Jorge Terra

4 de agosto de 2023

Fiscalização da oferta de educação ambiental e antirracista passa a integrar o MMD-TC

A fiscalização dos Tribunais de Contas da oferta de educação ambiental e antirracista nos currículos escolares passará a integrar o Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas (MMD-TC). O MMD-TC é a principal ferramenta de análise da atuação dos órgãos de controle em todo o país.O novo ciclo, que ocorrerá em 2024, já contemplará as temáticas entre os seus critérios.  A iniciativa tem como finalidade identificar pontos fortes e oportunidades de melhorias, além de dar visibilidade às boas práticas desenvolvidas pelos Tribunais de Contas (TCs). 

Durante as avaliações, equipes do projeto verificam, em visitas presenciais aos 33 TCs, as ações desenvolvidas nas rotinas administrativas, de fiscalização e julgadoras dos órgãos de controle. A metodologia do  MMD-TC, que será atualizada até setembro de 2023,  é constituída de 4 domínios, subdivididos em 20 indicadores, 67 dimensões e 499 critérios de avaliação.  (veja na tabela a seguir). 

Os dois novos temas  de avaliação farão parte do Indicador: Fiscalização e Auditoria da Gestão da Educação. O relativo à educação ambiental analisará, por exemplo, se o Tribunal de Contas verifica a implantação das ações previstas na Política Nacional de Educação Ambiental nos currículos escolares. A Política foi instituída pela Lei Federal nº 9.795/99.

Já  a inclusão de critérios relativos à educação antirracista objetiva identificar se o órgão de controle fiscaliza o cumprimento do artigo 26 A da Lei de Dirtrizes e Bases da Educação (LDB), que prevê a implementação do ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas redes e estabelecimentos de ensino. Nos dois casos, serão examinados se há acompanhamento quanto à destinação de recursos orçamentários pelo Poder Público para essas iniciativas. 

De acordo com o presidente da Atricon, “a inclusão das temáticas no projeto é um fator de estímulo à adoção de políticas públicas necessárias para colocar em prática ações afirmativas já previstas na legislação, contribuindo decisivamente para a concretização dos direitos fundamentais e com grande impacto junto à sociedade ”.   

A metodologia do MMD-TC é inspirada em normas internacionais como a Supreme Audit Institutions – Performance Measurement Framework (SAI-PMF), da Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), e incorpora as diretrizes da Atricon, as Normas Brasileiras de Auditoria do Setor Público (NBASP) e as Normas Internacionais das Entidades Fiscalizadoras Superiores (ISSAIs). A periodicidade de aplicação do projeto é bianual e recebe certificação da Fundação Vanzolini. 

FONTE: ATRICON – 6.7.2023

16 de abril de 2022

Educação antirracista e fiscalização

O esforço concentrado do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, do Grupo Interinstitucional GT26-A e da Escola Superior de Gestão e Controle Francisco Juruena redundou na obra que pode ser de muita valia para fiscalizadores, gestores, educadores, mães e pais de estudantes, estudantes e ativistas sociais.

Nessa obra, trata-se da importância das normas legais extraíveis do artigo 26-A da LDBEN, das suas repercussões sociais, econômicas e educacionais, bem como sobre monitorar, fiscalizar e cumprir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Constituição.

Acesse a obra intitulada ” EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: DESAFIOS E FISCALIZAÇÃO” pelo seguinte link:

https://cloud.tce.rs.gov.br/s/wbqHYten5wwDHRa

jORGE TERRA

MEMBRO DO GT26-A

PROCURADOR DO ESTADO/RS

19 de outubro de 2020

Cultura afro nas escolas

Em 09.10.20220, a Secretaria Municipal de Cultura e Educação de São Sepé, no Estado do Rio Grande do Sul, promoveu capacitação com e para seus Professores com o tema “Cultura Afro nas Escolas”.

Para tanto, convidou o Procurador do Estado Jorge Terra para conversar sobre o tema.

A atividade pode ser vista ou revista pelo seguinte link:

Jorge Terra.

8 de janeiro de 2020

2021 nos encontrará sentados nas mesmas cadeiras?

Amanhã, 9 de Janeiro de 2020, a extremamente referida e nada cumprida lei 10639 completará 17 anos. A lei mencionada instituiu o artigo 26-A na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) no ano de 2003. Em 2008, esse artigo foi alterado pela lei 11645. Assim, além de não se ensinar a história e a cultura afrobrasileiras, descumprindo solemente a lei, passamos a também não ensinar a história e a cultura indígenas.

Como sociedade, entendemos que as crianças e os adolescentes precisavam saber muito mais sobre as histórias e culturas afrobrasieiras (a partir de 2003) e indígenas (a partir de 2008). Todavia, a União, os Estados, os Municípios e as mantenedoras de estabelecimentos privados de ensino pouco ou nada fizeram para que a lei fosse implementada.

A criança que estava na então primeira série do ensino fundamental em 2003 pode estar concluindo sua graduação. Logo, pode ter se transformado em mais um profissional que não teve sequer contato com a temática na educação básica e que, na graduação, não aprendeu como ensinar as gerações futuras a ter uma vida diferente.

O atraso e o descumprimento, de mãos dadas, estão quase chegando à vida adulta, ou seja aos 18 anos, e continuamos a não discutir o cerne da questão: ensinar as histórias e as culturas afrobrasileiras e indígenas é ter um projeto de nação. Sim, na medida que entendermos que não há hierarquia entre culturas e grupos raciais, não admitiremos que uns morram mais, ganhem menos, não tenham acesso à terra, sejam vítimas de ofensas e de violências.

Há grupos tão subalternizados no Brasil que as disposições constitucionais específicas ou gerais reconhecedoras de seus direitos são ignoradas ou interpretadas de modo a não se gerarem efeitos transformadores (tens dúvida de que a juventude negra tem direito à vida? E de que a juventude indígena tem direito a exercer seus direitos culturais?).

O fato é que, transcorrido período suficiente, não foram alterados os documentos escolares, obtidos e transmitidos conhecimentos, reformulados os currículos da graduações e da educação básica. Além disso, há quem entenda que realizar atividade pontual ou dedicar energia à questão estética é cumprir o que determina a lei educacional mais importante do país. Note-se que ações pontuais e estéticas podem ter valor, mas são insuficientes diante do potencial que o artigo 26-A da LDBEN apresenta.

Peca-se por não se implementar o que determina a lei. Também falha quem não exerce o controle oficial (MP, TCEs, Defensorias, TCU, Procuradorias) ou quem não exerce o controle social (nós) e imagina que o racismo abandonará nossos dias sem algumas ações efetivas. Aliás, no mesmo momento do combate ao racismo, poderíamos combater os preconceitos e as discriminações relativas à sexualidade, à idade, ao peso, à origem e ao sexo das pessoas, fortalecendo a ideia de uma sociedade justa, igualitária, democrática e solidária.

Se a inércia perdurar, 2021 nos encontrará sentados nas mesmas cadeiras.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS

20 de maio de 2019

O outro lado da história

Educação | Lei que prevê ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, em vigor há mais de 15 anos, segue enfrentando desafios para sua implementação

“Todos aqui têm bunda?” A curiosa provocação desperta surpresa e algumas risadas nos educadores que participam da formação oferecida pela Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Porto Alegre. Depois de alguns segundos, a coordenadora de Igualdade Racial e Diversidade da instituição, Patrícia Pereira, completa seu raciocínio: “Claro que todos aqui têm bunda. E essa é mais uma contribuição africana para a língua portuguesa. A origem da palavra é uma referência ao povo Mbunda, um dos tantos explorados e escravizados pelos portugueses”. 

O exemplo foi usado por Patrícia durante evento que tem como objetivo adequar as políticas pedagógicas das 99 escolas mantidas pelo município e das 216 instituições particulares conveniadas para que cumpram o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que determina o ensino de cultura e história afro-brasileira, africana e indígena. Estabelecido em 2003 e reformulado pela Lei n.º 11.645, de 2008, o artigo ainda encontra obstáculos na prática. “Há muitos professores que não tiveram esse estudo na formação inicial e não foram atrás. Existe muita resistência, principalmente nos professores mais antigos e em pessoas ligadas a religiões. Tem pessoas que questionam até a escravidão e o holocausto. Se a terra é plana, tudo é possível”, pondera.

A coordenadora lembra que o conhecimento produzido historicamente no continente africano pode ser usado em todas as áreas: “Às vezes algum professor me pergunta: ‘Mas como vou usar história da África para ensinar matemática?’. Essa desinformação se combate com conhecimento, porque nesses casos eu pergunto: ‘Onde surgiu a matemática? E a geometria? Qual o primeiro estudo aritmético que tem no mundo? Já ouviu falar no osso de Lebombo? [Descoberto na Suazilândia, o osso de Lebombo é considerado o mais antigo artefato matemático de que se tem conhecimento. Acredita-se que o osso de babuíno com entalhes fosse usado para registrar a passagem do tempo e cálculos. Sua idade é estimada em 35 mil anos.] Está tudo na África, que é o berço da humanidade. Às vezes o professor cobra conhecimento científico, mas o que considera ciência? Pede para tratarmos de civilizações, mas qual o conceito de civilização? Hoje em dia há dados disponíveis, muito difícil não achar material, só se não quiser. Mas aí é porque o preconceito é maior que a vontade de conhecimento”. 

Perspectiva

Professor da rede pública desde 1998, Paulo Sérgio Silva confirma a falha na formação dos educadores. “Na faculdade não tive nenhuma cadeira sobre história da África. Fui aprender em cursos de fora, assim como com a militância do movimento negro. E boa parte da reflexão sobre o ensino da cultura e história africanas e afro-brasileiras não surge da academia, mas desses movimentos sociais. A primeira versão da lei é de 2003; já estamos em 2019 e ano passado a Universidade colocou uma disciplina obrigatória sobre história da África na licenciatura.”

Essas lacunas se refletem não só no ensino, mas no interesse despertado nos alunos. “É importante resgatar a história da África com um viés positivo, e não só a partir da escravidão, como é usual nas escolas. Um aluno olha pra trás e vai dizer: ‘O meu tataravô apanhava, eu não quero ver isso, é só desgraça e sofrimento’. E não vai querer refletir sobre isso”, observa. Para Paulo, é essencial mostrar as grandes potencialidades desenvolvidas no continente ao longo do tempo, lembrar que antes da Grécia antiga, antes do Império romano havia o império da Núbia, o reino de Kush e o Egito, que muitas vezes é tratado como se não fosse na África. “A perspectiva histórica ensinada na universidade é eurocêntrica, então acaba se relegando a um plano inferior toda a contribuição de outros lugares, como da África, da Ásia e dos povos originários das Américas”, aponta o professor, que leciona na Escola Municipal Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha.

Localizada no bairro Sarandi, zona norte da capital, a instituição abriga muitos alunos que vivem na pele a ligação que une passado e presente de comunidades desfavorecidas historicamente. “É importante aprender a história, porque a gente vive um sistema de exploração do capital que tem uma estrutura político-econômica que coloca o continente africano em situação de desvantagem. Boa parte dos nossos alunos de escola pública tem condição política e socioeconômica semelhante a dessas pessoas.”

Fiscalização

Os indícios de resistência na implementação da lei levaram à necessidade de fiscalização da prática cotidiana das escolas. Em 2012, um grupo de educadores e agentes da Procuradoria do estado constituiu o Grupo de Trabalho (GT) 26-A.

A primeira ação do grupo foi enviar um questionário aos órgãos municipais de educação para aferir o cumprimento da regra. Segundo o procurador do estado Jorge Terra, integrante do GT, a ação é importante para demarcar a obrigatoriedade do ensino das questões históricas e culturais africanas e indígenas. “O fato é que algumas pessoas da educação já tratavam com a legislação e sabíamos que havia iniciativas pontuais. O que é confundido com cumprir a lei. É bom que se diga que ela não é direcionada ao professor, mas aos gestores da Educação, porque tem que estar no currículo, no plano político-pedagógico, e aí, sim, chegar ao plano de aula do professor. Então envolve secretários de educação, prefeitos e coordenadores. Nós não capacitamos professores para trabalhar estas temáticas, mas auditores”, destaca.

O procurador lembra um caso que considera emblemático para ilustrar a falta de compreensão do tema por alguns gestores de escolas. “Um município nos respondeu que estava cumprindo a determinação porque trabalhava com a obra Menina bonita do laço de fita, um livro infantil em que um coelho quer ser preto porque se apaixonou por uma menina negra”, relembra atônito. 

