrigues, Valéria Nascente e Jorge Luís Terra da Silva;

8.Professores Convidados: Gládis Kaercher, Maria Aparecida Bergamaschi, Vera Neusa Lopes, Carla Meinerz e Cláudia Antunes;

9.Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil/RS – Rafaele José Turkienicz Silva.

O GT 26-A, alinhamento de esforços de instituições e de pessoas para a concretização de política pública extremamente relevante, foi reconhecido como prática importante no campo dos Direitos Humanos sendo premiado pela Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul em 20.11.2013.

O Grupo de Trabalho constatara e transmitira para a Comissão Avaliadora do Prêmio AJURIS de Direitos Humanos que, partindo-se de questão educacional, visa-se à ampliação do nível civilizatório brasileiro com a consecução de resultados práticos na educação, no mercado de trabalho, na segurança pública, no sistema de justiça e nas relações interpessoais.

Com o desiderato de atingir ousados resultados, o GT 26-A realizou planejamento criterioso e, constantemente, faz checagens dos caminhos eleitos e das ações implementadas.

Como dito outrora, foram enviados questionários à uma parte dos Municípios gaúchos, divididos por região e por porte, tendo-se significativa amostragem que corresponde a aproximadamente 63% da população do Estado.

As respostas foram separadas em grupos nos quais haveria Municípios de portes e de regiões diferentes, que sofreram um primeiro exame por duplas compostas por membros com formações diferentes. Tal método permitiu que olhares diferenciados começassem a destacar questões e que trocas ricas já fossem realizadas entre os profissionais.

As duplas supraditas produziram relatórios concernentes aos casos examinados, tendo por esteio critérios previamente estabelecidos, havendo, contudo, liberdade para assinalar questões e acontecimentos singulares. Os relatórios foram apresentados ao colegiado e, com apoio neles e nas respostas aos questionários, foi promovida a consolidação quantitativa de dados.

Nesse ponto, o trabalho já estava suficientemente maduro para o atingimento de certas conclusões:

          1. O Ministério da Educação deveria, há muito, ter levado a cabo a mudança dos currículos das graduações. Em lugar disso, persiste com o antieconômico roteiro em desenvolvimento: alunos saem dos estabelecimentos de ensino superior sem conhecimento para cumprir o artigo 26-A da LDB; deparam-se com as demandas quando ingressam nas redes públicas e nas redes privadas de ensino; no que pertine aos integrantes das redes públicas, podem ser apresentados projetos de capacitação que são custeados pelo Ministério da Educação e que, em não raras vezes, tem como executores e responsáveis pelas disciplinas Professores Universitários. Em síntese, embora haja a possibilidade de o ensinamento se dar durante a graduação, essa se dá em período menor, para número menor de profissionais e com custo maior para a sociedade;

          2. Em síntese, implantar o que dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nos ensinos fundamental e médio é alterar as documentações escolares (currículo, plano político-pedagógico e plano de ensino), capacitar Professores e colocar os novos currículos em prática;

          3. O modelo a ser constituído pode e deve ser replicado e pode também ser aplicado aos Defensores Públicos, aos Promotores de Justiça, aos Juízes de Direito e a todos aqueles que, não sendo da área da educação, tenham de exercer alguma forma de fiscalização e de controle relativa à política pública educacional. Por essa razão, é fundamental oportunizar que a AJURIS, o Tribunal de Justiça, a Defensoria Pública do Estado e a FAMURS se incorporem ao GT 26-A;

          4. Com o fim de que a prática seja amplamente divulgada, é imprescindível a produção de publicação na qual sejam expostas as trajetórias, as problemáticas, as soluções, os impasses e os resultados obtidos no desenvolvimento do GT 26-A, nos cursos e nas primeiras auditorias.

Além das primeiras importantes conclusões, o grupo foi ganhando unidade e estabelecendo linguagem entre seus componentes que, como dito, partiam de pontos diferentes. Podia-se, pois, ter certeza de que o objetivo mais importante seria atingido: seria criado modelo de fiscalização da implementação da política pública em liça. Esse, aliás, era e é o diferencial do GT 26-A para as outras iniciativas levadas a cabo em outros locais e momentos.

De posse da análise quantitativa dos dados, passou-se à análise qualitativa.

Superada essa fase, pensando na realização das auditorias, o colegiado criou roteiro de atuação dos Auditores Externos do Tribunal de Contas junto às Secretarias de Educação, sublinhando-se que o GT 26-A também tem membros daquele Tribunal e do Ministério Público de Contas.

Concluída essa etapa, o Grupo recebeu a excelente contribuição do Auditor Público Externo Gonçalino Mesko da Fonseca, que ampliou o nível de efetividade do relatório ao esclarecer o que seria e o que não seria possível realizar durante as auditorias. Com essa inestimável participação, perfectibilizou-se modelo de auditoria calcada na realidade e focada em aspectos documentais, orçamentários e práticos.

Forçoso é consignar a criativa e interessada participação do Diretor da Escola de Gestão e Controle Francisco Juruena, Sandro Bergue, apontando para a constituição de fórum no site do Tribunal de Contas do Estado que permitirá que os Auditores Externos possam ter contato com o GT 26-A inclusive durante as auditorias, que Municípios possam trocar experiências entre si e que gestores possam consultar o Tribunal de Contas e o GT 26-A.

Em 19.12.2013, foi realizada reunião na sede do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul que contou com as presenças Presidente do TCE/RS, Conselheiro Cezar Miola, do Diretor de Controle e Fiscalização, Léo Richter, do Diretor da Escola de Gestão e Controle Francisco Juruena, Sandro Bergue, do Assessor da Presidência Victor Hofmeister, dos Auditores Públicos Externos, Fernando Wobeto, Gilson Hansen e Ricardo Angelim, esse último representando o Ministério Público de Contas, bem como do Procurador do Estado Jorge Terra e da Advogada Tatiana Martiminiano Rodrigues.

Nessa ocasião, foram estabelecidas estrategias e cronogramas referentes ao ano de 2.014 que abrangeram curso de capacitação dos Auditores Externos, envio de correspondências para todos os Municípios do Estado, plano de comunicação social interno e externo, evento destinado aos gestores e planejamento operativo das auditorias.

  Perceba-se que o Grupo de Trabalho em comento foi concebido e é mantido à luz do princípio da eficiência com o firme propósito de colaborar para o alcance do objetivo republicano da erradicação das desigualdades. Aqui, calha reproduzir o dito em ambiente acadêmico:

“A eficiência é um critério de atuação administrativa concernente à utilização adequada dos meios disponíveis para se atingir os fins de interesse público, sejam eles primários ou secundários, da maneira mais abrangente e profunda possível diante das peculiaridades do caso concreto. Essas peculiaridades são o nível de informação que pode ser obtida pelo agente, o tempo disponível para o enfrentamento do problema, a quantidade de recursos disponibilizados e a necessidade de se satisfazer mais de um fim com o mesmo meio.” (SILVA, Jorge Luís Terra. A eficiência como fator transformador – Dissertação de Mestrado, PPGD/UFRGS, 2007).

Dessa arte, é inegável que o GT 26-A, em pouco tempo, avançou significativamente, configurando-se em estrutura transformadora que merece ser replicada em outros Estados membros, impondo-se efetividade à norma já mencionada, bem como levando a União, os Estados, os Municípios e as redes privadas de ensino ao cumprimento de seus misteres.

  • escrito originariamente no ano de 2014 em Porto Alegre.
  • o GT26-A, com composição alterada, segue trabalhando junto ao TCE/RS.

JORGE TERRA

MEMBRO DO GT 26-A

5 de abril de 2022

Juventude, violência e segurança

Em 20 de maio de 2010, no Auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Rede Afro-gaúcha de Profissionais do Direito, coordenada por Jorge Terra, promoveu o encontro de vários segmentos com o fim de debater problema que ainda assola o Brasil e ainda não parece firme e adequadamente enfrentado: a relação entre juventude negra, violência e segurança pública.

Acesse o evento pelo link abaixo e construa a sua própria opinião !

LINK : https://www.youtube.com/watch?v=B5om1VSckkM

Jorge Terra

Rede Afro-gaúcha de Profissionais do Direito

14 de fevereiro de 2022

REPRESENTAÇÃO CONTRA O ATUAL PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DOUTORES PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA e DEFENSOR PÚBLICO -GERAL FEDERAL

As pessoas jurídicas e físicas abaixo identificadas, vêm, à presença de Vossas Excelências, ofertar REPRESENTAÇÃO contra o senhor Sérgio Camargo, atual Presidente da Fundação Cultural Palmares com esteio no que segue:

Não é fato desconhecido de que cabe ao Exmo. Sr. Presidente da República nomear o Presidente da instituição acima referida. Também é consabido que antes e depois da tomada de posse do senhor Sérgio Camargo suas manifestações e seus agires serviram como fundamento fático para o ajuizamento de demandas que tinham como fulcro evitar a posse, limitar sua atuação ou a conduzir ao seu afastamento.

Importa já consignar que fatos novos exsurgiram após os ajuizamentos mencionados o que, juridicamente, afasta a eventual alegação de que decisão favorável à União ou ao referido senhor Presidente pudesse evitar a promoção de nova ação judicial.

O fato posterior mais recente dentre aqueles que seriam considerados como fatos novos foi a ofensa proferida pelo atual Presidente da Fundação ao falecido cidadão Congolês Moïse Kabagambe. Esse último, vítima de homicídio no município do Rio de Janeiro, foi denominado de “vagabundo” por meio que permitiu ampla divulgação, ou seja, pela utilização de redes sociais. Se isso não bastasse, embora haja imagens demonstrando a brutalidade e a crueldade da qual foi vítima o falecido cidadão Congolês e inexistam sequer indícios de que a vítima estaria no local do crime por motivo outro senão exigir contraprestação por serviços já prestados, o atual Presidente da Fundação Palmares referiu que o morto seria responsável pelo ocorrido em decorrência de sua forma de viver. As manifestações, que seguramente são de conhecimento de Vossas Excelências, geraram inconformidade e agravamento da dor não apenas para a família do falecido, mas para a população brasileira, sobretudo para a sua parcela negra, bem como para a comunidade congolesa residente em solo brasileiro.

O agir descrito aqui, sobretudo se consideradas as prévias situações de desrespeito e de violação de direitos promovidas pelo senhor em comento permitem concluir pela presença do dolo de desvalorizar, de discriminar e de ampliar as desigualdades já enfrentadas pelas pessoas negras no Brasil, sejam ou não cidadãs ou cidadãos brasileiros. Pontua-se que esse comportamento não perfectibiliza apenas ofensa cuja solução poderia ser a condenação por perpetração de dano. Ademais, o ataque à honra perpetrado contra pessoa falecida por agente público, como se demonstrará, tem maior escopo e maior potencial lesivo. À toda evidência, dolosamente, o senhor Camargo hostiliza as competências legais da Fundação Cultural Palmares, a Constituição brasileira e conhecidos atos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Atuação improba dessa espécie é perceptível por quem atua no meio jurídico e, independentemente de retratação ou de reparação, impõe o afastamento definitivo do atual Presidente da importante Fundação.

Não é demasiado lembrar que a Fundação referida tem como finalidade prevista em lei “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. Em sua atuação a Fundação deve, em âmbito nacional, “promover e apoiar eventos relacionados com os seus objetivos, inclusive visando à interação cultural, social, econômica e política do negro no contexto social do país”, além de “promover e apoiar o intercâmbio com outros países e com entidades internacionais, através do Ministério das Relações Exteriores, para a realização de pesquisas, estudos e eventos relativos à história e à cultura dos povos negros”. A atuação do atual Presidente, intencionalmente, é, com efeito, no sentido oposto ao que determina a lei n.7668/88. Frisa-se, que, no evento mais recente descrito acima, o senhor Sérgio Camargo gerou conflito com o país de onde é originário o falecido senhor Moïse Kabagambe.

Sinteticamente, é oportuno destacar que a interpretação da Constituição pátria impõe aos gestores o dever de proteção aos direitos humanos e fundamentais de brasileiros e de residentes, promovendo ações positivas includentes e gerando ambiente que propicie vida digna, liberdade e desenvolvimento. Nesse sentido, não são sem propósito as disposições constitucionais que definem que as relações internacionais do Brasil serão pautadas pela prevalência dos direitos humanos, repudiando o racismo, enfrentando as desigualdades e cooperando para o crescimento da humanidade. Também não são vazias de conteúdo as disposições que firmam que o Brasil tem como objetivo republicano construir uma sociedade solidária, que combata a desigualdade, que enfrente o preconceito, a xenofobia e o racismo.

Portanto, o atual Presidente, além de descumprir a lei que estabelece as competências da Fundação Cultural Palmares e a Constituição brasileira vigente retroage intencionalmente no tempo para conferir concretude à letra b do artigo 138 da Constituição brasileira de 1934, que assim dispunha:

Art 138 – Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: 

        a) (…)

        b) estimular a educação eugênica;

(…) 

Se já não restasse suficientemente comprovada a violação da legalidade pelo atual Presidente da Fundação Palmares, bastaria fazer remissão à transcrita disposição do decreto nº 65810/69, que promulgou a Convenção internacional contra todas as formas de discriminação racial:

Artigo II

1. Os Estados Partes condenam a discriminação racial e comprometem-se a adotar, por todos os meios apropriados e sem tardar uma política de eliminação da discriminação racial em todas as suas formas e de promoção de entendimento entre todas as raças e para esse fim:

a) Cada Estado parte compromete-se a efetuar nenhum ato ou prática de discriminação racial contra pessoas, grupos de pessoas ou instituições e fazer com que todas as autoridades públicas nacionais ou locais, se conformem com esta obrigação;

Crucial dizer e requerer o estabelecimento de imediato debate judicial sobre o cometimento de improbidade em decorrência de sucessão de atos violadores de lei, da Constituição vigente e de atos internacionais dos quais o Brasil é signatário de maneira intencional e persistente com o intuito de gerar a tríade “desvalorização, discriminação e desigualdade” para pessoas negras no Brasil, além, nesse caso mais recente, de atingir a honra de pessoa falecida e da população negra em geral. A presente representação tem por fulcro que, ajuizada a pertinente demanda judicial, haja a condenação aos efeitos previstos no artigo 37, §4º, da Constituição brasileira vigente, ou seja, a perda da função (com antecipação de tutela) e a suspensão dos direitos políticos sem prejuízo das demais ações cabíveis.

Em síntese, considerando-se comprovada a prática de improbidade administrativa na modalidade prevista no artigo 11 da lei n.8429/92, havendo violação persiste dos princípios da legalidade e da igualdade, pois infringidos o artigo II, 1, a, do decreto 65810/69, os artigos 1º, caput e 2º, caput, I e II da lei 7668/88, bem como artigos 1º, caput e III, 3º, caput, I, III e IV, 4º, caput, II, VIII e IX, 5º, caput, X, 215,caput e 216, caput,II da Constituição brasileira vigente, os signatários têm a legítima expectativa de que seja promovido o devido processamento interno desta representação e o urgente e necessário ajuizamento de ação judicial com o efeito de que haja o afastamento do atual Presidente da Fundação Cultural Palmares.

Instituto Acredite

HAVENDO INTERESSE EM ASSINAR ESSA REPRESENTAÇÃO, ACESSE-A PELO LINK ABAIXO E COLABORE:

link para assinar a representação

16 de dezembro de 2021

Lançamento do livro sobre Educação Antirracista e Fiscalização do cumprimento do artigo 26-A da LDBEN

Assista a webconferência promovida pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Grupo Interinstitucional GT26-A e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Acesso pelo link:

16 de outubro de 2021

Antidiscriminação na Administração Pública: um debate necessário

Como preparação para a implementação de sugerido comitê de monitoramento de políticas públicas, realizou-se evento com o fim de ampliar o conhecimento de Servidores e de gestores sobre antidiscriminação.

Para tanto, o convidado foi o Desembargador Federal e Professor Roger Raupp Rios.

Acesse o vídeo referente ao evento pelo seguinte link(clique no card):

https://escoladegoverno.rs.gov.br/2021/10/antidiscriminacao-na-administracao-publica-um-debate-necessario/

Jorge Terra,

Procurador do Estado/RS

9 de agosto de 2021

Bolsonaro é denunciado por genocídio em Haia, em processo guiado por advogado indígena

Nesta segunda-feira, indígenas acrescentam mais uma denúncia contra o presidente às duas que já tem perante o Tribunal Penal Internacional

Indígena durante protesto em Brasília pela demarcação de terras, em junho deste ano.
Indígena durante protesto em Brasília pela demarcação de terras, em junho deste ano.JOÉDSON ALVES / EFE

NAIARA GALARRAGA GORTÁZAR 09 AGO 2021 – 08:56 

A denúncia por genocídio e crimes contra a humanidade que será apresentada nesta segunda-feira ao Tribunal Penal Internacional é a terceira tentativa de que o presidente Jair Bolsonaro preste contas à justiça internacional. O que a diferencia das outras denúncias é que esta foi elaborada por uma equipe de advogados indígenas. À frente do grupo, Luiz Henrique Eloy Terena, nascido há 33 anos em uma aldeia do povo Terena chamada Ipegue, perto da fronteira com o Paraguai.

Viveu lá até os 11 anos, idade em que os meninos tinham que escolher entre dois caminhos: continuar com o ofício ancestral de cortar cana de açúcar ou sair para poder continuar os estudos. Mudou-se para Campo Grande seguindo a família, tendo à frente a mãe, uma pioneira que se separou do marido e trabalhou como empregada doméstica para educar os filhos.

Eloy Terena e seus colaboradores consideram uma enorme responsabilidade ir a Haia (Holanda) em nome da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), ou seja, em nome dos quase 900.000 indígenas brasileiros. “Mas não foi por acaso que saímos da aldeia e fomos estudar”, esclarece o advogado em entrevista por telefone de Campo Grande. “Faz parte de uma estratégia de longo prazo do movimento indígena, ciente de que a luta não deve ser apenas com arco e flecha, mas com a caneta”. E com leis e togas, com a exigência de que o Brasil cumpra escrupulosamente os direitos consagrados na Constituição aprovada no ano do nascimento do advogado, 1988.

O pensador Ailton Krenak, indígena que participou da elaboração da Lei Fundamental, destacou no ano passado que este advogado encarna “a ascensão de uma geração que estudou com os brancos, mas soube dar continuidade às lutas de seus tios, pais e avós”. É muito importante que eles falem por si próprios, não que outros falem em seu nome.

