Jorge Terra

7 de maio de 2021

O hino ou o cântico

Um hino e um cântico dizem muito sobre quem os entoa, bem como sobre o que se pensa sobre outros grupos.

Quando de tudo que há para gritar em um estádio de futebol, elege-se a intolerância, evidencia-se que ela é fundante para aquele grupo, podendo ser um dos motivos de estarem constituídos como grupo. O teor do que é dito aponta quem é indesejado naquele ambiente, quem é tido como inferior ou com menos direitos na visão do grupo.

Não há adolescente que não saiba que homossexuais, que mulheres e que negros são discriminados em numerosos espaços. Não há adolescente que se surpreenda com o resultado de pesquisas relativas ao mercado de trabalho ou à segurança. Também não há políticos ou gestores privados ou públicos que desconheçam essa realidade.

A questão é o nível de compromisso com a mudança diante de um quadro de sofrimento e de injustiça.

Não há como impor ou estimular o amor. Todavia, há como impor e estimular o comportamento respeitoso e justo.

Nos campos de futebol, desconhecidos se abraçam e até choram juntos diante de um gol ou de um ato de superação individual ou coletiva. Mesmo abertos a nobres sentimentos e à momentânea fraternidade, são capazes de, a plenos pulmões, ofender racialmente ou por conta de orientação sexual ou, ainda. por questão de gênero.

A linguagem é importante e não basta se esconder na armadura de dizer não ser homofóbico, misógino ou racista. É indispensável ser antidiscriminatório.

A apatia e a indiferença são parceiras do cometimento de danos e ferrenhas inimigas das mudanças comportamentais.

O hino riograndense ofende parte da população gaúcha e sabes disso. Talvez não saibas que o hino francês, ao falar em derrame de sangue impuro, ofende parte de sua população, que entende esse trecho como alusivo à sangrenta guerra contra a Argélia. Se és brasileiro, pouco podes fazer quanto a isso.

Mas se és brasileiro e especialmente gaúcho, não te preocupa saber que há quem não goste do hino que todos nós gaúchos aprendemos, quando pequenos, em casa, nas escolas e nos estádios? Mesmo que consideres uma demasia ou que tenham te dito que a parte na qual se faz referência a “escravo” tem relação com a Grécia e que restou de uma alteração ocorrida em 1966, vendo que há quem se ofenda, não cogitas alguma mudança?

Em verdade, como símbolo de um Estado, importa o que ele transmite e o que ele é capaz de gerar nas pessoas.

Mas um hino serve para unir pessoas? Serve para enaltecer fatos históricos? Serve para lembrar dos erros do passado e da necessidade de acertarmos as contas?

Como dito, um hino diz muito sobre quem o entoa. Se, sabendo que causas dor a alguém, mas essa te é indiferente, tens muito a pensar sobre afeto, sobre coesão social e sobre nação.

Como dito, a apatia é inimiga da mudança comportamental e amiga da violação de direitos. Quem sabe participas de um movimento para que seja promovido um concurso no qual sejam apreciadas sugestões de alterações da letra sem prejuízos melódicos? Quem sabe demonstra aos gestores estaduais da cultura e do governo a tua intenção de que o hino de teu Estado seja realmente de todas as pessoas que aqui nasceram ou vivem?

Isso sim seria uma bela façanha para ser contada e cantada ao longo de muito tempo!

*escrito em 9 de agosto de 2019.

Jorge Terra

Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS.

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