A não inclusão de temáticas étnico-raciais é descumprimento da lei e pode inclusive impedir o funcionamento das instituições, como lembra Patrícia. Para avaliar o cumprimento da norma, foi feito um levantamento dos documentos legais das escolas de Porto Alegre. “Se a escola não tiver nos seus documentos legais essas previsões, não renova a autorização de abertura, o que é necessário a cada 5 ou 8 anos, dependendo da modalidade da instituição.” Isso para garantir que se concretize o que está previsto na Constituição, a formação do cidadão a partir da educação básica. “Este é o nível de responsabilidade que temos. O produto da escola e do trabalho do educador tem que ser um cidadão. Que cidadão está saindo da escola?”, questiona-se.

fonte: Jornal da Universidade – UFRGS – Emerson Trindade Acosta 20 de maio de 2019

9 de março de 2019

INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: REFLEXÕES SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI 11.645/08 NO RIO GRANDE DO SUL

INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: REFLEXÕES SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI 11.645/08 NO RIO GRANDE DO SUL

Carla Beatriz Meinerz
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Claudia Pereira Antunes
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Maria Aparecida Bergamaschi
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO
O artigo analisa os movimentos de aplicação da Lei 11.645/08 na educação básica do Rio Grande do Sul, a partir da descrição de ações de implementação: o Grupo de Trabalho Afro-indígena e o Grupo de Trabalho 26-A. Propõe pensar na lei como uma possibilidade para o diálogo intercultural, e para o repensar da apropriação da temática indígena nas escolas. Discute o conceito de interculturalidade e o princípio da educação das relações étnico-raciais. Evidencia a necessidade de construção de referenciais capazes de embasar currículos interculturais que visibilizem o indígena contemporâneo, e evidenciem as especificidades da formação sociocultural do Rio Grane do Sul.

Palavras-chave: interculturalidade; educação; lei 11.645/08; relações étnico-raciais.
INTERCULTURALITY AND EDUCATION OF ETHNIC-RACIAL RELATIONS: REFLECTIONS ON ENFORCEMENT LAW 11.645/08 IN RIO GRANDE DO SUL

ABSTRACT
This paper analyzes the application of Law 11.645 /08 in basic education of Rio Grande do Sul, from the description of implementation actions: the Afro-indigenous Working Group and the Working Group 26-A. proposes to think of the law as an opportunity for intercultural dialogue and to rethink the appropriation of indigenous subject in schools. Discusses the concept of interculturality and education of ethnic-racial relations. Evidences the need for referential construction able to support intercultural curricula that show the contemporary indigenous and showing the specificities of cultural formation of the Rio Grande do Sul.
Keywords: interculturalism; education; ethnic-racial relations.
INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: REFLEXÕES SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI 11.645/08 NO RIO GRANDE DO SUL