A acusação de genocídio contra Bolsonaro baseia-se, segundo a denúncia, no fato de que desde sua posse como presidente há quase três anos adotou “uma política anti-indígena explícita, sistemática e intencional” que transformou “os órgãos e as políticas públicas, antes dedicados à proteção dos povos indígenas, em ferramentas de perseguição” dessa minoria com a intenção de “criar uma nação sem indígenas”. E, a partir daí, os advogados detalham inúmeras decisões, decretos, leis... que, segundo a denúncia, têm levado ao aumento do desmatamento, incêndios e atividades ilegais em terras indígenas.

A medida mais perniciosa para os indígenas que vivem na Amazônia e no resto do Brasil é na realidade uma omissão. Bolsonaro está cumprindo a promessa que fez na campanha de não dar proteção legal a mais nenhum centímetro de terra indígena. “Para os povos indígenas, o território é fundamental”, enfatiza Eloy Terena. É por isso que a paralisação total desse processo “os leva ao extermínio”, porque essas vastas áreas e aqueles que as habitam (enquanto protegem sua biodiversidade) ficam à mercê dos invasores que exploram ilegalmente as riquezas que a terra tem.

O ecocídio é mencionado na denúncia com o intuito de “estimular o debate internacional para que seja tipificado” este crime contra o meio ambiente recém-definido por um comitê de 12 juristas. O objetivo é que se junte aos quatro crimes contra a humanidade que o TPI está julgando.

O jurista indígena afirma que sua denúncia é “uma resposta à altura da opressão sofrida pelo nosso povo”. As sete pessoas da equipe jurídica, que inclui duas mulheres e dois brancos, trabalham há um ano em um texto que tem 148 páginas em sua versão final.

Diz que seu contato com as lideranças dos povos indígenas é constante: “Os caciques querem saber a todo momento onde estamos porque sabem que seus direitos estão amparados pela Constituição”. Mas se consideram desprotegidos pelos tribunais de seu país, que consideram complacentes com o presidente Bolsonaro.

O advogado Luiz Eloy Terena.
O advogado Luiz Eloy Terena. MÍDIA NINJA

Toda a carreira de Eloy Terena foi dedicada à defesa dos direitos dos seus. Tem uma irmã advogada, outra ativista e a terceira é uma dona de casa que voltou para a aldeia.

E entre suas vitórias nos tribunais, a mais significativa foi conquistada ao derrotar o Governo Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal em uma ação de constitucionalidade. Foi no ano passado e como era em plena pandemia e Eloy Terena estava estudando em Paris, graças justamente a uma bolsa do Governo, fez sua acusação por videoconferência. Sua formação incluiu outra estadia no Canadá para estudar conflitos territoriais indígenas. Ao longo de sua carreira, interveio perante a comissão de direitos humanos da ONU e no Congresso em Brasília .

Por conta da covid-19, a apresentação da denúncia em Haia não terá nada de solene. Ninguém viajará do Brasil até lá.

A promotoria do TPI, que depois de anos de análise acaba de abrir uma investigação por crimes de guerra contra Israel e o Hamas, mas não abriu nenhum processo contra Bashar al-Assad ou os generais de Mianmar, recebeu duas outras denúncias contra Bolsonaro. Uma apresentada pela Comissão Arns, uma rede de intelectuais defensores dos direitos humanos, e outra assinada pelos líderes indígenas Raoni Metuktire e Almir Suruí, mas elaborada por um escritório de advocacia francês.

Independentemente de saber se os processos avançarão e em que ritmo na justiça internacional, são uma tentativa das organizações civis brasileiras de mobilizar seus compatriotas diante do ataque sistemático de Bolsonaro aos direitos humanos. Buscar ressonância fora das fronteiras para somar apoio dentro delas.

Eloy Terena está otimista. Acredita que a conjuntura internacional os favorece porque a atenção sobre o meio ambiente, os indígenas, o Brasil e Bolsonaro é grande.

Fonte: El País

11 de maio de 2021

A desconhecida ação judicial com que advogado negro libertou 217 escravizados no século 19

  • Leandro Machado
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

8 maio 2021

Luiz Gama
Legenda da foto,Luiz Gama foi figura-chave no movimento abolicionista brasileiro

Em um dia do mês junho de 1869, uma nota no jornal chamou a atenção de Luiz Gama, advogado considerado um herói nacional por seu ativismo abolicionista no século 19. A notícia relatava que a família do comendador português Manoel Joaquim Ferreira Netto, um dos homens mais ricos do Império, estava brigando na Justiça pelo espólio do patriarca, morto repentinamente em Portugal.

Ferreira Netto tinha uma grande fortuna: 3 mil contos de réis (cerca de R$ 400 milhões em valores atuais), distribuídos em inúmeras fazendas, armazéns comerciais, sociedade em empresas lucrativas, e centenas de pessoas negras escravizadas em suas propriedades.

Em uma linha de seu testamento, publicado em um jornal um ano antes, o comendador fez um pedido comum entre grandes proprietários de escravos da época: depois de sua morte, ele gostaria que todos fossem libertados. A “alforria post mortem” era vista como uma espécie de “redenção moral e de consciência”, pois, ao final da vida, os escravocratas também queriam garantir um espacinho no céu.

Ao ler a notícia, Luiz Gama procurou saber se a vontade do morto havia sido cumprida: as 217 pessoas escravizadas pelo comendador tinham sido libertadas como determinava o testamento? Logo descobriu que não, como ocorria com frequência em documentos do tipo. A família e alguns sócios brigavam pelos bens, mas os cativos continuaram na mesma situação.

O advogado, em início de carreira, decidiu acionar a Justiça para que a liberdade e a vontade do empresário fossem respeitadas. O processo judicial que se seguiu, conhecido nos jornais da época como “Questão Netto”, é apontado por historiadores consultados pela BBC News Brasil como a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas. Por ora, não há registro de processo que envolva mais pessoas, segundo eles.Pule Talvez também te interesse e continue lendoTalvez também te interesse

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Páginas do processo, escritos a mão
Legenda da foto,O historiador Bruno Rodrigues de Lima precisou decifrar as várias caligrafias do processo

Essa ação de Luiz Gama foi encontrada recentemente pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em História e Teoria do Direito pelo Max Planck Institute, em Frankfurt, na Alemanha.

A peça de mais de mil páginas – toda escrita à mão – estava armazenada no Arquivo Nacional e não há registros de que ela tenha sido analisada em profundidade. “Não há grandes registros desse processo na historiografia sobre Luiz Gama. Encontrei citações nas décadas seguintes ao processo e uma uma nota de rodapé num livro dos anos 1990”, diz Lima, que há mais de uma década pesquisa a vida e a obra do abolicionista.

Lima fez uma cópia do processo e a levou para a Alemanha, onde passou meses decifrando as várias caligrafias presentes no calhamaço. “Logo identifiquei a letra de Gama, que era de mais fácil leitura. Mas havia várias outras, como a de escrivães, promotores e juízes”, explica.

A análise do processo agora fará parte da tese de doutorado que o historiador vai apresentar ao final deste ano sobre a obra jurídica do abolicionista. Além desse, a tese contará com dezenas de outros processos ainda desconhecidos, diz.

A ‘Questão Netto’

Lima conta que o processo passou a correr em Santos, litoral sul de São Paulo, por causa de uma pendenga judicial do comendador Ferreira Netto com um sócio da cidade. Inicialmente, Luiz Gama se apresentou ao juiz da comarca apenas como um interessado no caso.

“Ele fez uma petição ao juiz de maneira bastante escorregadia, porque ele não era parte naquela briga judicial pela herança. Ele entra no processo como um cidadão que queria saber o que aconteceu com os escravizados. O juiz respondeu que eles precisavam de um representante”, diz.

A princípio, Gama não foi nomeado “curador” dos interesses do grupo, mas, depois de outros cidadãos se recusarem a participar da ação, ele foi indicado pelo próprio juiz para assumir a tarefa.

O abolicionista não sabia quem estava representando de fato, mas mandou emissários para descobrir os nomes, idades e há quanto tempo pertenciam ao comendador.

Bruno Rodrigues de Lima
Legenda da foto,O historiador Bruno Rodrigues de Lima estuda a vida e a obra de Luiz Gama há mais de uma década

No total, havia 217 escravizados nas propriedades do fidalgo – gente de Angola, Moçambique, Congo, entre outras nações africanas. “Gama recebe informações com nome, idade, naturalidade, histórias de vida. Havia famílias inteiras nas fazendas”, diz Lima.

Mas como garantir que o direito à liberdade, recém-conquistado com a morte do comendador, fosse garantido? Lima acredita que a “Questão Netto” tenha sido o primeiro grande processo de liberdade de Luiz Gama, que, na época, havia sido demitido de um cargo na polícia.

Quem era Luiz Gama?

Nascido em 1830 em Salvador, Luiz Gama teve de lidar com a escravidão desde cedo. Sua mãe era uma mulher negra e seu pai, um fidalgo de origem portuguesa.

Praça da Sé, final do século 19
Legenda da foto,Luiz Gama atuou como advogado em São Paulo, onde trabalhou na polícia. A imagem mostra a praça da Sé

“A vida dele foi singular em todos os aspectos. Muitos historiadores acreditam que ele era filho de Luiza Mahin, uma guerreira que participou de várias revoltas negras na Bahia”, diz Zulu Araújo, presidente da Fundação Pedro Calmon e ex-presidente da Fundação Palmares durante o governo Lula.

“Mas não há certeza de que Mahin era sua mãe mesmo ou se foi uma história inventada por Gama. O fato é que a mãe dele desapareceu, e ele foi criado pelo pai.”

Aos 10 anos, Gama foi vendido pelo próprio pai a um contrabandista do Rio de Janeiro, que logo o repassou a um fazendeiro paulista. O dinheiro da venda serviria para o pai saldar uma dívida de jogo. Na adolescência, ele foi escravizado, mas, com 18 anos, conseguiu provas de sua liberdade e fugiu do cativeiro.

Aprendeu a ler e escrever, foi poeta e trabalhou como jornalista, tipógrafo e escrivão de polícia, onde passou a lidar diariamente com a legislação. Autodidata, o jovem tentou cursar Direito na tradicional Faculdade do Largo São Francisco, mas foi rejeitado pela elite que comandava a instituição. Ele só ganharia o título oficial de advogado, dado pela OAB, em 2015, quando sua morte completou 133 anos.

“Gama era uma pessoa ‘improvável’ para a época, porque era negro e pobre. Ele aprende o Direito na prática, trabalhando na polícia e frequentando a biblioteca particular de Furtado de Mendonça, chefe da polícia e amigo que o protegia”, explica Tâmis Parron, professor de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Commun (Núcleo de Estudos de História Comparada Mundial).

“A grande sacada dele foi perceber a centralidade do Direito na luta abolicionista e como estratégia para destruir a escravidão. O ativismo jurídico tinha sido muito importante para o abolicionismo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Ele o trouxe para o Brasil. Gama percebeu que a própria legislação podia ser usada contra os senhores”, diz Parron.

Estima-se que o advogado tenha conseguido libertar centenas de escravizados com ações na Justiça – há centenas de processos de liberdade com seu nome no arquivo do Tribunal de Justiça de São Paulo, material em boa parte desconhecido da historiografia. Muitas vezes, ele trabalhava de graça.

Mas como ele conseguia libertar tantas pessoas?

Primeiro, é preciso voltar um pouco no tempo. Em 7 de novembro de 1831, pressionado pela Inglaterra, o Império brasileiro assinou uma lei que proibia o tráfico de africanos ao Brasil. Ou seja, a partir daquele momento, qualquer africano trazido ao país deveria ser libertado imediatamente.

Processo
Legenda da foto,O processo tem mais de mil página e está armazenado no Arquivo Nacional

Mas isso não aconteceu na prática. Embora embarcações inglesas patrulhassem a costa brasileira em busca de navios negreiros, o contrabando era bastante comum no país – essa discrepância entre o que estava na lei e a vida real fez com que a norma ganhasse o apelido de “lei para inglês ver”.

Estima-se que mais de 700 mil africanos foram trazidos ilegalmente para o Brasil entre 1831 e 13 de maio de 1888, quando a escravidão foi finalmente abolida pela Lei Áurea. Em todo o período de escravidão, foram cerca cinco milhões de pessoas.

Luiz Gama passou a atuar em casos de pessoas contrabandeadas ao país depois dessa legislação. “Ele reunia provas para demonstrar que, se a pessoa tinha nascido na África e foi trazida ao Brasil depois de 1831, ela fatalmente foi traficada e sua condição de escravizada era ilegal. Esse foi um dos argumentos que ele utilizou para conseguir libertar centenas de pessoas”, conta Bruno Lima.

Segundo Tâmis Parron, o tráfico negreiro ocorria com o consentimento e a participação do Império, que dependia da economia escravista. “Para existir e atuar, o crime organizado precisa da participação ou da anuência de alguma esfera da burocracia estatal”, diz.

“O que Gama fez com seu ativismo foi escancarar que o Estado e o escravismo brasileiros, além de roubarem os direitos naturais e inalienáveis do homem, eram literalmente ladrões e criminosos, pois burlavam a lei que eles próprios criaram”, completa Parron.

Escravos urbanos coletando água no Brasil da década de 1830
Legenda da foto,Escravizados urbanos coletando água no Brasil da década de 1830

Liberdade, vidas perdidas

Luiz Gama apresentou uma tese jurídica bastante simples, porém inédita, para tentar ganhar a ação contra a família e os sócios do comendador Ferreira Netto, que queriam manter a propriedade de seus 217 cativos.

“Ele teve a sacada de usar a voz do senhor de escravos como argumento jurídico contra ele próprio. O testamento havia sido publicado em vida na imprensa. Então, a estratégia dele foi a seguinte: se o próprio comendador escreveu que gostaria que os escravizados fossem libertados, por que eles ainda não estavam livres?”, conta Bruno Lima.

Ou seja, o advogado argumentou que, quando Ferreira Netto morreu, os cativos ficaram livres imediatamente, pois o testamento assim o pregava. Para Gama, o papel da Justiça no caso não seria conceder a liberdade aos escravizados, mas devolvê-la a eles.

“Ele para de usar a palavra ‘escravo’ no processo, chama-os de libertandos. Na época, havia o crime de redução de uma pessoa livre à condição de escravizado. Isso não era permitido pela lei. Então, Gama inverte o jogo, mostrando ao juiz que a família do comendador estava cometendo um crime ao escravizar pessoas que já eram declaradas livres. É um argumento meticuloso e muito bem pensado”, explica Lima.

Os herdeiros da herança, temendo perder um bem tão valioso, contrataram um advogado renomado para representá-los no tribunal: José Bonifácio, poeta romântico, professor de Direito no Largo São Francisco, conhecido como “o Moço”.

Segundo o historiador, a ideia da família era ter como defensor um advogado que não fosse identificado com a escravidão. Bonifácio era um político liberal e abolicionista. De fato, anos depois do caso, ele participaria como senador da campanha pelo fim do regime. No processo do comendador, porém, defendeu os escravocratas.

Curiosamente, o argumento jurídico de Bonifácio, que contestou o trecho do testamento que libertava os cativos, começava de maneira um pouco culpada: “Sem opor-me à liberdade, mas…”.

Gravura de 1881 de um 'navio negreiro'
Legenda da foto,O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculos

Para Lima, ao longo do processo, Bonifácio “jogou sua imagem de abolicionista no lixo”. “Se ele começou escrevendo que não se opunha à liberdade, no restante da ação agiu como um escravocrata confesso, defendendo de maneira ensandecida a família do comendador”, aponta o historiador.

No auge do processo, quando a causa ganhou repercussão em jornais da corte, Luiz Gama contou estar sofrendo ameaças de morte. Mencionou o fato em dois textos escritos em uma mesma semana de setembro de 1870, quando houve uma audiência importante do caso:

Ao jornal Correio Paulistano, revelou uma trama da chefia da polícia para matá-lo. Já em uma carta ao filho, que tinha apenas 11 anos na época, escreveu o seguinte: “Lembra-te de escrevi essas linhas em momento supremo, sob ameaça de assassinato.”

Porém, apesar da pressão da elite escravocrata, o juiz de Santos deu ganho de causa ao argumento de Gama, em tese libertando os 217 cativos. Mas Bonifácio apelou a outras instâncias no interior de São Paulo, numa chicana jurídica que prolongou o processo e adiou a libertação das vítimas.

Em 1872, o julgamento do mérito finalmente chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, a última instância, no Rio de Janeiro. No tribunal, Gama foi representado por um amigo, o advogado Saldanha Marinho, pois a corte não aceitava sua atuação fora de São Paulo. O abolicionista escreveu a sustentação final, apresentada por Marinho, e acompanhou o julgamento no palácio da Justiça.

Os ministros concordaram com a tese de Gama, mas a vitória não foi completa. Eles determinaram um prazo de 12 anos para a libertação dos 217 escravizados a partir da feitura do testamento, de 1866. Ou seja, os cativos tiveram que prestar serviços forçados para os herdeiros do comendador até 1878, quando finalmente foram libertados.

Pintura do porão de um navio negreiro
Legenda da foto,O tráfico de africanos foi proibido no Brasil em 1831, mas o contrabando continuou por várias décadas

“Essa liberdade condicional foi uma derrota para Gama, mas a vitória dele no mérito da causa, uma alforria coletiva, foi uma coisa escandalosa para a época. Isso nunca tinha acontecido no Brasil. São raríssimas as libertações coletivas no sistema escravocrata das Américas, o que dirá de uma alforria de 217 pessoas”, explica Lima.

A vitória histórica de Gama na maior corte do país não foi noticiada com destaque na imprensa paulista, bastante ligada a fazendeiros escravocratas. Temia-se que a repercussão da história pudesse gerar novos processos. “Saiu apenas uma pequena nota em um jornal, e ela só informava o final da causa”, diz o historiador.

Ao final do prazo, em 1878, um jornal paulista noticiou uma grande festa em comemoração pela libertação dos cativos do comendador Ferreira Netto. No entanto, das 217 pessoas representadas por Gama, apenas 130 ainda estavam vivas para gozar a liberdade finalmente conquistada, segundo a publicação.

