No que pertine à educação alcançada nas escolas públicas, há numerosos problemas a enfrentar: a qualidade e a quantidade da merenda escolar, a falta de segurança nas escolas, a falta de Professores, a falta de internet nas escolas, a situação dos prédios escolares, o descumprimento do artigo 26-A da LDBEN para citar alguns deles.
Apesar disso, há parlamentares gaúchos que dirigem seus esforços, no momento, para questionar os propósitos de estudantes adolescentes de um estabelecimento privado de Porto Alegre.
Os estudantes, no intervalo das aulas, realizaram, com a devida autorização, ato no qual propugnavam pelos direitos humanos, sentindo-os ameaçados no atual momento brasileiro. Sem proferir cânticos ou mencionar o nome de algum partido político, bradaram : nós somos a resistência!
No dia seguinte, à tarde, não se sabe dizer se cientes de que outro grupo de estudantes estava autorizado a se manifestar, alguns pais, dirigiram-se à escola não apenas para reclamar, mas também para solicitar a demissão de Professores e de Diretores. No mesmo dia, pela manhã, também no intervalo das aulas, houve a manifestação supracitada: alunos entoavam cânticos em favor de Bolsonaro e contrários ao Partido dos Trabalhadores (PT).
O fato é que a primeira manifestação foi tida como político-partidária, fruto de suposta doutrinação de Professores e de Diretores. Em contradição, pais contrários a essa manifestação procuraram parlamentares, dentre eles, um ferrenho integrante do movimento “escola sem partido” e uma integrante do movimento “armas pela vida”, que milita pelo armamento da população.
Seria prudente que, antes de se falar sobre educação no Brasil, buscasse-se ler a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Constituição. Tal iniciativa, evitaria que fossem promovidos movimentos ou apresentadas propostas ilegais ou inconstitucionais. A propósito, repete-se aqui parte das disposições constitucionais:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade.
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
Perceba-se, de plano, que o não impor limitação às manifestações referidas no início está em sintonia com o estabelecido nos artigos transcritos acima, sobretudo por ser a escola um espaço legitimado para a constituição da cidadania.
No mesmo sentido dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII – valorização do profissional da educação escolar;
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX – garantia de padrão de qualidade;
X – valorização da experiência extra-escolar;
XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII – consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
XIII – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida. (Incluído pela Lei nº 13.632, de 2018)
A lei, é bom firmar, tem que estar em sintonia com o texto constitucional. Isso porque há superioridade da Constituição Federal. Nesse sentido, lei que contrarie as disposições constitucionais é inadmissível e deve ser expurgada ( ou não admitida) do sistema.
No caso concreto, tanto a Constituição quanto a LDBEN permitem compreender a correção da diretoria da Escola ao permitir as livres manifestações estudantis e ao primar por uma educação que leva os estudantes a entender e a posicionar-se diante dos fatos da vida.
Nunca é demais referir que só há uma prioridade absoluta na Carta Magna brasileira e ela está prevista no artigo 227 da Constituição Federal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dessa arte, parlamentares, pais e demais pessoas, sob pena de responsabilização devem ter cuidado para que não sejam violados direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens, expondo-os à violência física ou de outra forma, bem como à discriminação. Se dúvida houver quanto ao dever mencionado, basta ler os seguintes dispositivos do ECA:
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Os adolescentes, embora óbvio deve ser dito, estavam a exercer direito previsto no estatuto da criança e do adolescente (ECA):
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;
V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI – participar da vida política, na forma da lei;
VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.
Assim sendo, nutre-se a esperança de que, ao menos boa parte dos pais que se dirigiram à escola pedindo mudanças de pessoas e de proposta pedagógica compreenda o quão prejudicial foi o movimento que ententaram e que a cidadania também é formada na escola.
Jorge Terra.
pai de alunos do Colégio Marista Rosário.