O estudo da história e da cultura indígena na escola está regulamentado por uma lei federal. Trata-se da Lei nº 11.645/2008, que cria a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura dos povos indígenas nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio do país. Podemos perguntar: por que uma lei para obrigar esse estudo? Adianta haver uma lei que cria a obrigatoriedade se são poucos os professores preparados para levar adiante esse estudo com a abordagem que merece? O ensino da história e da cultura indígenas nas escolas de ensino fundamental e médio previstos na lei é um caminho no sentido da educação intercultural? Essas e outras perguntas ocorrem cada vez que abordamos a temática indígena e sua relação com a escola, o que, hoje, se configura como uma preocupação nos meios escolares e acadêmicos.
Nestor Garcia Canclini (2007), pensador que tem se ocupado com o tema da interculturalidade, diz que os indígenas são hoje os povos mais preparados para o diálogo intercultural. Afirma que os povos ameríndios construíram um “patrimônio para a interculturalidade”, referindo-se aos conhecimentos constituídos historicamente e que resultam, por exemplo, em conhecer ao menos uma língua nacional para estabelecer, de fato, o diálogo com outras sociedades, em transitar entre saberes tradicionais e modernos, em lidar com economias de mercado e manter valores próprios da economia da reciprocidade, entre outras possibilidades. O autor faz pensar que interculturalidade não é só se dispor ao diálogo com o outro, mas é, também, lançar mão de conhecimentos e saberes desse outro que permitam estabelecer e qualificar o diálogo. Assim como uma sociedade, um povo constitui um patrimônio cultural que compreende o conjunto dos bens materiais e imateriais constituídos historicamente e que se referem às identidades e às memórias coletivas do grupo. O patrimônio para a interculturalidade refere-se aos bens materiais e imateriais que, historicamente, o grupo constituiu para dialogar com outras culturas, como o exemplo citado anteriormente, qual seja a prática do bilinguismo ou plurilinguismo entre os indígenas, ou o esforço que envidam para apreender os modos de vida de outros povos.
Podemos, portanto, pensar na lei como uma possibilidade para o diálogo intercultural, que concretamente poderá significar o movimento de diferentes grupos sociais em interação e aprendizagens mútuas, embora conflitual. Como diz Jorge Gasché, esse diálogo não é nada angelical, porque, em geral, envolve relações de dominação/subordinação, e é perpassado pela violência das desigualdades socioeconômicas. Canclini (2007, p. 17) também vai por esse caminho ao explicar interculturalidade como confrontação, e reconhece que, para existir a interculturalidade, é necessário a vontade de compreender, re-conhecer e admitir que todos os grupos culturais se constituem em relação, sugerindo “negociação, conflito e empréstimos recíprocos”. Nesse sentido, a relação inter-cultural é um ingrediente importante para as transformações e para novas configurações culturais de todos os grupos humanos.
Levi-Strauss, no livro História de Lince (1993), compara a mitologia ameríndia com outras mitologias e, se detendo nas narrativas que tem a dualidade como central, constata que, para os povos indígenas, o que funda é a diferença (sol e lua, por exemplo), enquanto que, nas narrativas europeias, é o idêntico. Discute um dualismo que busca a complementariedade (complementar e diferente) e a reciprocidade. Faz uma profunda teorização sobre esse tema e constata que a diferença faz parte do modo de vida indígena. Diz ele: “creio que hoje é possível remontar às fontes filosófica e ética do dualismo ameríndio. Esse dualismo se inspira numa abertura para o outro que se manifestou com toda a clareza quando dos primeiros contatos com os brancos, embora estes fossem animados por disposições bem contrárias” (LEVI-STRAUSS, 1993, p. 14). Essa declaração corrobora para mostrar que, no pensamento ameríndio, a interculturalidade é uma perspectiva ontológica.
Temos nesses estudos alguns indícios dos movimentos de interculturalidade que os povos indígenas realizam, de abertura para o outro: buscam no outro a complementaridade. Nessa perspectiva, pode-se considerar também a educação escolar, que vem se afirmado a cada dia nas sociedades indígenas. Lembrando que a instituição escolar foi imposta pela colonização, tanto no período colonial, como a implementada a partir do Estado brasileiro, mais especificamente a partir da criação do Serviço de Proteção ao Índio e a Localização dos Trabalhadores Nacionais no início do século XX (SPILT, uma iniciativa que visava integrar os povos indígenas à sociedade nacional). No entanto, a escola também foi apropriada por cada grupo de acordo com suas possibilidades e conveniências, ressignificada mais intensamente a partir da Constituição Federal de 1988, e regulamentada por leis posteriores que, progressivamente, criaram a Escola Indígena Específica e Diferenciada. Essa Escola Indígena que funciona no seio das sociedades ameríndias interage com modos de vida próprios e com a educação da tradição de cada povo. Mas, também estão implementados em seu currículo estudos que visam compreender os modos de vida, línguas e ciências não indígenas e assim, apropriados desses conhecimentos, estabelecer um diálogo mais equitativo com essas sociedades. Parece que esse é um exemplo bastante concreto de educação intercultural e de relações interculturais, que prevê, também, aprender na interação com culturas diferentes.
Se os povos indígenas empreendem esforços para concretizar o diálogo intercultural, nos levam a pensar que, se a proposta educacional é conviver e efetuar trocas com as sociedades indígenas, a escola terá que fazer um esforço para conhecer esses povos, sua história e sua cultura e, mais especialmente, afirmar uma presença que supere a invisibilidade histórica que se estende até o presente. Apesar da colonização, do genocídio, da exploração, da catequização e da tentativa de assimilar os indígenas à sociedade nacional, estes povos mantiveram-se aqui, resistentes, mesmo que, por vezes, silenciosos. Se apresentam fortes, num movimento político de afirmação étnica, mostrando que aqui estão e permanecerão. No contato, a todo o momento são postos à prova quanto às suas identidades étnicas, visto que a concepção que predomina nas sociedades não indígenas é de povos do passado, não compreendendo que a dinâmica cultural, que é própria de todas as sociedades, faz com que incorporem alguns elementos da cultura ocidental, o que não significa que deixaram de se identificar como indígenas.
Podemos dizer que os movimentos que visam a escolarização, bem como a recente, porém intensa, presença de estudantes indígenas nas universidades, fazem parte de uma luta mais ampla dos povos originários em toda a América, que escolheram a educação escolar como uma aliada nas suas políticas de afirmação étnica, bem como para o diálogo com outras sociedades. Como diz José Bengoa, a emergência indígena de todo o continente americano defende uma educação escolar “intercultural y bilingüe que permita no sólo el conocimiento de la cultura occidental sino también la reprodución de su propria cultura”, visando, sobretudo, que seus alunos “se desempeñen adecuadamente, tanto en su sociedad local como en la sociedad nacional de la que son parte” (BENGOA, 2000, pp. 299 e 312).
Concordando com o crescente e visível movimento de afirmação étnica, e contrariando as previsões pessimistas predominantes no século passado, que anunciavam um fim para as sociedades indígenas, iniciamos o século XXI com números que mostram um crescimento populacional4 e uma forte presença, protagonizando movimentos e lutas pelos direitos que as colocam em evidência. Se aparecem nos cenários políticos nacionais e internacionais, se lutam por direitos constitucionais em relação à terra, à saúde e à educação, não deixam também de colocar nas pautas de suas preocupações o cuidado necessário que as escolas não indígenas tenham a mão informações mais dignas, apoiadas em conhecimentos respeitosos, e que sua história e sua cultura sejam efetivadas, mudando as concepções preconceituosas e discriminatórias que predominam até então. Na Convenção 169/1989, da Organização
4 Nos dados do IBGE (2010), indígenas autodeclarados compõem 0,4% da população brasileira, somando cerca de 817.963 mil pessoas. Segundo o censo, populações indígenas podem ser encontradas por todo o território brasileiro, embora mais da metade esteja concentrada na Região amazônica do Norte e Centro-Oeste. Em http://indigenas.ibge.gov.br/graficos-e-tabelas-2, Acessado em 11/05/2014.
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Internacional do Trabalho (OIT)5, entre outros itens que falam das relações entre povos indígenas e não indígenas, há em especial o artigo 31, que diz: “Medidas de caráter educativo deverão ser adotadas em todos os segmentos da comunidade nacional […] com o objetivo de eliminar preconceitos que possam ter com relação a eles”. Essa recomendação se dirige em especial à escola, dizendo que “esforços deverão ser envidados para assegurar que livros de história e demais materiais didáticos ofereçam descrição correta, exata e instrutiva das sociedades e culturas dos povos indígenas e tribais” (BRASIL, 2003).
Nesse sentido, observamos uma maior preocupação em compreender e apreender com o outro nas sociedades indígenas: ao mesmo tempo em que nos convocam a conhecê-los, inclusive a partir de uma lei, nos oferecem a possibilidade de encontrar com a nossa ancestralidade. Corrobora com essa assertiva a declaração de Andila Nivygsãnh Inácio, professora kaingang, por ocasião da aprovação da lei 11.645: “a conquista dessa lei é uma dádiva que os povos indígenas oferecem às escolas não indígenas, para que todos os americanos [portanto, todos nós] tenham a oportunidade de estudar a sua história, a história da sua ancestralidade”. Porém, a recíproca nem sempre é verdadeira, principalmente quando observamos o que sucede em nossas escolas e como a temática indígena vem sendo tratada nessa instituição.
A TEMÁTICA INDÍGENA NA ESCOLA
Esses cuidados que os povos indígenas dispensam com o teor do ensino implementado em nossas escolas estão plenos de razão: estudos efetivados por Zamboni e Bergamaschi (2009) em livros didáticos adotados na primeira metade do século XX mostram que as concepções que predominavam nesses manuais, amplamente usados nas escolas brasileiras, estavam marcadas pelas visões da literatura romântica do século XIX, que mostra o indígena idealizado, representado a um só tempo como herói e vítima, fadado ao extermínio. Derivadas dessas concepções, predominavam nos livros didáticos de história narrativas que abordavam
5 A convenção 169/1989 da OIT foi assinada pelo Brasil no ano de 2003.
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os povos indígenas como representantes do passado, só aparecendo como primeiros habitantes do Brasil, concepções responsáveis pela formação de muitas gerações escolares e, em parte, ainda presentes.
Pensando nessas imagens estereotipadas que os alunos associam aos indígenas, referimos à pesquisa desenvolvida por Gomes (2011) em duas escolas públicas de ensino fundamental das redes estadual e municipal de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, que buscou conhecer como está sendo trabalhada a temática indígena nos dias atuais. Entrevistados professores, coordenação pedagógica e alguns alunos – esses inclusive realizaram desenhos para mostrar como representam os povos indígenas –, as respostas não surpreenderam, pois permanecem inseridas em parâmetros já conhecidos6.
Nos desenhos das crianças, os indígenas aparecem frequentemente nus, com os corpos pintados e, em geral, em contato com a natureza. Buscando também nos livros didáticos as imagens mais frequentes que retratam os povos indígenas, vemos que a maioria dos manuais os apresentam com pinturas corporais, com cocares nas cabeças e, em geral, sem ou com pouca roupa. Em nenhuma das representações os alunos mostram ter visto imagens nos livros que remetem aos povos indígenas na situação social contemporânea. De fato, as imagens que predominam nos livros são as do indígena na época da colonização, representados por pinturas que confirmam o exótico ou em situações que o vitimiza. Corrobora com estas constatações a afirmação de Coelho, que analisa como a temática indígena está sendo trabalhada na disciplina de História:
[…] uma gritante ambiguidade: enquanto, por um lado, se verifica o redimensionamento do lugar das populações indígenas, na composição dos conteúdos, em tudo atenta às
6 Segundo Zamboni e Bergamaschi (2009), ainda predominam nos livros didáticos de História as seguintes concepções: índio genérico, que nega a diversidade de povos; índio exótico, bárbaro; índio romântico, vinculado à idéia do bom selvagem; índio fugaz, que anuncia um fim inexorável; índio vitimizado, pobre; índio que só aparece no dia do índio, ou na pré-história; e em alguns casos, o indígena histórico, concepção mais recente que enfatiza a historicidade das sociedades indígenas, as suas dinâmicas culturais.
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pesquisas mais recentes; por outro lado, se nota a permanência de aportes que se aproximam daquela antiga vocação: as populações indígenas são representadas conforme aquela cultura histórica que os via como ingênuos, vítimas dos colonizadores, cujo traço cultural fundamental era, fora a preguiça, a relação com a natureza. (COELHO, 2010, p. 6)
Embora nas imagens de índios apresentadas pelos livros didáticos predomine um ser do passado, ignorando a forma como vivem atualmente, muitas crianças reconhecem que há índios convivendo conosco na cidade e que estão presentes em vários locais de muita circulação, especialmente para a venda de artesanato. As respostas apontaram para um reconhecimento da presença indígena em algumas cidades litorâneas, no centro da cidade de Porto Alegre ou no Parque da Redenção, na tradicional feira de artesanato que ocorre nos finais de semana. Esses alunos sabem que os indígenas contemporâneos seguem outro estilo de vida, que necessitam vender artesanato e comprar suprimentos para o seu dia a dia. Porém, ainda têm pouco a falar sobre a história e a cultura desses povos, principalmente para reconhecer as singularidades de cada etnia. É importante ressaltar que nem sempre é dada a importância devida a este tema na escola, trabalhado, em geral, somente próximo ao Dia do Índio e de forma superficial e descontextualizada, como apontaram os relatos dos professores (GOMES, 2011).
Neste sentido, a Lei Federal n. 11.645/2008 constitui um importante instrumento para a mudança dessa realidade. Ela coloca para os não indígenas a responsabilidade de construir um patrimônio de interculturalidade, para que, assim como os povos indígenas, se preparem para o encontro e o convívio com o diferente. Esse é um movimento que precisa acontecer dos dois lados, diz Ibañez Caselli:
No obstante, no podemos considerar que ésta sea una práctica intercultural cuando es sólo el docente y los niños indígenas quienes están insertos en esta modalidade. Es decir, la sociedad hegemónica – a la que los niños deben enfrentar – no recibe una educación intercultural. (CASELLI, 2009, p. 140).
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De outro lado, sua aplicação é um grande desafio para as escolas e os professores não indígenas, que não contam com referenciais pedagógicos consolidados para a abordagem dessa temática. Por isso, estes também têm a responsabilidade de desenvolver pesquisas e elaborar materiais didáticos para utilizar em sala de aula. Diga-se de passagem, a maior parte dos professores da educação básica no país não apenas carece de formação para trabalhar com esta temática, como foi formada uma perspectiva histórico-cultural que invisibilizou os povos indígenas e sua participação na formação social brasileira, no presente e no passado.
MOVIMENTOS DE IMPLEMENTAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI 11.645 NO RIO GRANDE DO SUL
Conforme dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística7, o estado do Rio Grande do Sul é formado por 497 municípios e tem uma população de cerca de 10,7 milhões de habitantes. Essa população vive predominantemente no meio urbano, representando 85,1% nessas localidades. Quanto ao quesito cor ou raça, a mesma pesquisa apontou que 83,22% da população se autodeclarou branca, 16,14% parda ou preta, 0,33% amarela e 0,31% indígena. No que refere ao sistema estadual de ensino, dados da Secretaria Estadual de Educação8 informam que, em 2010, o estado contabilizou 9.841 estabelecimentos de ensino da educação básica, sendo 77,7% da rede pública e o restante da rede privada. No mesmo, ano foram matriculados nestes estabelecimentos cerca de 2,5 milhões de estudantes, sendo 86% deles em instituições públicas de ensino, e 62% no ensino fundamental.
Neste contexto de uma população que majoritariamente se identifica como branca, ainda que estudos venham evidenciando significativa contribuição ameríndia
7 http://www.ibge.gov.br, acesso em 11/05/2014.
8 Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Sul. Diagnóstico da Educação Básica no Rio Grande do Sul com Ênfase no Ensino Médio – 2010. http://www.educacao.rs.gov.br/dados/diagnostico_relatorio_final_ 2010.pdf, acesso em 11/05/2014.
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no perfil genético da população do Rio Grande do Sul9 (KENT e SANTOS, 2012), e onde predominam concepções que desvalorizam e/ou invisibilizam a presença e os modos de vida nativos na formação sociocultural da região, vêm se constituindo movimentos de implementação da Lei e de sua congênere, a Lei 10.639/200310, bem como de acompanhamento deste processo. Embora ainda não haja levantamentos publicados sobre a aplicação da Lei em nível estadual, é possível supor que boa parte dos esforços neste sentido vem sendo envidada individualmente por professores, e institucionalmente por universidades que oferecem formação continuada para uma pequena parcela do corpo docente da educação básica. Um exemplo disso é o Curso de Aperfeiçoamento UNIAFRO – Política de Promoção da Igualdade Racial na Escola – 1ª ed., oferecido pela Faculdade de Educação da UFRGS em parceria com o MEC, na modalidade à distância, com oferecimento de 120 vagas em 2013 e 167 vagas em 2014.
Em outro plano, duas experiências em curso buscam promover a aplicação da Lei em nível estadual. O Grupo de Trabalho de elaboração do Plano Estadual das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino das Histórias e das Culturas Afro-Brasileiras e Indígenas, GT Afro indígena, foi criado pelo governo do estado através do Decreto Nº 50.725, de 9 de outubro de 2013. O Decreto estabeleceu, ainda, um prazo de seis meses para a criação do referido plano. Conforme o mesmo documento, o GT é composto por representantes de órgãos, entidades e conselhos estaduais, em sua maioria de cunho governamental.
Outra iniciativa vem sendo levada a cabo pelo Grupo de Trabalho 26-A, constituído no primeiro semestre de 2013 por representantes do Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública da União/RS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito, pesquisadores e professores convidados. Este Grupo de Trabalho visa contribuir para a
9 Conforme Kent e Santos (2012), estudo genético coordenado pela pesquisadora Maria Cátira Bortolini durante a década de 2000 apontou a existência de proporção de 36% de DNA mitocondrial indígena na amostra geral da população do Rio Grande do Sul avaliada.
10 A Lei 10.639, aprovada em 9 de janeiro de 2003, estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental do país.
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criação de mecanismos de fiscalização e monitoramento da aplicação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 no sistema estadual de ensino, bem como vem oferecendo subsídios à construção de uma ação fiscalizatória a ser realizada pelo Tribunal de Contas do Estado junto aos municípios gaúchos11. Conforme Jorge Terra,
A ideia matriz do GT 26-A é a de que já houve tempo suficiente para as entidades públicas e privadas terem ciência, compreensão e sensibilização sobre o direito de os alunos do ensino fundamental e médio terem acesso à história e à cultura afro-brasileira e indígena. Ademais, a produção de material didático e de outras ordens, bem como a disponibilização de cursos acessíveis individualmente aos professores não levaram ao resultado necessário, esbarrando-se na inação sistemática de gestores. (TERRA, 2013, p.1).
No ano de 2013, este Grupo de Trabalho realizou a análise de dados de questionários respondidos por mais de 60 municípios gaúchos sobre a implementação das referidas Leis nas escolas municipais. Os questionários foram encaminhados pelo Ministério Público de Contas aos municípios no ano de 2012, com o intuito de subsidiar a criação de instrumentos de fiscalização da aplicação das Leis. No âmbito das atividades do GT 26-A, a Defensoria Pública da União/RS também realizou estudo sobre a implementação das Leis nas instituições federais de ensino básico e profissionalizante no estado. Dado o pioneirismo desses estudos, o Grupo de Trabalho sinalizou a possibilidade de futura publicação desses dados12. Desde 2014, o GT vem atuando no desenvolvimento de capacitações sobre a implementação das Leis a serem oferecidas para prefeitos e secretários municipais de educação e para auditores do Tribunal de Contas do Estado.
11Disponível em : http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/administracao/gerenciador_de_conteudo/noticias/TCE-RS%20promove%20semin%E1rio%20sobre%20Lei%20de%20Diretrizes%20e%20Bases%20da%20Educa%E7%E3o, acessado em 11/04/2014.
12 Conforme notícia publicada no site da Defensoria Pública da União em 19 de junho de 2013. Disponível em http://www.dpu.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15339:encontro-discute-o-ensino-de-historia-e-cultura-afro-brasileira-e-indigena-na-rede-de-ensino-basica-no-rs&catid=79&Itemid=220, acessado em 11/05/2014.
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Iniciativas como estas representam um importante passo na implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 no estado, especialmente porque tencionam o poder público a atuar efetivamente na sua aplicação, respaldando e criando condições para a atuação dos professores neste sentido. De outro lado, muito se tem a avançar na inserção e qualificação da abordagem dessas temáticas em sala de aula, pois, conforme dito anteriormente, a construção do diálogo intercultural é perpassada por conflitualidades e relações de desigualdade. Neste sentido, pensar essa construção no estado também envolve refletir sobre a educação das relações étnico-raciais no país como um todo.
INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: CONEXÕES ENTRE PESQUISA E MOVIMENTOS DE IMPLEMENTAÇÃO DO ARTIGO 26-A
Reforçamos que a interculturalidade, no caso brasileiro, passa por ações mais intensas no sentido da construção de um contexto de equidade capaz de compor as premissas do reconhecimento do direito do outro no diálogo entre diferentes culturas. Segundo Neusa Vaz e Silva,
É necessário que se tome com seriedade as culturas, ou seja, reconhecê-las e respeitá-las em seu direito de ter mundo próprio e principalmente não serem impedidas por coerção em suas possibilidades de desenvolvimento real. Tal direito foi negado totalmente às culturas originárias das Américas, à época da colonização e ainda hoje em alguns processos “civilizatórios”, não oferecendo condições, ou até mesmo, promovendo a anulação da capacidade para pensar, ver, sentir, organizar e reproduzir o que o povo compreende como seu mundo. Não é oportunizada a possibilidade de que as culturas modelem sua materialidade desde seus próprios valores e metas. E, na verdade, as relações entre as culturas devem processar-se com base na observação prática do direito de cada cultura ser si mesma. (SILVA, 2009, p. 44)
Avançamos muito. Porém, precisamos reconhecer que ainda vivemos numa sociedade marcada pela desigualdade, também do ponto de vista étnico-racial. Lutamos por um diálogo marcado pela presença concreta do outro em nossas
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instituições sociais. Por isso, nosso compromisso como pesquisadoras é atuar também com ações como a do GT 26-A relatadas acima.
O processo inédito que o GT 26-A vem construindo ao consolidar um movimento de auditoria sobre os gestores na aplicação do artigo 26-A da LDBEN é fundamental, pois constrói um novo momento no entendimento do que seja enfrentar as desigualdades étnico-raciais no Brasil. Essa novidade está relacionada com o fato de que se busca incidir sobre a ineficiência dos gestores na aplicação das Leis relativas ao enfrentamento desses temas sensíveis ou controversos, como é o caso das relações étnico-raciais. Basta acompanhar as repercussões de denúncias e de processos judiciais relativos às práticas de racismo para perceber as dificuldades de lidar com o acirramento das tensões de origem étnico-racial no cotidiano das relações sociais em nosso país. Apesar dos compromissos internacionais assinados pelo Estado brasileiro, das políticas afirmativas correlatas e das legislações específicas, há um contexto de ineficiência no combate a essas práticas criminosas. Pensadores como Jorge Terra, Procurador do Estado do Rio Grande do Sul, afirmam que estamos vivendo um cenário de racismo institucional, consolidado através da menorização ou desatenção aos interesses de determinados grupos étnicos, contribuindo para a permanência da discriminação. No texto O racismo institucional no combate ao racismo, Jorge Terra afirma que o exame do preconceito e da discriminação racial não se calca no sentir e no agir individual – sobretudo em uma sociedade que não se admite racista e que ainda sustenta conformar uma democracia racial –, mas nos padrões de conduta, nos posicionamentos, nas composições institucionais e nos resultados práticos para o grupo lesado13.
Para consolidar o diálogo intercultural parece que precisamos estar diante do outro em sua concretude, e isso significa romper com as especificidades históricas do jeito como nos relacionamos entre nós mesmos, com nossas distintas culturas, etnias, jeitos de viver e de pensar. O que então caracteriza a especificidade das relações
13 Texto na íntegra em: http://estadodedireito.com.br/tag/jorge-terra/
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étnico-raciais no Brasil? Os estudos de Lília Moritz Schwarcz (1998) demonstram que o racismo no Brasil, historicamente, afirma-se na intimidade e na informalidade, ao mesmo tempo que o mito da boa convivência e da democracia racial consolida-se na representação do que seja ser brasileiro. Para a autora, as especificidades de nossa história na perspectiva das relações étnico-raciais “fez da desigualdade uma etiqueta internalizada e da discriminação um espaço não formalizado” (SCHWARCZ, 1988, p.184).
Talvez resida aí parte das contradições trilhadas na aplicação e recepção das Leis e políticas que tencionam tais imaginários, mentalidades e práticas culturais nos espaços escolares: o fato de que, em geral, não reconhecemos publicamente a existência da desigualdade racial. A escola, como espaço público, vive os dilemas da consolidação desse difícil enfrentamento das práticas racistas, discriminatórias e preconceituosas, uma vez que, como espaço sociocultural, tende a reconstruir a informalidade pautada na desigualdade a partir da racialidade. Por isso, o tema da educação das relações étnico-raciais é fundamental. Se pensarmos que os preconceitos se materializam através de atos discriminatórios, e que são aprendidos nos processos de socialização, onde a escola tem papel fundamental, devemos tratar com vigor essas temáticas na educação formal.
Parece importante, nessa perspectiva, reconhecer que o contexto inaugurado com a promulgação das Leis 10.639/03 e 11.645/08, inserido no conjunto das políticas afirmativas para a promoção da igualdade racial, é historicamente inovador ao trazer, para o embate público via educação escolar, as práticas do racismo, do preconceito e da discriminação, tradicionalmente negadas ou mantidas no plano privado. No campo da Educação, a inovação se anunciou com força, convocando os gestores e professores a um redimensionamento de suas políticas e de suas práticas educacionais, capaz de fundamentar uma educação das relações étnico-raciais balizada pela promoção de ações e reflexões fundadas em critérios de justiça social e cidadania.
Por outro lado, é preciso atentar para o fato das Leis trazerem ao universo cotidiano das ações educativas a presença de temáticas sensíveis e controversas. Do
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professor exige-se um enfrentamento reflexivo e fundamentado sobre questões sensíveis e não resolvidas socialmente, como por exemplo os temas relativos ao preconceito étnico-racial.
Os professores, por demandas sociais colocadas na forma da Lei, estão diante de uma nova responsabilidade social: estudar, ensinar e dialogar com as raízes históricas e filosóficas, ou, ainda, com as visões de mundo, originariamente indígenas, hoje expressas como heranças das ancestralidades daqueles que, nesse território, construíram e reconstruíram suas vidas e seus pertencimentos étnicos. Tais narrativas não privilegiam uma única maneira de ser e de estar no mundo como referência e padrão, mas exploram as diferenças na perspectiva do diálogo e da pluralidade.
Uma pesquisa em andamento sobre a recepção das Leis 10.639/03 e 11.645/08 nas trajetórias de professores de História do Rio Grande do Sul14 demonstra que o encaminhamento dessa legislação tem sido resultado de projetos mais pessoais do que coletivos, geralmente construídos por profissionais que já tem determinação política e afetiva em relação às questões da desigualdade étnico-racial. A coleta de dados realizada no município de Cachoeirinha/RS reafirma essa premissa: ainda é o que chamamos de afeto à causa o que diferencia e condiciona a recepção do artigo 26-A, o estudo de histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas nas aulas de História ou de outros campos disciplinares na escola. Ao mesmo tempo, os processos de recepção das Leis são marcados por imperativos morais e de ressentimentos, que podem impor pautas de construção de outras narrativas da história, com menos diálogo com a historiografia, criando novas estereotipias e menos pluralidades. A questão é que estamos tratando de um movimento de obrigatoriedade curricular, onde a resistência ao estudo dessas temáticas ainda impera, inclusive nas experimentações da Educação Superior15. Por isso, é urgente movimentos de
14 Projeto de pesquisa coordenado por Carla Beatriz Meinerz, intitulado Trajetórias da educação das relações étnico-raciais no Rio Grande do Sul: ensino de História e recepção das leis 10.639/03 e 11.645/08, em andamento e com aprovação na Comissão de Pesquisa da Faculdade de Educação da UFRGS (COMPESQ/EDU).
15 A pesquisa está realizando um mapeamento dos currículos dos cursos de História em Instituições de Ensino Superior no Rio Grande do Sul. Detecta-se que, nesses currículos, também podemos ver a não
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auditorias que co-responsabilizem os gestores públicos vinculados às políticas de educação, como é o caso do processo acompanhado pelo GT 26-A.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem da história e cultura dos povos indígenas e da África e das populações afro-brasileiras na sala de aula, como preconiza o Artigo 26-A, mexe com aspectos profundos e cristalizados nas relações étnico-raciais no Brasil, trazendo ao universo da escola a presença de temáticas sensíveis e não resolvidas socialmente, como o preconceito étnico-racial. Também traz desafios da ordem da gestão dos estabelecimentos e sistemas escolares que, no caso do Rio Grande do Sul, fazem com que sua aplicação fique, na maior parte das vezes, restrita às iniciativas individuais de docentes sensíveis à temática.
De outro lado, alguns movimentos de implementação da Lei, entre os quais se destaca a atuação inovadora do GT 26-A, trazem nova luz ao caminho a ser percorrido, ao propor estratégias de fiscalização do cumprimento da Lei, acenando com a possibilidade de maior apoio institucional aos professores. Desse modo, se espera que, aos poucos, sejam construídos referenciais que possam embasar currículos interculturais que visibilizem o indígena contemporâneo e evidenciem as especificidades da formação sociocultural no estado, problematizando as relações étnico-raciais e superando uma tendência curricular que privilegia o estudo de uma ancestralidade europeia, representada pelos imigrantes alemães, italianos, portugueses e de outras nacionalidades que seriam responsáveis pelo “povoamento” do solo gaúcho, em detrimento da ancestralidade ameríndia e afro-brasileira.
Ao avançar neste sentido, conforme Gomes, “Temos, então, a possibilidade de entender a presença indígena na nossa sociedade […] como a herança de uma ancestralidade que colabora nas formas de vida atuais, mesmo que não se reconheça
obrigatoriedade desses temas de estudo, abrindo espaços igualmente para ações individuais de professores universitários afetados pelos mesmos.
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como indígena” (GOMES, 2011, p. 38). Isto representa um desafio, e, ao mesmo tempo, uma potente possibilidade em direção a uma educação intercultural que nos torne capazes de reconhecer e valorizar nossa ancestralidade cultural em suas múltiplas matrizes, bem como nos prepare para o encontro e o convívio com o diferente, a exemplo do que já vêm fazendo os povos indígenas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COELHO, Mauro Cezar. As populações indígenas no livro didático, ou a construção de um a gente histórico ausente. Caxambu: 2007. Disponível em: <http://30reuniao.anped.org.br/ trabalhos/GT13-3000–Int.pdf>. Acesso em 11 de maio de 2014.
GOMES, Luana Barth. Legitimando saberes indígenas na escola. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, PPGEDU, 2011.
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LÉVI-STRAUSS, Claude. Histórias de Lince. Tradução Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SCHWARCZ, Lília Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In: SCHWARCZ, L. M. (org.) História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Cia das Letras, 1998, vol. 4.
SILVA, Neusa Vaz e. Teoria da Cultura de Darcy Ribeiro e a Filosofia Intercultural. Tese apresentada na Facultad de Postgrados para optar ao grau de Doutor em Filosofia Iberoamiercana na Universidad Centro Americana “JOSE SIMEÓN CAÑAS”. San Salvador, El Salvador, 2009.
TERRA, Jorge. A espada aliada à balança. Disponível em https://jorgeterra.wordpress.com /2013/05/05/gt-26-a-a-espada-aliada-a-balanca/. Acessado em 06/05/2013.
ZAMBONI, Ernesta; BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Povos Indígenas e Ensino de História: memória, movimento e educação. 17. COLE, 2009. Disponível em: http://www.alb.com.br/anais17/txtcompletos/sem12/COLE_3908.pdf.