“No fim das contas, Gama não se sentiu vitorioso, talvez por isso ele pouco tenha falado dela depois. Mesmo tendo ganho o mérito, 80 vidas foram perdidas”, diz Lima.

Maior ação coletiva

A “Questão Netto” foi a maior causa de libertação defendida por Luiz Gama. Segundo Bruno Lima, ela chegou a ser citada brevemente por historiadores nas décadas seguintes, mas caiu no esquecimento.

A segunda maior ação de Gama, por exemplo, tinha 18 pessoas, e correu em Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Portanto, dado que o advogado foi o maior ativista do abolicionismo jurídico do país, o caso dos 217 cativos pode ser o maior processo do tipo na história do Brasil.

O historiador Tâmis Parron, da UFF, vai mais longe: o catatau encontrado e analisado por Bruno Lima pode ser a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas até hoje.

“Nos Estados Unidos e no restante da América, os processos de alforria eram bem distintos. Nos EUA, por exemplo, a alforria não dependia apenas da vontade do senhor, como no Brasil, mas sim da autorização de várias instâncias da burocracia estatal. Era difícil ter ações coletivas. Nunca li nada na historiografia do abolicionismo sobre um processo que envolvesse tantas pessoas”, diz.

Para Lima, a descoberta abre brechas importantes nas pesquisas sobre o abolicionismo brasileiro e sobre a trajetória de um de seus maiores expoentes. Em seu doutorado, ele analisa principalmente os argumentos jurídicos das partes, mas outros aspectos da ação ainda podem ser pesquisados.

“Há muito a se estudar ainda sobre esse processo: quem eram esses escravizados? O que aconteceu com eles depois? Outro ponto é que ele joga luz sobre a figura de José Bonifácio, visto historicamente como um grande abolicionista, mas que na ação defendeu escravocratas de maneira bastante enfática”, aponta o historiador.

Apagamento

Existem algumas biografias sobre Luiz Gama, mas sua obra completa e sua atuação como advogado ainda não são de todo conhecidas. Há diversas razões para explicar os motivos desse esquecimento.

“Primeiro, existe um problema estrutural da pesquisa acadêmica no Brasil que é o subfinanciamento. É uma vergonha que a obra de Luiz Gama não esteja toda publicada. Se ele fosse americano, dada a sua importância histórica, tudo o que ele escreveu já estaria na vigésima edição. Qualquer assunto da história do Brasil ainda é um terreno a se desbravar”, diz Tâmis Parron.

Para ele, outro problema afeta os estudos sobre o abolicionismo. “Com o racismo estrutural e o negacionismo em relação à escravidão e às desigualdades sociorraciais, não é difícil entender por que esse grande abolicionista da história mundial não tem sua obra estudada no país”, completa.

Já Zulu Araújo, ex-presidente da Fundação Palmares e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia, acredita que a elite brasileira tentou “branquear” a história ao associar o fim da escravidão apenas à Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea em 1888, e não ao trabalho incessante dos abolicionistas.

“Tentou-se apagar a escravidão da história do país com a assinatura de uma senhora da elite. Esse tipo de narrativa apaga a participação popular no processo abolicionista e as lideranças que tinham origem popular, como Luiz Gama”, diz. “Ele era um negro que viveu todas as instâncias da escravidão: nasceu livre, foi vendido pelo próprio pai, tornou-se escravo e depois se libertou para defender outros escravizados.”

Segundo Zulu, o movimento negro, depois dos anos 1970, escolheu Zumbi dos Palmares como seu maior símbolo na luta contra o racismo. “Para se contrapor à Princesa Isabel, escolheu-se uma figura guerreira como referência. Foi uma escolha histórica. Acredito que hoje, com o maior acesso da população negra às universidades, outras pessoas importantes voltarão a ser estudadas. Acredito que uma das saídas para o movimento é resgatar outros símbolos da nossa história, como Luiz Gama”, diz.

fonte: BBC BRASIL

3 de maio de 2021

DIREITO E NEGRITUDE

Trata-se de um evento cujo objetivo é ampliar o debate em torno da questão etnicorracial e sua interlocução com o campo do Direito, em especial, junto ao público da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia/UFRB,  composta por 83,4% de estudantes autodeclarados negros, e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira/UNILAB, que integra, em sua maioria, docentes e discente do Brasil e dos países africanos de língua portuguesa.

O evento ocorrerá no dia 06 de maio de 2021, às 18:00. O tempo será de 1h30min, sendo 20min para cada palestrante 30min para debate.

Para se inscrever, a comunidade da UFRB ou o público externo, deverá acessar o link abaixo – UFRB (acesso público) – e criar login e senha:https://sistemas.ufrb.edu.br/sigaa/public/home.jsf#Ou acesse:UFRB> Sig>Sigaa>Extensão >Cursos ou EventosAs inscrições serão de 21/04/2021 a 06/05/2021.


O evento também será transmitido pelo canal da TV UFRB no Youtube: 
Link da transmissão (público geral) – https://www.youtube.com/watch?v=V0mexIfBSbA

fonte: CAMTO, CECULT e UFRB.

Universidade Federal de Sergipe é alvo de denúncias de racismo

Professor aprovado em concurso teria sido preterido por ser negro e candomblecista

Cotidiano | Por Aline Aragão

01/05/2021 10h15 – Atualizado em 01/05/2021 12h44

A Universidade Federal de Sergipe (UFS) virou o centro das atenções no mundo acadêmico nacional, em torno de uma decisão tomada pelo Conselho Departamental de Direito (DDI) esta semana que, segundo as denúncias, teria preterido o candidato aprovado em concurso público, o professor doutor Ilzver de Matos Oliveira, supostamente por este ser negro e candomblecista.

No lugar do aprovado no concurso, o Conselho do DDI decidiu, por 11 votos a cinco, pela abertura prévia de edital de remoção, solicitado por um professor lotado no Campus de Itabaiana que, segundo as denúncias, não possui título de doutor, requisito para ingressar na vaga.

Várias manifestações de professores da UFS e de outras universidades do país, assim também como de entidades, têm denunciado a situação como crime de racismo e intolerância religiosa e exigido a nomeação de Ilzver.O professor Ilzver de Matos. Foto: Reprodução/Unit F5 News conversou com o professor Ilzver, que agradeceu todas as manifestações, mas prefere silenciar no momento. Por meio de nota, amparado por uma assessoria jurídica, o professor disse que aguarda a publicação da ata de reunião realizada pelo Conselho Departamental do Curso de Direito em 28 de abril passado.  

A partir de então, analisará a fundamentação adotada pelo conselho e tomará as medidas cabíveis, ressaltando desde já que “a preterição de seu nome para vaga não encontra subsídios jurídicos nas leis da República e tampouco na jurisprudência dos tribunais superiores”.

A DDI/UFS também se manifestou por meio de nota e afirmou que, diante da abertura de vaga decorrente de aposentadoria, resolveu convocar o segundo candidato aprovado no concurso do edital número 011/2019, mas que, no trâmite do procedimento, recebeu o requerimento de um professor efetivo da área jurídica, atualmente lotado no curso de Ciências Contábeis do Campus de Itabaiana, solicitando o cumprimento da resolução 50/2015, que regulamenta o processo interno de remoção de servidores.

O DDI diz ainda que foram realizadas reuniões extraordinárias do Conselho Departamental nos dias 22 e 28 de abril de 2021, com manifestações orais e escritas dos interessados e com posterior deliberação dos membros.

Disse também que a procuradoria jurídica da UFS foi consultada e apresentou parecer técnico suplementar para subsidiar os debates. “A primeira reunião foi encerrada, por decisão unânime, sem deliberação do mérito, para que todos pudessem estudar as teses e pareceres apresentados. Na última deliberação, o Conselho por maioria dos votos, decidiu pela aplicação da resolução, com a consequente abertura prévia de edital de remoção”.

“O Departamento de Direito reafirma seu compromisso com respeito à legalidade e à transparência sem fazer concessões e qualquer tipo de manifestação de intolerância ou discriminação. Sempre valorizou a pluralidade de ideias e o debate livre respeitoso, que marcam os processos de tomada de decisão no âmbito de sua competência”, diz a nota.

F5 News ainda não conseguiu contato com o professor que pediu o edital de remoção.

Entenda

No último dia 28, o conselho do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe decidiu, por maioria, pela não convocação do candidato aprovado em segundo lugar no Edital nº 011/2019, aprovado em primeiro lugar na categoria de cotas raciais, o professor Ilzver de Matos Oliveira.

Após a homologação do concurso público, no qual foi aprovado em segundo lugar pela ampla concorrência e em primeiro lugar pelas cotas, conforme a Lei 12.990/2014, houve a posse do primeiro colocado. Com surgimento de vaga decorrente de aposentadoria, em março de 2021, o Conselho Departamental de Direito da UFS decidiu por unanimidade pela convocação do professor doutor Ilzver de Matos, nos termos da lei, encaminhando memorando à Pró-reitoria de Gestão de Pessoas – PROGEP. 

Em abril de 2021, chegou à PROGEP pedido de abertura de edital interno de remoção na UFS, por professor mestre em Direito atuante no Curso de Ciências Contábeis, interessado na sua remoção para o Departamento de Direito/Campus de São Cristóvão (Sede). A Pró-reitoria de Gestão de Pessoas encaminhou o pedido, junto com o memorando do Conselho Departamental de Direito que pedia a convocação do segundo candidato aprovado em concurso, para parecer do procurador federal junto à UFS, Paulo Celso Rêgo Leó, e para a professora doutora Jussara Jacintho, relatora do processo, tendo sido ambos favoráveis à convocação do candidato aprovado em concurso público e contra a abertura de edital de remoção.

O Conselho Departamental do Curso de Direito/UFS preteriu a decisão colegiada, do procurador e da relatora, que foram favoráveis a nomeação de Ilzver Matos, e acatou o pedido de abertura de edital de remoção solicitado pelo ex-Pró-Reitor.

Manifestações a favor de Ilzver

A técnica em Educação da UFS e ex-membro do Colegiado da Leitura – CNPQ/MinC Mariarrose Nascimento chama atenção para o fato de que o ex-pró-reitor não é doutor, o que seria pré-requisito para assumir o cargo e denuncia:

“Em 2019, o Departamento de Direito da UFS lançou edital de remoção, como havia feito também em 2017. Em ambos, não houve inscritos. Realizou-se, então, o concurso e o primeiro colocado foi nomeado. 

A situação mais estranha, entretanto, é que o DDI/UFS não tem realizado concurso na última década que não seja para doutores. Assim, o requerente do edital de remoção, que é mestre, não se inscreveu em 2017 ou 2019.

Aqui, abro um parêntese. Faz mais de 10 anos que o professor de Contábeis solicitou afastamento para se doutorar na Argentina. Em 2015, a UFS publicou a Portaria 703, de 23 de abril, fixando prazo para o docente terminar seu doutoramento, algo que ainda não ocorreu – o que ocasionou processo para a devolução dos valores recebidos durante o afastamento.

Ora, se o DDI/UFS tem cumprido rigorosamente a lei federal do ingresso de doutores, tanto nos concursos como nos editais de remoção, por que motivo o docente de Itabaiana insiste que ele teria direito sobre a vaga mesmo sem ser doutor?

O procurador da UFS não viu ilegalidade nos procedimentos do DDI. A relatora do caso também argumentou em favor da nomeação do candidato aprovado em concurso, mas no momento da votação a maioria dos conselheiros, que antes votaram pela nomeação, optaram por atender ao pedido do professor do campus de Itabaiana e solicitar abertura de edital de remoção. 

Resumindo: se o DDI/UFS convocou o candidato do concurso, por unanimidade, e recebeu parecer positivo do procurador da UFS e da relatora do processo, sabe que não há justificativa para abrir um edital para mestre, sob pena de favorecimento ao requerente, qual seria, então, o motivo para que não se confirme imediatamente a nomeação do candidato aprovado em concurso com todos os requisitos exigidos?

Esperar que o professor mestre, após 10 anos, finalmente, conclua seu doutorado? Ou ganhar tempo para que o prazo do concurso do professor Ilzver expire?

É preciso destacar aqui que se trata de candidato negro, candomblecista, estudioso dos direitos humanos e das religiões de matriz africana? Certamente, os 11 votos pelo requerimento do professor Uziel têm algo a explicar à sociedade sergipana e à comunidade acadêmica.”

Confira na íntegra a nota de repúdio assinada por professores e pesquisadores da área de Ciências Sociais e Humanidades e que está coletando assinaturas de professores e entidades em todo país.

De acordo com o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor Edgilson Tavares, que articulou o documento, em menos de 24h já foram conseguidas mais de 1242 assinaturas a favor da nomeação de Ilzver.

Os(as) professores(as) e pesquisadores(as) na área de Ciências Sociais e Humanidades junto com militantes de movimentos sociais, signatários(as) deste documento, vêm veementemente repudiar e manifestar indignação sobre o explícito caso de arbitrariedade na Administração Pública, racismo institucional e religioso, ocorrido com o Prof. Dr. Ilzver de Matos Oliveira, negro, candomblecista, aprovado em primeiro lugar como cotista no concurso público para docente do magistério superior, nos termos do Edital nº011/2019 da Universidade Federal de Sergipe / Centro de Ciências Sociais Aplicadas / Departamento de Direito. 

O professor é grande referência na defesa dos direitos humanos e combate a intolerância religiosa, com sólida formação como pós-doutor e doutor em Direito, bem como pesquisador e extensionista de excelência reconhecida pela sua produção acadêmica e tecnológica, premiado por órgãos nacionais e estaduais pela sua relevante atuação.

Após a homologação do concurso público, no qual foi aprovado em segundo lugar pela ampla concorrência e em primeiro lugar pelas cotas, conforme a Lei 12.990/2014, houve a posse do primeiro colocado. Com surgimento de vaga decorrente de aposentadoria, em março de 2021, o Conselho Departamental de Direito da UFS decidiu por unanimidade pela convocação do Prof. Dr. Ilzver de Matos, nos termos da lei, encaminhando memorando a Pró-reitoria de Gestão de Pessoas – PROGEP. Em abril de 2021, chegou à PROGEP pedido abertura de edital interno de remoção na UFS, por professor Mestre em Direito atuante no Curso de Ciências Contábeis, interessado na sua remoção para o Departamento de Direito/Campus de São Cristóvão (Sede). A Pró-reitoria de Gestão de Pessoas encaminhou o pedido, junto com o memorando do Conselho Departamental de Direito que pedia a convocação do segundo candidato aprovado em concurso, para parecer do Procurador Federal Junto à UFS, Paulo Celso Rêgo Leó e para a Profa. Dra. Jussara Jacintho, relatora do processo, tendo sido ambos favoráveis à convocação do candidato aprovado em concurso público e contra a abertura de edital de remoção.

Como dito, o docente que requereu a abertura de edital de remoção é concursado e trabalha num Campus da UFS do interior (Itabaiana), tendo atuado como pró-reitor de Extensão no período de intervenção da universidade devido à não nomeação dos candidatos vencedores da consulta pública pelo Presidente da República e indicados na lista tríplice. Também é presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos. 

De modo estranho e arbitrário, no dia 28/04/2021, o Conselho Departamental do Curso de Direito/UFS, certamente composto por docentes com exímio conhecimento quanto a ilegalidade da violação ao direito à nomeação de candidatos aprovados e homologados em concurso público, preteriu sua decisão colegiada, do Procurador e da Relatora que foram favoráveis a nomeação de Ilzver Matos. Foi acatado o pedido de abertura de edital de remoção solicitado pelo ex Pró-Reitor, ferindo o regramento jurídico e administrativo, lesionando o direito adquirido pelo professor legitimamente concursado.

Desde então, o caso tem sido denunciado amplamente, inclusive sendo feita referências a situações similares que o referido Conselho já passou e agiu respeitando os princípios legais e acadêmicos que devem nortear a universidade pública. Porém, sabe-se que neste caso tratavam-se de docente também competente, legitimamente aprovada por seus méritos acadêmicos, mas branca, de classe alta e com famílias influentes. 

Num momento de ascensão do negacionismo, ataques à ciência e às universidades, prevalência do ódio e suas manifestações em vários tipos de preconceitos e discriminações, não podemos tolerar que tal fato ocorra em qualquer instituição pública, muito menos em uma Instituição Federal de Ensino Superior. Abrir precedente para a arbitrariedade administrativa, motivada por ideologias políticas, racismo estrutural e/ou intolerância religiosa é, no mínimo, mais uma afronta criminosa à democracia.

A universidade deve ser respeitada enquanto lugar por excelência da pluralidade de pensamentos, das diversidades e do cumprimento dos princípios da Administração Pública. Entendemos que o Conselho Departamental de Direito, o Centro de Ciências Sociais Aplicadas e o Conselho Universitário da UFS devem cumprir com o seu papel, não permitindo qualquer desrespeito ao Direito e a Ordem Jurídica, tampouco qualquer tipo de discriminação.

Afirmamos nosso total apoio em todos os procedimentos administrativos e jurídicos que se façam necessários para que a justiça seja feita respeitando a legalidade, para a garantia da convocação e nomeação do Prof. Dr. Ilzver de Matos Oliveira, para a vaga que lhe é de direito. É preciso ainda que sejam tomadas as devidas medidas administrativas pela UFS. 

Justiça e nomeação para Ilzver de Matos! Não ao racismo institucional e religioso nas universidades públicas!
 Edição de texto: Monica Pinto

fonte : F5news

30 de abril de 2021

E por falar em direitos humanos – 23º vídeo- diversidade racial – Jorge Terra

A campanha “E por falar em direitos humanos” da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul, em seu 23º vídeo, aborda a diversidade racial e sua importância para as instituições.

O vídeo é acessível pelo seguinte link:

Jorge Terra

28 de abril de 2021

‘Não sou a ré, sou a advogada’: a mulher que combate o racismo e a ignorância na Justiça

  • Eva Ontiveros
  • BBC World Service

8 outubro 2020

Alexandra Wilson usando peruca e toga tradicionais da Justiça no Reino Unido
Legenda da foto,Com uma carreira impressionante, Alexandra Wilson é advogada aos 25 anos

“Não espero ter que justificar constantemente minha existência no trabalho”, diz Alexandra Wilson à BBC.

No entanto, como uma advogada negra de 25 anos trabalhando no sistema jurídico britânico, é exatamente isso que ela tem que fazer — às vezes até quatro vezes por dia.

