Jorge Terra

20 de dezembro de 2022

As Holandas diferentes entre si.

A Holanda, em 19.12.2022, por intermédio de seu Primeiro Ministro, pediu perdão pelo período de 250 anos durante os quais se beneficiou da escravização de pessoas negras.

Pedir perdão pode ser uma fase de um processo de justiça de transição. Esse pedido não é essencial no referido processo, mas é demonstração do interesse em constituir uma sociedade sobre outras bases valorizativas. No caso em comento, não se trata de um processo de justiça de transição e o pedido é objeto de críticas de pessoas e de hoje países que ainda sofrem os efeitos de período de mensuráveis ganhos econômicos auferidos por países colonizadores, por financiadores de viagens transatlânticas, de plantações nas colônias e de compras de pessoas escravizadas, bem como por traficantes e por proprietários de terras e de manufaturas. A falsa hierarquia de raças e de culturas instituída no passado continua a gerar efeitos danosos para os mesmos grupos. A crítica, portanto, está sustentada no fato de o pedido de perdão estar desacompanhado de reparação.

Há países que, diferentemente, parecem fingir que, em seu território, não ocorreu escravização, tampouco ganhos econômicos com o tráfico de pessoas, com a exploração de pessoas e de produtos como a madeira, o algodão, o açúcar ou o ouro. Há países, ainda, que fingem ter constituído um sólido e harmônico tecido social que somente seria rompido se descendentes de escravizados insistissem em invocar direitos reparatórios ou pontuar discriminações.

Há países com sólido sistema bancário que desde a origem lastreavam-se em ouro sem terem quantidade expressiva de minas desse metal. Há, ainda hoje, países sem plantações de cacau que são famosos por vender chocolates a despeito de saberem que crianças e adolescentes são escravizados em países africanos para que sejam maiores os lucros dessa cadeia produtiva.

É quase finda a década iniciada em janeiro de 2015 para gerar mudança na gestão de problemas raciais no mundo. Essa década, a dos afrodescendentes segundo a ONU, não suportaria avaliação sob qualquer aspecto, sendo perceptível que reconhecimento, justiça e desenvolvimento são promessas diariamente reprisadas. Aliás, falando-se em reprise, há ex-colônias que reprisam comportamentos das ex-metrópoles ao constituir sucessivos governos sem considerar suas demografias. Não é acidente que, na obra na qual pela vez primeira se falou em racismo institucional, a comparação foi entre o agir da metrópole em relação à colõnia quando se abordou sobre a relação entre grupos raciais dominantes e subordinados dentro de um mesmo país.

Nesse quadro, adianta haver leis ou constituição que sejam contrárias à prática vista em larga escala no mundo? Isso depende do que se considera como sendo o sentido de “adiantar” e sobre o que são ações. Sim, disposições legais ou constitucionais são relevantes, mas isoladamente podem redundar em insuficiente resultado concreto. É possível fazer melhor. É possível não lembrar de determinadas questões apenas em períodos eleitorais ou de protestos mais severos. É possível agir de forma planejada e com atenção à intergeracionalidade.

Basta de governantes se dizerem preocupados e de pouco se fazer! A eficiência e a eficácia declamadas quando se debate sobre infraestrutura, energia ou tecnologia desaparecem quando específicos temas e pessoas estão no centro do debate.

Ativistas, pesquisadores e sociedade em geral, gritem: – Peça desculpas em um genuíno processo de justiça de transição e não esqueça da importância da reparação e da possível contribuição de pessoas nunca vistas em posições de comando!

Não há tempo para retroceder, tampouco para esmorecer. Todavia, ouvir diferentes Holandas, nos dois lados do Atlântico, a se eximir e a se organizar para nada mudar, já não pode mais ser tolerado.

Jorge Terra JT

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