20 de fevereiro de 2019

Ministro, eu sou diferente da minha irmã!

Tenho apenas uma irmã. Ela tem um tipo físico diferente do meu e é bem mais extrovertida. Ela possui talentos que não possuo para as artes, prefere lugares diferentes dos que eu escolho para frequentar e tem uma forma diferente da minha de ver a vida.

Note-se que estou falando de pessoas que são filhas da mesma mãe e do mesmo pai e que moraram por mais de 20 anos no mesmo local e sob as mesmas condições.

Diante disso, torna-se óbvio perguntar se é possível apresentar generalizações razoáveis relativas aos gêneros, às raças ou às nacionalidades das pessoas. Pode-se, em segura medida, dizer que todas as pessoas nascidas e criadas em um determinado ponto da Terra são iguais sem se recair em erro ou em injustiça?

Essas generalizações tem um nome: estereótipos.

Psicólogos sociais já demonstraram que não é patológico ter estereótipos e que eles  seriam decorrentes de processos mentais normais. O problema surge quando são tomadas decisões baseadas neles, que, em regra, são decorrentes de pouca ou de nenhuma reflexão e são criados sem bem se conhecer as realidades das pessoas que são estereotipadas. Isso ocorre no mercado de trabalho com evidente e comprovado prejuízo para mulheres negras, homens negros, mulheres brancas, pessoas que integram a comunidade LGBT e pessoas com deficiência (a lista pode ser maior se forem agregadas questões de idade, de origem nacional e de religião).

Portanto, é possível que o Ministro da educação quando disse que os brasileiros, quando no exterior, agiriam como “canibais”, tenha se manifestado estando influenciado por um viés calcado em um estereótipo. Agora, tendo sido interpelado judicialmente, pede desculpas a quem se sentiu ofendido e alega que o veículo de comunicação ao qual concedera a entrevista tirara as suas palavras de contexto.

Não avançarei nessa polêmica, tampouco sobre a pertinência de um Ministro fazer análises sobre o comportamento de brasileiros que, em cenário de crise, possuem recursos financeiros para viajar para o exterior. Há, na educação brasileira, outras prioridades e a concessão de entrevista era oportunidade para delas tratar.

Note-se que a forma como foi apresentado o pedido de desculpas e o momento, revelam que a manifestação que gerou polêmica talvez não seja fruto de um viés decorrente de um estereótipo ou de um preconceito como eu pensei e escrevi linhas acima. Em verdade, parece se tratar já de uma crença pessoal.  Se existente, a crença seria a de que os brasileiros seriam incultos, inoportunos e tendentes a subtrair o que não lhes pertence. Em sendo assim, o pedido de desculpas em breves linhas pelas redes sociais (em decorrência da pressão de uma interpelação judicial) se mostra insuficiente.

Preocupa saber que um gestor, sobretudo de uma infraestrutura social tão relevante como a educação, manifesta-se e talvez aja com esteio nessa possível crença. Acrescente-se aqui que a escolha da Presidência da República recaiu sobre o hoje Ministro por ser ele defensor do que se convencionou chamar de “escola sem partido”, ou seja, do pressuposto, sem base em comprovação, de que grande parte ou a maioria dos Professores brasileiros praticam o que se tem chamado de “doutrinação política” e de “ideologização ou ideologia de gênero”.

Preocupa saber saber que a qualidade da educação, a quantidade e a qualidade da merenda escolar, a alfabetização na idade certa, a estrutura física das escolas, a formação cidadã (artigo 205 da Constituição), a evasão escolar, o cumprimento da norma extraível da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que obriga escolas de ensino fundamental e médio a inserirem em seus planos político-pedagógicos e demais documentos escolares as histórias e as culturas indígenas, africanas e afrobrasileiras (o artigo 26-A depende da fiscalização e da capacitação do Ministério da Educação, bem como da mudanças dos currículos das graduações) e o piso nacional dos Professores estão em posição subalterna para o senhor Ministro. Tanto é assim que, em 19.02.2019, comparecerá ao Senado para falar sobre o projeto “Escola sem Partido”.