Quando ela vai a um julgamento, se ela não está usando peruca e toga — como é tradição em alguns tribunais britânicos — ela frequentemente é confundida com os supostos criminosos que ela defende — tudo por causa de sua cor.

O direito inglês pode ser famoso em todo o mundo e ter influenciado sistemas jurídicos de dezenas de países — de Bangladesh às Bahamas — mas a experiência de Alexandra Wilson expõe os problemas que ainda tem em relação ao racismo.PUBLICIDADEhttps://da9aa19dc7778b6f8f2f960b940c1276.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Já chegaram a gritar para eu sair do tribunal”, conta Alexandra. “Isso já aconteceu várias vezes e indica um problema muito maior na sociedade.”

Mas ela recebeu apoio do Conselho da Ordem (Bar Council, em inglês) e de suas “jovens colegas brancas que nunca tiveram essa experiência”. Até o Serviço de Cortes e Tribunais de Sua Majestade (HMCTS, na sigla em inglês) se desculpou pelo “comportamento totalmente inaceitável”.

Parada quatro vezes

Retrato de Alexandra Wilson
Legenda da foto,Nem todos os tribunais exigem que os advogados usem perucas e togas

Da última vez que Alexandra foi ao tribunal para representar um cliente, ela não suspeitou que acabaria no centro de uma polêmica em rede social.

O dia não começou bem: ao chegar, o segurança perguntou o nome dela, “para riscar da lista de réus”.

Quando ela explicou que era advogada, ele se desculpou e Alexandra continuou seu caminho, mas conta que foi impedida novamente por um membro do público “dizendo que eu não poderia ir ao tribunal porque é apenas para advogados”.

Ela entrou mesmo assim, e foi informada por um advogado “para voltar para fora e esperar ser chamada pelo porteiro”. Novamente, alguém presumiu que ela era a ré.

Alexandra explicou mais uma vez que ela era a advogada de defesa e foi para a frente do tribunal.

“Foi aí que o escrivão começou a gritar para que eu saísse do tribunal e me registrasse com o porteiro, perguntando se eu estava representada.”

A essa altura, o papel de Alexandra no tribunal já havia sido questionado quatro vezes.

‘Houve um impacto em mim’

Quando Alexandra finalmente conseguiu falar com o promotor, ela disse: “Eu estava absolutamente exausta, e tudo isso foi antes mesmo de meu caso começar.”

Mas apesar de sentir que tinha sido prejudicada, ela continuou.

“Consegui concluir o caso e obter um bom resultado para o meu cliente. Mas isso torna a situação cada vez mais difícil para mim.”

Embora o que aconteceu não tenha tido um impacto negativo sobre a pessoa que ela estava defendendo, ela diz: “Houve um impacto em mim.”

“Tive de reprimir por dentro o quanto me sentia chateada para poder continuar fazendo um bom trabalho. Não é bom sentir que você tem que justificar por que está no seu trabalho.”

Como é ser negro e estar em um tribunal no Reino Unido

Alexandra Wilson usando sua peruca e toga
Legenda da foto,Alexandra: ‘É assim que se parece uma advogada’

Com exceção do segurança, ninguém se desculpou na época, “o que foi bastante perturbador”.

Desde então, ela recebeu um pedido de desculpas do chefe do serviço judicial.

“É um primeiro passo importante, mas precisamos ver uma mudança real”, diz Alexandra. “Infelizmente, o que aconteceu é um reflexo do nosso sistema de justiça criminal. Há um número desproporcional de réus negros e não há advogados negros suficientes. Portanto, a suposição, quando um membro da equipe vê um jovem negro no tribunal, não é que ele seja o advogado”.

A situação também deu a Alexandra um ponto de vista diferente: “Não é particularmente bom ser réu no Reino Unido. Todos devem ser tratados com respeito.”

‘Oxford não é para você’

Jovem Alexandra sorrindo, segurando os resultados dos exames
Legenda da foto,Alexandra ficou muito feliz quando recebeu os resultados das provas

Alexandra cresceu em Essex, região da Inglaterra muitas vezes menosprezada por ser ligada à classe trabalhadora.

Desde muito jovem, Alexandra sabia que queria “fazer algo que fosse academicamente desafiador”. “Eu estabeleci meu objetivo de ir para Oxford”, conta.

Mas alguns dos funcionários de sua escola tentaram desencorajá-la a se candidatar à universidade de elite: “Muitos professores me disseram que eu estava sendo ambiciosa demais”.

Ela acha que eles estavam preocupados porque “Oxford não é para pessoas como eu. Eu não era chique, não vim de uma origem particularmente privilegiada, não fui para uma escola particular, tenho um sotaque de Essex… Eu não sou branca.”

Oxford foi criticada no passado por não atrair estudantes suficientes que não fossem brancos e não tivessem educação privada, diz Alexandra, “então, quando adolescente, duvidei muito de mim mesma. Eu me perguntei se eles estavam certos”.

Então o que aconteceu?

“Tive muita sorte de meus pais me apoiarem excepcionalmente”, diz Alexandra. “Eles sempre me encorajaram a buscar sucesso, a colocar meu empenho nisso”.

E foi o que ela fez.

Por que bons conselhos são importantes

Alexandra com seus irmãos
Legenda da foto,Alexandra com seus irmãos

Alexandra sabe que tem força de vontade e um ambiente familiar atencioso, mas o que acontece se não for esse o caso?

“É por isso que esse tipo de atitude é tão prejudicial, especialmente para os jovens que podem se sentir inseguros, como todos nós”, diz ela. “Se você vem de um ambiente em que não conhece outras pessoas na universidade ou em certas carreiras ou posições, pode ser muito difícil.”

Independentemente de onde você esteja no mundo, Alexandra acredita que o papel das escolas e dos professores é muito importante: “Se você não tem pessoas ao seu redor dizendo ‘você pode fazer isso’, posso ver facilmente como os jovens podem ficar desanimados ou desista”.

Mas, igualmente importante, as instituições devem estar dispostas a mudar, diz Alexandra.

“A responsabilidade recai sobre essas instituições para incentivar as pessoas com experiências específicas, deixá-las saber que têm uma boa chance de entrar (em uma universidade) se se inscreverem.”

Envolva-se, mude o mundo

Alexandra Wilson
Legenda da foto,Alexandra defende mais diversidade nas instituições

“Ser aceita em Oxford foi muito importante para mim, embora eu não sentisse que me encaixava lá”, diz Alexandra. “Oxford é difícil de qualquer maneira, mas gostei do desafio intelectual. O que achei mais difícil é o aspecto social.”

Houve momentos em que ela se sentiu bastante isolada, como quando durante um jogo de bebida alguém gritou “alguém que só entrou em Oxford porque era negro”.

Havia apenas dois alunos negros em todo o salão, incluindo Alexandra.

Mas ela acrescenta: “É importante participar se queremos transformar essas instituições. Precisamos estar lá, precisamos ter um leque diversificado de pessoas”.

Alexandra reconhece que pode ser difícil quando você entra nesse tipo de ambiente. “Você não vê muitas pessoas que se parecem com você, não consegue ver muitas pessoas com quem pode se relacionar.”

‘Nós não entendemos o que é racismo’

Alexandra com os irmãos, de férias
Legenda da foto,A sociedade pode garantir que todas as crianças terão as mesmas oportunidades?

Algumas pessoas nas redes sociais a questionaram, dizendo que nunca encontraram tal falta de profissionalismo no tribunal.

“Algumas pessoas sugeriram que, porque não aconteceu com elas, não pode ser verdade”, diz Alexandra. “Isso destaca parte do problema: as pessoas não estão dispostas a ouvir a experiência dos outros e levá-los a sério.”

Ela diz que não se trata apenas do que aconteceu com ela: “Isso é um indicativo das atitudes da sociedade.”

Alexandra também destaca os inúmeros comentários de advogados negros e asiáticos relatando experiências semelhantes e que corroboram as dela.

Outros disseram que era mais um caso de ignorância do que de racismo.

Isso é, talvez, o que mais importa para Alexandra: “O maior problema que temos é que não entendemos do que se trata o racismo.”

“Por muito tempo, as pessoas pensavam que você era racista só se você gritasse explicitamente calúnias ou dissesse ‘os negros não podem fazer isso ou aquilo'”, diz Alexandra. “Mas temos um problema muito maior”.

“É sobre o racismo sistêmico que as pessoas precisam ser ensinadas”, diz ela.

Alexandra aponta que é isso que faz as pessoas fazerem grandes suposições sobre os outros apenas com base em sua aparência.

“Uma das razões pelas quais os negros são desproporcionalmente afetados pelo sistema de justiça criminal desde o início é que são maciçamente policiados, têm taxa de revista muito mais altas: 38 em 1.000 homens negros em comparação com quatro em 1.000 homens brancos.”

E continua nos tribunais, diz Alexandra: “Dados do Ministério da Justiça mostram que negros e outros infratores de minorias étnicas são mandados para a prisão em uma taxa muito maior do que infratores brancos.”

Mas não precisa ser assim para sempre, diz Alexandra. “Com uma melhor compreensão de como funciona o racismo sistêmico, temos uma chance muito melhor de enfrentá-lo.”

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“Não espero ter que justificar constantemente minha existência no trabalho”, diz Alexandra Wilson à BBC.

No entanto, como uma advogada negra de 25 anos trabalhando no sistema jurídico britânico, é exatamente isso que ela tem que fazer — às vezes até quatro vezes por dia.

Quando ela vai a um julgamento, se ela não está usando peruca e toga — como é tradição em alguns tribunais britânicos — ela frequentemente é confundida com os supostos criminosos que ela defende — tudo por causa de sua cor.

O direito inglês pode ser famoso em todo o mundo e ter influenciado sistemas jurídicos de dezenas de países — de Bangladesh às Bahamas — mas a experiência de Alexandra Wilson expõe os problemas que ainda tem em relação ao racismo.PUBLICIDADEhttps://da9aa19dc7778b6f8f2f960b940c1276.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Já chegaram a gritar para eu sair do tribunal”, conta Alexandra. “Isso já aconteceu várias vezes e indica um problema muito maior na sociedade.”

Mas ela recebeu apoio do Conselho da Ordem (Bar Council, em inglês) e de suas “jovens colegas brancas que nunca tiveram essa experiência”. Até o Serviço de Cortes e Tribunais de Sua Majestade (HMCTS, na sigla em inglês) se desculpou pelo “comportamento totalmente inaceitável”.

Parada quatro vezes

Retrato de Alexandra Wilson
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Da última vez que Alexandra foi ao tribunal para representar um cliente, ela não suspeitou que acabaria no centro de uma polêmica em rede social.

O dia não começou bem: ao chegar, o segurança perguntou o nome dela, “para riscar da lista de réus”.

Quando ela explicou que era advogada, ele se desculpou e Alexandra continuou seu caminho, mas conta que foi impedida novamente por um membro do público “dizendo que eu não poderia ir ao tribunal porque é apenas para advogados”.

Ela entrou mesmo assim, e foi informada por um advogado “para voltar para fora e esperar ser chamada pelo porteiro”. Novamente, alguém presumiu que ela era a ré.

Alexandra explicou mais uma vez que ela era a advogada de defesa e foi para a frente do tribunal.

“Foi aí que o escrivão começou a gritar para que eu saísse do tribunal e me registrasse com o porteiro, perguntando se eu estava representada.”

A essa altura, o papel de Alexandra no tribunal já havia sido questionado quatro vezes.

‘Houve um impacto em mim’

Quando Alexandra finalmente conseguiu falar com o promotor, ela disse: “Eu estava absolutamente exausta, e tudo isso foi antes mesmo de meu caso começar.”

Mas apesar de sentir que tinha sido prejudicada, ela continuou.

“Consegui concluir o caso e obter um bom resultado para o meu cliente. Mas isso torna a situação cada vez mais difícil para mim.”

Embora o que aconteceu não tenha tido um impacto negativo sobre a pessoa que ela estava defendendo, ela diz: “Houve um impacto em mim.”

“Tive de reprimir por dentro o quanto me sentia chateada para poder continuar fazendo um bom trabalho. Não é bom sentir que você tem que justificar por que está no seu trabalho.”

Como é ser negro e estar em um tribunal no Reino Unido

Alexandra Wilson usando sua peruca e toga
Legenda da foto,Alexandra: ‘É assim que se parece uma advogada’

Com exceção do segurança, ninguém se desculpou na época, “o que foi bastante perturbador”.

Desde então, ela recebeu um pedido de desculpas do chefe do serviço judicial.

“É um primeiro passo importante, mas precisamos ver uma mudança real”, diz Alexandra. “Infelizmente, o que aconteceu é um reflexo do nosso sistema de justiça criminal. Há um número desproporcional de réus negros e não há advogados negros suficientes. Portanto, a suposição, quando um membro da equipe vê um jovem negro no tribunal, não é que ele seja o advogado”.

A situação também deu a Alexandra um ponto de vista diferente: “Não é particularmente bom ser réu no Reino Unido. Todos devem ser tratados com respeito.”

‘Oxford não é para você’

Jovem Alexandra sorrindo, segurando os resultados dos exames
Legenda da foto,Alexandra ficou muito feliz quando recebeu os resultados das provas

Alexandra cresceu em Essex, região da Inglaterra muitas vezes menosprezada por ser ligada à classe trabalhadora.

Desde muito jovem, Alexandra sabia que queria “fazer algo que fosse academicamente desafiador”. “Eu estabeleci meu objetivo de ir para Oxford”, conta.

Mas alguns dos funcionários de sua escola tentaram desencorajá-la a se candidatar à universidade de elite: “Muitos professores me disseram que eu estava sendo ambiciosa demais”.

Ela acha que eles estavam preocupados porque “Oxford não é para pessoas como eu. Eu não era chique, não vim de uma origem particularmente privilegiada, não fui para uma escola particular, tenho um sotaque de Essex… Eu não sou branca.”

Oxford foi criticada no passado por não atrair estudantes suficientes que não fossem brancos e não tivessem educação privada, diz Alexandra, “então, quando adolescente, duvidei muito de mim mesma. Eu me perguntei se eles estavam certos”.

Então o que aconteceu?

“Tive muita sorte de meus pais me apoiarem excepcionalmente”, diz Alexandra. “Eles sempre me encorajaram a buscar sucesso, a colocar meu empenho nisso”.

E foi o que ela fez.

Por que bons conselhos são importantes

Alexandra com seus irmãos
Legenda da foto,Alexandra com seus irmãos

Alexandra sabe que tem força de vontade e um ambiente familiar atencioso, mas o que acontece se não for esse o caso?

“É por isso que esse tipo de atitude é tão prejudicial, especialmente para os jovens que podem se sentir inseguros, como todos nós”, diz ela. “Se você vem de um ambiente em que não conhece outras pessoas na universidade ou em certas carreiras ou posições, pode ser muito difícil.”

Independentemente de onde você esteja no mundo, Alexandra acredita que o papel das escolas e dos professores é muito importante: “Se você não tem pessoas ao seu redor dizendo ‘você pode fazer isso’, posso ver facilmente como os jovens podem ficar desanimados ou desista”.

Mas, igualmente importante, as instituições devem estar dispostas a mudar, diz Alexandra.

“A responsabilidade recai sobre essas instituições para incentivar as pessoas com experiências específicas, deixá-las saber que têm uma boa chance de entrar (em uma universidade) se se inscreverem.”

Envolva-se, mude o mundo

Alexandra Wilson
Legenda da foto,Alexandra defende mais diversidade nas instituições

“Ser aceita em Oxford foi muito importante para mim, embora eu não sentisse que me encaixava lá”, diz Alexandra. “Oxford é difícil de qualquer maneira, mas gostei do desafio intelectual. O que achei mais difícil é o aspecto social.”

Houve momentos em que ela se sentiu bastante isolada, como quando durante um jogo de bebida alguém gritou “alguém que só entrou em Oxford porque era negro”.

Havia apenas dois alunos negros em todo o salão, incluindo Alexandra.

Mas ela acrescenta: “É importante participar se queremos transformar essas instituições. Precisamos estar lá, precisamos ter um leque diversificado de pessoas”.

Alexandra reconhece que pode ser difícil quando você entra nesse tipo de ambiente. “Você não vê muitas pessoas que se parecem com você, não consegue ver muitas pessoas com quem pode se relacionar.”

‘Nós não entendemos o que é racismo’

Alexandra com os irmãos, de férias
Legenda da foto,A sociedade pode garantir que todas as crianças terão as mesmas oportunidades?

Algumas pessoas nas redes sociais a questionaram, dizendo que nunca encontraram tal falta de profissionalismo no tribunal.

“Algumas pessoas sugeriram que, porque não aconteceu com elas, não pode ser verdade”, diz Alexandra. “Isso destaca parte do problema: as pessoas não estão dispostas a ouvir a experiência dos outros e levá-los a sério.”

Ela diz que não se trata apenas do que aconteceu com ela: “Isso é um indicativo das atitudes da sociedade.”

Alexandra também destaca os inúmeros comentários de advogados negros e asiáticos relatando experiências semelhantes e que corroboram as dela.

Outros disseram que era mais um caso de ignorância do que de racismo.

Isso é, talvez, o que mais importa para Alexandra: “O maior problema que temos é que não entendemos do que se trata o racismo.”

“Por muito tempo, as pessoas pensavam que você era racista só se você gritasse explicitamente calúnias ou dissesse ‘os negros não podem fazer isso ou aquilo'”, diz Alexandra. “Mas temos um problema muito maior”.

“É sobre o racismo sistêmico que as pessoas precisam ser ensinadas”, diz ela.

Alexandra aponta que é isso que faz as pessoas fazerem grandes suposições sobre os outros apenas com base em sua aparência.

“Uma das razões pelas quais os negros são desproporcionalmente afetados pelo sistema de justiça criminal desde o início é que são maciçamente policiados, têm taxa de revista muito mais altas: 38 em 1.000 homens negros em comparação com quatro em 1.000 homens brancos.”

E continua nos tribunais, diz Alexandra: “Dados do Ministério da Justiça mostram que negros e outros infratores de minorias étnicas são mandados para a prisão em uma taxa muito maior do que infratores brancos.”

Mas não precisa ser assim para sempre, diz Alexandra. “Com uma melhor compreensão de como funciona o racismo sistêmico, temos uma chance muito melhor de enfrentá-lo.”

fonte: BBC Brasil

27 de março de 2021

O legado do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão

Em 25.03.2021, a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra realizou evento alusivo ao dia internacional em homenagem às vítimas do comércio transatlântico de escravizados e da escravidão.

