Jorge Terra

16 de novembro de 2013

VOTAR E SER VOTADO

VOTAR E SER VOTADO

Discute-se, nacionalmente, sobre o teor da proposta de emenda à constituição que prevê reserva de vagas para pretos e pardos na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Legislativas Municipais, ou seja, nas eleições proporcionais em todo o país.
Com esteio na PEC 116/2011, haveria eleição apartada, realizada simultaneamente à necessária para a ocupação das outras vagas. Cada eleitor teria direito a voto específico pertinente à reserva para candidatos autodeclarados pretos ou pardos. A reserva seria em porcentagem correspondente a 2/3 da população de pretos e de pardos auferida em censo demográfico e duraria por cinco legislaturas, podendo ser renovado tal sistema por igual período.
Tenta-se, pela via da construção de solução legislativa, enfrentar a baixa representatividade da comunidade negra nas casas legislativas.

Entendo que, no que concerne às demandas e à representatividade das pessoas componentes da comunidade negra, deveria ser outra a opção. Aliás, calha dizer que a proposta não aborda eleições majoritárias (para o Senado e para o Poder Executivo) e desborda do fato de que não há falta de leis, mas cumprimento efetivo delas (aqui não se precisa estender a fala sobre a falta de regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial e sobre o descumprimento do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, como exemplos). Aliás, sabe-se bem da supremacia do Executivo sobre o Legislativo em nossa pátria e do número ínfimo de Ministros de Estado e de Secretários de Estado pardos e pretos no Brasil, inclusive em São Paulo e na Bahia, onde há número expressivo de pretos e de pardos.
Em verdade, move-me mais aprender sobre os critérios de definição dos candidatos, de apoios políticos e de destinação de votos. Aliás, o Professor Doutor Edmilson Santos dos Santos, baseado em dados obtidos junto à Justiça Eleitoral, indica dificuldades de serem levadas adiante candidaturas que não fossem de homens brancos e apresentados como heterossexuais. Sublinhe-se que o Professor estava a se debruçar sobre dados de um partido de esquerda em uma capital brasileira*.
Tenho como legítimo que os segmentos concentrem interesses e esforços, bem como destinem recursos e espaços para determinadas candidaturas. Isso porque, há muito, sabe-se da importância de se viabilizar pautas e demandas nas casas de decisão política. Dessa arte, os segmentos têm estabelecido e mantido ligações e/ou representações no campo político-partidário, bem como feito emergir candidatos de seu seio.
O que impõe exame é se, no chamado movimento negro, ocorre fenômeno diferente. Em outros termos, os partidos penetram no segmento, conduzindo suas pautas, dificultando o estabelecimento de consensos e limitando o desenvolvimento de lideranças criativas e propositivas. Dessa arte, em lugar de a relação estreita com os partidos ou com políticos tidos como “defensores da causa” gerar maior influência na destinação de recursos e no estabelecimento de metas a serem atingidas pelos partidos ou pelas gestões, exsurge o controle da caminhada política do segmento.
Quando o militante social acaba priorizando o ritmo de transformações ou as prioridades eleitas pelos partidos sem que haja contrapartida para seu segmento, pode estar colaborando para que sejam perpetrados retrocessos e desarmonia. O pior é que essa atitude não é tida nos partidos políticos como a indicação de que se está diante de pessoa com ascendência sobre outras ou com habilidade especial. Ao contrário, se esse reconhecimento houvesse, poderia esse militante, ao menos, tornar-se candidato com estrutura que lhe permitisse ser competitivo. Aliás, nesse “vácuo” é que atuam pessoas não pertencentes ao segmento e que se apresentam como “defensores da causa”. Na realidade, os estranhos ao segmento, que o entendem e se solidarizam com sua causa, devem ser parceiros na execução de pautas e de estrategias definidas, com protagonismo, pelo segmento, não os vendo, com efeito, como reduto de eleitores.
O que devemos empreender é o modo de definir pautas unificadoras e tornar o movimento negro menos infenso a interesses externos. Há de se disputar nos partidos políticos, sejam de direita ou de esquerda, demandas e agendas de interesse do movimento, bem como a indicação de lideranças legítimas para funções relevantes nas estruturas partidárias e nas eventuais gestões.
Como exemplo da atual situação, grita o caso do Município de Salvador, no qual menos de 1/3 dos vereadores pertenceria à comunidade negra. Além disso, o prefeito eleito, nesse Município de maioria negra, integra partido que ajuizara ação para que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgasse inconstitucional o sistema de cotas raciais nas universidades.
Dessa arte, é de se sopesar se a sociedade brasileira para ter equilíbrio de forças entre os segmentos necessita de novas regras ou de novas posturas. Já aos militantes sociais impõe refletir para quem contribuem auxiliando em candidaturas majoritárias ou proporcionais que têm frustrado os anseios e as necessidades de seu segmento embora se apresentem como “defensores da causa”.

*http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=6&Itemid=5

Jorge Terra
Coordenador da Rede Afro-Gaúcha de Profissionais do Direito
Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS
Diretor de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado.

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