Evidencia-se o desconhecer sobre a importância da educação para o desenvolvimento, sobre o que é liberdade de cátedra (apesar de o Supremo Tribunal Federal já ter dito) e sobre a importância da diversidade ensinada e vivenciada nas escolas. Em síntese, não se aprendeu que a educação está ligada ao projeto de nação desenhado em nossa Constituição.

 

Jorge Terra

Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

23 de dezembro de 2018

Uma adolescente precisando de auxílio

Quando eu estava por nascer, depositavas muita esperança em mim: acreditavas que eu mudaria a situação de muita gente. Eu, ao teu ver, chegaria ao ponto de mudar a visão de quem exclui e de quem é excluído.

Depois, esse sentimento foi arrefecendo e tua incapacidade de compreender como sou e meus limites, acabaram fazendo com que chegasses ao ponto de me desprezar.

O tempo tem passado rápido e ele é testemunha da tua inação. Eu, que era futuro, agora sou passado sem ter sido presente.

Se parasses para pensar e soubesses reunir aqueles que podem me fazer crescer, a situação, sem dúvida, seria bem melhor. Bradar por mim ou me esconder em algum canto não é solução inteligente.

Tenho certeza de que posso trazer um novo olhar e novos caminhos. Minha força ainda adolescente traz muitas verdades escondidas. Sei que muitos comportamentos, até os inconscientes, poderiam se alterar.

Mas enquanto achares que arrumar uma parte do telhado evitará que a casa seja alagada, persistiremos caminhando de forma equivocada. Eu só serei plena se reformares todo o telhado! Tenha certeza disso!

De tempos em tempos, há quem espalhe que doença mortal me acomete e que não resistirei ao próximo inverno. Mas te pergunto: qual a razão de quem não gosta de mim não me querer viva, se, como eu disse, não tentas me ver inteiramente desenvolvida e forte?

Espero que, no próximo dia 9 de janeiro, quando completo mais um ano, possas ao menos te lembrar de mim. Gostaria mesmo é que te reunisses com outros e seguisses os caminhos daqueles que já sabem quem eu sou, o que posso fazer e como posso realmente sentir-me e estar viva na vida das crianças e dos adolescentes do nosso país.

Se pensares que não tens condições de fazer algo ou que será muito difícil, pare e lembre dos que sofrem, dos que morrem, dos que não tem emprego ou são retirados de suas terras por serem considerados com pouca ou nenhuma importância.

Assinado: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – artigo 26-A.

PS: em 9.1.2003, foi instituído o artigo 26-A da LDBEN por meio da LEI número 10.639, que foi alterada, em 2.008, pela LEI número 11.645.

Jorge Terra.

 

 

16 de outubro de 2016

GT26-A NA REDE DE CONTROLE DA GESTÃO PÚBLICA

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O GT26-A compareceu à reunião da REDE DE CONTROLE DA GESTÃO PÚBLICA em Setembro próximo passado com o fito de estreitar relações com aquele Colegiado e de apresentar , a pedido, informações sobre o que tem sido desenvolvido desde à constituição do Grupo de trabalho voltado ao cumprimento do disposto no artigo 26-A da LDBEN.

Representando o GT26-A, o Procurador do Estado Jorge Terra e o Defensor Público Federal Cesar Gomes noticiaram as razões de o grupo ter sido pensado e constituído, de sua composição, os teores dos documentos produzidos e os trabalhos já realizados, finalizando com a entrega do relatório pertinente à auditoria efetuada à distância com esteio no roteiro criado pelo GT26-A após a oitiva de Auditores do Tribunal de Contas do Estado. Nessa oportunidade, comunicou-se que estão em desenvolvimento as auditorias in loco, que foram precedidas de orientações do GT26-A e da Diretoria de Fiscalização e Controle do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e que foi criado programa de extensão na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para melhor capacitar os Auditores Externos do TCE/RS;

Aproveitou-se para destacar a importância de os órgãos competentes exercerem o controle oficial no âmbito dos entes da União atuantes no Estado do Rio Grande do Sul, tais como Universidades, Institutos e Colégios federais para que haja diagnóstico e, mais adiante, efetivação de auditoria que conduza ao cumprimento de obrigações legais e institucionais inafastáveis e extremamente relevantes. Essas, por exemplo, abarcam as mudanças dos currículos das graduações, permitindo-se que os novos profissionais tenham condição técnica de cumprir o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional sem depender excessiva e exclusivamente da efetivação de formações continuadas , podendo, ao contrário, qualificar as redes públicas e privadas desde o início da prestação de serviço  no nível fundamental ou no médio. O controle indispensável, é bom sublinhar, envolve a verificação relativa ao emprego de recursos federais encaminhados pelo Ministério da Educação para a capacitação de Professores e para outras atividades tidas como fundamentais para o cumprimento da lei já referida.

A Rede de Controle da Gestão Pública (RCGP), criada por meio de Acordo de Cooperação Técnica em 31/07/2009, objetiva combater a corrupção, promover a troca de informações, de dados e de experiências entre seus membros, estimular o controle social e capacitar os servidores das instituições que o constituem. O colegiado é composto pelo Tribunal de Contas do Estado, pelo Tribunal de Contas da União, pelo Ministério Público Federal, pelo Ministério Público de Contas, pelo Ministério Público Estadual, pela Contadoria e Auditoria-Geral  do Estado (CAGE), pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, pelo Serviço de Auditoria do DENASUS, pela Advocacia-Geral da União, pela Superintendência da Receita Federal e pela Superintendência da Polícia Federal.

O trabalho desenvolvido pelo GT26-A foi bem acolhido, sendo pertinente promover nova reunião, apresentar novos dados, manter posição colaborativa diante da rede de controle e dela seguir esperando postura semelhante.

Jorge Terra

membro do GT26-A

15 de novembro de 2015

“Nós temos índices de violência policial e de mortalidade da juventude negra que nos envergonham”

A ATEMPA entrevistou Jorge Luis Terra que é Procurador do Estado do Rio Grande do Sul e Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito, além de ser Diretor de Direitos Humanos da APERGS, Membro do GT 26-A e Coordenador da Subcomissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS. Jorge Luis Terra falou sobre a questão étnica na Sociedade brasileira e como ela se insere na discussão dos direitos humanos.
ATEMPA: Num balanço dos últimos vinte anos do cenário étnico no país, o que tivemos
de avanço e o que ainda falta conquistar? Jorge Terra: A questão racial já estava numa situação difícil, mesmo num quadro não tão acentuado de retrocesso como parece ser este para o qual estamos nos dirigindo. Até aqueles que se diziam defensores de uma
valorização dos direitos humanos, quando chegam na questão racial, são mais lentos ou não são os parceiros dos quais nós realmente precisamos. Eu posso dar um exemplo bem claro com relação ao governo federal. Nos últimos doze anos, é dirigido por governantes que são de esquerda, que dizem ter um compromisso com uma transformação social maior e até há alguns exemplos do que já fizeram em relação à educação e à moradia. Hoje o governo federal tem quarenta ministérios ou secretarias com status de ministérios e, mesmo depois da então candidata ter dito que os negros
e as mulheres decidiriam a eleição, tu vais ver uma pessoa negra em um ministério. Essa pessoa trata de políticas de promoção de igualdade racial, ou seja, tinha que ser uma pessoa negra. E mais, em todo o segundo escalão do governo federal, há oito pessoas
negras. Portanto, uma coisa é o discurso, outra coisa é a prática. A SEPIR, criada em
2003, é uma secretaria com status de ministério que, ao meu ver, tem poucos resultados
para apresentar. Até agora não justificou sua presença. Tanto é assim que, quando foi comemorado seu aniversário, ela referiu a questão das cotas, nós sabemos que foi um movimento que começou nas universidades, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, portanto não foi uma iniciativa ou uma batalha da SEPPIR. E chegou ao extremo de levar pessoas da Rede Globo, da novela “Lado a Lado” para mostrar a ocupação dos morros do Rio de Janeiro, porque ela não tinha
produtos e resultados para mostrar.

Não sei se é de domínio público, mas está ocorrendo a reforma do Código Penal. Ali falaram de coisas bem avançadas, como eutanásia, mas quando chegou nos
crimes raciais, eles simplesmente reproduziram um texto deste código de hoje, acrescido de um texto da lei 7.716/89, lei de combate ao racismo que, ao meu ver, é tecnicamente equivocada e não atende às necessidades de hoje nem aos pactos internacionais que o Brasil assinou de combate
ao racismo. Por que ela não atende? Ela tem 22 ou 23 artigos, sendo que os 19 primeiros são para dizer:“discriminar alguém no salão de beleza ou assemelhados”, “discriminar alguém na escola ou assemelhados”…
Mesmo aqueles que não têm contato com o Direito, sabem que,no Código Penal, não está escrito“matar alguém no ônibus, pena de tanto a tanto”, “matar alguém no carro mil, pena de tanto a tanto”,“matar alguém numa camioneta, pena de tanto a tanto”. Isso pode gerar questões mais complexas, como se um médico, por exemplo, disser: “eu não atendo negros” ou “deixa este menino sangrar porque eu não atendo indígenas”, lá não está previsto em hospital. Portanto, não poderia ser enquadrado como racismo porque não
está previsto em hospital.
ATEMPA: As políticas de gestão de Estado e principalmente as correntes conservadoras têm feito uma afronta terrível aos direitos raciais nos últimos anos. Poderias comentar um
pouco sobre isso?
JT: Há um recrudescimento inegável, em vários campos, e isso vem depor contra pessoas que querem militar nas questões de igualdade racial, de sexualidade, de igualdade de
gênero, de laicidade. Isso é verdade, mas não se pode vender a imagem de que a questão da igualdade racial estava em solo confortável antes disso.
Ela era levada a reboque de uma visão muito tímida das possiblidades e das necessidades de um grupo que representa mais de 50% da nossa população. Nós temos índices de violência policial e de mortalidade da juventude negra que nos envergonham; temos números de empregabilidade e também com relação as diferenças salariais que também nos envergonham. Se tomarmos a média do salário em seis regiões metropolitanas, a média do salário do homem branco, a média do salário da mulher branca, um com o outro, e somarmos a média de salário do homem negro com a média de salário da mulher negra, aquele primeiro grupo receberá o dobro desse segundo grupo. Então, me parece necessário haver um enfrentamento desta onda que está vindo com muita força e organização e conta com o apoio midiático muito forte, consegue vender ideias, até porque são ideias calcadas no senso comum, como, por exemplo, a redução da maioridade penal, que diminuindo a maioridade penal reduziria grande parte da criminalidade. Primeiro, há de se dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar de transcorrido cerca de 25 anos, ainda não foi totalmente implementado no que tange à socioeducação. Segundo, já se têm dados da segurança pública de que os adolescentes que cometem atos infracionais, como latrocínio e homicídio, totalizam 2%. Portanto, atingir 2% não vai reduzir a criminalidade. Mas as histórias bem contadas e repetidas em horários nobres e depois exemplificadas com casos de dizer: “olha, houve um assalto, tinha um adolescente envolvido”, “houve uma morte violenta, tinha um adolescente envolvido” dão uma ideia equivocada às pessoas de que a redução da maioridade penal seria a solução, quando realmente não é.
ATEMPA: Os cortes de gastos do estado, as privatizações, na realidade afetam as classes mais baixas; qual a sua avaliação sobre a política econômica atual do Estado?
Ter acesso aos bens num sistema capitalista é algo importante. Posso falar por experiência pessoal. Muito embora tenha dois filhos, posso dizer qual foi o dia mais feliz da minha vida. E foi quando eu, no jardim de infância, pude levar dinheiro para comprar um pão cervejinha e tomar um refrigerante caçulinha, que era o que meus colegas faziam e eu nunca podia fazer. Então, ter acesso a algumas coisas para quem tem acesso não tem o mesmo valor que para quem não tem. Traz um sentimento de igualdade “eu também posso ter”. Só que, neste momento de crise econômica, os primeiros atingidos são os mais fracos. Nesse período, nós aprendemos a crescer, mas não aprendemos a dividir as vantagens desse crescimento. Poderíamos ter crescido mais em termos de nação se tivéssemos crescido mais no campo da educação. Quando eu me refiro ao artigo 26-a da LDB, vejo mais do que uma questão educacional, vejo a lei antirracista com mais possibilidade de ter eficácia, a lei anti-homofóbica com mais capacidade de ter eficácia, a lei de preconceito de gênero com mais capacidade de ter eficácia. Porque aquele que tem uma educação inclusiva vai abrir os seus olhos não só para a questão que está lhe sendo exposta, vai abrir seus olhos para outras questões. Não acredito que alguém que tenha uma educação inclusiva, como determina a lei, que é o ensino fundamental e o ensino médio, se se tornar policial vai entrar num ônibus e abordar só os negros ou abordar os negros de maneira violenta. Eu não acredito que uma pessoa que tenha uma educação inclusiva, e é bom se dizer que, quando se instituiu a lei, havia crianças que estavam entrando no primeiro ano e hoje estão acabando o ensino médio, quase toda a vida delas sem receber este conhecimento, que lá atrás não se considerava importante. Eu não acredito que se esta pessoa virar uma gestora de recursos humanos vai selecionar uma pessoa tendo um critério racial. Pode ser que ela tenha um critério racial de dizer “eu tenho que ofertar para esta pessoa um tratamento diferenciado”.
ATEMPA: Na base dos educadores ainda precisamos de muita reflexão sobre a desigualdade racial. O PME traz questões cruciais que avançam nesse sentido, mas, ao mesmo tempo, ainda existem algumas questões que não avançam. A mesma Câmara que aprovou o PME vetou o feriado de 20 de novembro como marco importante. Existe algum avanço quando conseguimos aprovar pequenos projetos afirmativos?
JT: O mesmo governo municipal que vetou o projeto de consideração do dia 20 de novembro como feriado municipal com uma alegação inaceitável – esta questão já fora discutida pelo Tribunal de Justiça em 2006, o TJ disse que ainda haveria espaço para o município ter um feriado religioso – e, neste projeto que foi vetado pelo prefeito Fortunati não havia referência somente ao 20 de novembro, tinha a questão da religiosidade, é o mesmo governo que há dias estava no Areal da Baronesa e no discurso considerava importante a questão cultural. É o mesmo governo que vai no carnaval ou no dia 2 de fevereiro e também diz que a questão cultural é importante.
Até o quanto sei, não existe nenhum secretário negro em Porto Alegre. Então, para mim, é um governo que não valoriza a questão cultural e não valoriza a ocupação de espaços de poder da comunidade negra.