A CVEN contou com a presença do Escritor Jeferson Tenório e do Professor José Rivair Macedo.

O evento é acessível pelo canal da OAB/RS no youtube. Abaixo o link.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

comissoesespeciaissec@oab.org.br

19 de março de 2021

O ambientalista de 11 anos que recebe ameaças de morte por atuação na pandemia

  • Manuel Rueda
  • De Bogotá (Colômbia) para a BBC

28 janeiro 2021

Colombiano Francisco Vera, 11, foi ameaçado depois de pedir um melhor acesso à educação durante a pandemia
Legenda da foto,Colombiano Francisco Vera, 11, foi ameaçado depois de pedir um melhor acesso à educação durante a pandemia

Um menino colombiano de 11 anos que recebeu ameaças de morte após pedir um melhor acesso à educação durante a pandemia de Covid-19 foi reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas) por seu ativismo.

Francisco Vera é conhecido em seu país por suas campanhas ambientais e pela defesa dos direitos das crianças.

Em 15 de janeiro, ele recebeu uma ameaça de morte de uma conta anônima no Twitter após postar um vídeo pedindo ao governo que melhorasse a conectividade à internet para crianças que estudam online.

Agora, a ONU entregou pessoalmente uma carta a Francisco, parabenizando-o por seu trabalho pioneiro no país sul-americano, onde não é incomum a morte de ativistas ambientais.

Em entrevista à BBC, o estudante diz que recebe críticas, mas que ameaças violentas são inaceitáveis.

O incidente gerou indignação na Colômbia, onde a violência contra ativistas de direitos humanos e líderes ambientais está aumentando. Ele também renovou os apelos por mais civilidade nas redes sociais.

“Esse tipo de ameaça é comum na Colômbia e costuma ficar impune”, diz Lourdes Castro, da Somos Defensores, ONG que documenta ataques contra líderes comunitários.

“Mas ameaçar um garoto de 11 anos só mostra que atingimos novos níveis de intolerância e falta de respeito pela liberdade de expressão”, explica ela.

Em carta assinada por Michelle Bachelet, alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a organização agradece a Francisco por seu ativismo e diz que o mundo precisa de mais jovens com sua “paixão por proteger o planeta”.

Francisco é cofundador do movimento Guardiães Para Vida
Legenda da foto,Francisco é cofundador do movimento Guardiães Para Vida

“Também concordamos com você que a conectividade à Internet ser melhorada para meninos e meninas em todo o mundo”, acrescenta a carta.

Foi entregue pessoalmente a Francisco pelo subordinado de Bachelet na Colômbia. Francisco disse que ficou feliz com o reconhecimento e espera continuar trabalhando com seus colegas em projetos ambientais este ano, incluindo uma campanha para proibir plásticos de uso único na Colômbia.

“A crítica faz parte da vida, e eu a aprecio, desde que seja construtiva e respeitosa”, diz o estudante à BBC. “Mas obviamente não há lugar para insultos e ameaças.”

Francisco diz que começou a sua carreira de ativista aos seis anos, altura em que começou a assistir aos protestos contra as touradas com a família.

Seu amor pela natureza o levou a se envolver em outras questões, como reciclagem ou campanhas contra a mineração em reservas naturais, explica.

“Cresci nas montanhas com patos, galinhas, cabras e pássaros”, diz Francisco. “Isso me motivou a ser um defensor dos direitos dos animais e depois um ativista ambiental.”

Francisco cresceu perto da Cordilheira dos Andes que, segundo ele, inspira seu ativismo
Legenda da foto,Francisco cresceu perto da Cordilheira dos Andes que, segundo ele, inspira seu ativismo

Em 2019, Francisco fundou um grupo ambientalista chamado Guardiões da Vida em sua cidade natal, Villeta, a cerca de 90 km (55 milhas) da capital Bogotá. Ele e seis amigos da escola começaram marchando até o centro da cidade, recolhendo lixo ao longo do caminho e entoando slogans sobre as mudanças climáticas.

O grupo agora tem mais de 200 membros em 11 províncias da Colômbia, bem como membros no México e na Argentina. Francisco também faz parte do movimento Fridays for Future da sueca Greta Thunberg.

“As crianças precisam de ter uma palavra a dizer nos grandes temas dos nossos dias, como as alterações climáticas ou a política económica”, diz Francisco. “Não somos apenas o futuro. Já estamos sendo afetados pelas decisões que os adultos tomam.”

A mãe de Francisco, Ana Maria Manzanares, espera que a recente ameaça contra o filho no Twitter não passe de uma brincadeira cruel.

Ela disse que funcionários do governo a chamaram para oferecer seu apoio e estão investigando quem pode estar por trás da mensagem. Seu filho já havia sido ridicularizado online anteriormente, mas nunca havia recebido ameaças.

Francisco usa uma máscara onde se lê "meninos e meninas têm direito à liberdade de expressão"
Legenda da foto,Francisco usa uma máscara onde se lê “meninos e meninas têm direito à liberdade de expressão”

“É uma situação difícil”, diz Manzanares. “Mas estou confiante de que meu filho pode manter o foco no que gosta de fazer e deixar isso para trás.”

O presidente colombiano Ivan Duque prometeu na semana passada encontrar os “bandidos” que ameaçaram Francisco. A polícia afirma que uma investigação está em andamento.

De acordo com a ONU, 53 defensores dos direitos humanos foram assassinados na Colômbia no ano passado e outros 80 assassinatos de líderes comunitários ainda estão sendo investigados.

Global Witness, um grupo internacional de direitos humanos, disse que 64 ambientalistas foram mortos na Colômbia em 2019, tornando-o o país mais perigoso para ativistas ambientais naquele ano.

fonte: BBC Brasil

4 de março de 2021

Leitura e prática

Se acreditas que o racismo e que o sexismo são fenômenos do passado, leia mais sobre tecnologia.

Se acreditas que sexismo e racismo são fenômenos do passado, leia mais sobre comunicação.

Se acreditas que racismo e sexismo são fenômenos do passado, leia mais sobre esportes.

Se acreditas que sexismo e racismo são fenômenos do passado, leia mais sobre política.

Se acreditas que racismo e sexismo são fenômenos do passado, leia mais sobre cidadania.

Se acreditas que sexismo e racismo não existem, leia mais sobre mercado de trabalho.

Se acreditas que sexismo e racismo existem e estão presentes na vida diária, também leia sobre homofobia, gordofobia, xenofobia, discriminação etária (ageism), capacitismo…

Jorge Terra

22 de janeiro de 2021

Teorizando : racismo estrutural

A convite da PUCRS, participei do programa “Teorizando”.

A conversa, conduzida por Alysson Augusto, mestrando em filosofia e youtuber, versou sobre racismo estrutural, tendo por norte vivências e tese de doutoramento.

Acesse pelo seguinte link:

Jorge Terra.

19 de outubro de 2020

Cultura afro nas escolas

Em 09.10.20220, a Secretaria Municipal de Cultura e Educação de São Sepé, no Estado do Rio Grande do Sul, promoveu capacitação com e para seus Professores com o tema “Cultura Afro nas Escolas”.

Para tanto, convidou o Procurador do Estado Jorge Terra para conversar sobre o tema.

A atividade pode ser vista ou revista pelo seguinte link:

Jorge Terra.

27 de abril de 2020

A população negra brasileira e a proteção deficiente de direitos fundamentais.

A população negra brasileira e a proteção deficiente de direitos fundamentais.

The Brazilian black population and the deficient protection of fundamental rights.

JORGE LUÍS TERRA DA SILVA

SUMÁRIO: Introdução; 1. Da proteção e da proteção deficiente ou insuficiente de direitos fundamentais; 2. “Para inglês ver”?; 3. “Para brasileiro ver?”; Conclusão.

RESUMO: A ONU instituiu a década compreendida entre 2015 a 2024 como sendo a década internacional do afrodescendente. Ela objetiva intervir no atual quadro, fazendo com que, por meio do acesso à justiça, do reconhecimento de direitos e do desenvolvimento em todas as suas formas, os afrodescendentes espalhados pelo mundo possam ter efetiva inserção nas sociedades onde vivem. Em linha semelhante, surgem os objetivos de desenvolvimento sustentável, pois é inegável que os negros e negras estão em situação de vulnerabilidade em várias partes do globo terrestre. No Brasil, para que sejam cumpridos os compromissos assumidos, devemos analisar se os direitos fundamentais dessa população estão efetivamente protegidos e são efetivamente exercidos. Para tanto, devemos retornar no tempo e compreender os efeitos da longa escravização para toda a sociedade brasileira e, a partir desse ponto, verificar como leis atuais que interessam a esse segmento não são implementadas e respeitadas ou são criadas sem se considerar as possibilidades de modificarem a realidade. É importante eleger questões como educação inclusiva, mercado de trabalho e prática de crimes raciais, verificando se os negros e negras tem seus direitos fundamentais efetivados ou se estamos diante de direitos fundamentais protegidos de forma deficiente. Para tanto, adequado saber como a proporcionalidade pode servir como critério de implementação e de controle desses direitos e se há espaço para que aqueles que militam e estudam sobre os direitos humanos e sobre os direitos fundamentais realizem recorte racial em suas análises e pesquisas. Além disso, é indispensável apontar as mudanças que devem ser feitas no campo do Direito, da Política e da Gestão.

Palavras chaves: direitos humanos – direitos fundamentais – racismo – proteção – Direito – Educação

ABSTRACT: The UN has established the 2015-2024 decade as the international decade of the afrodescendant. It aims to intervene in the current framework, in order that, through access to justice, the recognition of rights and development in all its forms, afrodescendants around the world can have effective insertion in the societies where they live. Similarly, the goals of sustainable development emerge, since it is undeniable that black men and women are vulnerable in various parts of the globe. In Brazil, in order to fulfill the commitments assumed, we must analyze whether the fundamental rights of this population are effectively protected and effectively reinforced. To do so, we must look in hindsight and understand the effects of long enslavement to the whole Brazilian society and, from that point on, verify how current laws, which are of interest to this segment, are not implemented or are not reinforced or else are created without considering the possibilities of changing reality. It is important to elect issues such as inclusive education, labor market and practice of racial crimes verifying if, in fact, black men and women have their fundamental rights guaranteed or if we are facing protected fundamental rights in a deficient form. In order to do so, it is appropriate to know how proportionality can serve as a criterion for the implementation and control of these rights and whether there is room for those who advocate for and study human rights and fundamental rights to include a racial cut in their analysis and research. In addition, it is indispensable to point out the changes that must be made in Law, Politics and Management.

Key words: human rights – fundamental rights – racism – protection – Law – Education

Introdução

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, por meio da resolução número 68/237[1], proclamou a década internacional dos afrodescendentes, compreendida entre 1º/01/2015 a 31/12/2024.

O foco estaria e está na ampliação da cooperação internacional, regional e nacional para que os milhões de afrodescendentes participem de forma igualitária e plena nas sociedades nas quais se encontram, sendo reconhecidos e efetivados os seus direitos sociais, econômicos, culturais, civis e políticos.

Para atingir esse audacioso desiderato, a Assembleia estabeleceu e apresentou um plano de implementação que, até o momento, não gerou sequer debate pelos órgãos estatais vinculados ao combate ao racismo no Brasil.

Cumpre destacar que a Organização das Nações Unidas estabeleceu, em 2.015, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável[2], havendo questões que tocam diretamente com a questão racial brasileira.

Sublinhando que há uma agenda e 169 metas apontando para uma sociedade mundial diferente da atual já para o ano de 2.030 e exigindo mudanças graves nas instituições e na sociedade brasileira, é pertinente reproduzir o que segue[3]:

10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra

10.3 Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito

16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos

16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais

Nesse sentido, é pertinente examinar se, no Brasil, há proteção efetiva ou deficiente dos direitos fundamentais da população negra. Urge, por via de consequência, examinar e atuar nos mais variados campos com o fito de impedir ou minimizar os efeitos do racismo. Para tanto, como não se pode enfrentar doença sem a premissa de se admitir doente, não se há de enfrentar essa questão sem admitir que não vivemos em uma “democracia racial” e que há parte significativa de nossa população que não tem seus direitos fundamentais plenamente efetivados por conta de sua raça.

No presente texto, não se discutirá sobre os conceitos de direitos humanos, de direitos fundamentais ou de direitos naturais, adotando-se aqueles que seriam os mais aceitos, mas apontando para o fato de que na Constituição brasileira são utilizadas as expressões direitos humanos e direitos fundamentais. Aqui é bom asseverar que os direitos humanos e os direitos fundamentais, em linhas gerais, seriam os direitos naturais positivados em legislação externa ou em legislação interna, respectivamente. Diz-se “em linhas gerais” porque há direitos fundamentais que, consabidamente, não configurariam direitos naturais, tais como o direito às férias.

Os limites de um artigo científico não permitem, sem se cair em infrutífera superficialidade, abarcar a gama de questões sensíveis à raça, sobretudo quando esse marcador social é agregado a outros como o gênero, a orientação sexual, a deficiência física, mental ou intelectual ou a situação socioeconômica.

Em sendo assim, sem se desconhecer a importância de se tratar da mortalidade de negros no Brasil, já que a cada 100 pessoas que sofrem homicídio, 71 delas são negras[4], o escopo desse artigo será tratar da proteção deficiente dos direitos fundamentais da população negra no que concerne ao mercado de trabalho, à educação racialmente inclusiva e aos crimes raciais em decorrência de um combate ineficiente ao racismo no Brasil.

  1. Da proteção e da proteção deficiente ou insuficiente de direitos fundamentais.

Direitos à proteção ensina SARLET (2.011)[5], com apoio na formulação de Alexy, seriam as posições jurídicas fundamentais que outorgariam o direito de o indivíduo exigir do Estado a proteção contra a ingerência de terceiros.

Em decorrência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, o Estado tem o dever de dar efetividade a esses direitos, protegendo o patrimônio jurídico dos indivíduos de indevidas ingerências dos poderes públicos e de agressões promovidas por particulares ou por outros Estados. Nesse teatro, esse dever gera a obrigação de adotar medidas positivas que garantam e protejam de forma efetiva a fruição dos direitos fundamentais.

Importa consignar que o objeto da proteção é extremante amplo, abarcando precaução e prevenção. Seriam objeto de proteção “tudo que se encontra no âmbito de proteção dos direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana  em geral, a liberdade, a propriedade”. Ainda segundo o magistério de SARLET (2.011)[6], os direitos de proteção e os deveres de proteção abrangem os riscos de lesão aos bens e direitos tutelados constitucionalmente e os modos de realização da proteção supradita podem se perfectibilizar por meio de normas penais, de normas procedimentais, de atos administrativos ou, ainda, por uma atuação concreta dos poderes públicos.

Elucidativa é a lição de CANOTILHO (2.008)[7] a seguir transcrita:

Em primeiro lugar, deve distinguir-se entre direito à protecção jurídica e direito de defesa (Abwehrrecht) perante o Estado. O direito à protecção jurídica é uma pretensão que qualquer titular de um direito fundamental pode exigir do Estado que o proteja perante agressões de outros cidadãos; um direito fundamental de defesa é um direito cujo conteúdo se traduz fundamentalmente em exigir que o próprio Estado (poderes públicos) se abstenha de intervenções coactivas na esfera jurídica do particular. Quer dizer: nos direitos à protecção, estamos perante direitos constitucionais que apontam para a necessidade de o Estado conformar a ordem jurídica (exemplo: tipificando como crime as ofensas à vida, ou protegendo os cidadãos contra indústrias poluidoras), de modo a evitar a violação dos direitos dos particulares por parte de outros sujeitos privados. Nos direitos fundamentais de defesa, o cidadão pretende uma abstenção dos poderes públicos.

Cumpre sublinhar que a exigência sempre é dirigida ao Estado, destinatário do dever de proteção contra particulares e, obviamente, no caso do direito de defesa, de não agredir a esfera jurídica dos cidadãos.

É razoável admitir que não se pode previamente definir o modo como o Estado realizará o direito de proteção, pois poderia haver uma série de alternativas a serem consideradas, uma limitação de meios disponíveis e a existência de outros interesses a serem satisfeitos que poderiam, inclusive, estar em rota de colisão, bem como a necessidade de constituir uma escala de prioridades. De outra banda, considerando o caráter normativo do princípio da eficiência, não se pode sequer pensar em ação que não se paute pelo alcance de resultados positivos concretos em decorrência da otimização dos meios disponíveis. Embora seja possível não ser encontrada e efetivada solução ótima, às vezes inviabilizadora da satisfação de outro direito, não se pode empregar esforços e recursos de diferentes naturezas em alternativas incapazes de conduzir ao atingimento de fins de forma satisfatória.

Tal entendimento não inviabiliza o cotejo de interesses e de direitos, sobretudo em uma sociedade extremamente complexa que apresenta a uma estrutura estatal também complexa uma gama crescente de demandas. Ao contrário, o desafio posto aos poderes públicos está em estabelecer critérios justos de atuação nesse cenário.

Socorre o magistério de SARLET (2.011), valendo-se de lição de Canaris, pontuando que haveria três critérios que confeririam legitimidade ao dever de proteção. Esses seriam os seguintes:

a) A lesão, ameaça ou o risco de lesão ao direito fundamental deve ser capaz de afetar o seu âmbito de proteção;

b) A intervenção deve ser necessária, ou seja, o âmbito de proteção do direito fundamental deve ter sido efetiva ou potencialmente atingido por intervenção relevante e, em não raras vezes, ilícita sem se configurar em hipótese que possa ser evitada ou rechaçada pelo lesado;

c) O funcionamento conjunto dos diversos critérios, que devem interagir, impõe que, além dos requisitos mencionados, considere-se a relevância do bem juridicamente tutelado, o peso da intervenção e a intensidade da própria intervenção ou ameaça de violação do direito protegido.

Passível de exame é o nível de satisfatoriedade do cumprimento do dever de proteção, podendo esse ser tido como excessivo ou deficiente. Em síntese, pode a atuação estatal gerar desproporções e essas conformarem antijuridicidade.