Os professores agora que não são mais alunos, pelo menos não neste espaço, têm compromisso com a transformação e talvez o que falte seja compreender a importância da diversidade nos ambientes institucionais. Queria ressaltar a questão da autoestima. Uma educação que prima pela diversidade também prima pela questão da autoestima
dos alunos e, na medida em que eles têm uma autoestima maior, eles têm uma outra relação com a escola e com rendimentos melhores. O artigo 26-A da LDB tem este caráter. Na medida em que eu entro na escola e tenho uma aula como eu tive, de saber quando é que foi a imigração italiana, quando é que foi a imigração alemã, em que lugares e para que lugares vieram e saber que somente falariam da minha história para dizer que os meus parentes tinham sido escravizados e colocados numa situação de    subcidadania, talvez para algumas pessoas não tivesse efeito nenhum e para outras fosse algo tão forte que elas não aguentassem aquela pressão dentro do ambiente escolar. Quem sabe se as professoras de matemática começassem no primeiro dia falando da importância do Egito para a matemática e para a arquitetura e ao final dizer que o Egito fica na África?
ATEMPA: Como combater o racismo numa sociedade capitalista?
Muitas vezes vejo que há uma certa confusão: as pessoas confundem preconceito social com preconceito racial, ou seja, dizendo que não há preconceito racial e que na verdade
existe preconceito social. Se fosse assim, na condição de procurador do Estado, ficaria bem mais tranquilo com relação a mim e à minha família, mas não é isso que acontece. Eu ainda sou sujeito a um tratamento diferenciado, tal qual outros tantos amigos e parentes que moram em regiões periféricas de Porto Alegre, porque existe algo que se chama pré-conceito, ou seja, me avaliam antes de me conhecer. Então, essas discussões relacionando capitalismo com racismo são muito fortes em alguns partidos e em alguns segmentos de partidos de esquerda, chegando ao ponto de que alguns militantes, mesmo estando em posições de fazer algo em combate ao racismo, dizem que não há o que fazer ou que não há necessidade de fazer porque ali há simplesmente uma questão de classe. Eu poderia dar como exemplo o fato de que o Ministério da Cultura tinha milhões de reais para patrocinar ou financiar projetos culturais, mas, no meio do governo federal, não havia nenhum centavo sequer para criar ou financiar projetos de empreendedorismo negro, para capacitação para concorrer às carreiras jurídicas. E essa questão da democracia racial é um mito, um mito cultuado que é flagrado sobretudo pelos estrangeiros, porque eles vêm com a imagem de que aqui encontrarão vários negros, mas, dependendo dos lugares por onde passam, não se deparam com os negros ou, se deparam, é somente em posições subalternas. Vemos líderes políticos que vão em roda de samba, e no carnaval dizem “olha como eu sou do povão”, mas aí a pessoa diz “Tá bem. O senhor é tão preocupado com essa temática, então coloca um ministro negro”. Na Bahia, que tem 80% de negros, havia, na gestão anterior, um secretário de Estado que era negro. Na Bahia, um local de 80% da população negra, esta população não teve força, no sentido de quem define seu staff. Mas as pessoas também fazem numa visão de custo benefício: todos os candidatos a prefeito, na última eleição em Salvador, tinham um vice que era negro, porque sabem que precisam. Então, no governo anterior, mesmo tendo 80% da população, ele teve somente um secretário negro e conseguiu eleger seu sucessor, ou seja, nem aquela sociedade talvez, considere importante se ver representada naquele espaço de poder. O movimento negro está muito cooptado pelos partidos políticos, segue as pautas dos partidos políticos e, o pior, os ritmos dos movimentos políticos. Por isso, então, que cotas (ou outras iniciativas limitadas) são vendidas como o caminho máximo ou como o limite máximo de onde a gente pode chegar. Na minha área, por exemplo, na área do Direito, ter a graduação é muito pouco, só que depois que as pessoas tiveram as cotas das universidades públicas, tiveram o PROUNI elas estão por conta delas mesmas. Digamos que eu seja um cotista da UFRGS e eu queira agora fazer mestrado na própria UFRGS, eu preciso fazer uma prova de inglês, de francês, de alemão ou de italiano, uma destas quatro línguas. Se eu quiser fazer doutorado na UFRGS eu vou ter que saber duas línguas estrangeiras. Bom, mas o que isso tem a ver? Foi feito um levantamento das dissertações e das teses do Direito da UFRGS, e elas são lições, são revisões bibliográficas. Então a universidade está produzindo um tipo de conhecimento que não é relevante socialmente. Na medida em que a gente vê alunos cotistas dentro da sala de aula, sejam eles sociais ou raciais, a aula já começa a mudar. O professor diz: “todos são iguais perante a lei” e ele levanta o braço e diz: “professor, ontem, ao descer do ônibus, fui abordado pela polícia e, quando eu disse
que era aluno da UFRGS, o policial riu da minha cara. Então onde é que está esse artigo 5º que o senhor está me dizendo, no dia-a-dia das pessoas?”
As cotas são mais importantes do que melhorar a vida do Pedro, do Paulo ou do Júlio. Elas são capazes de conferir diversidade àquele ambiente e de aproximar aquele ambiente das necessidades e das vontades da rua.

FONTE: REVISTA DA ATEMPA – NOV 2015

http://atempa.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2015/10/revista_atempa.pdf (EDIÇÃO COMPLETA)

22 de agosto de 2015

DESIMPORTÂNCIA

Em decorrência ou, ao menos, precipitadas pelas manifestações ocorridas em Junho de 2.013, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais de Medicina pelo Ministério da Educação no ano de 2.014.

A aprovação supradita significa a adoção de um novo currículo e esse, na visão do Ministério, seria mais adequado aos novos tempos e às necessidades da população brasileira.

Aqui, não cabe discussão sobre o teor dessa mudança. Interessa é examinar o proceder governamental diante da análise de casos concretos e de pleitos populares. No que concerne ao currículo da Medicina, diante da insatisfação, numerosas vezes apontada, com o atendimento dispensado aos cidadãos que tentaram utilizar os serviços públicos de saúde, o Ministério da Educação, obviamente em parceria com o Ministério da Saúde, atuou da forma mencionada.

A alteração também revela a desimportância que o mesmo Ministério, o da Educação, tem conferido aos pleitos do Movimento Social Negro e da Academia quando sublinham a imprescindibilidade de se adequar os currículos de outros cursos superiores para que seja aplicada eficiente e eficazmente a norma extraível do artigo 26-A da LDB. No quadro atual, o MEC permite que milhares de profissionais saiam das Universidades pátrias sem o conhecimento indispensável para ensinar as histórias e as culturas africana, afrobrasileira e indígena nas redes privada e pública e nos níveis fundamental e médio. E mais, empregando mal seus finitos recursos orçamentários, o Ministério custeia alguns projetos de capacitação quando os ex-acadêmicos passam a trabalhar em alguma das redes públicas de ensino.

De bom alvitre destacar que o melhor momento para a transmissão dos conhecimentos supramencionados é durante a vida acadêmica e não quando já há outros encargos, inclusive pessoais, que podem dificultar o atingimento pleno da aprendizagem. Ademais, cumpre assinalar que o comprometimento com a mudança da forma de ensinar, do ambiente escolar e com a temática da igualdade racial pode se dar mais eficazmente durante a formação, sobretudo se houver integração entre as disciplinas ministradas nas Universidades.

Pertine asseverar que a ordem que se extrai do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação relaciona-se a todo currículo, ou seja, não se limita às Artes, à Literatura e à História embora admita-se que se, pelo menos, os currículos das graduações correspondentes a essas disciplinas tivessem sido modificados nos últimos doze anos, já se poderia identificar algum avanço significativo. Outrossim, assim como não se teve a autonomia universitária como óbice às modificações do currículo da Medicina, não se há nesse cenário de trazer às luzes tal justificativa para a inação.

A desimportância flagrada anda de mãos dadas com a falta de percepção de que o artigo 26-A da LDB é a lei antirracista com maior possibilidade de eficácia, pois deflagra a constituição de uma sociedade baseada no conhecimento e não no preconceito. Se isso não bastasse, ela denota o desconhecer de que o racismo e a desigualdade geram a evasão escolar, o inalcance de resultados compatíveis com os investimentos em educação, acréscimos nos gastos com indenizações, com internações, com processos judiciais, com o sistema de segurança e outros.

A sociedade não pode mais suportar o adiamento da tomada de decisões eficientes e eficazes em vários campos. No que se relaciona ao cumprimento do artigo 26-A(que não se restringe à questão educacional) , não é diferente a situação. Afastemo-nos de atos meramente simbólicos e tenhamos como diretriz a formação de uma sociedade justa, democrática e solidária ! Para tanto, um bom caminho é a formação de um grupo de trabalho com prazo improrrogável inferior a sete meses para que seja aduzido um plano, conferindo-se sistematização aos agires e definição dos objetivos, dos procedimentos e dos cronogramas. Poderiam integrar esse grupo de trabalho representações do Ministério da Educação, da Secretaria Geral da Presidência da República, da SEPPIR, das Universidades Públicas, das Universidades Privadas e do Tribunal de Contas da União, inarredavelmente, e outras entidades e pessoas que tivessem práticas replicáveis em todos os Estados da Federação.

JORGE TERRA

COORDENADOR DA REDE AFRO-GAÚCHA DE PROFISSIONAIS DO DIREITO

DIRETOR DE DIREITOS HUMANOS DA ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO/RS

MEMBRO DO GT 26-A

7 de agosto de 2015

A entrega do projeto de lei pelo TCE/RS em fotos e em vídeo

Em 05.08.2015, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, que já é o único do Brasil a se preparar para realizar auditorias no Estado e nos Municípios referente ao cumprimento do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, apresentou projeto de lei prevendo cotas raciais para pretos, pardos e indígenas em todos os seus concursos.

Esse momento importante foi captado pelas lentes de Claudir Marques Tigre. Além disso, a jornalista Anajara Godoi produziu matéria para a TV Assembleia que pode ser acessada pelo seguinte link:

http://www2.al.rs.gov.br/tvassembleia/PesquisaMat%C3%A9rias/tabid/3995/IdOrigem/1/Id_Cadastro_Video/8707/Default.aspx

foto entrega anteprojeto cotas TCE 1 foto entrega anteprojeto cotas TCE 2

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foto entrega anteprojeto cotas TCE 4

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15 de julho de 2015

Artigo 26-A da LDB e as escolas privadas gaúchas

Em sua edição número 110, a Educação em Revista do SINEPE/RS trata da aplicação da norma extraível do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases no âmbito das escolas privadas de ensino fundamental e médio gaúchas.

Para acessar a matéria da jornalista Vivian Gamba, clique no seguinte link:  LDB 15-07

26 de junho de 2015

TCE-RS promove capacitação para cumprimento da LDB sobre ensino da cultura afro-brasileira e indígena

TCE-RS promove capacitação para cumprimento da LDB sobre ensino da cultura afro-brasileira e indígena
Data de Publicação: 23/06/2015 12:18

Foto NoticiaO Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) promoveu, na tarde desta segunda-feira (22), o Seminário Instrumentos e Metodologia de Fiscalização do TCE – Art.26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O evento foi realizado no auditório Romildo Bolzan, na sede da Corte, e reuniu cerca de 300 participantes.
O objetivo do encontro era orientar secretários municipais de educação, diretores de escolas da rede municipal e agentes do controle interno sobre os eixos de fiscalização do Tribunal de Contas para o cumprimento do Art. 26-A da LDB, vigente desde 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas de níveis fundamental e médio, públicas e privadas.Segundo a norma, os conteúdos específicos devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial, nas áreas de educação artística, literatura e história brasileira. A partir de janeiro de 2016, o TCE-RS passará a fiscalizar nas auditorias in loco o cumprimento da lei.Na abertura do Seminário, o presidente do TCE-RS, conselheiro Cezar Miola, destacou a pertinência de discutir a aplicabilidade do Art.26-A da LDB. Segundo o presidente, a norma, entre outras políticas públicas, é fundamental para o desenvolvimento da educação no Estado, tendo em vista a importância de os alunos do ensino fundamental e médio terem acesso à história e à cultura afro-brasileira e indígena. Além disso, o presidente falou sobre a realização do Seminário, que tinha como proposta esclarecer como será a atuação do Tribunal de Contas na fiscalização do cumprimento da lei. “Firmes no propósito de conferir efetividade ao que dispõe o texto da LDB, objeto desse encontro, nos colocamos mais uma vez antes como parceiros em busca de resultados, mas sem nos descuidar de nossa função fiscalizadora”, ressaltou.Dando continuidade ao evento, o diretor de controle e fiscalização do TCE-RS, Leo Arno Richter, apresentou um questionário que será enviado aos responsáveis pelas unidades de controle interno dos municípios em setembro. O diretor explicou aos participantes cada uma das dez perguntas que compõem o questionário, abrindo para a participação e esclarecimento de dúvidas do público. Com base nas respostas do questionário, será elaborada uma radiografia sobre como os municípios estão atendendo às disposições do 26-A. A previsão é que o estudo seja apresentado para a sociedade em novembro. “Há muito tempo o TCE trabalha com a lógica da prevenção, do esclarecimento pedagógico de uma determinada matéria, para então vir a cobrar e, se for necessário, penalizar”, disse o diretor.Em seguida, a professora da faculdade de educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carla Meinerz, ressaltou que é a primeira vez no País que se faz uma auditoria sobre o artigo 26-A. “Estamos vivendo um momento inédito e histórico. Esse momento resulta de esforços coletivos, mas é preciso destacar a vontade política do TCE-RS de fazer essa auditoria. Mais do que uma norma, essa auditoria resulta na aposta de que a educação ainda tem um papel fundamental”, afirmou.

Na segunda parte do Seminário, foram apresentadas dois casos de Municípios que vêm implementando o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas de níveis fundamental e médio. A secretaria municipal de educação de Gramado, Denise Foss, e a coordenadora pedagógica da secretaria municipal de educação de Cachoeirinha, Paula Débora Bica, compartilharam com a plateia as ações que estão promovendo no que diz respeito ao cumprimento da lei, bem como as dificuldades que enfrentam, como a necessidade de qualificação dos professores. No caso de Gramado, o principal obstáculo é a resistência da comunidade e a falta de interesse de alguns educadores.

Desde 2013, O Tribunal de Contas faz parte do “GT26A”, grupo de trabalho formado por várias instituições públicas, como a Procuradoria-Geral do Estado e a UFRGS, e colaboradores que têm se reunido para garantir efetividade ao disposto pelo mencionado artigo da LDB nas escolas gaúchas. Em circular distribuída no último dia 31 de março a todos os prefeitos do Estado e responsáveis pelas unidades de controle interno dos municípios, a Direção de Controle e Fiscalização do TCE-RS informou que o próximo Plano Operativo de Auditorias da Corte terá o cumprimento do artigo 26-A da LDB (da Lei Federal nº 9394/96) entre os itens obrigatórios de fiscalização. Conheça os quesitos da fiscalização do TCE-RS sobre o cumprimento do artigo 26-A da LDB aqui.

fonte: Comunicação Social do TCE/RS

23 de outubro de 2014

2003, um ano para se lembrar

                                                                       2003, um ano para se lembrar

                                  No combate à desigualdade racial e ao racismo, há os que pregam que fundamental é a criação de leis, os que identificam a educação como o instrumento mais forte, os que, pragmaticamente, apontam que sem a indicação de recursos financeiros, nada se pode fazer e os que miram na institucionalidade como o meio mais adequado para o alcance satisfatório dos fins.

                                   Acredito que os ativistas gaúchos que partiam dessas premissas consideravam o ano de 2.003 como extremamente significativo e promissor, pois foi o ano da edição da Lei Federal 10.639, que criou o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, cuja redação atual decorre da alteração trazida à tona com o surgimento da Lei Federal 11.645/2.008. Isso também porque, em 2.003, houve a edição da Lei Estadual 11.901, que, em seu artigo 13, autorizava o Estado a criar o fundo estadual de reparações da Comunidade Negra e, em seu artigo 4º, determinava que todos os órgãos estaduais, por força de lei, deveriam garantir a participação do Conselho Estadual de Participação e de Desenvolvimento da Comunidade Negra(CODENE) na formulação de políticas públicas e programas voltados a esse segmento, em outros termos, obrigava ao respeito à transversalidade. Além disso, em âmbito nacional, o ano de 2.003 é o da criação da Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial, a SEPPIR.

 

                                    A verdade é que a SEPPIR, em nível nacional, e o CODENE, no solo gaúcho, no transcorrer de mais de uma década, não atingiram a força institucional necessária para a consecução de objetivos estaduais e nacionais tão relevantes. A partir disso, o trabalho transversal que deveria ter sido realizado, bem como as interações com o setor privado também não ocorreram a contento. Sem um alinhamento sistemático de programas, de projetos, de iniciativas, de recursos públicos e privados, não atingiram o Estado e o Brasil o nível civilizatório que se aguardava.

                                As leis mencionadas não tem sido cumpridas. O CODENE não tem definido diretrizes das políticas públicas voltadas à comunidade negra, tampouco sido chamado a sobre elas negociar, articular, planejar ou executar; nessa linha, obviamente, não participa da definição quanto à destinação de recursos públicos.

                                  Quanto ao artigo 26-A da LDB, sabe-se hoje, não se tinha e não se tem a dimensão exata dos efeitos que poderia gerar. À toda evidência, eles não estariam restritos ao campo educacional: ampliação do conhecimento sobre a história e a cultura negra e indígena, melhoria do desempenho escolar e diminuição da evasão escolar em decorrência do crescimento do vínculo com a escola. Certamente, gerar-se-iam efeitos sociais significativos como a reformatação da identidade brasileira, a diminuição substancial das práticas racistas nas relações sociais, nas relações de emprego, na mídia e na política, bem como a maior inserção dos segmentos não brancos nos espaços de poder e nos campos profissionais com maior remuneração.

                          O fato é que, apesar de tempo bastante para isso, não se promoveu a alteração dos currículos das graduações dos cursos superiores, permitindo-se a saída da academia de contingente de profissionais que desconhecem o que seja indispensável para o cumprimento do artigo 26-A da LDB em suas áreas de atuação. Além disso, não há Estado que tenha de forma sistêmica e ampla promovido a adequação da documentação das escolas, capacitado professores e gestores e, por via de consequência, posto a lei em prática. No Rio Grande do Sul, o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho “GT 26-A”, composto pelo Tribunal de Contas, Ministério Público de Contas, Defensoria-Pública da União/RS, Comissão de Direitos Humanos Sobral Pinto da OAB/RS, Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul, Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito, Centro de Apoio Operacional em Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, Departamento de Extensão e Desenvolvimento Social da UFRGS e Professores Convidados, permite concluir que o cenário não é diferente no que tange aos Municípios.

                               O fundo de reparações previsto na lei 11.901/2003 seria captador e repassador de recursos destinados à política de atendimento e aos programas de promoção, proteção, inclusão e reparação dos integrantes da Comunidade Negra, sendo a captação e o repasse vinculados às decisões do Conselho. Note-se, portanto, o quanto poderia ser transformador se tivesse sido concretizado.

                             Fluídos cerca de onze anos, não houve captação ou repasse. Dessa arte, reforça-se a ideia de que não há a vontade firme de destinar recursos para questões importantes para a causa negra. Isso evidencia-se quando as instituições privadas, informadas pela inexistente democracia racial e crendo que auxiliando pessoas em vulnerabilidade, contribuem para a melhoria da situação do negro brasileiro, nada endereçam para a questão. A exceção confirmadora da regra é o Fundo Baobá, que ainda engatinha, criado pela Fundação Kellogg. Outro exemplo da falta de encaminhamento de recursos para a equidade racial está no fato de, apesar do teor do artigo 40 do Estatuto da Igualdade Racial, que é de 2.010, nenhum real ter sido disponibilizado pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo do Trabalhador (CODEFAT).

                          O ano de 2.003 poderia ser um marco histórico no combate ao racismo e na melhoria socioeconômica de negros e de negras, bem como do estágio civilizatório pátrio. Porém, a série de descumprimentos de acordos e de leis, somados à ausência de uma política efetiva e organizada, conduziram-nos e mantiveram-nos em um quadro de desigualdade racial persistente e inatacada de modo eficiente e eficaz.

JORGE TERRA

COORDENADOR DA REDE AFRO-GAÚCHA DE PROFISSIONAIS DO DIREITO

21 de setembro de 2014

AUDIÊNCIA PÚBLICA “O QUE FAZER PARA REDUZIR AS BARREIRAS DE ACESSO À JUSTIÇA PARA JUVENTUDE NEGRA EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA – vídeo

AUDIÊNCIA PÚBLICA “O QUE FAZER PARA REDUZIR AS BARREIRAS DE ACESSO À JUSTIÇA PARA JUVENTUDE NEGRA EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA”

Em 17.09.2014, no Conselho Nacional do Ministério Público, em decorrência de Protocolo assinado com outras entidades, foi promovida audiência pública com o fim de se colher informações, sensações e dados atinentes às barreiras de acesso à Justiça para a juventude negra brasileira.

A Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito, a convite do Conselho Nacional de Justiça, também participou do evento, aproveitando a ocasião para apresentar a proposta de que o Curso Acredite fosse tomado como projeto piloto para se intervir na composição do sistema de Justiça.

A íntegra da audiência pública está acessível pelo seguinte link:

Jorge Terra

Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

 

11 de setembro de 2014

Audiência pública sobre barreiras de acesso à Justiça aos jovens negros será transmitida pelo YouTube

Audiência pública sobre barreiras de acesso à Justiça aos jovens negros será transmitida pelo YouTube

10/09/2014 – 10h12
Divulgação/CNJ

Audiência pública sobre barreiras de acesso à Justiça aos jovens negros será transmitida pelo YouTube

Interessados em acompanhar os depoimentos que serão apresentados durante a audiência pública “Redução de Barreiras de Acesso à Justiça para a Juventude Negra em Situação de Violência” poderão assistir ao vivo as discussões pelo canal do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no YouTube. O evento será no dia 17 de setembro a partir das 14 horas, no auditório do CNMP (Setor de Administração Federal Sul, Quadra 2, Lote 3, Edifício Adail Belmonte), em Brasília/DF.

Durante a audiência serão discutidos temas como controle externo da atividade policial, assistência jurídica para jovens negros em situação de violência, ações afirmativas no combate ao racismo institucional e garantias de direitos à juventude negra. As conclusões e os posicionamentos apresentados constarão da Ata da Audiência Pública.

Segundo dados do Ministério da Saúde, enquanto o número de brancos assassinados caiu 25,5% no período de 2002 a 2010, o número de assassinatos de jovens negros cresceu 29,8% no mesmo período. Em 2010, 76,6% dos jovens assassinatos eram negros.

A audiência pública faz parte das ações previstas em um acordo assinado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a redução das barreiras de acesso à Justiça para a juventude negra em situação de risco. O evento é promovido por: CNJ, CNMP, Ministério da Justiça, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria-Geral da Presidência da República, Secretaria Nacional da Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República, Conselho Nacional de Defensores Públicos Gerais e Conselho Federal da OAB. Todos fazem parte do acordo assinado.

Contribuições para a audiência pública, como o envio de informações e documentos, poderão ser encaminhadas até o dia 18 de setembro pelo e-mail direitosfundamentais@cnmp.mp.br. As contribuições enviadas serão anexadas à ata do evento. Mais informações podem ser solicitadas pelo mesmo e-mail ou pelo telefone (61) 3366-9501.

Clique aqui para acessar o canal do CNMP no YouTube.