Ao cumprir o dever de proteção, o Estado pode afetar desproporcionalmente direito fundamental. O princípio da proporcionalidade, que para alguns doutrinadores seria postulado, isto é, regra de aplicação de outras regras, seria um critério de limitação ou, ainda, um critério de controle da constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que é aplicável também, diga-se de passagem, no caso daquele que eventualmente esteja a lesar direito fundamental de outrem.

 Assim como a proporcionalidade pode funcionar na perspectiva da proibição de excesso, ou seja, direito de defesa, pode, por outro lado, servir de critério de verificação se o agir estatal foi deficiente ou insuficiente na proteção de direito fundamental violado ou ameaçado.

A proporcionalidade na atuação estatal de caráter protetivo de direitos fundamentais é bem esclarecida por SARLET (2.011)[8] com esteio em lições de Cristian Calliess:

Com efeito, valendo-nos aqui das lições de Cristian Callies (que sustenta uma distinção dogmática e funcional entre proibição de excesso e insuficiência), uma vez determinada a existência de um dever de proteção e seu respectivo objeto, o que constitui um pressuposto de toda a análise posterior, é possível descrever as três etapas da seguinte maneira: a) no que diz com o exame da adequação ou idoneidade, é necessário verificar se a(s) medida(s) – e a própria concepção de proteção – adotada(s) ou mesmo prevista(s) para a tutela do direito fundamental é (são) apta(s) a proteger de modo eficaz o bem protegido; b) em sendo afirmativa a primeira resposta,, cuida-se de averiguar se existe uma concepção de segurança (proteção) mais eficaz, sem que com isso se esteja a intervir de modo mais rigoroso em bens fundamentais de terceiros ou interesses da coletividade? Em outras palavras, existem meios de proteção mais eficientes, mas pelo menos tão pouco interventivos em bens de terceiros? Ainda neste contexto, anota o autor referido, que se torna possível controlar medidas isoladas no âmbito de uma concepção mais abrangente de proteção, por exemplo, quando esta evolve uma política pública ou um conjunto de políticas públicas; c) no âmbito da terceira etapa (que corresponde ao exame da proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade, como preferem alguns), é preciso investigar se o impacto das ameaças e riscos remanescentes após a efetivação das medidas de proteção é de ser tolerado em face de uma ponderação com a necessidade de preservar outros direitos e bens fundamentais pessoais ou coletivos.

Em decorrência de disposições constitucionais universalistas, os negros brasileiros são titulares dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, ao desenvolvimento, à liberdade de expressão, à honra, à segurança, à educação, à saúde e a outros direitos fundamentais pertinentes ao Estado brasileiro.

Além disso, há disposições constitucionais que, por razões históricas, econômicas e sociais, podem ser consideradas como mais direcionadas a essa parcela da população brasileira. Essas disposições dizem com a liberdade religiosa, com o combate ao racismo, com a redução das desigualdades, com o ensino da história tendo por esteio as contribuições dos povos formadores da pátria brasileira.

De bom alvitre sublinhar que as violações aos direitos elencados acima não configuram exclusividades atinentes aos pretos e aos pardos, ou seja, aos integrantes da comunidade negra. Todavia, é inegável que esses vivenciam situação de proteção deficiente.

Cumpre consignar que não se está a discorrer sobre mitigações à universalidade dos direitos fundamentais, perfectibilizada no alargamento ou na restrição em sintonia com o entendimento do legislador constituinte. Trata-se de imperativos de realidade que devem ser considerados pelo legislador, pelo jurista e pelos cidadãos brasileiros.

Se não há discussão doutrinária sobre a impossibilidade de a proteção dos direitos fundamentais ser ilimitada ou absoluta, não se aceita que essa possa ser estabelecida de qualquer forma, ou seja, sem um padrão qualitativo mínimo. Nesse sentido, serve a proporcionalidade como critério de avaliação da eficácia protetiva dos direitos fundamentais.

2.“Para inglês ver”?

Em certa medida, as regras, sejam estabelecidas por políticas, por contratos ou por leis, podem configurar expectativas e não certezas de cumprimento.

Em se tratando de leis ou de políticas públicas, sobretudo, ou de ajustes como contratos, termos ou convênios, é obrigação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, informados pelo princípio constitucional da eficiência, ter foco nos resultados e nos impactos das decisões proferidas. Em outros termos, sob pena de não serem gerados efeitos positivos concretos ou de haver perpetuação ou até mesmo ampliação dos efeitos negativos de decisões proferidas, devem eles ter controle efetivo dos processos decisórios próprios e uns dos outros, bem como estarem abertos ao controle social. Frisa-se aqui que ações administrativas, decisões judiciais, ações legislativas, políticas públicas e leis enquadram-se no gênero decisões.

Assim sendo, uma vez que o norte está no emprego adequado dos meios e no atingimento de resultados e de impactos concretos planejados e positivos, ganham relevo as atividades de identificar os stakeholders de cada segmento, de planejar e de estimular a participação no seio dos Poderes, pois são meios de diminuição do grau de incerteza das decisões e de ampliação do de possibilidade de êxito.

Mister que superemos a visão de que bastante é a produção legislativa, independentemente de serem elas em nível constitucional ou infraconstitucional. Elas são em número expressivo no solo pátrio, mas não atingimos eficiência e eficácia em especial no campo da administração pública. Certamente, o Direito e não apenas a Política contribuiu para a constituição desse cenário.

As leis, assim como os planos e as políticas públicas, podem ter e normalmente tem um caráter indutor, ou seja, procuram estimular, induzir ou até impor que as pessoas ou as instituições tenham um comportamento necessário para um sistema ou para uma estrutura cooperativa. Porém, nesse processo, não podem desconhecer imperativos de realidade, características pessoais ou regionais, existência de outros interesses e outros estímulos e, sobretudo, dados e informações. Em síntese, não basta apenas editar lei ou conceber política sem pensar e repensar nos mecanismos que possam gerar a eficácia pretendida ou a ineficácia temida.

Nesse cenário, o cerne aqui é pensar se o combate ao racismo no Brasil tem sido efetivo e se estampar na Carta Política que esse fenômeno é repudiado e que sua prática configura um crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão surtiu efeito nos campos político, educacional, judicial e social.

No que concerne à população negra brasileira, para que haja um avanço, mister que se retroceda um pouco na história, apreendendo contexto relevante para que, como sociedade que se pretende justa e solidária, bem como direcionada ao desenvolvimento econômico, social e ambiental, possamos bem decidir sobre os fins a serem perseguidos e sobre os meios a serem empregados. Para tal exercício será de extrema valia repisar que consoante o conjunto de concepções constituído por PERELMAN (2.005)[9], atuação justa seria aquela que atribui, em síntese, o que segue:

“1. a cada qual a mesma coisa.

2. a cada qual segundo seus méritos.

3. a cada qual segundo suas obras.

4. a cada qual segundo suas necessidades.

5. a cada qual segundo sua posição.

6. a cada qual segundo o que a lei lhe atribui.”

A primeira concepção abrigaria a ideia de tratar todos de forma igual, ou seja, sem considerar nenhuma particularidade que tornasse alguém diferente. Seria, com efeito, a única noção “puramente igualitária” e não exigente de proporcionalidade como as demais.

Seria tida como a irrealizável, no que pertine à justiça concreta, servindo apenas como ideal do qual se pode tentar aproximação na medida do possível. Poderia essa noção, por outra mão, conduzir à conceituação de uma justiça formal.

A justiça formal tem como cerne a igualdade como forma de evitar privilégios dentro de uma mesma categoria essencial. Ela se contrapõe, portanto, à justiça distributiva, que, com base na igualdade, “leva em conta capacidades e esforços individuais na atribuição das vantagens”. Essa, por seu turno, afasta-se da justiça comutativa que não se ocupa com a vida individual tomada em conjunto, mas, sim, com o estabelecimento da igualdade em cada ato jurídico.

No esforço de definir a justiça material, PERELMAN (2.005)[10] destaca um elemento comum em todas as fórmulas de justiça material. A sua construção perpassa por questionamentos sobre a necessidade ou obrigatoriedade de tratar todos igualmente e, em caso de haver distinções, quais os critérios para definir as que seriam relevantes e suas consequências.

Nesse trilho, o doutrinador chega à ideia de característica essencial e essa seria aquela que “permite agrupar os seres numa classe ou numa categoria, definida pelo fato de seus membros possuírem a característica em questão”. Dessa arte, esses indivíduos comporiam a mesma categoria essencial.

Justiça formal ou abstrata seria “um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma”. Já o dissenso das fórmulas de justiça concreta está no fato de que cada uma dela considera uma característica diferente como a única que se deve levar em conta na aplicação da justiça.

A segunda concepção de justiça material, destaca características pessoais e esforço também pessoal, denominadas de mérito. PERELMAN (2.005)[11] sublinha que não basta que as pessoas tenham mérito, sendo necessário que tenham mérito no mesmo grau para serem integradas na mesma categoria essencial. Aqui já não se fala em justiça igualitária, mas sim proporcional a esse mérito.

Aqui é bom frisar que mérito seria o “valor moral intrínseco do indivíduo” e “esse será o critério do juiz, cego a todas as outras considerações”.

Importante não confundir, como normalmente ocorre quando se está a discutir sobre sistema diferenciado de ingresso em estabelecimentos de ensino ou no serviço público, a segunda concepção com a que virá a seguir.

A terceira noção de justiça concreta também exige um tratamento proporcional, mas “o critério já não é moral, pois não se leva em conta a intenção, nem os sacrifícios realizados, mas unicamente o resultado da ação”.

Essa concepção afasta-se do irrealizável “por levar em conta, o mais das vezes, elementos sujeitos ao cálculo, ao peso, à medida”. Nessa concepção, inspiram-se o pagamento de salário dos operários por hora trabalhada ou por peça produzida, bem como “os exames e os concursos em que, sem se preocupar com o esforço fornecido levam-se em conta apenas o resultado, a resposta do candidato, o trabalho que apresentou”.

 A quarta concepção é a que toma como essencial “os sofrimentos que resultam na impossibilidade” de a pessoa “satisfazer suas necessidades essenciais”. Por isso, configura uma tentativa de diminuir esse sofrer.

Essa concepção exige a definição de critérios formais relativos a essas necessidades. O autor assevera que se deve levar em conta um mínimo vital que envolva necessidades básicas individuais e familiares.

Essa concepção, “impondo-se cada vez mais na legislação social contemporânea, pôs em xeque a economia liberal em que o trabalho, assimilado a uma mercadoria, estava sujeito às flutuações resultantes da lei da oferta e da procura”. Por via de consequência, dela decorrem a proteção ao trabalho e ao trabalhador, a definição de um salário mínimo, as legislações referentes à pessoa idosa, à criança e à pessoa enferma, ou desempregada, etc.

A quinta concepção diz com o tratamento diferenciado às pessoas em razão de pertencimento a uma ou a outra categoria determinada. Essa concepção é constantemente defendida pelos beneficiários, que fazem prevalecer a força política ou institucional que possuem.

No exército, por exemplo, há tratamento diferenciado entre oficiais e praças, regrado em razão da posição dentro na instituição.

Por fim, a sexta concepção é tida como de justiça estática porque baseada na ordem estabelecida. As anteriores são tidas como de justiça dinâmica pelo fato de poderem, ao menos potencialmente, modificar a ordem e as regras que a determinam.

Por essa concepção, a pessoa encarregada de a aplicar não está livre para eleger a concepção de sua preferência. Portanto, “a classificação, a distribuição em categorias essenciais, é-lhe imposta e ele deve obrigatoriamente levá-la em conta. É essa a distinção fundamental entre a concepção moral e a concepção jurídica de justiça”.

 PERELMAN (2.005)[12] impôs-se o desafio de pesquisar o que há em comum entre as diferentes concepções da justiça. Aqui, nesse breve texto, suficiente é identificar concepções de justiça que permitiriam examinar as escolhas tomadas quando da edição da denominada de Lei dos Sexagenários.

Não é necessário descrever detidamente o momento vivenciado em nossa pátria, pois bastante é trazer detalhes que permitam demonstrar a desproteção dos direitos naturais da quase totalidade dos homens negros e das mulheres negras há pouco mais de 130 anos em solo brasileiro.

Em verdade, o conjunto de leis produzidas visava à manutenção do escravagismo. Daí decorre a alcunha histórica de leis “para inglês ver”, pois a Inglaterra, após longo e lucrativo comércio transatlântico de escravizados, passou a proibir tal atividade tendo em vista seus outros interesses comerciais.

As deliberadas tergiversações, configuradas em forma de leis, geraram diplomas legais que tinham como objetivo principal falsamente demonstrar intenção e esforço no combate progressivo à escravização humana, bem como abertura para os novos tempos econômicos.

A lei em comento, portanto, decorre de uma discussão acirrada ligada à transformação de uma economia calcada no trabalho do escravizado para a baseada no trabalho livre. O ponto nodal do debate versava sobre a indenização para os proprietários de escravizados e sobre a concessão de liberdade para esses últimos.

Havia uma conjugação de interesses que conduziu à prevalência do legislativo no processo decisório sobre a abolição. Aos abolicionistas, aos escravagistas, em especial aos grandes produtores de café e aos próprios membros da Assembleia Nacional, esses últimos sob a alegação de que o debate poderia levar à subversão da ordem pública, por razões diferentes, interessava que esse poder capitaneasse o processo.

Perceba-se que, no momento histórico identificável, não se estava diante de leis descumpridoras do inerente caráter indutor das legislações, mas sim de leis que continham o firme propósito de retardar mudanças que já tinham ocorrido em numerosos pontos do globo terrestre. Sim, o Brasil foi o último país que aboliu a escravatura.

A celebração de atos internacionais entre Brasil e Inglaterra seria, pois, o marco da ilegalidade da escravidão no Brasil, que foi reforçada por leis nacionais também descumpridas. Em outros termos, muitos dos seres humanos trazidos forçadamente para o Brasil o foram em descumprimento de normas vigentes à época.

Antes de tudo, reproduz-se trecho de obra premiada e aprovada pela Resolução Imperial de 9 de Fevereiro de 1.861 para uso das Faculdades de Recife e São Paulo, intitulada Direito Administrativo Brasileiro[13]:

Pela Conv. de 23 de Novembro de 1826 obrigou-se o Brasil para com a Inglaterra a não consentir que os seus súditos exercessem o tráfico de africanos 3 anos depois de trocadas as ratificações da mesma convenção, sendo este tráfico declarado pirataria.

Para tornar efetivas estas estipulações, promulgou-se a lei de 7 de novembro de 1831, que declarou livres todos os escravos que entrarem no território ou nos portos do Brasil, vindos de fora, com exceção dos matriculados nas equipagens das embarcações, e dos que fugirem do território ou embarcação estrangeira; impôs aos importadores a pena do art. 179 do Cód. Criminal (prisão por 3 a 9 anos e multa correspondente à 3ª parte do tempo), a multa de 200$ por cabeça de escravo importado, além da obrigação de pagar a despesa de reexportação para a África; definiu quais são os importadores africanos; e ofereceu o prêmio de 30$000 por cabeça a quem der notícia ou apreender, ainda sem mandado judicial, os ditos africanos ilicitamente importados. 

Dito isso, retorna-se ao trilho original, ou seja, às considerações sobre a lei dos sexagenários sobre a qual, de modo extremante sintético, pode-se dizer que acabou por promover o seguinte:

a) os escravizados que atingissem 60 anos ou mais anos de idade seriam libertos;

b) a libertação também ocorreria se houvesse inexistência ou omissão na matrícula dos escravizados(registro a ser procedido pelo proprietário de escravizado), por fundo de emancipação (fundo com recursos provenientes de taxas e rendas específicas, adicionais acrescidos aos impostos gerais, excetuando-se o de exportação, e títulos da dívida pública emitidos para tanto, que deveria custear a gradual emancipação de escravizados, a colonização e a conversão do trabalho escravo em atividades econômicas definidas pela lei)[14] ou por transgressão de domicílio (quando o escravizado era levado de uma província a outra sem autorização);

c) a indenização para o proprietário, que deveria ser feita pelo próprio liberto de 60 anos ou mais, obrigado a prestar serviços aos seus ex-senhores por três anos ou até completar 65 anos.

A olhos desavisados pode parecer que, em se concedendo a liberdade aos escravizados naquele cenário do não tão longínquo ano de 1.885, não haveria crítica severa a fazer pelo prisma da justiça do ato. A questão pouco abordada é que os brasileiros somente começaram a ter esperança de vida próxima aos 60 anos quase 100 anos depois. Melhor dizendo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o homem brasileiro, sob outras condições sanitárias, ao nascer, esperava viver 59,6 e a mulher brasileira, também nesse quadro mais favorável, 66,0 no ano de 1.980. Tendo em conta que a média para ambos os sexos de esperança de vida em 1980 era, por conseguinte, de 62,7, destaca-se que os escravizados que tivessem 60 anos ou mais deveriam trabalhar por três anos ou até os 65 anos de idade para indenizar os proprietários de escravos[15].

Assim, travestida de justiça segundo as necessidades de uma categoria essencial, no caso, os escravizados, em verdade, aplicou-se a concepção de justiça baseada na posição, atendendo-se aos interesses de uma categoria essencial que tinha posição de supremacia, a elite vinculada à cafeicultura.

A liberdade é um direito natural, vinculado ao contexto moral, que, no que tangia aos negros escravizados nascidos no Brasil, não estava positivado na Constituição de 1.824. Pelo alinhamento teórico já aduzido, para essa população não seria, em 1.885, um direito fundamental. Porém, havia legislação, no caso, a referida convenção celebrada com a Inglaterra e a lei que lhe dava aplicabilidade no Brasil, que reconheciam, ao o positivar, o direito à liberdade nas hipóteses outrora externadas. Para os escravizados abrangidos por essas legislações e para seus descendentes, poder-se-ia falar em violação ao direito humano à liberdade. 

Por via de consequência, no ver dos escravizados, a justiça concreta haveria na medida em que se lhes reconhecesse o direito à liberdade. Dessarte, uma vez que a expectativa que esse reconhecimento fosse para toda a categoria restou frustrada com a imposição de um critério etário e de previsão legal vinculada à existência de recursos financeiros em um fundo ou ao cometimento de ilegalidades por parte dos proprietários de escravizados, seria inevitável que percebessem essa situação como injusta.

Escravizados eram pessoas às quais se negava também o exercício do direito à liberdade, compelindo-se-os a executar trabalho sem remuneração. A idade do escravo adulto não seria fato relevante no exame de suas situações política e jurídica até o advento da lei em comento já que não seria hipótese de aplicação da Lei do Ventre Livre. O atingimento da idade de 60 anos configurou-se como critério arbitrário dificilmente atingível pelo beneficiário. Portanto, houve uma escolha causadora de injustiça e impeditiva da satisfatoriedade da necessidade de liberdade por intermédio de lei.

Por outra mão, a estipulação da idade para a emancipação também poderia ser vista, dentro na categoria essencial, como um critério reconhecedor do mérito, ou seja, do nível de sacrifício imposto. Em outros termos, a idade poderia ser tida como uma presunção de imposição de maior sacrifício individual em decorrência do maior tempo de exposição à violação de direitos. Mesmo sob esse prisma, por haver condições diferentes de submissão ao período escravagista, estariam os escravizados em graus diferentes de sofrimento que, em verdade, seria inavaliável.

Importante consignar que o ser humano persegue, e já perseguia naquela época, não apenas a liberdade, mas também a igualdade e as condições mínimas de existência digna correspondentes ao seu tempo. Nesse sentido, a falta de previsão de pagamento de indenização aos libertos, cumulada com a obrigação de eles, por meio de disponibilização por mais três anos de sua força de trabalho, indenizarem os senhores, sob a ótica da justiça à luz das necessidades, configurariam estado de injustiça.

Oportuno sublinhar que parte do fundo de emancipação destinava-se, em porções iguais, a estimular a colonização, a emancipar escravizados e a libertar escravizados de lavoura e mineração cujos senhores quisessem converter em livres os estabelecimentos mantidos com escravizados. Perceba-se, pela mesma noção de justiça, a ocorrência de injustiça, pois um terço dos valores do fundo serviriam para transportar os substitutos remunerados dos escravizados não indenizados e despreparados para os então novos tempos.

Os senhores de escravizados viam que as mudanças até poderiam trazer vantagens para o país ou, ao menos, seriam atos necessários diante de pressão interna e externa. Todavia, certamente, não queriam e não custearam a transformação. Nesse quadro, tendo-se por norte a concepção de justiça concreta de alcançar a cada um em sintonia com a sua posição, a postergação da abolição, o custeio da transformação do trabalho escravo para o trabalho livre por parte do fundo de emancipação, bem como a indenização paga pelos libertos, é crível que os senhores de escravizados considerem que tenha havido justiça.

Dentre as leis integrantes do período identificado, tomamos como exemplo a Lei número 3.270, de 28 de Setembro de 1.885, conhecida como Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe[16]. Poder-se-ia ter utilizado a lei número 2.040 de 28 de setembro de 1.871[17] – a “Lei do Ventre Livre” – com o mesmo propósito de demonstrar o conjunto de injustiças promovidas durante e após a escravização no Brasil.

O retroceder histórico e a escolha de uma lei para tratar de forma mais detalhada é estrategia para sublinhar como o nosso passado foi gerador de um persistente racismo que teve como instrumento inclusive a lei.

No ponto seguinte, mostrar-se-á como leis atuais e vinculadas ao campo da igualdade racial continuam sendo ineficazes, gerando-se desproteção aos agora existentes direitos fundamentais das mulheres e dos homens negros.

3. “Para brasileiro ver?”

O sistema escravocrata era e é inerentemente injusto, pois elege critérios arbitrários para conceder direitos a um grupo de pessoas e, simultaneamente, negar a outro. Esses critérios podem ser a raça, o fato de ter havido prévia perda em uma guerra ou outro imposto por aquele que esteja em posição de impor a sua vontade ou sua visão de sociedade.

A escravização negra no Brasil produziu e sustenta marcas graves de difícil superação para o seu corpo social. Tanto que as transformações gradativas e de cunho legislativo parecem não surtir os efeitos necessários em diversos ambientes e aspectos.

O fato é que as leis que compõem o período prévio à abolição da escravatura e a situação sócio-política gerada por uma política estatal de violação extremada de direitos para os negros escravizados, constituiu injustiça intertemporal, ou seja, produziu reflexos em numerosos campos e contextos ainda não enfrentados de maneira eficiente e eficaz pela sociedade brasileira. Diante disso, os cidadãos negros brasileiros vivenciam quadro de proteção deficiente de seus direitos fundamentais.

O entusiasmadamente anunciado estatuto da igualdade racial, instituído pela lei número 12.288/2.010, parecendo remontar as leis do período mencionado acima, não gerou efeito positivo concreto apesar do tempo transcorrido.

Aliás, bom destacar dois de seus artigos.

O parágrafo 3º do artigo 39 estaria vocacionado a intervir no mercado de trabalho estimulando a responsabilidade social corporativa, pois assim dispõe:

Art. 39.  O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1o  A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2o  As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.

§ 3o  O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

Sem dúvida, a responsabilidade social corporativa é caminho a ser fortemente estimulado e trilhado, em paralelo com a adoção de cotas relativas aos cargos públicos, empregos públicos e funções delegadas. Aliás, a empresa é capaz oferecer mais vagas no mercado de trabalho e de tornar permanente e natural a inserção e do negro em searas de maior poder econômico e social. Essas ofertas, pelo menos no início, estariam ligadas ao interesse de agregar à marca uma imagem de efetivadora de direitos e de respeitadora da diversidade. Mais adiante, poder-se-ia perceber que instituições diversificadas são mais competitivas e mais aptas a se adaptar às diferentes realidades, a enfrentar adversidades e a encontrar soluções para os problemas enfrentados pela sociedade.

Evidentemente, o dispositivo legal está a exigir regulamentação, pois não há definição quanto à espécie de incentivo, ao número de beneficiários da iniciativa da empresa ou ao seu período mínimo de duração. O fato é que, enquanto não ocorrer a regulamentação do Estatuto, que prevê incentivos fiscais para as empresas que por convicção de seus dirigentes, por interesse mercadológico ou por identificação de oportunidade auxiliem no enfrentamento do racismo no mercado de trabalho, haveremos de constatar diferenciações acentuadas no que pertine à empregabilidade e aos níveis salariais.

Ressalta-se que os certames nos quais foram instituídos sistemas de reserva de vagas sensíveis à raça no Brasil o foram e o são com base em outras leis e não no estatuto supradito. Sublinhe-se que foi necessário, com o fito de evitar incessantes e desgastes discussões, ajuizar ação declaratória de constitucionalidade (tombada sob o número 41 e que foi julgada em 08.06.2017) relativa à lei 12990/2014 que reserva 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta do Executivo e que é aplicável também aos outros Poderes.

Nessa quadra, não surpreendem os dados reveladores de baixos níveis de empregabilidade, de diferenças salariais e de baixa inserção nas posições de gestão e de comando nas 500 maiores empresas brasileiras.

Pesquisa realizada pelo Instituto Ethos com a cooperação do Banco Interamericano de Desenvolvimento de 9 de Dezembro de 2.014 a 28 de Maio de 2.105 traz o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil[18]. Informa a instituição que foram consultadas 500 empresas, sendo que 117 enviaram respostas. Afirma, ainda, que já foram realizados trabalhos semelhantes, sendo o anterior do ano de 2.010 e que a escolha das empresas não foi aleatória, identificando que as eleitas exercem papel de liderança e de referência para o mercado.

Consoante a pesquisa, 88% das empresas que responderam ao questionário não tem política afirmativa de cunho racial. Daí decorre que os negros estariam em 35% das vagas do quadro funcional, em 25,9% das vagas de supervisão, em 6,3 das vagas de gerência, em 4,7 dos quadros executivos e 4,9% dos conselhos de administração.

O DIEESE faz consolidação de dados pertinentes a cinco regiões metropolitanas brasileiras, pesquisando sobre ocupação, desemprego, qualidade das relações de emprego e níveis salariais. No que concerne ao desemprego, oportuno reproduzir o que consta no trabalho denominado “Inserção produtiva dos negros nos mercados de trabalho metropolitanos” de novembro de 2.016:

“Historicamente, os negros convivem com patamares de desemprego mais elevados, mesmo nas regiões onde sua presença é expressiva, como Salvador, Fortaleza e Distrito Federal.

A taxa de desemprego dos negros apresenta diferença expressiva principalmente em Porto Alegre, onde a taxa desse segmento é superior a dos não negros em 4,5 pontos percentuais, seguida de Salvador (3,4 p.p), São Paulo (2,9 p.p), Distrito Federal (2,0 p.p) e, com menor distância, em Fortaleza (0,6 p.p).

Entre 2014 e 2015, as taxas de desemprego cresceram expressivamente em Porto Alegre e São Paulo e, de modo menos intenso, em Fortaleza e Salvador, atingindo os diferentes segmentos da força de trabalho. A desagregação dos dados pelos grupos de cor/raça mostra que o aumento do desemprego ocorreu em percentual maior para os negros em Fortaleza, São Paulo e, em menor medida, em Porto Alegre. Apenas em Salvador a taxa de desemprego aumentou mais para não negros. Considerando o sexo, a taxa de desemprego elevou-se mais para os homens que para as mulheres, em todas as regiões analisadas. Entre elas, exceto na região de Salvador, as taxas aumentaram mais para as mulheres negras, no período em análise.”

A Fundação de Economia e Estatística (FEE) gaúcha faz levantamento semelhante ao referido acima e, integrante do mesmo sistema, o repassa ao DIEESE. Importante assinalar que, referindo-se à região metropolitana de Porto Alegre e à queda do rendimento médio dos trabalhadores, uma vez mais, evidencia-se a existência de diferenças salariais entre negros e não negros:

“Entre 2014 e 2015, constatou-se redução dos rendimentos médios reais tanto para negros (4,5%) quanto para não negros (7,8%). Em termos absolutos, o rendimento médio dos negros reduziu de R$ 1.697 para R$ 1.620; para os não negros, a retração nos rendimentos foi mais intensa, de R$ 2.343 para R$ 2.160, no mesmo período.”

Definitiva e elucidativa é a apresentação do trabalho do DIEESE identificado acima:

“A análise das informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego – Sistema PED, realizada por meio do Convênio entre o DIEESE, a Fundação Seade, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE/FAT) e parceiros regionais no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e São Paulo – mostra que a redução das desigualdades raciais vivenciadas ao longo das últimas décadas, em um contexto de relativa melhora do mercado de trabalho, não foi suficiente para promover a equidade de valoração do trabalho exercido pelos negros em relação aos não negros. O recente processo de estruturação do mercado de trabalho brasileiro trouxe melhoria nas condições de inserção produtiva promovendo redução da diferença dos níveis de desemprego por raça/cor. Entretanto, entre 2014 e 2015, a situação mudou significativamente e restrições ao crescimento econômico trouxeram a recessão e o desemprego para a vida dos trabalhadores e trabalhadoras. As taxas de desemprego cresceram nas regiões metropolitanas pesquisadas pela PED, na maioria delas, com impacto maior sobre a população negra.

A dinâmica do mercado de trabalho expressa os padrões vigentes nas relações raciais e de gênero na sociedade brasileira. As diferenças salarial e ocupacional entre negros e não negros estruturam as oportunidades de vida desses diferentes grupos populacionais na sociedade brasileira.”

Restam evidentes as dessimetrias com as quais se deparam negras e negros no mercado de trabalho e com a insuficiência da proteção nesse campo.

Os reflexos do racismo também se traduzem na forma de proteção alcançada aos integrantes da comunidade negra que sofrem violações na forma de crimes raciais.

Sabe-se que ao Estado moderno não cabe apenas impedir a violação de direitos, cabendo-lhe promovê-los e criar ambiente propício para que pessoas e entidades públicas e privadas também os promovam. Nesse cenário, é que devem ser compreendidos os crimes raciais, sublinhando-se que, tecnicamente, a consideração de condutas como criminosas é a última alternativa.

Dessa arte, tem-se que são insuficientes, nos planos prático e jurídico, à luz da Constituição Federal, as disposições do parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal e da Lei Federal número 7.716/89. Em verdade, elas geram situação que não tem permitido a diminuição de práticas odiosas com motivação étnico-racial, pois criam atmosfera de que não há sanção para esses agires.

Normalmente, a crítica recai sobre os integrantes do sistema de justiça e de segurança. Todavia, é de se reconhecer que os instrumentos que se lhes alcançam não são de boa qualidade.

Numerosas vezes, discute-se, revelando-se frustração, o motivo de certas condutas serem tidas como injúria racial e não como crime de racismo. Ora, ao fazer a crítica, evidencia-se que o crime de racismo seria mais grave aos olhos de todos. Se assim é, não deveriam os dois ter idêntica cominação de pena, ou seja, reclusão de 1 a 3 anos e multa.

De bom alvitre sublinhar que gera-se aparente conflito entre o artigo 20 da Lei 7716/89 e o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal. Em síntese, pode-se dizer que, com esteio em decisões judiciais, que ofensa que se limite à pessoa da vítima, é tida como injúria racial e aquela que atinja um grupo étnico, mesmo que dita a uma pessoa, seria tipificada como racismo. Portanto, no primeiro grupo, enquadram-se as ofensas “macaco” ou negro safado”. Se a ofensa, dirigida a uma pessoa, fosse “aqui não é lugar de negro” ou “é bem coisa de negro”, estar-se-ia diante do segundo grupo.

Na medida em que se torna mais relevante o xingamento dito e não a intenção do agente, permite-se subjetividade geradora de insatisfação e de sensação de impunidade, pois, em não raras vezes, faz-se incidir a norma extraível do Código Penal. Com isso, não se estaria na presença de crime inafiançável e imprescritível, mas sim de crime que permite a fiança e que prescreve, em tese, em oito anos. Acrescente-se que há estudos técnicos que dão conta de que as absolvições superam o patamar de 69% (Relatório Anual das desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010 – LAESER).

Em verdade, o ânimo de injuriar não se coaduna com o da prática de racismo por meio de expressões racistas. Em verdade, na medida que se utiliza expressão de cunho racista, não se está diante de injúria. Está-se diante de atitude mais grave consoante o texto constitucional do que o ataque à honra, impondo resposta mais severa. Em outros termos, quem chama outro ser humano de “macaco”, “carvão”, “negro safado” ou negro sujo”, não está a injuriar, está a tratar a vítima com desigualdade, pretendo colocá-la em patamar inferior ao seu em decorrência de serem de cores ou de etnias diferentes. O agressor está a regredir no tempo e no estado civilizatório. Nesse teatro, o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal está em dessintonia com a Carta Magna, é gerador de conflito aparente e, desnecessário, conduz à sensação de impunidade, que é maximizadora de problemas. Além disso, apesar de a reprovabilidade ser maior no caso em comento, utilizam-se práticas jurídicas atinentes à injúria comum como a retorsão e a injusta provocação da vítima.

A solução para condutas que tenham como móvel o racismo, isto é, que tenham como intenção criar desvantagem, gerar ou ampliar desigualdade, negar oportunidade, impedir ou dificultar o exercício de direito ou o cumprimento de dever em decorrência da cor ou da etnia da vítima está na radical reforma da lei 7.716/89 ou na inclusão dos novos tipos que nela constariam no corpo do Código Penal. Aliás, é de se ter atenção às lições dos estudos sobre discriminação indireta, pois, talvez sejam mais frequentes e mais dificilmente enfrentadas numa pátria que ainda vive sob o mito da “democracia racial”.

Sem desdouro aos esforços empreendidos na confecção e na articulação para aprovação da Lei 7.716/89, é forçoso mencionar atecnicidades, à guisa de exemplo, que devem ser afastadas.

Na mencionada lei, referem-se os locais nos quais as condutas deveriam ser tipificadas como crime de racismo. Tal proceder é desnecessário e gerador de omissões graves. E se, por exemplo, um médico negasse atendimento à pessoa enferma por questão racial? A norma de qual artigo incidiria nesse caso, pois não há referência expressa a hospital na lei? Se se dissesse que, aplicar-se-ia a norma extraível do artigo 20, exsurgiria uma pergunta: tendo o direito à vida e à saúde status diferenciado, pode o inacesso a salão de cabeleireiro ter a mesma cominação de pena? A inadequada referência aos locais de cometimento de racismo só serve para criação de discussões periféricas em princípio e hábeis a levar à absolvição no final.

O artigo 20 dá a impressão de que os artigos que o antecedem não preveem atos que configurariam prática de racismo, necessitando de sua existência. Aliás, o verbo empregado “praticar” é impreciso, merecendo alteração. No que tange à pena, além de ela ser idêntica para o caso de ofensa a uma pessoa ou a um grupo étnico, perceba-se que se Presidente de entidade que reúna empresários e empresas disser, “incitando-os”, que não devem ser contratadas pessoas de determinada etnia, em tese, teria pena menor do que aquele que, no fundo de seu quintal, resolvesse manufaturar suásticas.

Em verdade, a pena mínima não poderia ser inferior a dois anos com o fim de se evitar a possibilidade corriqueira da suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95. Já a pena máxima deveria ser de 5 anos, evitando-se a possibilidade de fiança. Poderia ocorrer, com esteio no princípio da presunção de inocência, o alcance da liberdade provisória, mas, ao menos, quando da constatação da ocorrência delituosa, haveria plena e pronta resposta do sistema de segurança.

Seja na alterada lei de combate ao racismo ou no Código Penal, mister que se preveja que a retorsão ou o fato de a ofensa ter ocorrido durante ou após discussão, não gerarão afastamento da punibilidade. Ora, é justamente nessas ocasiões que aflora o preconceito, convertendo-se em ação danosa concreta.

Importante destacar que disposição que visa ao combate ao racismo não pode ser prevista apenas levando em conta que a maior parte das vítimas é negra no país, sob pena de se gerar antinomias. Por esse motivo, havendo praticantes de religiões de matriz africana que não são negros, não se deveria inserir a questão da religião no que ora se discute, mas em ambiente próprio, pois também há preconceito religioso a ser frontalmente combatido em nossa Pátria.

Em síntese, as sugestões que se apresenta são a) a revogação parcial do parágrafo terceiro do artigo 140 do CP, excluindo o que diga respeito ao que se denomina de injúria racial; b) a reforma da lei 7.716, restringindo-a a questões atinentes à cor e à etnia, reduzindo-se os tipos penais e se os redigindo de maneira que tenham como conteúdo a intenção de criar desvantagem, de gerar ou de ampliar desigualdade, de negar oportunidade, de impedir ou de dificultar o exercício de direito ou o cumprimento de dever em decorrência da cor ou da etnia da vítima ou, ainda, a revogação da lei 7.716/89, criando-se disposições novas no Código Penal; c) previsão expressa de que, em caso de racismo, em qualquer de suas formas, não caberia o perdão judicial com esteio na ocorrência de retorsão, de embate ou de provocação da vítima; d) cominação de pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa e previsão de cláusula de aumento de pena se o crime atentar contra grupo étnico.