Agência CNJ de Notícias

1 de dezembro de 2013

Em busca de uma pauta única para o período de 2.014 a 2.016

É consabido que a excessiva influência da política partidária tem sido nociva para o Movimento Negro. Todavia, não se identifica procedimento tendente a alterar essa situação embora ela também prejudique militantes sociais que tenham pretensões político-partidárias.
Não é incomum ver militantes sociais que têm vinculação político-partidária não conseguirem estabelecer contato com militantes vinculados às outras agremiações políticas. Aliás, não é raro essa dificuldade ocorrer em momento no qual os líderes partidários constituem estrategias comuns, coligações e diálogos.
Nesse cenário, perdem todos.
Pensa-se que caminho adequado para o segmento social referido e também para os seus integrantes que tenham interesse na construção de carreiras políticas é a definição de pauta única. Essa serviria como paradigma de exigências e de estabelecimento de estrategias.
Dessa arte, mister que, com protagonismo exclusivo do movimento social, sejam estabelecidas conversações com o fito de que seja definida pauta concernente aos anos de 2.014 a 2.016. Deixa-se aqui bem assinalado que não deve o Movimento Negro ficar subordinado a interesses de governos e de partidos, tampouco de pessoas com interesses contrários no que concerne ao desenvolvimento socioeconomico da Comunidade Negra.
Iniciando-se as tratativas supraditas, sugerem-se alguns temas para discussão.

Tema 1:

Numerosos eventos e debates são estabelecidos sobre o artigo 26-A da LDB(criado pela Lei 10.639/2003 e alterado pela Lei 11.645/2008). Sabe-se que não há Estado membro que efetivamente o cumpra e integro grupo de trabalho(que foi inclusive premiado pela AJURIS no último dia 20 de Novembro) que levantou dados, na forma de amostragem, que comprovam que também não o fazem os Municípios do Estado do Rio Grande do Sul.

Assim, penso que o Movimento deveria agir fortemente em campo que não mereceu a atenção dos interessados na aplicação da lei: o fato de o Ministério da Educação não ter alterado os currículos das graduações. Sem as alterações, profissionais aportam nas redes desconhecendo os temas necessários para a efetivação do artigo 26-A. Diante disso, os Municípios apresentam projetos ao Ministério da Educação e esse custeia a capacitação, contratando, em regra, Professores universitários. Em resumo, quando aluno, o profissional deveria ter aprendido ao longo de 5 anos; posteriormente, aprende em período menor, tendo que dar conta de outras demandas. E mais. Esse ciclo faz com que, em montante bem maior, sejam gastos recursos públicos.
E que não se diga que a autonomia universitária impede a modificação dos currículos, pois o da Medicina foi alterado esse ano, ampliando a duração do curso, e tal argumento não foi apresentado em nenhum momento. Sugiro, pois, intensa atuação no sentido da alteração dos currículos das graduações, havendo, inclusive, a formação de grupo de trabalho ou oitiva de pessoas que tenham condição técnica de sobre ele tratar e levar à produção de documento.
Outrossim, como o descumprimento se dá pela falta de fiscalização, deverão ser acionados o Tribunal de Contas da União, os Tribunais de Contas dos Estados (tendo como referência o gaúcho, pois integrante do GT 26-A), a Procuradoria-Geral da República e os Ministérios Públicos Estaduais.

Tema 2:

Não há, no Brasil, linha de financiamento para projetos voltados para equidade racial. Parte-se da superada ideia da democracia racial, entendendo-se que financiando projetos para populações vulneráveis, estar-se-á atingindo a população negra.
O importante Fundo Baobá ainda não deslanchou. Aliás, ele parte da necessidade de o movimento negro ter condição de levantar parte dos recursos, o que, transcorrido prazo razoável, não ocorreu. Note-se que, quando o tema é cultural, aparecem recursos, podendo-se dar como exemplos os editais do Ministério da Cultura e dos Correios. Todavia, já se ultrapassou a hora de os negros ocuparem lugar nos locais de decisão e de melhor remuneração como, verbi gratia, no sistema de justiça e de segurança.
O signatário, por ter projeto nessa área, que tem como parceira principal a Fundação Escola Superior do Ministério Público, já percebeu o quanto a falta de regulamentação do artigo 39 do Estatuto da Igualdade Racial e o cumprimento do artigo 40 do mesmo diploma prejudicam o encaminhamento de soluções.

Tema 3:

Está ocorrendo a reforma do Código Penal e como já dito em numerosas oportunidades, os crimes raciais não estão merecendo a devida atenção. Reunidos pela SEPPIR, advogados antirracistas apresentaram belas contribuições. Todavia, aquela entidade não as considerou por razões que não se pode comprovar, levando ao conhecimento da Comissão de Direitos Humanos do Senado, então sob o gestão do Senador Paulo Paim, sugestão excessivamente tímida e nada transformadora. A sugestão que se dá é que sejam reunidos profissionais(advogados, sociólogos, antropólogos, economistas) e que documento seja produzido para encaminhamento aos Deputados e Senadores de todos os partidos, bem como para o Ministério da Justiça.

Tema 4:

Não se acredita que basta avançar no campo da legislação se essa não for cumprida. Assim sendo, é de se lamentar a falta de regulamentação do artigo 39 do Estatuto da Igualdade Racial, impondo-se conversações diretas com a Casa Civil. A SEPPIR, pela Portaria número 79, criou comissão que apresentaria sugestão de regulamentação do Estatuto no ano de 2012. O fato é que, composta só por representantes governamentais, não nomeou representante do Ministério da Fazenda ou do Planejamento. Obviamente, não se há de falar em regulamentação relativa a incentivos fiscais sem a presença desses Ministérios.
Dessa arte, restaram sem respostas os e-mails encaminhados à SEPPIR relativos às faltas supracitadas e à ausência de regulamentação após três anos de edição do Estatuto.
Na mesma seara, está o descumprimento do artigo 40 do Estatuto, que prevê a aplicação de recursos do CODEFAT em questões raciais. Somente é prudente nesse momento dizer que o signatário esteve no CODEFAT em 22.11.2013 e obteve informação de falha da SEPPIR nesse processo, bem como de que não se vislumbra cumprimento do dispositivo legal.
O grupo a ser criado poderia apresentar valiosa e transformadora contribuição diretamente na Casa Civil e no Ministério do Trabalho.

Aguardam-se, pois, as contribuições e as críticas da militância no campo da equidade racial, pretendendo-se iniciar discussões virtuais e presenciais efetivas que permitam a construção de consensos.

Jorge Terra
Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

21 de novembro de 2013

Entrevista concedida ao Programa Cidadania da TVE/RS

Em 19.11.2013, por conta do Mês da Consciência Negra, foi possível estabelecer conversa no Programa Cidadania sobre racismo, ineficácia das leis antirracistas e outros temas correlatos. Foi possível, também, relatar sobre os esforços do GT 26-A, sendo que, por lapso, preocupado em não esquecer o nome das entidades parceiras, o signatário não referiu a APERGS (Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul como integrante.

A entrevista foi muito bem conduzida pela jornalista MARIA HELENA RUDUIT, que demonstrou interesse e conhecimento.
Para assistir a entrevista, em duas partes, basta acessar os seguintes links:

http://www.cwaclipping.net//sistema/newsletter/visualizar/materia.php?security=26a9e7184f0d.882483.2511683 (primeira parte)

http://www.cwaclipping.net/sistema/newsletter/visualizar/materia.php?security=6a6b4b92ddef.882483.2511688 (segunda parte)

Jorge Terra
Diretor de Direitos Humanos da APERGS

21 de julho de 2013

O verdadeiro parceiro critica e apresenta sugestão

A Presidência da República, em decorrência das manifestações realizadas nas ruas de numerosos Municípios brasileiros, reuniu alguns segmentos em Brasília. Até o momento, não houve notícia de que o encontro com pessoas e entidades escolhidas pela SEPPIR tenha gerado resultados concretos.
Dito isso, prossegue-se.
Não creio em sonhos. Entendo que devemos constituir objetivos e meios de os atingir.
Nesse quadro, tenho como objetivo de forma direta ou indireta estabelecer contato com quatro Ministros de Estado. Aliás, tenho para mim que parceiro útil é aquele que também apresenta críticas e, sobretudo, sugestões. Pautando-me por isso, estou sempre disposto a formar consensos com pessoas e com entidades diversificadas.
No Ministério de Justiça, pretendo apresentar crítica acompanhada do Projeto Curso Acredite, que é forma de combater a insuficiente presença de negros e de pardos no sistema de Justiça e de Segurança. O projeto supradito já está estruturado, estando vocacionado a permitir que seu público-alvo contribua para que as instituições integrantes do sistema de justiça e de segurança, no futuro, tornem-se mais competitivas e aptas a resolver questões ligadas às suas competências. O Projeto, em síntese, tem por objetivo ampliar o número de negros e de pardos no sistema já mencionado, inserindo novos valores e novas vivências nos entes e propiciando o alcance de postos de trabalho com maiores remunerações e poder.
Aproveitando o ensejo, ainda no Ministério de Justiça, aduziria análise do anteprojeto do novo código penal, demonstrando como ele, se mantido o atual texto, não alterará positivamente a situação no que concerne ao crime de racismo. Além disso, apresentaria proposta de alteração do texto do código penal, visando ao combate de um dado concreto: segundo o LAESER/UFRJ, cerca de 66% das pessoas que supostamente teriam cometido crime de natureza racial acabaram sendo absolvidas. De plano, percebe-se que não se resolve essa questão sem trabalhar na seara da tipicidade.

No Ministério do Trabalho, de forma objetiva, abordaria a inocorrência de políticas voltadas à equidade racial. Começaria por referir a inexistência de recorte racial e de gênero no Programa Jovem Aprendiz, fazendo-o reprodutor de uma realidade a ser transformada. Prosseguiria sugerindo a criação de grupo de trabalho paritário entre o Poder Público e a Sociedade Civil com o fim de estabelecer forma de cumprimento do artigo 40 do Estatuto da Igualdade da Racial. Isso porque, transcorrido prazo superior a três anos da edição dessa lei, o CODEFAT não constituiu programas, ações ou forma de financiar projetos tendentes a melhorar a situação socioeconômica de pardos e de negros brasileiros.

Já, na Casa Civil, que, por tradição, exerce função de articulação, questionaria o fato de que, se o Governo tem ciência dos dados atinentes à empregabilidade (oportunidades e salários diferentes) por que os finitos recursos públicos estão mais voltados à área cultural (mesmo sabendo que a economia criativa ou economia da cultura não tenha deslanchado) e não ao empreendedorismo, às profissões que propiciam melhores condições socioeconômicas e maiores condições de intervir nos destinos da Sociedade brasileira. Mais adiante, cuidaria de tema que pode impulsionar outros tantos: a regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial. Em especial, abordaria o fato de o Estado não estimular a responsabilidade social corporativa no enfrentamento do racismo no mercado de trabalho. Sublinhar-se-ia que o artigo 39 do diploma já mencionado prevê que seriam alcançados incentivos fiscais às empresas que tivessem políticas inclusivas. Entretanto, sem regulamentação, as empresas, espontaneamente, não desenvolvem políticas com o tom supradito. A regulamentação seria no sentido de definir qual a espécie e qual o limite do benefício fiscal, bem como a forma e o período do que se lhe vai exigir como contrapartida. Havendo a firme convicção da promoção da regulamentação, seriam consultados os Ministérios da Fazenda e do Planejamento por óbvio.

Por fim, a conversação com a maior possibilidade de ser transformadora, pois destinada à totalidade do Povo brasileiro. Sim, tratar de educação é, ao meu sentir, tratar da criação de uma nova sociedade brasileira.
Começaria por externar que o Ministério da Educação, tendo visão inclusiva, não poderia ter iniciado a execução do Programa Ciência Sem Fronteiras sem, em paralelo, ter concretizado forma de dar acesso à língua estrangeira, pelo menos, as estudantes beneficiários do sistema de cotas, do PROUNI e do FIES. E que não se diga não houve tempo para entrar em contato com os centros de línguas existentes nas universidades, pois as negociações com universidades estrangeiras não pode ter se dado em tempo inferior a dois anos.
Prosseguir-se-ia a conversa questionando-se o Ministério da Educação se é eficiente o método empregado atualmente de financiar a capacitação de Professores integrantes de redes públicas mediante a apresentação de demanda e de projeto pertinente ao artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (criado pela Lei 10.639/2003 e alterado pela Lei 11.645/2008). A LDB evidencia que o trato das histórias e das culturas negra e indígena se dará em todas as disciplinas embora haja três delas que sejam preferenciais. Não seria antieconômico aguardar que o Professor ingressasse numa rede para aí então encaminhar recursos financeiros para as Universidades o capacitarem em períodos não excedentes a um ano? O Ministério da Educação dentro no período de dez anos já fluído não deveria trabalhar no sentido da mudança dos currículos dos cursos de graduação? Obviamente, ainda haveria o contingente de Professores que saíram das Universidades antes de 2003. Para esses, evidentemente, haveria necessidade de capacitação posterior. Todavia, no sistema hoje empregado, o contingente é bem maior, os recursos necessários são maiores e as redes não são atingidas em sua integralidade.
Por fim, avançando-se seria de se perquirir se já se cogitou de reduzir eventual repasse de recursos ou alcance de oportunidades para Estados e Municípios que não comprovem ter alterado suas documentações, capacitado seus Professores e colocado em prática a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Jorge Terra
Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito

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