A interpretação concernente ao texto sugerido, por óbvio, advirá das decisões judiciais, da realidade a ser examinada, da experiência do intérprete e dos fatos relativos a cada caso. Todavia, impõe anotar que se adotou linha que se entende pertinente ao que mais ocorre no momento e que, na visão do subscritor, merece ser tipificado criminalmente.

Sublinha-se que há fatos, infelizmente repetidos na vida diária, que podem, ainda, ser combatidos por intermédio de ações civis, em especial ações civis públicas com a destinação de valores para ações concretas de combate ao racismo, bem como por ações criminais com esteio na legislação vigente(como a lei federal 9.455/97) ou, ainda, de forma preventiva, com a aguardada regulamentação do estatuto da igualdade racial (v.g., prevenção à violência policial, diminuição das desigualdades no campo da saúde, da pesquisa, do mercado de trabalho e da educação) e com a implantação do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

No que tange ao aspecto religioso, na medida em que há praticantes de religião de matriz africana que não são negros, a lei atual gera confusão em determinados casos concretos. Logo, prudente é que ofensas diretamente vinculadas a questões religiosas sejam mantidas como móvel para a aplicação do §3º do artigo 140 do Código Penal ou de artigo que vier a lhe substituir com o mesmo teor. Pode-se, ainda, criar artigo ou lei atinente à intolerância religiosa, abordando-se a questão mencionada.

Por se fazer menção ao impedimento ou à dificuldade de exercício de direito juridicamente tutelado, compreende-se a salvo direitos como à saúde, à educação, ao trabalho descente, à cultura, à ascensão socioeconômica, à liberdade de culto e de religião, à livre locomoção, ao acesso aos cargos públicos, sendo despiciendo citar esses ou outros de natureza diversa. Quando se aborda a criação de desvantagem, a geração ou a ampliação de desigualdade, visa-se ao ataque à discriminação indireta, não se inviabilizando a efetivação de ações afirmativas no presente ou no futuro, o que é óbvio pelo contexto constitucional e infraconstitucional pátrio. E quando, quando se estampa a vedação à negativa de oportunidade, abarca-se ataque ao inacesso a possibilidades no mercado e a processos seletivos privados, bem como a vedação de escolhas pessoais serem pautadas por critérios menos nobres.

Entendendo-se que são mais reprováveis os atos promovidos por agente público ou por agente político, nas redes sociais ou nos meios de comunicação, com o intuito de atingir um número maior de pessoas, deveria se prever pena maior nessas hipóteses. Mais graves também são as discriminações que se expressam por meio de violência ou de grave ameaça ou que se configuram em orquestração para não permitir o exercício de direitos ou para negar oportunidade. Nesse teatro, se pessoa não contrata outra pessoa por ser ela negra, a situação é uma. Todavia, se gestor de agência de empregos nega-se a encaminhar negros para contratação, a situação afigura-se bem mais grave.

Crendo que está assazmente demonstrado como a legislação penal atual não cumpre o dever de proteção, aduz-se sugestão de texto legal:

       Crime de racismo

Art. Impedir ou dificultar o exercício de direito, criar desvantagem, gerar ou ampliar desigualdade, negar oportunidade ou ofender em decorrência da cor ou da etnia da vítima.

Pena – reclusão, de 2 a 5 anos e multa

§1º Aumenta-se em um terço a pena nas seguintes situações:

I- quando a prática atentar contra determinado grupo de pessoas ou contra determinada etnia em toda a sua extensão;

II- quando o crime for cometido por meio ou em local que gere maior conhecimento sobre a sua ocorrência;

III- quando o criminoso for agente político ou agente público, ou, ainda, quando o crime for levado a efeito em relações de trabalho.

§2º Aumenta-se a metade da pena:

I – quando a discriminação for efetuada mediante violência ou grave ameaça;

II – quando houver associação para a prática de racismo em qualquer das suas formas.

§3º Incide nas mesmas penas quem pratica incitação ou apologia referente ao crime ou ao criminoso.

§4º Não gerarão extinção da punibilidade a ocorrência de retorsão e o fato de o crime ter sido praticado durante discussão ou por provocação da vítima.

§5º A ação penal será pública incondicionada em qualquer hipótese.

A educação racialmente inclusiva talvez seja o caminho mais eficaz para ensejar as transformações faltantes na sociedade. Ela, potencialmente, pode ampliar nossos níveis de coesão social e civilizatórios com base no conhecimento das raízes dos povos formadores do povo brasileiro e do afastamento de uma cultura eurocêntrica e refratária à diversidade.

Esse entendimento já chegou aos profissionais e militantes do campo da educação, como também chegaram as desvantagens no sistema atual que são impostas aos negros e indígenas. Tanto é assim que foi alterada, em 2.003, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos termos da Lei Federal número 10.639/2003 (criando-se o artigo 26-A), posteriormente alterada pela Lei Federal número 11.645/2008.

Desta forma está entabulado no dispositivo legal referido acima:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.        (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.           (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.         (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).”

Cumprida a lei, a escola seria local de construção de outras relações, permitindo-se um melhor desempenho dos alunos, bem como uma diminuição da evasão escolar. Aliás, ao saber mais sobre sua história e sobre sua cultura, negros e indígenas teriam efetiva e ampla integração e os não negros ou indígenas veriam esses outros grupos a partir do conhecimento, ou seja, do conceito e não do preconceito.

Lamentável é constatar que as gestões dos entes federativos não direcionam atenção à possibilidade de com um determinado meio atingir satisfatoriamente mais de um fim. Diverso fosse o processo decisório e de compreensão, realizando análise intertemporal das questões e das soluções possíveis, bem como avaliações de impacto das políticas públicas, poderiam já ter implementado o comando que se extrai da lei.

Esses entes também não demonstram foco na qualidade do gasto público com o fito de atingimento de resultados concretos positivos. Portanto, ao agir no campo da educação de maneira dissociada dos interesses, dos direitos e das necessidades de grupos étnicos que superam a metade de seu contingente populacional, bem como de interesses, de direitos e de necessidades de toda a sociedade, em especial das crianças e dos adolescentes, o Brasil escancara carecer melhor trato da eficiência, da sustentabilidade e da eficácia.

O preconceito e a discriminação racial impedem que potenciais sejam de forma plena explorados individual e coletivamente. Dessa arte, é de interesse das sociedades, sobretudo as dos países em desenvolvimento, combater essas chagas ferrenhamente, já que uma sociedade harmônica, indubitavelmente, tem maior chance de atingir o desenvolvimento e que uma sociedade violadora acaba por desperdiçar talentos. Importa anotar que o ser humano não se limita a objetivos ou a ganhos economicamente mensuráveis, abarcando sentimentos e expectativas coletivas e individuais ligadas à solidariedade, à compaixão e à autoestima. Logo, a persistência do racismo e das desigualdades que produz são nocivas para o indivíduo discriminado, para o não discriminado e para o corpo social.

O racismo pode ser combatido por meio de processos educacionais, por meio de ações afirmativas, por meio da aplicação de sanções, por meio de atos civilizados e civilizatórios vinculados aos exemplos pessoais ou institucionais, bem como pela constituição de estruturas voltadas ao trato dessa questão.

É perceptível que, em solo pátrio, não estamos sendo eficazes no combate ao racismo, pois ele ainda é bem presente e, em certos momentos, afigura-se revigorado. Também não temos sido eficientes porque não utilizamos de forma sistêmica todos os meios dos quais dispomos.

A educação seria o remédio mais forte no combate ao racismo institucional. De bom alvitre destacar que se toma o racismo institucional como o desinteresse ou a desatenção com questão ou com necessidade que interessa a determinado grupo étnico, levando à ocorrência e à permanência da discriminação. Parte-se, por conseguinte, da superação da intencionalidade, tendo-se, como bem ensina RIOS (2.008), como a gênese da discriminação a dinâmica social, o ambiente institucional e as organizações nas quais os indivíduos vivem. Sob essa ótica, o exame do preconceito e da discriminação racial não se calca no sentir e no agir individual, sobretudo em uma sociedade que não se admite racista e que ainda sustenta conformar uma democracia racial, mas nos padrões de conduta, nos posicionamentos e nas composições institucionais e nos resultados práticos para o grupo lesado.

O racismo institucional é inimigo de mais difícil identificação, que necessita de assunção de compromissos institucionais e de afastamento de supostas e danosas neutralidades que são estigmatizadoras e impeditivas do avanço civilizatório.

Desconsiderando o caráter transformador da norma, pois ela visa à formação de uma sociedade baseada no conhecimento e não no preconceito, reafirma-se, ultrapassando a questão educacional e configurando meio de prevenção e de combate às práticas racistas no corpo social, os Estados-membros e os Municípios não deram efetividade sistemática ao que determina a lei. A União, por sua vez, permite, ao não promover a alteração dos currículos das graduações, que profissionais saiam das Universidades sem o conhecimento necessário para ministrar disciplinas de forma adequada ao que determina a LDBEN. Falha, por conseguinte, do ponto de vista educacional, político e econômico, sobretudo porque, além disso, acaba repassando recursos com bem menor possibilidade de êxito, para que os já professores individualmente ou os demais entes federados em períodos de tempo inferiores ao da graduação, compareçam ou promovam eventos e cursos.

Vê-se aí um importante meio de combate ao racismo, a educação, utilizado de forma ineficiente e gerando efeitos inferiores aos quais legitimamente se poderia esperar.

 Se não bastasse o descumprimento da lei por parte dos gestores da educação, conta a sociedade com a falta de fiscalização por parte da quase totalidade dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos e Defensorias.

 Justo é anotar que o Tribunal de Contas gaúcho e a Defensoria-Pública da União, no Rio Grande do Sul, desde 2012, integram grupo de trabalho que fiscaliza a implementação dessa política pública por parte dos Municípios do Estado. Essa iniciativa, que gerou a criação de uma metodologia de fiscalização específica, é única no país, o que torna seus resultados elogiáveis, mas pequenos diante do desafio enfrentado.

4. Conclusão:

No Brasil, os negros e negras não tem seus direitos fundamentais efetivamente protegidos em campos extremamente relevantes. Tal afirmação está sustentada nos dados pertinentes às questões eleitas acima. A razão dessa proteção deficiente ou insuficiente deita raiz no longo período de escravização seguido da adoção de políticas públicas de baixa eficiência e de insatisfatória eficácia.

Nesse cenário, não é crível que possam ser atingidos os Objetivos Republicanos, tampouco os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as metas da Década Internacional dos Afrodescendentes.

No campo das ciências, em especial, no Direito, é inafastável agregar cortes raciais nos estudos, nas pesquisas e nas análises sobretudo nas que digam respeito ao desenvolvimento, à igualdade, à tomada de decisão, à justiça, às políticas públicas e a questões econômicas.

No campo político e no da gestão, é inarredável a alteração dos processos e dos critérios decisórios, conferindo-se a ações plenamente planejadas uma maior possibilidade de êxito, ou seja, eficiência e eficácia devem ser agregadas. Mister que sejam bem definidos os fins a serem atingidos, bem como os meios de se lhes dar concretude. No caso concreto, a eficiência das políticas ligadas à igualdade racial estará diretamente vinculada ao afastamento de simbologias e ao agregar de preocupação com o atingimento de resultados e de impactos positivos concretos.

Nesse teatro, a educação racialmente inclusiva, em decorrência das transformações que pode ensejar em negros e em não negros é o instrumento a ser amplamente utilizado, pois representa a possibilidade da construção de uma sociedade baseada no conceito, ou seja, no conhecimento e não no preconceito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1]              Resolução número 68/237, Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, https://nacoesunidas.org/img/2014/10/N1362881_pt-br.pdf (acesso em 28/07/2017).

[2]              https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ (acesso em 28/07/2017).

[3]              https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ (acesso em 28/07/2017)

[4]        Atlas da Violência 2017 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

[5]              SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria geral dos Direitos Fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª edição. Porto Alegre/RS. Livraria do Advogado Editora, 2011. p.         

[6]              Ibid., p. .

[7]              CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 1ª edição brasileira. São Paulo – SP. Editora Revista dos Tribunais, 2008. 2ª Edição portuguesa. Coimbra – Portugal. Coimbra Editora, 2008. p. 75.

[8]                     SARLET, op. cit., p. 399

[9]                     PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, Martins Fontes, 2.005, p. 9.

[10]                   PERELMAN, op. cit., p. 10

[11]                   Ibid., p. 11.

[12]                   PERELMAN, op. cit., p. 12

[13]                   RIBAS, Antonio Joaquim, Direito Administrativo Brasileiro, Ministério da Justiça, 1.968, p. 223.

[14]                   SANTOS, Lucimar Felisberto, Os bastidores da Lei: as estratégias escravas e o Fundos de Emancipação      http://www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a02.pdf

[15]                   Tábua de vida 2001 – IBGEhttp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/evolucao_da_mortalidade_2001.shtm

[16]                   http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66550

[17]                   Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Imperio desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. § 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mãis, os quaes terão obrigação de crial-os e tratal-os até a idade de oito annos completos.  Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãi terá opção, ou de receber do Estado a indemnização de 600$000, ou de utilisar-se dos serviços do menor até a idade de 21 annos completos.  No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.  A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de renda com o juro annual de 6%, os quaes se considerarão extinctos no fim de 30 annos.  A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias, a contar daquelle em que o menor chegar à idade de oito annos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.

[18]           Perfil, social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, Instituto Ethos, 2016, São Paulo.

fonte: REVISTA DA AGU, VOLUME 18, N. 02, ABR./JUN., 2019

https://www.academia.edu/39735032/A_POPULA%C3%87%C3%83O_NEGRA_BRASILEIRA_E_A_PROTE%C3%87%C3%83O_DEFICIENTE_DE_DIREITOS_FUNDAMENTAIS_THE_BRAZILIAN_BLACK_POPULATION_AND_THE_DEFICIENT_PROTECTION_OF_FUNDAMENTAL_RIGHTS

24 de novembro de 2019

Tese aborda desigualdades raciais na estrutura jurídica e pública

No Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito, da Escola de DireitoJorge Terra defendeu a tese sobre O Desafio da Superação das Desigualdades Raciais e da Discriminação: Uma Análise da Estrutura Jurídica e das Políticas Públicas no Brasil, a qual foi aprovada com louvor. A principal motivação para o recém-doutor mergulhar na questão foi a preocupação com os critérios de tomada de decisão em diversos âmbitos da sociedade. Terra conta que, hoje em dia, as pessoas têm mais acesso às informações, mas que não é suficiente. O questionamento sobre “que tipo de comportamento, enquanto sociedade, nós deveríamos tomar perante esses dados?” foi uma das suas inspirações para a tese.

Tese aborda desigualdades raciais e discriminação na estrutura jurídica e pública no país

Jorge Terra e banca avaliadora da tese de doutorado sobre a temática racial

O professor Carlos Alberto Molinaro, orientador do trabalho, afirma que o aluno merece grande mérito e destaque pela qualidade da pesquisa, que deve se tornar um livro muito relevante socialmente e academicamente. A publicação está nos planos de Terra: “Entendo que é um compromisso meu, como é um assunto que interessa à sociedade de forma geral. De alguma maneira, é meu dever fazer com que isso chegue a todos os cantos”, afirma.

Molinaro enfatiza que tudo o que pode contribuir para reduzir as desigualdades sociais é importante e que essa foi a primeira vez que orientou uma tese sobre o tema específico: “É um fator fundamental enquanto agentes de promoção de desenvolvimento social”, afirma. Ele lembra da importância do meio acadêmico nesse processo, citando eventos já realizados sobre o tema.

Ações antirracistas na prática

Na tese, Terra afirma que que é necessário combater os estereótipos raciais que possam comprometer o julgamento e as tomadas de decisão, independente do contexto político e da legislação. Ele conclui: “É possível tornar mais eficazes a estrutura jurídica, as políticas públicas e a infraestrutura institucional, dando-se concretude aos objetivos fundamentais previstos na Constituição vigente”.

Entre as propostas de políticas públicas comportamentais elaboradas pelo autor, estão as voltadas para educação, segurança, mercado de trabalho, saúde, infraestrutura institucional, esporte, cultura, mídia, recursos tecnológicos e internet. “Recomenda-se que instituições públicas em geral e, em especial as que implementem políticas públicas pertinentes aos domínios da educação, da segurança e da justiça, bem como as que realizem controle ou fiscalização dessas políticas públicas, promovam atividades que reúnam seus profissionais com a sociedade civil com o fim de capacitar os primeiros a julgar, a decidir e a avaliar questões sensíveis à raça”, conclui Terra.

Atuação na área de direitos humanos

Jorge Terra, 52 anos, também é coordenador da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Presidente da Comissão Especial da Verdade da Escravidão Negra no RS (OAB), Procurador do Estado, entre outros cargos. Apesar de ocupar posições de destaque, ele conta que, geralmente, é um dos únicos negros nos ambientes em que frequenta: “Existem três procuradores negros no Rio Grande do Sul, entre os 400. Além de nós, houve apenas outra procuradora negra nos anos 80”, acrescenta.

Agora, Terra almeja realizar o pós-doutorado, mas tem um objetivo mais urgente. Ele planeja lecionar: “Quero colaborar na formação dos futuros profissionais do Direito”. Ao falar sobre os aprendizados do processo durante o doutorado, destaca que “é possível fazer” e conta que, muitas vezes, as pessoas perdem a esperança por não verem um caminho. “Acredito que meu trabalho traz esse caminho, essa possibilidade”, comenta o novo doutor.

Ele destaca que, quando cursou a graduação, não havia debate em sala de aula sobre direitos humanos, racismo e outras pautas relacionadas. Por isso, fica feliz em trazer o tema para dentro desse ambiente: “Quis buscar formas práticas e executáveis que o Direito possa implementar. O que nós não vemos são políticas públicas e estruturas políticas que sejam eficazes no enfrentamento desse problema”.


Fonte : Daniel Quadros – Comunicação Social da PUCRS

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